Questão interessante é saber qual o foro competente nos delitos, porventura, cometidos por membro do Ministério Público.
Na matéria já decidiu o STF:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. PETIÇÃO. INQUÉRITO. DESMEMBRAMENTO. REMESSA AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. PROCURADOR DA REPÚBLICA. COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FORO. PEDIDO DE ENVIO DOS AUTOS AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1º REGIÃO. COMPETÊNCIA PELO LUGAR DOS FATOS. AGRAVO DESPROVIDO. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. COMPETÊNCIA RATIONE LOCI. REMESSA DETERMINADA AO TRF DA 1ª REGIÃO. PRISÃO PREVENTIVA. MOTIVOS. NÃO SUBSISTÊNCIA. RELAXAMENTO. IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA PELA TURMA EM RAZÃO DO EMPATE. EXTENSÃO A CORRÉU NA MESMA SITUAÇÃO. I – Nos termos do art. 108, I, da Constituição, compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar, originariamente, os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Com base nesse dispositivo, que traz hipótese de competência por prerrogativa de foro, o relator original, Ministro Edson Fachin, determinou a remessa dos autos ao TRF3. II – Ocorre que, diversamente dos juízes federais, os procuradores da república não estão vinculados necessariamente a um dos Tribunais Regionais Federais. Na época dos fatos, o requerente Ângelo Goulart Villela atuava como Procurador da República exclusivamente no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. III – Assim, aquele tribunal regional é o competente para julgá-lo em razão da competência ratione loci, que deve ser conjugada com a competência por prerrogativa de foro. Ademais, há de se ter em conta o princípio da ampla defesa, do qual decorre ser mais benéfico ao Procurador defender-se no local onde reside, tem domicílio e exerce ou exercia as suas funções. IV – Não há notícia de que o requerente esteja afetando de qualquer maneira a ordem pública, a ordem econômica, interferindo na instrução criminal ou obstando a aplicação da lei penal. V – Não mais subsistem, portanto, as razões para manutenção da prisão preventiva. VI – Ordem concedida, em razão do empate, para fixar a competência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para julgar o requerente, bem como para revogar sua prisão preventiva, impondo-lhe, com fundamento no art. 319 do Código de Processo Penal, medidas cautelares diversas da prisão. VII – Extensão da medida a corréu, presente semelhante contexto fático e jurídico.
(Pet 7063, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 01/08/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-2018).
Ali ficou assentado que o mesmo tratamento dado aos juízes federais no tema deve ser conferido aos membros do Ministério Público e aos advogados, tendo em vista que o vocábulo “jurisdição”, do texto constitucional, deve ser entendido também como “atribuição”. Assim, o procurador da República precisa ser julgado pelo TRF em cuja área exerce suas atribuições, sob pena de ofensa ao princípio do juiz natural. Além disso, o Colegiado destacou o art. 70 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual o foro para julgar quaisquer crimes se processa segundo o critério “ratione loci”.
A matéria mereceu diverso tratamento em julgado recente do STJ.
Segundo o que informou o site do STJ, com base na jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o foro por prerrogativa de função, a Terceira Seção declarou a competência do Tribunal de Justiça para julgar membro do Ministério Público da respectiva unidade federativa pela suposta prática de crime comum não relacionado com o cargo.
O conflito de competência havia sido instalado entre o TJ do estado onde o promotor atua e o juízo de primeiro grau do estado onde teria ocorrido o crime. De acordo com o tribunal estadual, tendo em vista o julgamento do STF na Ação Penal 937 e o princípio da simetria, a competência deveria permanecer com o juízo do local dos fatos, pois a infração penal apurada é de natureza comum e não tem qualquer relação com o cargo da pessoa investigada.
Relator do conflito no STJ, o ministro Joel Ilan Paciornik explicou que o STF, de fato, restringiu sua competência para julgar membros do Congresso Nacional apenas nas hipóteses de crimes praticados no exercício e em razão da função pública. Entretanto, o ministro ponderou que, na decisão, o STF analisou apenas o foro por prerrogativa de função dos ocupantes de cargos eletivos.
O STF por meio de questão de ordem na Ação Penal 937, decidiu que: 1) a prerrogativa de foro se limita aos crimes cometidos no exercício do cargo e em razão dele; 2) a jurisdição do STF se perpetua caso tenha havido o encerramento da instrução processual – leia-se: intimação das partes para apresentação das derradeiras alegações – antes da extinção do mandato.
Em seu voto, o min. Luís Roberto Barroso sustentou que o sistema do foro por prerrogativa até então adotado, que admitia toda e qualquer infração penal cometida pelo parlamentar, mesmo antes da investidura no cargo, era altamente disfuncional, muitas vezes impedindo a efetividade da justiça criminal, o que acabava criando situações de impunidade que contrariavam princípios constitucionais como equidade, moralidade e probidade administrativa, abalando portanto valores republicanos estruturais.
Com essa extensão, o foro por prerrogativa de função não encontra correspondência no direito comparado e nem mesmo no Brasil, cuja ordem constitucional estabelecia, nos primórdios, rol muito pequeno de autoridades julgadas pelo então Supremo Tribunal de Justiça. Ao longo dos processos constitucionais originários por que passou o Brasil é que a prerrogativa foi sendo ampliada até chegar ao modelo atual. Somando-se ao extenso rol de autoridades uma interpretação extensiva a respeito dos crimes abrangidos pela prerrogativa, chegou-se inevitavelmente à baixa efetividade da prestação jurisdicional penal no âmbito da mais alta corte de justiça.
Também se estabeleceu que, uma vez publicado o despacho para que as partes apresentem suas manifestações finais (art. 11 da Lei nº 8.038/90), a competência do STF deve ser prorrogada para que sejam preservadas a efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional. Isso evita inclusive manobras processuais como a ocorrida na Ação Penal 396, no curso da qual, prestes a ser julgado, o parlamentar renunciou ao mandato para deslocar o processo para a primeira instância. Naquele caso específico, o pleno do Supremo decidiu pela ineficácia da renúncia diante – nas palavras da ministra Cármen Lúcia – de uma “fraude processual inaceitável”. Estabelecida a perpetuatio jurisdictionis, evitam-se de uma vez por todas manobras da mesma natureza.
O STJ já aplicou o precedente para afastar o foro por prerrogativa de governador que estava sendo processado, perante aquela corte, por delito cometido antes da diplomação no cargo (AP 866, j. 07/05/2018). O ministro Luis Felipe Salomão fez referência, inicialmente, ao voto do ministro Barroso no STF, segundo o qual não há impedimento a que a corte constitucional faça interpretação restritiva dos dispositivos que contemplam a prerrogativa de foro. E, em razão da orientação adotada a respeito da extensão da prerrogativa, há de ser observado o princípio da simetria, pois, segundo o art. 25, caput, da CF, “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. O princípio, segundo ressaltou o ministro Salomão, deve balizar a interpretação de todas as regras que envolvam o pacto federativo, como aquelas que dispõem sobre as prerrogativas dos governadores.
Correta, pois, o entendimento acima traçado pelo STJ, seguindo a orientação do ministro Joel Ilan Paciornik, em simetria com o STF, de modo a considerar a competência da Justiça Comum Estadual para instruir e julgar crime comum que venha a ser praticado por membro do Parquet federal e que não seja relacionado com o cargo.