RESUMO: O objeto do presente artigo cinge-se na análise da criminalidade organizada em sua perspectiva macro, no pressuposto de que o crime organizado na atualidade – para além da sistemática definida na Lei nº 12.850/2013 – destina-se precipuamente à prática além-fronteira e concomitante de infrações penais de elevada danosidade social, como o narcotráfico e o tráfico internacional de armas de fogo. Busca-se identificar os pontos de contenção na jurisdição nacional e internacional, haja vista que as organizações criminosas transcendem as fronteiras do Estado em sua finalidade prevalecente de obtenção de proveito econômico ilícito, pelo que faz-se necessário compreender os instrumentos da cooperação jurídica internacional em matéria penal e das equipes conjuntas de investigação como formas de otimização do sistema de persecução penal.
Palavras-chave: Organizações Criminosas, Criminalidade Transnacional, Investigação Interestatal, Persecução Penal.
INTRODUÇÃO
A finalidade da presente pesquisa centra-se em analisar a denominada macrocriminalidade organizada ou macro-organização das infrações penais em sua perspectiva transnacional, trazendo ao contexto os instrumentos da cooperação jurídica internacional em matéria penal e das equipes conjuntas de investigação, dois mecanismos de grande relevância na atualidade.
Para tanto, parte-se do princípio, ou seja, da compreensão da concepção de crime organizado no território nacional à transnacionalidade das condutas, haja vista que as organizações criminosas muito raramente permanecem tão somente atreladas ao território de origem, pelo fato de que o proveito econômico objetivado em operações transnacionais tende a ser maximizado.
A questão torna-se ainda mais problemática quando as organizações criminosas destinam-se à prática além-fronteira de delitos, haja vista que os rastros – provas – das condutas praticadas são de difícil detecção pelos instrumentos internos de investigações, razão pela qual faz-se necessário identificar e consolidar os pontos de contenção na jurisdição nacional e internacional, de forma que haja cooperação entre diferentes jurisdições de diferentes países.
É, em tal contexto, que releva a compreensão e utilização da cooperação jurídica internacional em matéria penal e das equipes conjuntas de investigação como instrumentos de investigação e persecução penal em face da denominada macrocriminalidade organizada.
Deste modo, parte-se da evolução conceitual e recrudescimento das organizações criminosas à instrumentalização no ordenamento jurídico brasileiro conferida pela Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.
Somado a isso, no âmbito da contenção à criminalidade transfronteiriça, tem-se a denominada Convenção de Palermo, ou Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada no Brasil por intermédio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, importante tratado que auxilia a legislação interna no que se refere ao crime organizado além-fronteira.
Demais disso, o objeto específico do presente texto, quanto à contenção da macrocriminalidade organizada, cinge-se na utilização da cooperação jurídica internacional em matéria penal, que carece, até o presente momento, de uma legislação própria hábil a tratar do tema, buscando alicerces especialmente no Código de Processo Penal, e das chamadas equipes conjuntas de investigação, que recentemente encontraram amparo por meio do Decreto nº 10.452, de 10 de agosto de 2020, que promulgou internamente o texto do Acordo Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação.
Com vistas a esse objetivo, faz-se aqui o uso de pesquisa teórica e revisão bibliográfica dos institutos, a partir de fontes doutrinárias, textos legais, convencionais e demais referências acerca do tema proposto, utilizando-se o método dialético nesta pesquisa, cujo pano de fundo são temáticas de caráter doutrinário e legal, propugnando-se pela compreensão e instrumentalização dos mecanismos da cooperação jurídica internacional e das equipes conjuntas de investigação como formas de otimização dos sistemas de investigação e persecução penal no território nacional.
1. DA CRIMINALIDADE PROTOTÍPICA À CRIMINALIDADE PROTEICA
A assertiva inicial de NICEFORO, na obra La Transformación Del Delito en la Sociedad Moderna, de 1902, de que “o crime não morre: transforma-se” (1902, p. 03) encaixa-se à perfeição no objeto deste estudo, haja vista que, ainda com respaldo do referido autor, “a civilização moderna, como qualquer outra civilização, não reprime o mal: transforma-o” (1902, p. 03/04).
A moderna macrocriminalidade pressupõe, à evidência, a evolução a partir dos denominados crimes prototípicos, primitivos e originários, que restringiam-se aos crimes, por assim dizer, comuns, configurados no homicídio, no furto, na agressão física e sexual. Na atualidade, na qual permeia os mesmos crimes prototípicos de outrora, houve uma latente transformação: os delitos adquiriram um caráter proteico, multiforme, poliforme, tal como, por exemplo, constata-se nos crimes financeiros, econômicos, cibernéticos e organizados.
ZAFFARONI e OLIVEIRA (2010, p. 87) asseveram que “o organized crime como tentativa de categorização é um fenômeno do século passado”, de forma que “é absolutamente inútil procurar o crime organizado na Antiguidade, na Idade Média, na Ásia ou na China, na pirataria etc”. E concluem os citados autores que: “Quem fala do crime organizado, não está se referindo a qualquer pluralidade de agentes nem a qualquer associação ilícita, senão a um fenômeno distinto, que é inconcebível no mundo pré-capitalista”.
De acordo com CASTANHEIRA (2010, p. 892), também fundada em ZAFFARONI, aduz que:
Sobressaem-se na criminalidade organizada duas características, quais sejam, a estrutura empresarial e a atividade voltada para o mercado ilícito. As origens do “crime organizado”, desta forma, não podem ser buscas no mundo pré-capitalista e, portanto, não estão em nenhuma outra forma de associação delitiva existente ao longo da história da humanidade, até o início deste século.
Em verdade, a evolução das sociedades industriais revolucionou a microcriminalidade até então predominante. Consoante ZAFFARONI e OLIVEIRA (2010, p. 86), “no século passado, e na Europa, particularmente depois da Comuna de Paris, produziu-se uma considerável literatura acerca do delito das multidões, dando lugar a várias valorações das multidões e da responsabilidade de seus líderes ou condutores”.
Neste prisma, “vinculado à proibição de sindicalização dos trabalhadores, generalizou-se o conceito jurídico-penal de associação ilícita ou associação de malfeitores para delinquir” (ZAFFARONI; OLIVEIRA, 2010, p. 87), conceito esse que, embora não seja propriamente referente às organizações criminosas tal como hoje são conhecidas, pode ser tido como o embrião para sua concepção.
Constata-se, conforme anota CASTANHEIRA (2010, p. 883), que “o desenvolvimento científico e tecnológico transformou profundamente as relações sociais”, afetando de forma direta as relações econômicas, transformando o modo de agir do mercado e das empresas transnacionais, questões intimamente relacionadas à atuação das organizações criminosas.
Nessa linha de pensar, nota-se que há íntima ligação entre o advento da globalização/capitalismo e o surgimento das cadeias criminosas organizadas e subsistematizadas, incrementando-se especialmente após o surgimento das denominadas “máfias”, especificamente na Itália e no Japão (LIMA, 2020, p. 767). Diz-se incremento porque já se via uma conformação simultânea da prática de diversos delitos, tais como o contrabando, a extorsão, o tráfico de drogas, a lavagem de capitais, os jogos de azar, a prostituição e o tráfico de pessoas, cuja finalidade era – e continua sendo – a obtenção de ganhos financeiros.
PRADO e CASTRO (2010, p. 927) conformam que:
A criminalidade organizada, amplamente considerada, não está ligada apenas à criminalidade econômica em sentido estrito, mas manifesta-se também nas atividades políticas (nos esquemas de corrupção), no terrorismo, no tráfico de drogas e de pessoas, etc. As formas de manifestação desse tipo de criminalidade sofrem variações também no espaço em que se desenvolvem, nas realidades nacionais em que atuam. Na Itália, por exemplo, a criminalidade organizada é comumente identificada com a máfia ou outras organizações similares; em Portugal, está associada aos crimes contra o mercado financeiro; na Alemanha caracteriza-se basicamente pela lavagem de dinheiro e corrupção, enquanto na Espanha possui uma identidade mais acentuada com o terrorismo.
Dessa rápida análise se verifica que o caráter proteico que assumiu a criminalidade moderna implicou claramente na transformação porque passou as organizações criminosas, atingindo estas um tal nível de complexidade – em muito decorrente da atuação intrincada e subdividida internamente e da conjuntura de diversas infrações penais – que não mais se restringem ao âmbito de um só Estado, espraiando-se por diversos territórios, com fins fundamentalmente econômicos. Surge, a partir daí, a necessidade de utilização de mecanismos mais hábeis à conformação probatória e persecutória transnacional.
2. COMPONENTE ESTRUTURAL EXTERNO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA: A QUESTÃO ALÉM-FRONTEIRA OU TRANSNACIONAL DAS CONDUTAS
A ideia acima analisada acerca do caráter proteico da moderna criminalidade atualmente ostenta aquilo que JESUS (2010, p. 918/919) denominou de “componente estrutural externo, transnacional ou globalizado da delinquência organizada”. A dimensão macro que atingiu o crime organizado – especialmente no Brasil – deve-se basicamente à sua capacidade de ir além-fronteira, o que problematiza o processo investigatório e persecutório. Eis porque faz-se necessário o implemento de pontos de conexão entre diferentes jurisdições estatais.
Fincadas essas premissas, JESUS (2010, p. 919) assevera que, para além das manifestações criminológicas que tradicionalmente afetam uma comunidade, há a face externa da Política Criminal moderna, que é a denominada de transnacional ou globalizada. Isso porque o problema do crime organizado atinge âmbitos mais amplos e genéricos, “quase obrigando seu estudo sob uma ótica de integração supranacional (ou visão externa da questão)”.
Bem analisadas as circunstâncias, a transnacionalidade das condutas relativas ao crime organizado implicou na crescente adoção de exceções ao princípio da territorialidade (JESUS, 2010, p. 919).
Deve-se sustentar, ainda, que as exceções previstas no art. 7º do Código Penal, referentes à extraterritorialidade, não são suficientes quando se trata de condutas transnacionais organizadas. Disso decorre, adentrando na temática de fundo e de acordo com JESUS (2010, p. 919), que:
O exame dos mecanismos atuais de cooperação internacional revela que não é mais viável conceber uma “concepção estática de ordenamentos jurídicos”, nem tampouco manter a exclusividade da resposta penal em mãos de um único Estado. Pelo contrário, percebe-se uma verdadeira tendência (principalmente nos países de Direito escrito) em “relativizar o princípio da territorialidade” em favor do chamado “princípio de justiça universal”, introduzindo mudanças consideráveis em temas como da extradição e da dupla jurisdição penal.
A ideia aqui apresentada revela que a prática concomitante de diversas e distintas infrações penais de elevada danosidade social no território de diferentes Estados – o que convencionou-se chamar de macrocriminalidade organizada – exige a aplicação de avançados mecanismos de captura de provas e de persecução penal. Não se afigura possível proceder uma diligente investigação num dado território quando há indicativos da presença de outras provas correlacionadas em outros territórios, sem que haja cooperação entre Estados.
Neste sentido, ainda com apoio em JESUS (2010, p. 921),
a dissociação produzida entre a execução material do delito e o resultado (que pode ocorrer em separado, tanto no espaço como no tempo) são fatores que exigem modelos unificados de resposta penal. O preenchimento de “lacunas legais internacionais” é sensivelmente potencializado se o tipo de delito em questão tem o perfil de delinquência organizada.
Em termos sumários, dois e úteis são os instrumentos dispostos a fim de conceber uma concepção dinâmica entre os ordenamentos jurídicos com vistas à investigação e persecução penal das infrações penais que constituem a ideia macro da criminalidade organizada: a cooperação jurídica internacional em matéria penal e as equipes conjuntas de investigação. Antes de adentrar no ponto principal, porém, aborda-se as linhas interpenetrantes acerca dos dois principais diplomas nacional e internacional que tratam da contenção às organizações criminosas.
3. SISTEMÁTICA E INTERPENETRAÇÃO DA LEI Nº 12.850/2013 E DA CONVENÇÃO DE PALERMO: A PRESENÇA DO ELEMENTO “COOPERAÇÃO” NOS ÂMBITOS NACIONAL E INTERNACIONAL
A Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013 – que revogou a antiga Lei nº 9.034/1995 –, promulgada no Brasil e que definiu organização criminosa, bem como dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, foi o passo definitivo para a implementação interna de um sistema de investigação e persecução penal condizente com o estado atual do crime organizado.
Antes do advento interno da referida Lei nº 12.850/2013, contudo, houve a aprovação internacional, pela Assembleia-Geral da ONU em 15 de novembro de 2000, da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, tendo sido promulgada no Brasil em 12 de março de 2004, por meio do Decreto nº 5.015.
Em verdade, a Convenção de Palermo é tão somente um dos diplomas internacionais ratificados pelo Brasil cuja finalidade principal é reprimir a criminalidade organizada. Assim, deve-se ter em mente que há a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena), promulgada pelo Decreto nº 154, de 26 de julho de 1991; e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), promulgada pelo Decreto nº 6.587, de 31 de janeiro de 2006.
Mas é certo que a Convenção de Palermo é o diploma cujo eixo de aplicação “consiste em promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional”, conforme consta de seu artigo 1º, que trata do objetivo da Convenção em questão.
Por outro lado, sabe-se que já houve uma intensa discussão doutrinária – por exemplo, relacionada à problemática da tipificação penal específica (PRADO; CASTRO, 2010, p. 942/954) – e jurisprudencial acerca da definição e aplicação do conceito de organização criminosa, consoante já teve oportunidade de decidir o Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº 108.715/RJ, bem como no Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 121.835/PE.
Neste brevíssimo texto, entretanto, não é o espaço adequado para tratar do tema, a não ser de forma didática, a fim de diferenciar os conceitos nos âmbitos interno e internacional.
Levando isso em consideração, veja-se a definição extraída da Convenção de Palermo no que diz respeito à concepção de “grupo criminoso organizado”:
grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.
Já a Lei nº 12.850/2013 trata do tema da seguinte forma:
Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Percebe-se dos textos que há expressa menção à transnacionalidade das condutas no art. 1º, §1º, da Lei nº 12.850/2013, o que não ocorre na Convenção de Palermo, mas da mesma forma deve-se entender, por se tratar de uma convenção de abrangência internacional.
Especificamente no que tange à interpenetração entre os dois diplomas, bem como acerca da cooperação internacional para a produção de provas atinentes ao crime organizado, a Lei nº 12.850/2013 trata da questão em somente um momento, no art. 9º, que versa acerca da ação controlada, verbis:
Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.
Em que pese haja essa única previsão na Lei nº 12.850/2013 pertinente ao assunto em debate, há de ser louvada, visto que a ação controlada é um dos principais meios de prova dispostos no citado diploma, cuidando-se de uma “importante técnica de investigação” (LIMA, 2020, p. 834), sendo certo que a cooperação das autoridades dos países que figuram como provável itinerário ou destino do investigado constitui elemento essencial para a produção e confirmação da prova relativa à autoria e materialidade delitivas, um dos grandes problemas quando se trata de criminalidade transnacional.
Dito isso, na Convenção de Palermo o elemento “cooperação” é uma constante, tanto que seu art. 1º já deixa evidente a promoção da cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional.
O mesmo elemento está expresso na Convenção em seu art. 1º, alínea “b”, art. 1º, item 4, art. 7º, art. 13, item 9, art. 16, item 5, alíneas “a” e “b”, e item 10, art. 18, item 13, art. 26, art. 27, art. 29 e art. 30. Não é demais dizer que tais dispositivos – conforme ressai da própria Convenção – devem respeito pelos princípios da igualdade soberana e da integridade territorial dos Estados, bem como da não-ingerência nos assuntos internos de outros Estados.
A esse respeito, o art. 7º do tratado em comento determina que:
Os Estados Partes diligenciarão no sentido de desenvolver e promover a cooperação à escala mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as autoridades judiciais, os organismos de detecção e repressão e as autoridades de regulamentação financeira, a fim de combater a lavagem de dinheiro.
No art. 16, item 10, relacionado ao procedimento de extradição no âmbito da Convenção, conforma-se no seguinte sentido:
Um Estado Parte em cujo território se encontre o presumível autor da infração, se não extraditar esta pessoa a título de uma infração à qual se aplica o presente Artigo pelo único motivo de se tratar de um seu cidadão, deverá, a pedido do Estado Parte requerente da extradição, submeter o caso, sem demora excessiva, às suas autoridades competentes para efeitos de procedimento judicial. Estas autoridades tomarão a sua decisão e seguirão os trâmites do processo da mesma forma que em relação a qualquer outra infração grave, à luz do direito interno deste Estado Parte. Os Estados Partes interessados cooperarão entre si, nomeadamente em matéria processual e probatória, para assegurar a eficácia dos referidos atos judiciais.
Disso decorre que a cooperação judiciária internacional é um dos mecanismos dispostos aos Estados-partes da Convenção com o intuito de que sejam procedidas investigações, processos e outros atos judiciais relativos às infrações penais que materializam a noção de macrocriminalidade organizada.
É o que justapõe PRADO e CASTRO (2010, p. 929):
No plano jurídico, em que o implemento das mudanças necessárias deve seguir um procedimento mais complexo, as ações positivas de combate à criminalidade organizada desenvolvem-se, basicamente, em duas direções: (a) endurecimento da legislação penal, compreendendo tanto a agravação das penas quanto alterações na legislação processual com a vistas a facilitar a persecução; (b) reforço da cooperação policial e judicial em nível internacional por meio de convênios firmados entre diferentes países.
Mesmo que não haja uma previsão interna específica a respeito do assunto – tal como não há na Lei nº 12.850/2013 – é relevante e necessário à Polícia Judiciária e ao Poder Judiciário locais, assim como ao órgão do Ministério Público, aplicar tais disposições convencionais, por intermédio de sua Autoridade Central, que tem “a responsabilidade e o poder de receber pedidos de cooperação judiciária e, quer de os executar, quer de os transmitir às autoridades competentes para execução” (art. 18, item 13, Convenção de Palermo), pois já formalmente internalizadas no Brasil, não havendo óbices quanto à sua implementação.
4. INSTRUMENTOS DE CONTENÇÃO À MACROCRIMINALIDADE ORGANIZADA: COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL E EQUIPES CONJUNTAS DE INVESTIGAÇÃO
Apresentado o panorama geral da matéria, eis que é chegado o momento de tratar do ponto-chave do presente artigo: a utilização da cooperação jurídica internacional em matéria penal e das equipes conjuntas de investigação como mecanismos de contenção à macrocriminalidade organizada. Desta feita, estes dois instrumentos serão aqui analisados de forma separada a fim de propiciar melhor compreensão no que diz respeito ao objeto deste estudo.
4.1. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
Com apoio em ARAS (2019, p. 423), a legislação brasileira acerca da cooperação jurídica internacional é lacunosa. Observa-se que o Código de Processo Penal trata do tema entre os arts. 780 e 790, que dispõe sobre as “Relações Jurisdicionais com Autoridade Estrangeira”; o vigente Código de Processo Civil, ao estabelecer normas sobre cartas rogatórias e auxílio direto, traz expressamente no Título II, Capítulo II, a nomenclatura “Da Cooperação Internacional”, que pode ter interesse no âmbito processual penal. ARAS também atesta que a Lei nº 13.445/2017, a denominada Lei de Migração, trouxe nova disciplina para a extradição e regulou a transferência da execução e a transferência de pessoas condenadas. Não obstante, “ainda não há uma verdadeira lei de regência para a assistência jurídica mútua em matéria penal” (ARAS, 2019, p. 423).
Prosseguindo neste contexto, sobre a definição de cooperação jurídica internacional em matéria penal, ABADE (2013, p. 27) afere que:
consiste no conjunto de medidas e mecanismos pelos quais órgãos competentes dos Estados solicitam e prestam auxílio recíproco para realizar, em seu território, atos pré-processuais ou processuais que interessem à jurisdição estrangeira na esfera criminal.
Na essência, de acordo com ABADE, “a cooperação jurídica internacional em matéria penal consagra um conjunto de regras que rege a facilitação do direito de acesso à justiça penal, por meio da colaboração entre Estados”.
Esta necessidade de implementação e aplicação da cooperação jurídica internacional em matéria penal com relação às organizações criminosas se faz adequada e urgente tanto pelo fato de que a Lei nº 12.850/2013 não dispõe sobre a matéria, quanto pelo motivo de que “as fronteiras políticas dos Estados limitam o seu exercício de jurisdição penal e tornam, muitas vezes, impossível valer a lei penal ou processual penal nos eventos transfronteiriços” (ABADE, 2013, p. 31).
No plano da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional há expressa menção à utilização da cooperação jurídica internacional como forma de prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional. Não havendo normatização interna sobre o assunto, aqui está, então, a fonte primária para transpor as fronteiras políticas entre Estados na tratativa investigatória e processual do tema.
A doutrina especializada constata que “há vários instrumentos para viabilizar a cooperação internacional em matéria penal, no interesse de uma investigação criminal ou do processo penal” (ARAS, 2019, p. 425). Pode-se dizer que a cooperação jurídica internacional em matéria penal é o gênero, do qual são espécies as cartas rogatórias, auxílio direto, extradição, homologação de sentenças estrangeiras, transferências de pessoas condenadas e transferência de processos penais, que são alguns dos institutos utilizados em cooperação judiciária internacional, não havendo aqui a pretensão de esgotar e elucidar especificamente cada qual, pela premência do espaço.
Mercê desse raciocínio, a Convenção de Palermo trata da extradição, da transferência de pessoas condenadas e da transferência de processos penais em seus arts. 16, 17 e 21, os dois primeiros institutos previstos internamente na Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), de aplicação não relacionada à criminalidade organizada. Veja-se as disposições convencionais:
Artigo 16.1. Extradição. O presente Artigo aplica-se às infrações abrangidas pela presente Convenção ou nos casos em que um grupo criminoso organizado esteja implicado numa infração prevista nas alíneas a) ou b) do parágrafo 1 do Artigo 3 e em que a pessoa que é objeto do pedido de extradição se encontre no Estado Parte requerido, desde que a infração pela qual é pedida a extradição seja punível pelo direito interno do Estado Parte requerente e do Estado Parte requerido.
Artigo 17. Transferências de pessoas condenadas. Os Estados Partes poderão considerar a celebração de acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais relativos à transferência para o seu território de pessoas condenadas a penas de prisão ou outras penas de privação de liberdade devido a infrações previstas na presente Convenção, para que aí possam cumprir o resto da pena.
Artigo 21. Transferências de processos penais. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de transferirem mutuamente os processos relativos a uma infração prevista na presente Convenção, nos casos em que esta transferência seja considerada necessária no interesse da boa administração da justiça e, em especial, quando estejam envolvidas várias jurisdições, a fim de centralizar a instrução dos processos.
Ao dispor sobre a assistência judiciária recíproca, a Convenção de Palermo estabelece as balizas essenciais para que os Estados-partes prestem reciprocamente toda a assistência judiciária possível nas investigações, nos processos e em outros atos judiciais relativos às infrações previstas na Convenção, bem como prestarão reciprocamente uma assistência similar quando o Estado-parte requerente tiver motivos razoáveis para suspeitar de que a infração é de caráter transnacional, inclusive quando as vítimas, as testemunhas, o produto, os instrumentos ou os elementos de prova destas infrações se encontrem no Estado-parte requerido e nelas esteja implicado um grupo criminoso organizado (art. 18. 1. Assistência judiciária recíproca).
Não por menos, o art. 18, item 2, da Convenção de Palermo, explicita que:
Será prestada toda a cooperação judiciária possível, tanto quanto o permitam as leis, tratados, acordos e protocolos pertinentes do Estado Parte requerido, no âmbito de investigações, processos e outros atos judiciais relativos a infrações pelas quais possa ser considerada responsável uma pessoa coletiva no Estado Parte requerente, em conformidade com o Artigo 10 da presente Convenção.
Via de consequência, é notório que o mecanismo da cooperação jurídica internacional em matéria penal constitui um dos principais – senão o principal – meio de prevenção e repressão à criminalidade organizada transnacional, “na sua perspectiva probatória ou em sua feição utilitária à persecução penal” (ARAS, 2019, p. 424).
Tanto assim que o art. 18, item 3, da Convenção de Palermo, determina que a cooperação judiciária prestada pode ser solicitada para os seguintes efeitos: a) Recolher testemunhos ou depoimentos; b) Notificar atos judiciais; c) Efetuar buscas, apreensões e embargos; d) Examinar objetos e locais; e) Fornecer informações, elementos de prova e pareceres de peritos; f) Fornecer originais ou cópias certificadas de documentos e processos pertinentes, incluindo documentos administrativos, bancários, financeiros ou comerciais e documentos de empresas; g) Identificar ou localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para fins probatórios; h) Facilitar o comparecimento voluntário de pessoas no Estado Parte requerente; i) Prestar qualquer outro tipo de assistência compatível com o direito interno do Estado Parte requerido.
Fora do eixo da Convenção de Palermo, há também os instrumentos das cartas rogatórias e do auxílio direto. Segundo ABADE (2013, p. 309), a carta rogatória consiste em instrumento de assistência jurídica pelo qual se solicita a atuação de outra jurisdição para dar, em geral, cumprimento a ato referente ao bom desenvolvimento de um processo cível ou criminal.
A Carta Rogatória, assim, veicula pedidos de assistência jurídica, que, na área criminal, podem consistir de atos relativos à fase pré-processual (investigação penal), à fase citatória ou ainda à fase probatória de um processo criminal. A carta rogatória pode, ainda, conter atos de cunho cautelar, extremamente comuns no processo penal, como o arresto e sequestro de bens (ABADE, 2013, p. 310).
No que importa ao auxílio direto, na esteira de ARAS (2019, p. 441/442), tal instrumento não precisa passar pelo juízo de delibação – exequatur – do Superior Tribunal de Justiça, diferente do que ocorre com as cartas rogatórias passivas. Trata-se de instrumento no qual os atos requeridos não dependem de intervenção judicial, como o fornecimento de antecedentes policiais, ou a localização de pessoa (a chamada cooperação administrativa) ou ainda inquirições, assim como outros atos que devam ser submetidos a um juízo mais profundo de justa causa.
Enquanto as cartas rogatórias encontram guarida no Livro V do Código de Processo Penal, que dispõe acerca “Das Relações Jurisdicionais com Autoridade Estrangeira”, precisamente entre os arts. 780 a 786, “o procedimento do ‘auxílio direito’ não está regulado em lei processual penal” (ARAS, 2019, p. 444). De acordo com o referido autor, “consta da Portaria Interministerial MJ/MRE 501/2012, do Regimento Interno do STJ e do Regimento Interno da PGR e de tratados internacionais”.
Em desfecho, não restam dúvidas, portanto, no que concerne ao direito probatório, à investigação criminal e à persecução penal em Juízo, na tratativa dos casos relacionados à macrocriminalidade organizada de caráter transnacional, que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional é, ainda, o texto-base para atingir-se tal finalidade, somada às disposições do Código de Processo Penal e da legislação infraconstitucional interna, sem as quais não há que se falar em facilitação do direito de acesso à justiça penal.
4.2. EQUIPES CONJUNTAS DE INVESTIGAÇÃO
No contexto interno, a primeira vez que a temática que envolve as equipes conjuntas de investigação obteve respaldo legal foi por meio da Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016, que dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas. Sua previsão está contida no art. 5º, inciso III:
Art. 5º. A repressão ao tráfico de pessoas dar-se-á por meio:
[...]
III - da formação de equipes conjuntas de investigação.
Em que pese não haja uma concepção legal sobre o tema na referida Lei nº 13.344/2016, o legislador ordinário demonstrou a boa intenção em acolher o instituto, dando mostras de que as equipes conjuntas de investigação podem ser utilizadas como forma de repressão a um gravíssimo delito que guarda estreita relação com a macrocriminalidade organizada: o tráfico nacional e transnacional de pessoas.
As equipes conjuntas de investigação (ECI) podem ser concebidas como mais uma modalidade de cooperação jurídica internacional e, durante os últimos anos, vem se apresentando como tema de interesse das instituições e autoridades brasileiras que lidam com investigação e persecução de crimes com repercussão extraterritorial (GIACOMET JÚNIOR, Fevereiro 2019).
Como bem esclarece a Secretária de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal (Informativo SCI, nº 11/2019):
Dentre os vários instrumentos de cooperação previstos no plano internacional, a Equipe Conjunta de Investigação (ECI) é considerada um dos mais importantes e há uma grande disposição na sua criação por parte das autoridades públicas encarregadas da luta contra a criminalidade transnacional organizada.
Constituída por membros de Ministérios Públicos e autoridades policiais de dois ou mais Estados, uma Equipe Conjunta de Investigação (ECI) tem por objetivo realizar a investigação e a persecução de crimes transnacionais complexos, em um ou em todos os países que a compõe. A criação de uma ECI é possível a partir da celebração de Acordo internacional entre as instituições envolvidas (Informativo SCI, nº 11/2019).
Desse ponto de vista, ainda com supedâneo no informe da Secretária de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal:
As ECIs permitem a implementação de técnicas de persecução mais eficazes para identificar, investigar e julgar os membros das organizações criminosas transnacionais. Os usos mais comuns desta forma de cooperação são no âmbito do narcotráfico, tráfico de pessoas, corrupção, lavagem de dinheiro, terrorismo, contrabando de armas e crimes cibernéticos. Todos os membros de uma ECI podem utilizar as informações e documentações obtidas, desde que estejam dentro do marco das finalidades da investigação, bem como dentro dos parâmetros estabelecidos de sigilo e confidencialidade. O escopo e objetivos de sua criação, assim como demais critérios da operação, são definidos no texto do acordo, que também estabelece os limites da sua atuação; podendo as suas finalidades serem ampliadas em caso de os fatos revelados colaborarem para investigar delitos conexos. O Acordo estabelecerá o tempo de duração da ECI, assim como as maneiras de prolongá-lo, se necessário. Também esclarecerá as funções e responsabilidades de cada agente estatal que integrará a equipe, para que o trabalho possa ser coordenado com eficácia e pleno respeito à legalidade. Ademais, o texto do acordo poderá dispor sobre outros aspectos relevantes, tais como: o funcionamento e coordenação da ECI, as restrições no uso das informações e a proteção dos dados, as despesas, entre outros. Essas equipes podem ser formadas em qualquer fase da persecução penal. Em função do princípio da soberania e independência do Estado no plano internacional, compete à legislação interna de cada país determinar quais são os órgãos dotados de poder investigatório. Assim, a formação das ECIs não se limita às polícias, devendo ser compostas inclusive por procuradores ou promotores e, quando for o caso, por juízes dotados de poderes investigatórios (Informativo SCI, nº 11/2019).
Em verdade, na observação de GIACOMET JÚNIOR (Fevereiro 2019) apesar dos diversos acordos internacionais sobre assistência jurídica em matéria penal – tanto bilaterais como multilaterais – já ratificados e em vigor no Brasil, o tema específico sobre equipes conjuntas de investigação ainda vem esbarrando na insuficiência de instrumentos legais que viabilizem, por completo, essa forma de cooperação no ordenamento jurídico brasileiro.
Há de se retornar, neste ponto, ao texto da Convenção de Palermo que, também e de forma inovadora, já no ano 2000, tratou expressamente das equipes conjuntas de investigação em seu art. 19:
Artigo 19. Investigações conjuntas. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais em virtude dos quais, com respeito a matérias que sejam objeto de investigação, processos ou ações judiciais em um ou mais Estados, as autoridades competentes possam estabelecer órgãos mistos de investigação. Na ausência de tais acordos ou protocolos, poderá ser decidida casuisticamente a realização de investigações conjuntas. Os Estados Partes envolvidos agirão de modo a que a soberania do Estado Parte em cujo território decorra a investigação seja plenamente respeitada.
Isso permite constatar que, em tendo sido já internalizada formalmente por intermédio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, já havia possibilidade firmada no âmbito internacional para que o Brasil – Estado-parte da Convenção de Palermo – utilizasse da sistemática das equipes conjuntas de investigação por seus órgãos de investigação e persecução penal com outros Estados-partes da mesma Convenção para reprimir a criminalidade organizada transnacional.
ARAS (2020) informa que a primeira utilização do instrumento pelo Brasil deu-se com a ECI/Condor, formalizada em 2014 pelos Ministérios Públicos do Brasil e da Argentina, para a investigação de um caso relacionado à Justiça de Transição. Houve também a implementação efetiva de tal técnica investigatória transnacional em duas oportunidades com o Paraguai, no ano de 2018, sobre tráfico humano em detrimento das comunidades indígenas guaranis na fronteira dos dois países. E, no ano de 2020, firmou-se outra Equipe Conjunta de Investigação com a Itália, para apuração de tráfico internacional de drogas envolvendo a atuação da organização criminosa Ndrangheta no Brasil.
De acordo com a Secretária de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal, atualmente, há 8 (oito) pedidos de criação de ECIs sob acompanhamento na Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República, havendo um enorme empenho do Ministério Público Federal, junto à Autoridade Central brasileira e às contrapartes estrangeiras, para a criação das ECIs nos casos concretos (Informativo SCI, nº 11/2019).
Nesse particular aspecto, o reforço a tal situação veio com a promulgação interna do Acordo Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação, o que se deu pelo Decreto nº 10.452, de 10 de agosto de 2020.
Sendo coerente a ideia de que grande parte do fluxo transfonteiriço das organizações criminosas que operam no Brasil dá-se com relação aos países limítrofes e próximos na América do Sul, o citado Acordo Quadro certamente preencherá uma lacuna relevante acerca do assunto, o que está bem delineado em seu art. 1º:
Artigo 1º. As autoridades competentes de uma Parte, que estiverem a cargo de uma investigação penal, poderão solicitar a criação de uma Equipe Conjunta de Investigação às autoridades competentes de outra Parte, quando essa investigação tiver por objeto condutas delituosas que por suas características exijam a atuação coordenada de mais de uma Parte.
Na atual quadra, na qual “criminosos desconhecem fronteiras” (ARAS, 2019, p. 424), incumbe às autoridades competentes dos Estados-partes do Acordo Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação propor ou admitir a formação de uma ECI, o que deve ocorrer por meio de suas autoridades centrais.
É o que prevê o art. 5º do Acordo Quadro:
Formalizada a solicitação pela Autoridade Competente da Parte Requerente, ela a remeterá a sua Autoridade Central. A Autoridade Central analisará se a solicitação reúne as condições estabelecidas no presente Acordo e, nesse caso, encaminhará o pedido à Autoridade Central da Parte Requerida.
No Brasil, o papel de autoridade central é desempenhado, em relação a maioria dos países, pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça. A autoridade competente pode ser o Ministério Público Federal, a Polícia Federal ou outro órgão investigativo brasileiro (Informativo SCI, nº 11/2019).
A autoridade central é um órgão técnico, responsável pela intermediação de pedidos e esclarecimentos no âmbito da cooperação internacional em matéria civil e penal. Assim, a autoridade central não se manifesta sobre o mérito dos pedidos de cooperação, competindo-lhe apenas verificar a adequação formal dos pedidos e encaminhá-los aos órgãos competentes pela execução da medida requerida. A autoridade central não solicita ou requer medida de cooperação, pois não detém legitimidade processual para isso. Não lhe cabe interferir ou opor obstáculos às medidas de cooperação ou realizar qualquer ato de cooperação que não seja a prestação de informações sobre a legislação de cada Estado. Por isso, os Estados, buscando uma maior celeridade e efetividade na prestação jurisdicional, tem dado cada vez mais preferência ao emprego de modalidades que impliquem na redução ou eliminação dessa figura intermediária, como é o caso do auxílio direto realizado diretamente entre as autoridades competentes para a cooperação (Informativo SCI, nº 11/2019).
Vislumbra-se do exposto que as equipes conjuntas de investigação podem atuar nos territórios dos países signatários do Acordo Quadro e, em regra, consoante ARAS (2020), a prova colhida pelos investigadores pode ser validada (legalizada) para todos os fins, inclusive para persecução criminal em juízo, independentemente de outras formalidades exigidas nas vias ordinárias de cooperação internacional.
CONCLUSÃO
A concepção de organizações criminosas hoje já não se satisfaz somente com as disposições previstas na Lei nº 12.850/2013, especialmente quando se fala em criminalidade além-fronteira. É preciso dar atenção às disposições convencionais dispostas em tratados internacionais firmados pelo Brasil para fins de se obter um sistema investigativo e persecutório penal mais coerente com a resposta a ser dada a um fenômeno de tão acentuada gravidade.
O que aqui se objetivou, primordialmente, foi propugnar pela utilização mais expansiva dos instrumentos da cooperação jurídica internacional em matéria penal – abrangendo suas espécies – e das equipes conjuntas de investigação como formas de prevenção e repressão à macrocriminalidade organizada.
É notório que o fenômeno das organizações criminosas constitui uma das mais intrincadas causas de revitalização da criminalidade na atualidade, isso porque a forma pela qual opera uma organização criminosa regularmente abrange a prática de diversas e complexas condutas delituosas em diversos e distintos Estados, o que finda por implicar no sistema de persecução penal.
Demostrou-se que há mecanismos disponíveis aos órgãos internos de investigação e persecução penal hábeis a conter o impulso generalizador do crime organizado, que se perfaz por intermédio de delitos que afetam sobremaneira a estabilidade das instituições.
Fechando a problemática, na tratativa investigatória e persecutória da criminalidade organizada transnacional, para além das disposições da Lei nº 12.850/2013, os órgãos internos competentes, tais como as Polícias Judiciárias Civil e Federal e os Ministérios Públicos Estadual e Federal hão de abrir os olhos especialmente para a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e para o Acordo Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação, ambos internalizados no Brasil e cujos textos não deixam dúvidas acerca da aplicação eficaz da cooperação jurídica internacional em matéria penal e das equipes conjuntas de investigação.
REFERÊNCIAS
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