Resumo: O presente artigo tem por mote explorar as origens do processo civil e sua transformação, mormente quanto à constante migração entre os modelos publicista e privatista de processo. No Brasil, um giro de retomada do modelo privatista restou evidente com a edição do Novo Código de Processo Civil de 2015, o qual autoriza a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais, em nítido respeito à autonomia de vontades, como instrumento processual legítimo, democrático e em sintonia com o contemporâneo processo civil constitucional.
Palavras-chave: Publicismo. Privatismo. Processo civil.
Sumário: Introdução. 1. Do publicismo ao privatismo processual. 1.1. Da antiguidade à Idade Média. 1.2. Do privatismo do século XIX ao publicismo do século XX. 2. O movimento neoconstitucionalista e o processo. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O desejo inerente do ser humano de ter satisfeitas as suas necessidades esbarra, muitas vezes, na resistência de outro ser social, seja pela divergência de aspirações, seja pela escassez de determinado bem da vida.
Como há muito não se toleram os métodos individuais de solução de conflitos, conferiu-se ao Estado o poder-dever de regular a conduta humana, manter a ordem pública e primar pela paz social.
Com o fim de atingir tais objetivos de caráter público, o Estado-Juiz lançou mão de um instrumento democrático capaz de regular o exercício da função jurisdicional e dar aplicabilidade às normas de conduta social, a saber, o processo.
Por décadas, a função jurisdicional manteve um caráter publicista inflexível e impregnado de autoritarismo. O juiz, órgão Estatal dotado de poderes para movimentar o feito e fazer cumprir as leis, atuava como protagonista da relação processual; as partes, por sua vez, agiam como meros coadjuvantes e sua participação resumia-se em provocar o judiciário, narrar os fatos e aguardar a tutela jurisdicional.
Contudo, com o advento do novo Código de Processo Civil de 2015, o publicismo exacerbado deu espaço ao privatismo processual, principalmente com a adoção dos chamados negócios jurídicos processuais. Esse instrumento jurídico é, sem dúvida, um grande avanço para a condução do processo e se amolda ao contemporâneo cenário jurídico processual voltado à colaboração e à autonomia de vontades.
O Novo Estatuto Processual consagrou o que alguns doutrinadores chamam de processo constitucional, ou seja, o exercício do direito processual com foco nos fundamentos constitucionais. De fato, o legislador fez questão de propor um processo voltado ao diálogo e pautado na cooperação, mitigando o publicismo e abrindo espaço para a autonomia das partes.
Nesse panorama, este artigo cumpre o mote de rememorar a histórica transformação vivenciada pelo direito processual, desde a sua gênese até o contemporâneo processo constitucional, bem como realçar a ruptura com o rígido regime publicista adotado pelo Código Civil de 1973 e a retomada do privatismo processual com o advento do Novo Código de Processo Civil de 2015.
Para o efetivo desenvolvimento desta pesquisa, optou-se por desenvolver extensa pesquisa bibliográfica de natureza exploratória e dedutiva sobre os temas de interesse, visando angariar informações mediante estudo comparado das obras de renomados autores, consoante o contemporâneo pensamento jurídico-doutrinário.
1. Do publicismo ao privatismo processual
No decorrer dos séculos, diante da complexidade das relações sociais, o ser humano se viu obrigado, independentemente do seu modo de organização, a implementar regras de conduta àqueles que compunham determinado grupo social com o propósito de alcançar o equilíbrio e o desenvolvimento sociais.
Contudo, a mera criação de normas, sem a imposição de obrigatoriedade, não gozaria de qualquer serventia. Ademais, a lei ou regra de conduta, fosse ela escrita ou oral, não teria o condão de atuar por si, afinal, mesmo tendo caráter cogente, manter-se-ia inerte.
Dessa forma, para regular sua aplicação, a autoridade detentora de poder para dirimir os conflitos sociais necessitaria de um instrumento capaz de dar vida à norma, de fazer valer o seu conteúdo, de executar a vontade concreta da lei.
Sob esse prisma, faz-se necessário compreender como a humanidade, no transcorrer da história, desenvolveu esse método de aplicação da lei, que ficou conhecido como processo.
1.1. Da antiguidade à Idade Média
O homem é um ser social e, como tal, vive em sociedade. Esta convivência, no entanto, é naturalmente conflituosa na medida em que as necessidades de cada indivíduo são particulares e os bens disponíveis para todos são escassos.
Assim, quando dois ou mais sujeitos desejam um mesmo bem da vida que não pode pertencer, ao mesmo tempo, a ambos ou quando existe resistência de um para com o outro em ceder tal bem, surge o que o direito conceitua como conflito de interesses.
No passado, o método mais antigo de resolução de conflitos empregado pelos homens foi a autotutela ou autodefesa. O uso da força pelos litigantes a fim de resolver determinada desavença era a regra, mas esta não tinha a justiça como parâmetro, afinal, sempre venceria o mais forte e não aquele que tinha razão. De fato, o caráter privado da solução de litígios tomava forma do modo mais rude.
Contudo, conforme Wambier e Talamini (2016), a dignidade humana – traço exclusivo do homem que o faz não viver puramente de instintos – o levou a procurar, em face do convívio em sociedade, formas de solucionar seus próprios conflitos que não fossem meramente instintivos ou brutais.
Foi dessa característica humana inerente, a saber, viver de maneira harmônica em sociedade, que surgiu a necessidade de uma regulação social para que os conflitos fossem dirimidos e até mesmo evitados.
Pouco a pouco, o diálogo passou a ser um instrumento mediador e, a partir daí, aqueles que entravam em conflito viam-se na obrigação de compor acordos ou negociações visando a harmonia social e a busca pela justiça. Estava estabelecido, portanto, o método de solução de conflitos mais marcante do privatismo, muito embora a ideia de processo sequer existisse. Por seu turno, o uso da violência para resolver desentendimentos, tornou-se desarrazoado, mais que isso, passou a ser proibido.
Com o decurso do tempo, entretanto, o diálogo foi substituído pelo juízo arbitral, isto é, as partes envolvidas num conflito passavam a buscar o auxílio de uma pessoa respeitada na comunidade, com autoridade moral sobre todos, para orientá-las a resolver a questão. Historicamente, surgia a figura do juiz antes do legislador.
O surgimento desse núcleo de poder político, que tinha a capacidade de manter a organização social e de determinar qual a melhor conduta a ser adotada pelas pessoas visando um convívio harmonioso em sociedade, deu origem à estrutura básica do que hoje se conhece como Estado. Os traços do publicismo começam a aparecer.
Nesse respeito, Cintra, Grinover e Dinamarco (2011, p. 28) asseveram:
“Mais tarde e à medida que o Estado foi-se afirmando e conseguiu impor-se aos particulares mediante a invasão de sua antes indiscriminada esfera de liberdade, nasceu, também gradativamente, a sua tendência a absorver o poder de ditar soluções para os conflitos”.
De fato, foi isso o que aconteceu. Aquele árbitro, que figurava como sujeito imparcial, decretava aos litigantes o que devia ser feito para encerrar a controvérsia e, gradualmente, firmava-se na política, afinal, detinha poder suficiente para preservar a ordem social e concentrar em si mesmo a resolução dos conflitos.
No direito romano arcaico (desde a fundação de Roma até o ano 149 a. C.), por exemplo, a figura do Estado como mediador já estava evidente. Os cidadãos que precisavam resolver um conflito compareciam perante a pessoa do pretor e se dispunham a aceitar aquilo que por ele fosse decidido, embora ainda fosse forte a ideia de repúdio à ingerência estatal nas questões privadas. A seguir, as partes escolhiam um árbitro de sua confiança que recebia do pretor o encargo de decidir a causa.
Essa sistemática se manteve por todo o período clássico (século II a.C. ao século II d.C.), mas, à medida que o Estado se fortalecia, sua participação nos conflitos aumentava, prova disso foi a conquista estatal de poder nomear o árbitro. A partir daí, deixou-se de lado a figura do arbitro facultativo para entrar em cena a arbitragem obrigatória.
Mais ainda, para que as partes litigantes se sujeitassem aos desígnios deste juízo estatal, foram criadas regras objetivas e vinculantes que davam aos conflitantes a garantia de que o julgamento seria efetivamente justo. Surgia mais um personagem em meio ao embrionário cenário processual, o legislador. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2011)
O marco histórico entre a passagem da justiça privada para a justiça pública inicia-se no século III (entre o ano 200 d.C. e o ano 565 d.C.), também chamado de cognitio extra ordinem. Nesse período, o Estado se sobrepõe ao particular e, independentemente da vontade deste, impõe a sua solução para decidir os litígios sociais.
Discorrendo sobre esse período, Leal (2001, p. 39) leciona:
“Ampliou-se, nessa época, ainda mais, o poder dos pretores que, nesse período pós-clássico, também chamado período do Principado e da monarquia absoluta (284 d.C. – 565 d.C.), agiam por um sistema jurídico paralelo à ordem vigente, conhecendo e julgando diretamente os litígios sem interferência de árbitros, não mais podendo os particulares, nessa época pós-clássica, utilizar-se da arbitragem, por qualquer de suas formas. Essa fase, conhecida como a da cognitio extra ordinem, assinala a passagem do modelo romano da Justiça Privada para a Justiça Pública”.
E ainda, nas lições de Júnior (1966, pp. 324, 325):
“O processo romano perde aos poucos seus traços privatísticos, caminhando num sentido publicístico. É a estatização do processo. Desaparece a antiga divisão da instância romana em duas fases, não se fala mais na ordo judiciorum privatorum, esquecem-se as regras de competência, de lugar e de dia, ligadas à noção de dias fastos e nefastos. Agora, o mesmo titular reúne os atributos de magistrado e juiz, antes repartidos entre duas pessoas que atuavam, respectivamente, na primeira e na segunda fases processuais”.
Dessa forma, caso os cidadãos de determinada comunidade não conseguissem por si mesmos e voluntariamente resolver os próprios conflitos, o Estado, revestido de autoridade plena e atuando em prol da manutenção da ordem e da paz social, exerceria uma de suas precípuas atividades: a função jurisdicional. (WAMBIER; TALAMINI, 2016)
O direito processual surge, portanto, com o objetivo de disciplinar ou instrumentalizar a forma como o Estado-Juiz deve exercer sua tutela jurisdicional, visando o bem-estar social, a proteção do interesse coletivo e, também, garantir a proteção plena dos direitos subjetivos.
Com a queda do Império Romano (476, d. C), adentrou-se num novo período da história humana, a Idade Média. A expansão militar e política dos povos germânicos trouxe consigo a imposição de seus costumes e de seu direito.
Os germânicos (também conhecidos como bárbaros), contudo, eram muito rudimentares no tocante aos procedimentos jurídicos. Assim, nesse período, em toda a Europa, ocorreu um grande retrocesso na evolução processual iniciada pelos romanos.
Para se ter uma ideia, não havia uniformidade de critérios, pois cada grupo ou clã regia-se de forma autônoma e primitiva, segundo os costumes bárbaros. Além disso, o emprego da religião e do misticismo como mecanismo de aplicação da justiça gerou um impacto profundo na forma de se aplicar o direito.
Nesse sentido, o mestre Theodoro Júnior (2018, p. 13) rememora:
“[...] houve enorme exacerbação do fanatismo religioso, levando os juízes a adotar absurdas práticas na administração da Justiça, como os “juízos de Deus”, os “duelos judiciais” e as “ordálias”[1]. Acreditava-se, então, que a divindade participava dos julgamentos e revelava sua vontade por meio de métodos cabalísticos[2].
Em face desses costumes, a aplicação da lei tornou-se extremamente formal e as hipóteses de prova eram restritas às normas criadas pelo grupo, isso restringia a liberdade do juiz, cuja atuação ficava adstrita ao que já estava estabelecido. Assim, como cada prova tinha um valor e uma consequência já estipulados pela norma, o material probatório não tinha o poder de convencer o juiz sobre os fatos, mas apenas fazê-lo aplicar a sentença.
Segundo Theodoro Júnior (2018, p. 13), “não se buscava a verdade real ou material, mas contentava-se com a mera verdade formal, isto é, a que se manifestava por meios artificiais e, geralmente, absurdos, baseados na crença da intervenção divina nos julgamentos”.
E, conclui, afirmando que “os procedimentos eram, no dizer de Jeremias Bentham, autênticos jogos de azar ou cenas de bruxaria, e, em vez de julgamentos lógicos, eram confiados a exorcistas e verdugos”. (THEODORO JR, 2018, p. 13)
Tal situação perdurou por vários séculos no período da Idade Média. Entretanto, concomitantemente, a Igreja Católica preservava as escolas do direito romano e começava a adaptá-las ao conhecido direito canônico.
Com o advento das Universidade (século XI), começou a ocorrer a fusão dos institutos de direito romano, germânico e, agora, o canônico. Desta combinação, surgiu, em toda a Europa, o chamado direito comum e junto com ele o processo comum, que vigorou do século XI até o século XVI.
Foi nesse período da história humana que surgiu o embrião do processo como garantia constitucional, notadamente com a outorga, aos barões ingleses, da Magna Carta de João Sem Terra, no ano de 1215.
Com efeito, “o antecedente histórico das garantias constitucionais da ação e do processo é o art. 39 da Magna Carta, outorgada em 1215 por João Sem-Terra a seus barões”. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2011, p. 86)
Sobre aquela época, Theodoro Júnior (2018, p. 13) ensina:
“ [...] a prova e a sentença voltaram a inspirar-se no sistema romano, mas admitia-se a eficácia erga omnes da coisa julgada, por influência do direito germânico. De inspiração canônica foi a adoção do processo sumário, com que se procurava eliminar alguns formalismos”.
E encerra, por dizer:
“Embora fossem abolidas as “ordálias” e os “juízos de Deus”, as torturas foram preservadas como meios de obtenção da verdade no processo até o século XIX. [...] prevaleceu, também, o império da tarifa legal da prova, inclusive em processo criminal, até fins do século XVIII, quando se fizeram ouvir os protestos de Beccaria, Montesquieu, Voltaire etc”. (THEODORO JR, 2018, p. 14)
Somente a partir da Revolução Francesa (século XVIII), resgatou-se o conceito de livre consentimento do juiz e da sua análise probatória, eliminando-se as chamadas provas valoradas pela lei.
1.2. Do privatismo do século XIX ao publicismo do século XX
O final do século XVIII e início do século XIX, conhecido como período das “luzes” ou iluminismo, foi marcado pelo liberalismo econômico, o qual se contrapôs ao mercantilismo, como também pelo liberalismo jurídico, na medida em que as demandas de liberdade, igualdade e fraternidade advindas da Revolução Francesa começaram a dominar os pensamentos da sociedade europeia.
Nessa fase histórica da humanidade, o ideal de um Estado mínimo refletia-se sobre o processo. Dessa forma, a participação do Estado-Juiz na resolução dos conflitos foi fortemente mitigada.
O princípio da autonomia de vontades e da supremacia das partes dominava o andamento da marcha processual e todo o processo probatório dependia do interesse dos litigantes. De fato, o juiz era um mero espectador que assistia o “duelo” entre as partes. (THEODORO, 2018)
O predomínio do privatismo era notório. O resultado do litígio era necessariamente determinado pelas partes, desde a formação do processo até o provimento jurisdicional.
Também, foi durante esse período que alguns defensores do privatismo ecoaram as suas teorias e defenderam veementemente a não intervenção estatal na solução dos conflitos entre os particulares.
Um dos mais importantes pensadores sobre o tema foi o alemão Josef Kohler (1849 – 1919)[1].
Falando sobre a teoria de Kohler, Cabral (2016, p. 97) afirma que “a vontade das partes poderia ser orientada negocialmente para produzir efeitos processuais e que o contrato seria uma categoria da teoria geral do direito, logo, não somente do direito privado”.
A principal ideia defendida era a da convencionalidade processual, ou seja, toda vez que o ordenamento jurídico ofertasse às partes duas opções para intervirem em determinado procedimento, elas, por contrato, escolheriam uma alternativa.
Em sua obra ‘Sobre Contratos e Criações Legais’, Kohler fez referência a procedimentos específicos nos quais as partes poderiam contratar, dentre elas: a exclusão de competência em geral (supressão de instância); a atribuição e prorrogação da competência; as regras procedimentais em geral; sobre os fatos e as provas; a exclusão de um procedimento especial; além dos pactos em execução. (KOHLER, 1887 apud CABRAL, 2016, p. 98)
Posição similar foi defendida pelo estudioso Robert Neuner, o qual salientava que toda vez que as partes tivessem direito de lançar mão de um mecanismo jurídico processual, deveriam poder fazê-lo contratualmente. (KOHLER, 1887 apud CABRAL, 2016, p. 98)
Em suma, na concepção liberal do século XIX, o processo visava a garantir a plenitude dos direitos subjetivos dos cidadãos e não a observância do direito objetivo. Dessa forma, a jurisdição e o processo estavam a serviço dos direitos do cidadão. (AROCA, 2001 apud GRECO, 2008, p. 32)
Contudo, no início do século XX, a teoria privatista perdeu força e deu espaço à teoria publicista, cuja fundação se deu com a publicação do famoso livro de Oscar von Bülow (1837-1907)[2], Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais (1868), que é unanimemente considerado como a primeira obra científica sobre direito processual e que abriu horizontes para o nascimento desse ramo autônomo na árvore do direito e para o surgimento de uma verdadeira escola sistemática do direito processual civil (DINAMARCO; BADARÓ; LOPES, 2020, p. 341)
Sobre a teoria defendida por Bülow, Cabral (2016, p. 99) declara:
“Sua tese plasmava-se na premissa de que a relação jurídica processual é pública por englobar o Estado-juiz; por isso, diferenciava-se da relação jurídica de direito material subjacente a ela (a res in iudicium deducta)”.
“[...] sustentava que os acordos processuais seriam inadmissíveis porque, ante a publicidade da relação jurídica processual, seria vedado às partes convencionar sobre poderes de outrem (o Estado-juiz)”.
Deveras, a teoria publicista de Bülow ganhou espaço tanto na Alemanha quanto no restante da Europa[3]. Privilegiou-se o caráter público do processo de tal forma que a mera hipótese de acordos processuais era descartada. Além disso, caso os efeitos jurídicos dependessem de um ato das partes, estes se dariam por força de lei e não por simples liberalidade dos litigantes.
Alguns autores italianos clássicos aderiram aos ideais publicitas, dentre eles pode-se citar: Chiovenda, que admitia acordos, mas desde que se tratassem de convenções processuais típicas, ou seja, deveriam ter expressa previsão legal; Emílio Betti, embora não tenha tratado extensamente do tema; e, Carnelutti, que admitia acordos processuais, mas sempre vinculados ao direito substantivo[4].
Todavia, um dos maiores opositores do privatismo processual foi o italiano Salvatore Satta.
Citando Satta, Cabral (2016, p. 103) assevera:
“[...] foi quem mais ecoou as premissas do publicismo, tendo sido um dos maiores opositores dos acordos processuais, negando a convencionalidade como característica do processo. Afirmava, na mesma linha de Bülow, que a relação jurídica processual é pública, e esta qualidade impediria qualquer convenção porque no processo estariam em jogo interesses públicos, pertencentes a toda a sociedade. Para ele, reconhecer um poder de disposição dos litigantes não equivaleria a admitir um poder de disposição por contrato: o fato de as partes poderem dispor de algumas de suas posições processuais não significa que o instrumento para tanto fosse um verdadeiro acordo ou contrato”.
Com efeito, estava a acontecer uma mudança radical no modo em que se pensava a atuação estatal. O ideal de que o Estado não deveria se imiscuir na relação conflituosa dos cidadãos é abandonado e, baseado nisso, sustentava-se que o Estado deveria assumir para si certas atividades essenciais ligadas ao bem-estar e desenvolvimento dos indivíduos e da nação.
Nesse sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco (2011, p. 43) afirmam:
“[...] o Estado moderno repudia as bases da filosofia política liberal e pretende ser “a providência do seu povo”, no sentido de assumir para si certas funções essenciais ligadas à vida dos indivíduos que a compõem. [...] prevalecendo as ideias do Estado Social, em que ao estado se reconhece a função fundamental de promover a plena realização dos valores humanos, isso deve servir, de um lado, para por em destaque a função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação dos conflitos que afligem as pessoas e lhes trazem angústia; de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto à necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça”.
No mesmo sentido, Theodoro Júnior (2018, p. 14) ensina:
“O Estado Social publicizou o processo civil, de modo a conferir ao juiz o comando efetivo do processo, em nome do interesse público na pacificação dos conflitos jurídicos. Ao juiz se atribuiu o poder de, ex officio, dirigir o andamento do processo e assumir a iniciativa da prova. Registrou-se, ao lado do incremento dos poderes do juiz, a exacerbação da autonomia do direito processual diante do direito substancial, a ponto de quase olvidar-se o caráter instrumental do processo, tornando a técnica procedimental um fim em si mesma. Esse estágio, portanto, caracterizou-se pela hipertrofia da ciência processual, afastando, quase sempre, o seu estudo dos problemas vividos pelo direito material”.
Efetivamente, com o advento do Estado Social (Welfare State) iniciado após a Segunda Guerra Mundial, principalmente na Europa Ocidental, que contestava o liberalismo econômico, o processo civil tornou-se um instrumento de pacificação social, de garantia efetiva da prestação jurisdicional com foco na aplicação da lei e, subsidiariamente, como ferramenta de defesa de interesses privados.
De acordo com o mestre Theodoro Júnior (2018), essa concepção prevalece hoje na quase unanimidade dos Códigos europeus e da América Latina, inclusive nos últimos dois Códigos de Processo Civil brasileiros de 1973 e de 2015.
Entre os cientistas brasileiros que defendem o caráter publicista do processo, tem-se Candido, Badaró e Lopes (2020, p.340), que preceituam, in litteris:
“Entre os pontos geralmente aceitos está o caráter público do processo moderno, em contraposição ao processo civil romano, eminentemente privatista. Como já foi salientado, o processo é encarado hoje como o instrumento de exercício de uma função do Estado (jurisdição), que ele exerce por autoridade própria, soberana, independentemente da voluntária submissão das partes – enquanto no direito romano ele era o resultado de um contrato celebrado entre estas (litiscontestatio), mediante o qual surgia o acordo no sentido de aceitar previamente a decisão que viesse a ser proferida”.
Todavia, embora o caráter publicista seja dominante, desde o final do século XX, tem-se iniciado, ainda que de forma lenta, uma reaplicação do movimento privatista em âmbito processual, mesmo com a chegada do neoconstitucionalismo.
2. O movimento neoconstitucionalista e o processo
No final do século XX e início do século XXI, uma nova corrente de pensamento jurídico entrou em cena: o neoconstitucionalismo[1]. Essa nova concepção doutrinária defende que o Estado Democrático de Direito mantém a natureza predominantemente publicística do processo.
De fato, não se pode olvidar, que esse fenômeno de constitucionalização dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, retirou a centralidade do ordenamento processual, mas também distanciou a conotação eminentemente privada do processo civil. (DONIZETTI, 2017)
Contudo, tal evolução não extinguiu o privatismo processual, ao contrário, à medida que os direitos e garantias fundamentais são efetivamente tutelados pelo Estado Democrático, ficam evidentes a participação e colaboração das partes litigantes no contexto processual.
Nesse sentido, Theodoro Júnior (2018, p. 15) leciona:
“Impôs-se a constitucionalização do processo, mediante inserção dos seus princípios básicos no rol dos direitos e garantias individuais. Procedem-se, com isso, à evolução da garantia do devido processo legal para o processo justo. Realizou-se, enfim, a democratização do processo: o juiz continua titular do poder de definir a solução do litígio, mas não poderá fazê-lo isolada e autoritariamente. O processo, no atual Estado Democrático de Direito, realiza seu mister pacificador pelo regime cooperativo, em que as partes, tanto como o juiz, participam efetivamente da formação do ato de autoridade destinado a compor o conflito jurídico levado à apreciação do Poder Judiciário”.
Indiscutível, portanto, em face do garantismo constitucional, que a função jurisdicional pacificadora, expressão legítima do poder estatal, deve estar em harmonia com o interesse das partes litigantes num verdadeiro mecanismo processual colaborativo.
Isso se evidencia pela coparticipação entre juízes, tribunais, advogados e partes com o objetivo de tornar o processo célere, justo e adequado, à medida que se busca a resolução dos conflitos sociais.
Como prova disso, em meados dos anos 1980, muitos países democráticos voltaram a adotar o caráter negocial privatista para uma série de atos processuais, principalmente na França.
De acordo com Cabral (2016), não se sabe exatamente quando os indícios de privatismo voltaram à tona na França, todavia, tem-se registros de que os primeiros acordos processuais remontam à Cour d’appel de Versailles, datados de 1985, com o proferimento das primeiras decisões. De fato, há 30 anos os tribunais franceses vêm abordando o tema com certa frequência.
Nesse período, a França adotou uma série de “acordos coletivos”, firmados entre tribunais e advogados, com o objetivo de padronizar as formalidades processuais.
Além disso, a informatização do processo judicial francês provocou uma série de convenções sobre procedimentos, que envolveram prazos para peticionamento, fixação de audiências, como também a comunicação de atos processuais por meio eletrônico.
Por fim, e talvez o mais importante avanço, ocorreu com a consagração do contrat de procédure (contrato de procedimento) individual, firmado entre as partes com a finalidade de gerenciar o andamento processual.
Todas essas inovações que reavivaram o privatismo processual na França, consolidaram-se na medida em que os acordos processuais foram positivados mediante duas reformas do Código de Processo Civil Francês, nos anos 2000.
Na Itália, por sua vez, tem-se verificado a celebração dos chamados protocole di procedura (protocolos de procedimento) que são assinados pelos tribunais e a ordem dos advogados. Dentre os acordos celebrados, destacam-se: a pontualidade nas audiências, o conteúdo dos atos processuais, os deveres convencionados entre as partes, o não agendamento pelos juízes de audiências com datas sucessivas e assim por diante. (CABRAL, 2016)
Por seu turno, nos EUA, em que pese o fato de vigorar a common law, são muitos os exemplos de acordos processuais realizados em juízo, conhecidos pela doutrina como contract procedure.
Nesse aspecto, os acordos envolvem: renúncia ao julgamento pelo júri (rememore-se que lá há previsão de júri em matéria cível), cláusulas de eleição de foro, renúncias à prescrição e decadência, regras de valoração probatória e até disposição de direitos em fase recursal. (CABRAL, 2016)
Vê-se, portanto, um evidente retorno às práticas privadas de negociação no direito processual estrangeiro, iniciadas na década dos anos 1980, e ainda em plena ascensão.
No Brasil, o tema não é recente, mas os estudiosos do direito ainda divergem sobre os acordos processuais. Cássio Scarpinella Bueno (2018), Cândido Rangel Dinamarco (2009) e Daniel Amorim Assumpção (2017), por exemplo, retratam como impossíveis os acordos processuais entre as partes ou estabelecem uma série de limitações à sua aplicação.
Por seu lado, dentre os que entendem como possíveis as negociações privadas no âmbito processual, pode-se citar: o precursor a tratar do tema, Calmon de Passos (1959), Lopes da Costa (1959), Frederico Marques (1974) e, mais recentemente, Luiz Fux (2004), Leonardo Greco (2007), Fredie Didier (2008), Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart (2017), entre outros.
Frise-se, por fim, que a evolução histórica do processo não se deu sequencialmente, de forma óbvia e patente, mas entre progressos, letargias e retrocessos, de forma que a matéria está em constante processo evolutivo, sempre com a finalidade de auxiliar o Estado-Juiz e as partes na resolução dos conflitos e, por conseguinte, preservar a paz social.
Resta, ao final dessa sinopse histórica, conceituar o processo com fundamento na mais moderna doutrina processualista.
Didier Júnior (2017, p. 36) suscintamente conceitua processo como sendo “um método de exercício da jurisdição”.
E, ainda, Câmara (2019, p. 22) discorre:
“O processo é o instrumento pelo qual a Democracia é exercida e, em um Estado Democrático de Direito, todo e qualquer ato estatal de poder deve ser construído através de processos, sob pena de não ter legitimidade democrática e, por conseguinte, ser incompatível com o Estado Constitucional. O processo é mecanismo de exercício do poder democrático estatal, e é através dele que são construídos os atos jurisdicionais”.
Por sua vez Candido, Badaró e Lopes (2020, p. 339) asseveram que processo “é, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder).”
Já o Direito Processual Civil trata-se da ciência jurídica que tem o processo como principal objeto de estudo.
Assim, segundo Theodoro Júnior (2018, p. 2), “o Direito Processual Civil pode ser definido como o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil”.
Já para Montenegro Filho (2018, p. 3) o Direito Processual Civil:
“[...] representa o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a jurisdição (função atribuída ao Estado de solucionar os conflitos de interesses), a ação (direito conferido a todas às pessoas, de requerer a solução do conflito de interesses) e o processo (instrumento adequado para a solução do conflito de interesses), criando os mecanismos necessários para permitir a eliminação dos conflitos de interesses (lides, brigas, divergências) que não sejam penais e especiais”.
Nota-se, portanto, diante de toda a transformação ocorrida no decorrer dos séculos, que o direito processual, qual instrumento de aplicação do direito material, goza de grande relevância para ordenamento jurídico, e, sem dúvida, continuará a ser objeto de aperfeiçoamento com vistas a facilitar a resolução dos embates socias.
CONCLUSÃO
Em síntese, conclui-se que o direito processual contemporâneo estuda os mecanismos ou instrumentos, dentre os quais o processo é o principal, utilizados pelo Estado para cumprir sua função jurisdicional de forma participativa e democrática na solução dos conflitos sociais, aplicando as leis em consonância com os princípios constitucionais, visando a manutenção da ordem e da paz social.
O processo, que nasceu no direito romano com um viés nitidamente privatista, foi paulatinamente se revestindo das características do modelo publicista, chegando ao ápice do publicismo com a escola de Oscar von Bulow, no ano de 1868.
No final do século XX e início do século XXI, surge o neoconstitucionalismo, uma nova corrente de pensamento jurídico que defende que o Estado Democrático de Direito mantém a natureza predominantemente publicista do processo.
Contudo, como observado, o predomínio da natureza publicista do processo não aboliu o privatismo processual, ao contrário, à medida que os direitos e garantias fundamentais são efetivamente tutelados pelo Estado Democrático, ficam evidentes a participação e a colaboração das partes litigantes no contexto processual.
Indiscutível, portanto, em face do garantismo constitucional, que a função jurisdicional pacificadora, expressão legítima do poder estatal, deve estar em harmonia com o interesse das partes litigantes num verdadeiro mecanismo processual síncrono e colaborativo.
Isso se evidencia pela coparticipação entre juízes, tribunais, advogados e partes com o objetivo de tornar o processo célere, justo e adequado, à medida que se busca a resolução dos conflitos sociais.
Referências
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017.
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[1] O neoconstitucionalismo é um pensamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que as normas que regem o Direito Processual Civil devem consagrar a aplicação dos direitos e garantias fundamentais, bem como a força normativa da Constituição Federal. (DONIZETTI, 2017, P. 26)
[1] Josef Kohler, advogado e escritor alemão, nasceu em 9 de março de 1849, em Offenburg e morreu em 3 de agosto de 1919, em Charlottenburg. Filho de um professor de escola primária, estudou nas Universidades de Heidelberg e Freiburg, passou no primeiro exame de estado em 1871 e no segundo em 1873 (ambos com honras) e concluiu o doutorado em 1873 (com tese sobre o direito privado francês). Em 1874, praticou a advocacia brevemente e atuou como juiz do condado de Mannheim. No biênio 1877/78 publicou uma dissertação de dois volumes, uma apresentação básica do direito de patentes. Em 1878, foi convocado (mesmo sem habilitação) por Bernhard Windscheid à Universidade de Würzburg. Em 1888, mudou-se para a Universidade de Berlim, onde lecionou direito civil, direito comercial e penal, processo civil e filosofia jurídica. Kohler pesquisou e trabalhou em quase todas as áreas do direito. Este contém cerca de 2 500 publicações, incluindo cerca de 100 monografias. Seu trabalho sobre o direito de propriedade intelectual (patente, marca registrada e, direito autoral) bem como suas obras sobre a história jurídica e o direito comparado, são considerados obras fundamentais. (KOHLER, 1984)
[2] Bülow nasceu em 11 de setembro de 1837, em Wroclaw e morreu em 19 de novembro de 1907, em Heidelberg. Estudou direito em Berlin, Heidelberg e Breslau, tendo obtido seu doutorado em 1859, com o trabalho praejudicialibus formulis. Habilitou-se em 1863 com o trabalho praejudicialibus exceptionibus e tornou-se professor da Universidade de Giessen em 1865, vindo a lecionar Direito Romano e Direito Civil. Em 1872 foi para Tübingen e em 1885 tornou-se professor da Universidade de Leipzig. Aposentou-se prematuramente em 1892 aos 55 anos, devido a problemas cardíacos, mas continuou dedicando-se aos estudos, publicando várias obras de relevo. (KHALED JUNIOR, 2010, p. 25)
[3] A doutrina de Bülow obteve mais partidários na Alemanha do que a de Goldschmidt, destacando-se,
recentemente Pohle. Merecem ainda referência, na Itália, Bettiol, Rocco, Massari, Leone, Redenti e nos países de língua espanhola, Silva Melero, Gómez Orbaneja y Herce Quemada, Morón Palomino, Alsina, Couture, De La Plaza, De Pina y Castillo Larrañaga e Vélez Mariconde. (KHALED JUNIOR, 2010, p. 25)
[4] A teoria de Bülow teve grandes reflexos nas obras de Wach, Chiovenda, Carnelutti, Calamandrei e Liebman, entre tantos outros. Liebman foi o grande responsável pela difusão dessa teoria no Brasil, durante sua estadia, na Segunda Guerra Mundial. (KHALED JUNIOR, 2010, p. 25)
[1] Ordálio ou ordália era um método no qual se utilizavam componentes da natureza (água, fogo, ferro etc.), com fins de tortura, para obtenção de prova (culpa ou inocência), cujo resultado entendia-se como sendo o “juízo de Deus”.
[2] “Os métodos variavam muito, por exemplo, o réu devia transportar com as mãos nuas, por determinada distancia, uma barra de ferro incandescente. Enfaixavam depois as feridas e deixavam transcorrer certo número de dias. Findo o prazo se as queimaduras houvessem desaparecido, considerava-se inocente ou acusado.” (GONZAGA, 1993, p.33)