SUJEITO DA PROVA E AUTOR DO PROCESSO

04/09/2021 às 12:01
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE TEMA DO PROCESSO PENAL ENVOLVENDO A ATUAÇÃO DO MEMBRO DO PARQUET COMO PARTE E COMO TESTEMUNHA DIANTE DE DECISÃO DO STJ NO RHC 20.079/SP

SUJEITO DA PROVA E AUTOR DO PROCESSO

Rogério Tadeu Romano

 

Sujeito da prova é a pessoa ou coisa de quem ou de onde dimana a prova; a pessoa ou coisa que afirma ou atesta a existência do fato probando.

Por outro lado, denomina-se "autor" a parte que inicia a ação judicial.

Veja-se a posição do membro do Parquet que presenta a instituição como parte ou autor do processo e sua eventual posição de sujeito da prova, vindo como testemunha no processo.

A matéria foi suficientemente tratada pela ministra Maria Thereza de Assis Moura, no julgamento do RHC 20.079/SP, em 17/11/2009.

Retiro daquele julgamento alguns conclusões que trago abaixo.

A atuação dos membros do Ministério Público, no procedimento administrativo inquisitorial não os impede de serem testemunhas no contraditório, principalmente quando são chamados a depor sobre fatos que participaram ou tenham conhecimento, principalmente se não atuam como representantes da Justiça Pública na ação penal.

Não podem também servir como testemunha o membro do Ministério Público e o juiz que oficiaram no inquérito policial ou na própria ação penal, pois essa posição é incompatível com a de parte ou julgador (arts. 252, II, 258 e 564, I, do CPP e 405, 2º, III, do CPC). (MIRABETE, Julio Frabbrini. 18 ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2006).

Também não podem depor como testemunha o membro do Ministério Público e o juiz que oficiaram no inquérito policial ou na própria ação penal (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008)

Existe incompatibilidade, não incapacidade, quando qualidade funcional ou pessoal impede a prestação do depoimento, como ocorre com o juiz, o representante do Ministério Público, o defensor, o perito ou intérprete, no processo em que funcionaram. (AQUINO, José Carlos Gonçalves Xavier de; NALINI, José Renato. Manual de Processo Penal. 3 ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009).

A parte processual, por certo, não pode ser testemunha no processo.

PROCESSO PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPEDIMENTO. NULIDADE. É IRRITO O DEPOIMENTO DO ÓRGAO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, QUE, APÓS TER EXERCIDO FUNÇAO PRÓPRIA DO PARQUET NO INQUÉRITO POLICIAL, VEM A SERVIR COMO TESTEMUNHA NA FASE JUDICIAL , ESTENDENDO-SE A NULIDADE A SENTENÇA DE PRONUNCIA QUE NELE SE BASEOU, PARA ARREDAR ALEGAÇAO ESSENCIAL DA DEFESA, SEGUNDO O PRINCIPIO DE CAUSALIDADE. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA CUJA BASE ESTA NA SEPARAÇAO DAS FUNÇÕES NO PROCESSO . APLICAÇAO DOS ARTS. 252, II, E 258, DO CPP. RECURSO NAO CONHECIDO. (REsp 5502/SP, Relator MIN. COSTA LEITE, DJ 28/09/1992)

Convém transcrever trecho do primoroso voto-vista do Ministro Vicente Cernicchiaro, como bem disse a ministra Maria Thereza de Assis Moura, naquele julgamento:

“(...)

A atuação de cada sujeito tem contornos definidos na Constituição da República.

O sujeito da imputação não se confunde com o sujeito do julgamento. O Ministério Público não pode lavrar a sentença como é vedado ao juiz oferecer a denúncia.

Decorre daí, cada sujeito tem atuação limitada. Não pode, então, praticar os atos próprios do outro.

Se assim é quanto ao Juiz e ao Ministério Público, dedução lógica impõe esta conclusão: os sujeitos no processo não podem atuar como se fossem sujeitos do processo. Além disso, a recíproca também é verdadeira - o sujeito do processo não pode agir como sujeito no processo.

Em outras palavras: o juiz e o agente do Ministério Público não podem ser perito ou testemunha. Como o perito e a testemunha não podem ser juiz ou agente do Ministério Público.”

A ilação resulta também do princípio da verdade real, que só alcança sua finalidade, caso os protagonistas do processos sejam imparciais.

A imparcialidade aqui é tomada no sentido jurídico, ou seja, não estar comprometido com a atuação de cada sujeito no processo. Decorrência desta colocação é que o Juiz, o Promotor Público, como pessoa, enquanto não sujeito do processo, podem ser sujeitos no processo. Ilustrativamente, atuar como perito ou testemunha. No instante, porém, que pratiquem ato de ofício, comprometem-se como sujeito do processo, vedado, então, comparecer como sujeito no processo.

(...)

Essa norma deriva do princípio de que o juiz e o órgão do Ministério Público que atuam funcionalmente no processo penal restam impedidos de serem sujeitos de prova.”

O Supremo Tribunal Federal, em 30.04.96, no julgamento do HC nº 73425-1, também examinou o tema, prevalecendo, porém, o entendimento de inexistência de nulidade. Veja-se a ementa do acórdão:

EMENTA: "HABEAS-CORPUS". ALEGAÇAO DE NULIDADE DE DEPOIMENTO PRESTADO POR PROMOTOR DE JUSTIÇA QUE PARTICIPOU, NA POLÍCIA, DO ATO DA PRISÃO EM FLAGRANTE: INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA PROCESSUAL COMPROMETIDO PELO EXCESSO DE TESTEMUNHA DA ACUSAÇAO: INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO. SENTENÇA FUNDAMENTADA EM OUTROS ELEMENTOS DA PROVA: IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NO WRIT.

1. O Membro do Ministério Público Estadual que assiste a lavratura do auto de prisão em flagrante, convidado pela autoridade policial para assegurar a legalidade do ato, não está impedido de prestar depoimento, na fase da instrução penal, reportando-se aos fatos que ouviu quando dos depoimentos prestados na fase investigatória .

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2. Se a jurisprudência do STF já assentou que não configura impedimento de Promotor de Justiça, que acompanhou inquérito policial, para em seguida oferecer denúncia (RHC 61.110, DJ de 26.08.83 e HC 60.364, DJ de 13.05.83), com muito mais razão e propriedade poderá prestar depoimento do que antes presenciara, se outro foi o Promotor de Justiça que firmara a peça acusatória.

3. Inaplicabilidade, no caso, da norma contida no artigo 252 do CPP que diz respeito às hipóteses em que o juiz não poderá exercer a jurisdição.

4. Se o juiz ouviu uma testemunha a mais além do limite para a acusação do que para a defesa, mas a essa facultou que também o fizesse, precluindo o direito, não pode alegar posteriormente cerceamento de defesa, se inclusive não emprestou qualquer valia ao depoimento deduzido pela testemunha excedente. Violação do princípio isonômico que não se caracterizou.

5. Sentença que se funda no conjunto probatório e não apenas no depoimento contraditado, para se avaliar que peso teve no convencimento do juiz, traduz-se em revolvimento probatório, circunstância que torna imprestável e inviável a via estrita do "habeas corpus". "Habeas corpus" que se conhece, mas a que se nega deferimento. (HC 73425/PR, Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ 18/06/2001)

No entanto, o Ministro Março Aurélio Mello divergiu. Disse em seu voto:

(...) Um membro do Ministério Público foi convidado a presenciar a lavratura do flagrante e subscreveu essa peça como integrante do órgão; subscreveu essa peça embrionária da ação penal, como Estado-acusador. Posteriormente, não estando mais a atuar na Comarca, funcionando um outro promotor público, foi arrolado como testemunha. Poderia ele, promotor que participara do inquérito, vir a testemunhar contra os acusados na ação decorrente desse mesmo inquérito?

Não há precedente na Corte sobre a matéria. Uma coisa é o promotor atuando na própria função que lhe é reservada por lei, tendo em conta a qualificação que possui; ele pode, evidentemente, acompanhar o flagrante e, depois, apresentar a inicial da ação penal, a denúncia. O que me parece impossível é agasalhar-se essa participação tão antagônica, que é a concernente ao acompanhamento de um processo, embora administrativo e inquisitório e, posteriormente, atuar na ação penal, que se mostre fruto desse inquérito, como testemunha.

(...)

Realmente se o membro do Ministério Publico acompanha o procedimento administrativo inquisitório de investigação e, posteriormente, atua na ação penal, por obvio, não pode vir ao processo como testemunha.

Disse bem a ministra Maria Thereza de Assis Moura ao concluir:

“Não é possível ao membro do Ministério Público, que nessa condição atuou na fase inquisitorial, ser ouvido como testemunha em juízo, por absoluta incompatibilidade. É nítida a confusão feita entre os papéis de parte processual e testemunha (sujeito de provas), tornando-se evidente a nulidade absoluta dos depoimentos prestados em juízo pelos Promotores de Justiça que exerceram suas funções no inquérito policial, ainda que tenham se limitado a acompanhar o interrogatório do recorrente.”

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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