A POSSIBILIDADE DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE NA HIPÓTESE DE ERRO MÉDICO PRATICADO CONTRA O CONSUMIDOR

03/09/2021 às 11:44
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE O TEMA DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE SOB O ENTENDIMENTO DO STJ.

A POSSIBILIDADE DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE NA HIPÓTESE DE ERRO MÉDICO PRATICADO CONTRA O CONSUMIDOR  

Rogério Tadeu Romano  

A denunciação da lide – chamamento de outra pessoa para responder à ação – é uma possibilidade existente no ordenamento jurídico para dar celeridade processual, quando é evidente a responsabilização de terceiro no caso de derrota na ação principal. 

A denunciação da lide é instituto próprio da ação de conhecimento em suas cinco características (declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental, executiva lato senso) .  

A denunciação da lide "consiste em chamar o terceiro (denunciado), que mantém vínculo de direito com a parte (denunciante), para vir responder pela garantia do negócio jurídico, caso o denunciante saia vencido no processo". 

Caso o pedido de intervenção do terceiro for indeferido pelo magistrado de primeiro grau em decisão interlocutória, cabe à parte interessada impugná-la por meio de agravo de instrumento. 

É uma forma de intervenção de terceiros no processo.  

Lecionou Arruda Alvim(Manual de Direito Processual Civil, volume 2, 7ª edição, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, pág. 163) que a denunciação da lide é forma reconhecida pela lei como idônea para trazer ao processo (litisdenunciado), a pedido da parte, seja ela autor ou réu, visando a eliminar eventuais ulteriores ações regressivas, nas quais o terceiro iria figurar, então, como réu. 

O direito de regresso em relação ao terceiro fica resolvido no mesmo processo. 

Veja-se que a litisdenunciação provoca uma verdadeira cumulação de ações. O denunciante perdendo a causa originária obterá a sentença no que concerne a relação jurídica perante ao denunciado, e estará, por isso, dispensado de propor nova demanda para reclamar a garantia da evicção ou a indenização de perdas e danos devida pelo denunciado. 

Num só ato judicial duas condenações serão proferidas: uma contra o denunciante e em favor do outro demandante e outra contra o denunciado em favor do denunciante, desde que este tenha ficado vencido na ação principal e que tenha ficado provada a responsabilidade do primeiro. 

Se o denunciante ficar vencedor no processo principal não haverá julgamento de mérito na demanda regressiva. Há uma verdadeira hipótese de prejudicialidade não havendo condenação em verbas sucumbenciais. 

A denunciação da lide foi acolhida pelo Código de Processo Civil de 1973, lei geral na matéria. 

Poderá ser excluída, seja por cláusula contratual(RT 588/131), seja pela expressa disposição de lei extravagante, com é o caso do artigo 13, parágrafo único, da Lei 8078, de 11 de setembro de 1990, que veda a possibilidade de denunciação da lide pelo comerciante, ressalvada a possibilidade de ajuizamento de ação de regresso autônomo, quando do término do processo, com base no Código de Defesa do Consumidor, facultado, para essa, o prosseguimento nos mesmos autos, caracterizando típico exemplo de impossibilidade jurídica. 

Acrescento que o artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor não a admite nas ações de reparação de danos oriundas das relações de consumo. 

Observo que a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa e Proteção do Consumidor), veda a possibilidade de denunciação da lide pelo comerciante (artigo 13, parágrafo único), ressalvando a possibilidade de ajuizamento de ação de regresso, facultado, para essa, o prosseguimento nos mesmos autos (artigo 88 do CDC). Trata-se de norma especial que, em conflito aparente com lei geral, vigora.  

Atualmente, a denunciação da lide não é mais uma obrigatoriedade, como constava no Código de Processo Civil de 1973. A redação do novo código, que entrou em vigor em 2016, expressamente menciona o instituto como uma possibilidade (artigo 125 do CPC 2015). 

Mesmo antes do novo CPC, a doutrina e a jurisprudência já proibiam a denunciação em certas situações – por exemplo, nas relações de consumo, entre os demandados na cadeia de fornecimento, como forma de acelerar a solução do processo e a reparação dos danos causados ao consumidor. A proibição foi positivada no Código de Defesa do Consumidor (CDC), no artigo 88

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que a denunciação da lide em processos de consumo é vedada porque poderia implicar maior dilação probatória, gerando a produção de provas talvez inúteis para o deslinde da questão principal, de interesse do consumidor. 

A jurisprudência do STJ também orienta que “a vedação à denunciação da lide estabelecida no artigo 88 do CDC não se limita à responsabilidade por fato do produto (art. 13 do CDC), sendo aplicável também nas demais hipóteses de responsabilidade por acidentes de consumo (arts. 12 e 14 do CDC)” (AgInt no AREsp 1.148.774/RS, Quarta Turma, julgado em 19/11/2019, DJe 13/12/2019; REsp 801.691/SP, Terceira Turma, julgado em 06/12/2011, DJe 15/12/2011). 

No entanto, conforme a interpretação do STJ, essa vedação foi pensada pelo legislador para beneficiar o consumidor, ou seja, deve ser invocada por ele em seu interesse, e não pelo denunciado para eximir-se de suas responsabilidades perante o denunciante. 

Acentua-se, entretanto, que no STJ no julgamento do  REsp 1.832.371 houve mudança de interpretação sobre tão importante tema envolvendo a intervenção de terceiros.  

Ali se disse:  

“Mesmo o reconhecimento da responsabilidade solidária no âmbito do Direito do Consumidor deve ser visto à luz do que dispõe o art. 14, §3º, do Código de Defesa do Consumidor, que elenca as hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor, quais sejam: prova da inexistência de defeito e culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, pressupondo a existência de nexo de causalidade. Tais circunstâncias, contudo, conforme inicialmente referido, deverão ser aferidas por ocasião do julgamento do mérito, após a produção de provas.
Daí porque, com mais razão, impõe-se a permanência do hospital no polo passivo da lide, ao menos até a conclusão da fase de instrução probatória, como, inclusive, fora decidido pelo douto magistrado de primeiro grau.
Pelo mesmo motivo, porém, tenho por imprescindível o deferimento do pedido de denunciação da lide ao médico, fazendo-se, nesse ponto específico, merecedora de reparos aquela r. decisão primeva.”  

No que tange à responsabilidade civil dos hospitais, o entendimento vigente no STJ é no sentido de que: “(i) as obrigações assumidas diretamente  pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (artigo 14, caput, do CDC); (ii) os atos técnicos praticados pelos médicos, sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital, são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar de qualquer responsabilidade (artigo 14, § 4º, do CDC); e (iii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é
responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (artigos 932 e 933 do Código Civil), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (artigo 6º, inciso VIII, do CDC)” (REsp 1.145.728/MG, Quarta Turma,
julgado em 28.06.2011, DJe de 08.09.2011; REsp 1.145.728/MG, Quarta Turma, julgado em 28/06/2011, DJe de 28/06/2011; AgInt no AREsp 1.643.326/PR, Quarta Turma, julgado em 28/09/2020, DJe de 20/10/2020; AgInt no REsp 1.793.515/RJ, Terceira Turma, julgado em 20/04/2020, DJe de 23/04/2020; REsp 1.769.520/SP, Terceira Turma, julgado em 21/05/2019, DJe de 24/05/2019).

Segundo o site do STJ, em 3 de setembro do corrente ano, nos processos em que a responsabilização solidária do hospital depender da apuração de culpa do médico em procedimento que causou danos ao paciente, é possível, excepcionalmente, a denunciação da lide pelo estabelecimento, para que o profissional passe a integrar o polo passivo da ação. 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou esse entendimento ao julgar recurso de um hospital em ação indenizatória movida por uma menor – representada por sua mãe – que teria sido vítima de erro médico em cirurgias cardíacas. 

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com base na teoria da aparência, rejeitou a alegação de ilegitimidade passiva do hospital, por entender que, para a consumidora, o vínculo entre os médicos que fizeram as cirurgias e o hospital não é relevante, importando tão somente a satisfação do seu direito de reparação. 

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

No recurso ao STJ, o hospital afirmou que não foram apontadas falhas em seus serviços, como enfermagem e hotelaria; por isso, a responsabilidade pelos danos à paciente só poderia ser imputada aos médicos, que utilizam suas instalações para operar, mas não têm vínculo com o estabelecimento. 

Ali ainda se disse:  

“Como a ação imputou ao hospital a responsabilidade por atos dos médicos que atuaram em suas dependências – eles próprios não foram incluídos no processo –, Nancy Andrighi destacou a necessidade de se apurar a existência de vínculo entre a instituição e os profissionais, bem como se houve negligência, imperícia ou imprudência na conduta médica. 

Segundo a magistrada, a discussão sobre a culpa dos médicos não serve apenas para que o hospital possa ajuizar ação de regresso contra eles (para se ressarcir de uma condenação na ação indenizatória), mas, principalmente, para fundamentar a responsabilidade do próprio hospital perante o consumidor, pois é uma condição indispensável para que o estabelecimento responda solidariamente pelos danos apontados. 

A ministra ressaltou que, para a jurisprudência, "a vedação à denunciação da lide estabelecida no artigo 88 do CDC não se limita à responsabilidade por fato do produto (artigo 13), sendo aplicável também nas demais hipóteses de responsabilidade por acidentes de consumo (artigos 12 e 14)". O que se pretende com esse entendimento, segundo a magistrada, é evitar que o consumidor seja prejudicado com a demora e a ampliação desnecessária do objeto do processo. 

No entanto, ela mencionou precedente no qual a Terceira Turma já admitiu a denunciação da lide, em caso semelhante ao do recurso em julgamento (REsp 1.216.424). 

"Em circunstâncias específicas como a destes autos, na qual se imputa ao hospital a responsabilidade objetiva por suposto ato culposo dos médicos a ele vinculados, deve ser admitida, excepcionalmente, a denunciação da lide, sobretudo com o intuito de assegurar o resultado prático da demanda, a partir do debate acerca da culpa daqueles profissionais, cuja comprovação é exigida para a satisfação da pretensão deduzida pela consumidora", concluiu a ministra.” 

Disse a ministra Nancy Andrighi naquele julgamento:  

“Segundo a jurisprudência do STJ, quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional; nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (artigos 932 e 933 do Código Civil), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a
inversão do ônus da prova (artigo 6º, inciso VIII, do CDC).” 

E concluiu:  

“Em circunstâncias específicas como a destes autos, na qual se imputa ao hospital a responsabilidade objetiva por suposto ato culposo dos médicos a ele vinculados, deve ser admitida, excepcionalmente, a denunciação da lide, sobretudo com o intuito de assegurar o resultado prático da demanda e evitar a indesejável situação de haver decisões contraditórias a respeito do mesmo fato.”

 

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O PRESENTE TEXTO SUBSTITUI ANTERIOR.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos