RESUMO
O artigo abaixo tem por objetivo discutir o evento das empresas que atuam em Plataformas Digitais em suas relações com os empregados/cadastrados. A discussão baseia-se na evidência de vínculos empregatícios entre as partes e em como a Justiça tem lidado com essas questões, quando tornam-se ações em juízo.
Palavras Chave: Plataformas Digitais, Trabalhadores Autônomos, Vínculo Empregatício.
1. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Em meio ao caos econômico evidenciado e agravado pela pandemia de COVID19, notamos o crescimento da busca por tipos de trabalho informais ou autônomos, que podem ser uma opção diante do desemprego ou mesmo uma fonte de renda adicional para a família/indivíduo. Com a inflação em disparada e o poder de compra cada vez menor faz-se necessário buscar novos meios de subsistência. É nesse cenário que a discussão já existente sobre serviços prestados por meio de plataformas digitais e a existência de vínculo empregatício, tem se intensificado.
Com o impacto da pandemia tais serviços, como delivery de quaisquer tipos de produtos, tornaram-se imprescindíveis e indispensáveis, já que as pessoas deveriam evitar sair de casa a todo o custo. A demanda de entregadores foi imensa, assim como o aumento da carga horária desses trabalhadores e o risco que estes corriam, com prazos cada vez mais curtos e número de entregas cada vez maiores. A discussão sobre possíveis vínculos empregatícios estende-se à classe focada em entregas, à motoristas de aplicativos e à todo formato de trabalho supostamente apenas intermediado por Plataformas Digitais.
Para que façamos uma análise da existência ou não de um vínculo empregatício, em primeiro lugar, precisamos entender melhor o que o configura. De acordo com o art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho “considera-se empregado toda e qualquer pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (DECRETO-LEI 5452/43, 1943 apud MAZARÃO, 2015).
Segundo Mazarão (2015) podemos entender que o vínculo empregatício está caracterizado na presença das situações descritas a seguir: o serviço tem de ser prestado por uma pessoa física e deve existir pessoalidade, ou seja, somente aquela pessoa específica poderá prestar o serviço contratado. Já a não eventualidade pede que o trabalho seja realizado de forma habitual, continuamente, mas não determina prazo específico para sua ocorrência, desse modo, sua frequência pode ser diária, semanal ou até mesmo mensal. A subordinação implica em estar sujeito às ordens daquele que emprega, ordens tais que podem se referir ao serviço ou ao horário de trabalho, por exemplo. O último requisito refere-se à onerosidade, nesse caso os serviços prestados terão de ser remunerados.
Conforme considerado inicialmente, nos últimos anos houve um grande crescimento de empresas prestando serviços em Plataformas Digitais, como a Uber, por exemplo. Tais empresas oferecem diferentes serviços, cobrando valores mais acessíveis. Para os prestadores de serviço cadastrados em suas plataformas oferecem um tipo de trabalho flexível, com possibilidade de escolha de horários e suposta autonomia, explorando o sonho de ser o próprio chefe. No entanto, a realidade não tem se mostrado dessa forma, afinal há um crescente número de cadastrados que demonstram insatisfação com as condições de trabalho proporcionadas por tais plataformas (TOSTES et al, 2021).
Tais trabalhadores seguem seu ofício sem vínculo algum com a empresa, o que não fornece nenhum tipo de segurança em caso de doença, acidente ou qualquer imprevisto. Destaque-se também a inexistência de renda fixa ou benefícios, além disso, a margem de lucro tem sido cada vez menor (TOSTES et al, 2021), ainda mais com a constante alta no valor do combustível.
Reivindicando melhores condições, estes trabalhadores têm realizado diversas manifestações públicas, em busca de uma legislação voltada para esse grupo e que proteja seus direitos profissionais. Essas reivindicações têm resultado em disputas judiciais polêmicas, não só no Brasil mas em outros países, onde essas empresas também possuem presença consolidada. No entanto, diversos países europeus obtiveram decisões favoráveis ao trabalhador, porém, o Brasil segue na contramão destes, considerando a maioria dos casos contra tais empresas como improcedentes (TOSTES et al, 2021). Mesmo assim, existem várias iniciativas no país, visando a regulamentação dessa categoria, como os projetos de lei a seguir:
PL 3748/2020: o projeto estipula um valor por hora trabalhada, que não pode ser inferior ao piso da categoria ou ao salário mínimo, e incorpora à remuneração total do trabalhador um pagamento proporcional de férias e décimo-terceiro salário. Fonte: Agência Câmara de Notícias;
PL 3597/2020: prevê a contratação de seguro contra acidentes e doenças contagiosas, pela empresa, em benefício do empregado, além do fornecimento de EPIs. Tais despesas não poderão ser descontadas dos valores devidos aos profissionais. Fonte: Agência Câmara de Notícias;
PL 3577/2020: acrescenta um longo trecho à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para tratar exclusivamente dos empregados que prestam serviços de entrega de mercadorias por meio de aplicativos. Fonte: Agência Câmara de Notícias. (PL3577/2020 apud TOSTES et al, 2021)
Sobre o reconhecimento de vínculo empregatício nesses casos, segundo Chaves Júnior (2017 apud Castro et al, 2021), a subordinação entre trabalhador e a plataforma digital fica evidente quando o primeiro, mesmo com um contrato de trabalho autônomo, deve aderir às atividades da empresa, mantendo-se à disposição, sem que terceiros possam atender a esta, já que o mesmo foi contratado para desenvolver a atividade não o resultado. Além disso, de acordo com Delgado (2006 apud Castro et al, 2021), a subordinação pode ser entendida quando o trabalhador está inserido na dinâmica estrutural e no funcionamento da empresa, recebendo ordens diretas ou não. Por outro lado, o autônomo atua como seu próprio patrão, assume os riscos de seu negócio, decide como realiza suas atividades e como utiliza seus equipamentos. Possui liberdade para escolher dia e hora de trabalho e também para fixar seu preço Correia (2018 apud Castro et al, 2021). Sobre este último item, é de conhecimentos geral que os valores de corridas, bem como de entregas são fixados pelas próprias plataformas, estas também escolhem o veículo a ser utilizado e aplicam penalidades, caso o trabalhador cometa alguma irregularidade. Desse modo, o trabalhador acaba sendo inserido no modelo de atividade da empresa, tornando-se um colaborador da mesma, fazendo parte de um mesmo time que visa aumentar a produção de seu empregador, o que pode configurar vínculo empregatício (Castro et al, 2021).
Concluindo este ponto, podemos considerar os artigos 2º e 3° da Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário (Consolidação das Leis do Trabalho apud Castro et al, 2021).
Em nosso país, o que percebemos nas empresas que atuam em Plataformas Digitais é que estas solicitam serviços específicos, onde motoristas só podem atuar nessa atividade, entregadores também. Suas informações pessoais são divulgadas ao consumidor final ao realizarem um serviço, buscando qualidade e segurança para o cliente, no entanto, trazendo uma cobrança enorme da empresa sobre o trabalhador e configurando presença de subordinação. Sendo assim, faz-se necessário que esses trabalhadores busquem formas de validar seus direitos e já encontramos algumas decisões judiciais que atenderam os pedidos dos mesmos, considerando-os procedentes e acatando-os, mesmo que em parte (Castro et al, 2021). Abaixo temos um exemplo:
AÇÃO PROPOSTA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RECURSO DO AUTOR. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE ART. 9º, 442 DA CLT E RECOMENDAÇÃO 198 DA OIT. VÍNCULO DE EMPREGO. PRESENÇA DOS ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS CONTIDOS NOS ART. 2º, 3º e 6º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT. SUBORDINAÇÃO E CONTROLE POR PROGRAMAÇÃO ALGORÍTMICA. CONFIGURAÇÃO. A tão falada modernidade das relações através das plataformas digitais, defendida por muitos como um sistema colaborativo formado por "empreendedores de si mesmo", tem ocasionado, em verdade, um retrocesso social e precarização das relações de trabalho. Nada obstante o caráter inovador da tecnologia, o trabalho on demand através de aplicativo tem se apresentado como um "museu de grandes novidades": negativa de vínculo de emprego, informalidade, jornadas exaustivas, baixa remuneração e supressão de direitos trabalhistas como férias e décimo terceiro salário. Comprovando-se nos autos que o autor, pessoa física e motorista da UBER, plataforma de trabalho sob demanda que utiliza a tecnologia da informação para prestação de serviços de transporte, laborava em favor desta com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, seguindo diretrizes de controle algorítmico e padrão de funcionamento do serviço, impõe-se o reconhecimento do vínculo de emprego pleiteado com o pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias a ele inerentes. HORAS EXTRAS. ATIVIDADE EXTERNA. POSSIBILIDADE DE CONTROLE TELEMÁTICO. COMPROVAÇÃO. ADICIONAIS DEVIDOS. Embora se reconheça que o motorista de UBER tem certa autonomia para se pautar no seu cotidiano e distribuição do trabalho, a empresa, por outro lado, tem total possibilidade de exercer controle telemático sobre sua jornada, já que a atividade é exercida mediante uso de plataforma digital, com equipamento em conexão online, o que, por óbvio, permite o monitoramentoremoto do trabalho, e, por conseguinte, afasta a hipótese contida no art. 62, I, da CLT. Assim, comprovado o labor em horas extras, devidos são os adicionais, na forma da Súmula 340 do TST. Recurso a que se dá parcial provimento. RECURSO PATRONAL. DESLIGAMENTO DO AUTOR DA PLATAFORMA DE SERVIÇOS SEM AVISO PRÉVIO. AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL INEXISTENTE. Embora reprovável pela falta do aviso prévio, a conduta da reclamada de desligar o autor de sua plataforma de serviços de forma imotivada, não tem o condão de gerar danos morais passíveis de reparação. A situação se assemelha aquela vivenciada pelo empregado típico dispensado sem justa causa por seu empregador sem aviso prévio e sem o percebimento das verbas rescisórias. Nessa hipótese, a jurisprudência, inclusive do C. TST, é vasta no sentido de que não há responsabilidade civil na espécie. Entende-se que a dispensa imotivada sem o cumprimento do quanto previsto na legislação enseja consequências próprias, cuja reparação se dá no âmbito material, não implicando, por si só, em violação aos direitos da personalidade e nem no reconhecimento in re ipsa do abalo. Recurso provido no aspecto. (TRT-13-RO:00006996420195130025 0000699-64.2019.5.13.0025, 2ª Turma, Data de Publicação: 25/09/2020 apud Castro et al, 2021).
Concluímos, dessa forma, que as relações entre empresas com atuação em Plataformas Digitais e seus cadastrados/empregados ainda passará por muitos desafios, até que haja uma regulamentação específica. No entanto, a luta por seus direitos, à luz da justiça, é o que estabelecerá jurisprudência para futuros casos e garantirá que esses trabalhadores sejam cada vez mais assistidos em suas necessidades.
2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MAZARÃO. S. – Advocacia, 2015 - Requisitos para a caracterização do vínculo de emprego. Disponível em: https://soraiaometto.jusbrasil.com.br/artigos/294486332/requisitos-para-a-caracterizacao-do-vinculo-de-emprego acesso em setembro de 2021
PRADO, D. O que é família. Editora Brasiliense, 2ª edição. São Paulo, 2011.
SANTOS J.P.JR, CASTRO W.F., MATIAS G.N.X. – Revista de Direito FAE - Reconhecimento de vínculo empregatício entre trabalhadores e aplicativos - 24/06/2021 – Disponível em: file:///C:/Users/amand/Downloads/66-Texto%20do%20artigo-208-1-10-20210624 acesso em setembro de 2021
TOSTES, DE PAULA ADVOGADOS - 2021 - Direito Trabalhista e reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas, entregadores e plataformas digitais. Disponível em: https://tostesdepaula.adv.br/blog/direito-trabalhista-e-reconhecimento-de-vinculo-empregaticio-entre-motoristas-entregadores-e-plataformas-digitais acesso em setembro de 2021