Imagine a seguinte situação, você se dirige ao supermercado mais próximo de sua casa e lá adquire alguns produtos alimentícios confiante na qualidade oferecida, porém, ao abrir determinada embalagem já em outro ambiente, vem a surpresa! Você se depara com um objeto estranho no interior da embalagem, ou pior, consome o produto sem perceber a irregularidade inicialmente.
Certamente a repulsa pelo alimento será inevitável e a experiência deixará marcas naquela pessoa que encontrou ou levou a sua boca materiais orgânicos ou industriais impróprios ao consumo.
Nesse sentido, a 2ª seção do STJ composta pelas 3ª e 4ª turmas da corte superior finalmente pacificou o entendimento sobre o fato em agosto de 2021, determinando que há dano moral in re ipsa, ou seja, presumidamente existente, decorrente da responsabilidade objetiva do fornecedor perante o consumidor caso este encontre um corpo estranho no alimento adquirido, mesmo sem ter havido a ingestão.
Do Direito a Segurança Alimentar e Nutricional
No caso representativo da controvérsia que originou o consenso entre as turmas, o consumidor adquiriu alguns pacotes de arroz e, ao abrir esses pacotes em sua residência, percebeu a existência de partes estranhas entre os grãos, impossibilitando o consumo e causando repulsa pelo alimento.
A ministra relatora Nancy Andrighi, destacou que o consumidor tem direito a segurança alimentar e nutricional que consiste na realização do acesso regular e permanente a alimentos de qualidade.
Ainda nesse sentido, a ministra salientou que a presença de corpos estranhos em alimentos industrializados excede aos riscos esperados pelo consumidor neste ripo de produto, caso ocorra, caracteriza a comercialização de produto defeituoso fazendo surgir o dever de indenizar o consumidor.
“No atual estágio de desenvolvimento da tecnologia e do sistema de defesa e proteção do consumidor, é razoável esperar que o alimento, após ter sido processado e transformado industrialmente, apresente ao menos uma adequação sanitária, não contendo em si, substâncias ou partículas durante o processo produtivo ou de comercialização com potencialidade lesiva à saúde o consumidor.”
Assim, a relatora deu provimento ao recurso restabelecendo a sentença de primeiro grau, seguida dos ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.
Do Riso Potencial de Lesão ao Consumidor
O ministro Marco Aurélio Buzzi em voto-vista acompanhou também a relatora, porém, pontuou algumas ressalvas em sua fundamentação.
“Assim, não se evidencia dano moral, em regra, indenizável quando, por exemplo, em extrato de tomate existir um pequeno pedaço de cebola, ou em embalagem de milho existir um grão de soja, ou em canela em pó, se encontrar pedaço de caneca em pau. Nesses casos, meramente elucidativos, embora tais materiais não sejam intrínsecos ao produto adquirido, não se vislumbra potencial de causar lesão ao consumidor.”
Portanto, resta claro que o ministro apenas condicionou a configuração de dano moral presumido à existência de potencial lesivo à saúde ou à integridade física do consumidor, seja pela ingestão ou manuseio do material estranho.
Por fim, divergiram da relatora e tiveram seus votos vencidos os ministros Luís Felipe Salomão, Raul Araújo e Antônio Carlos Ferreira sob o argumento de que “a afirmação da ocorrência do dano por uma lente eminentemente punitiva, tende a desconsiderar a imprescindibilidade da concreta lesão aos valores que de fato se busca proteger.”
Não obstante, conclui-se que o entendimento consolidado no julgamento do REsp 1.899.304 é correto e busca equilibrar a relação consumerista diante da reconhecida vulnerabilidade dos consumidores face as práticas dos fornecedores no mercado de consumo.