É de conhecimento público que, o período gestacional é uma das fases na qual a mulher sente-se ainda mais feliz e realizada consigo mesma, por estar à espera de seu bebê, que logo mais estará em seus braços. É inegável notar a felicidade estampada no rosto da gestante, vale destacar que, todo o processo gestacional desde à sua concepção é posto a salvo pelo ordenamento jurídico brasileiro, os direitos e garantias adquiridos pela mãe e feto têm valor jurídico e é objeto de proteção do Estado, onde podemos mencionar o atendimento do pré-natal, acompanhamento, medicações, consultas periódicas e outros que são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Ao que me consta, segundo relatos e documentários, a hora do parto e ter uma “boa hora” é o sonho de toda mulher gestante. Contudo, ocorre que, em alguns casos, é comum a mulher ter a sua “boa hora” violada pelos profissionais de saúde, a título de exemplo: durante o parto, o médico ou enfermeiras aproveitar-se, em razão do seu cargo, ao exercer a obstetrícia violentar a paciente de modo que, viole a sua dignidade da pessoa humana, de forma física (bater, chutar) ou psicológica (humilhar, ameaçar). Há relatos de mulheres que, quando estavam em trabalho de parto (agonizando de dor), ouviram do médico ou das enfermeiras: “faz força, na hora de fazer você gostou!”, “pare de gritar, se você gritar eu vou te deixar aí sozinha!”, “tá gritando, mas quando foi fazer, você sorriu, né?”, “anda logo, que eu não tenho tempo, faz força!” e outras práticas desumanas.
Vale acrescer que, tanto a recusa no atendimento, os xingamentos, a elaboração de procedimentos não necessários, como os constantes exames de toque e a episiotomia (incisão na região do períneo, entre a vagina e o ânus, para ampliar o canal de parto) sem o devido consentimento da então paciente, pressionar a barriga da grávida, tentar puxar a criança com força e mutilar a mulher além do necessário são os casos mais evidentes de violência obstétrica. Dado o exposto, é nesse contexto que surge a então chamada “violência obstétrica” (uma modalidade de violência de gênero) que consiste na imposição de intervenções danosas à integridade física e psicológica das parturientes perpetrada pelos profissionais de saúde, bem como pelas instituições.
De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, a violência de gênero pode ser entendida como aquela praticada contra vítima em virtude das diferenças de gêneros, positivada em nosso ordenamento jurídico por meio da Lei nº 11.340/2003, a então conhecida Lei Maria da Penha. A referida Lei supramencionada, conceitua as diferentes modalidades de violência e define a violência resultante de gênero, a violência psicológica é entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento.
A violência contra a mulher, compreende uma grande gama de agressões que podem ser de caráter físico, psicológico, sexual, patrimonial, o que pode ocorrer de vários modos, aspectos e com várias peculiaridades. Pode-se compreender que, a violência de gênero se trata de uma ação de causar diminuição da autoestima da mulher, como podemos destacar: chantagem, perseguições, ridicularização, insultos, humilhações, a limitação do seu direito de ir e vir, ou ainda, podemos acrescer os prejuízos à sua autodeterminação. Em seu aspecto moral, a violência relaciona-se com a prática de crimes contra a honra, tipificado no Código Penal brasileiro, Decreto Lei nº 2.848 de 1940.
A recusa no atendimento, os xingamentos, a elaboração de procedimentos não necessários sem o devido consentimento da então paciente são os casos mais evidentes de violência obstétrica; uma modalidade de violência de gênero, que consiste na imposição de intervenções danosas à integridade física e psicológica das parturientes pelo profissional de saúde.
Um adendo, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, durante a pandemia do novo coronavírus, houve um aumento de feminicídios no Brasil, chegando a 648 casos no primeiro semestre do ano de 2020, ou seja, 1,9% a mais do que o ano de 2019. Com base no Tratado de Direito Penal de Cezar Roberto Bitencourt (2020, p. 230-231): “Convém destacar, contudo, que não basta tratar-se de homicídio de mulher, isto é, ser mulher o sujeito passivo do homicídio para caracterizar essa novel qualificadora. Com efeito, para que se configure a qualificadora do feminicídio é necessário que o homicídio discriminatório seja praticado em situação caracterizadora de (i) violência doméstica e familiar, ou motivado por (ii) menosprezo ou discriminação à condição de mulher. No mesmo sentido, manifesta-se Rogério Sanches afirmando: “Feminicídio, comportamento objeto da Lei em comento, pressupõe violência baseada no gênero, agressões que tenham como motivação a opressão à mulher. É imprescindível que a conduta do agente esteja motivada pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima” (Apud: Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco). Por fim, cabe enfatizar que, a violência à mulher e o alto número nas estatísticas evidenciam a complexidade e a devida importância do debate da temática apresentada, de forma que, seja compreendido, repudiado e punido todas e quaisquer formas de violência ou supressão dos direitos e garantias da mulher.