Dívidas originárias do crédito rural e seu direito ao Alongamento
23/09/2021
É um direito assegurado ao produtor rural de alongar sua dívida, de forma que não comprometa seu patrimônio, nem sua produção.
Por não saber desse direito produtores rurais perderam boa parte de seu patrimônio, ou entraram em grande dificuldade financeira decorrente de perdas de safra, dificuldade na comercialização, problemas de mercado e outros.
Diante desse triste cenário antigo e que a cada dia porá mais, trago informações relevantes e importantes sobre o alongamento (prorrogação) de dívida rural.
É comum a atividade agrícola surgir endividamento em razão dos riscos que cercam seu desenvolvimento, a exemplo as condições climáticas, ataques de pragas e problemas de mercado.
O agronegócio é conhecido como “empresa a céu aberto”, e sua exploração necessita de proteção por parte do Estado, uma vez que os bancos, em sua maioria, abusam e muito da falta de conhecimento dos direitos do produtor rural e com isso nosso cotidiano está repleto de famílias falidas sem ter o que produzir e trabalhar, já que são pessoas nascidas e criadas no campo.
A legislação que trata do financiamento rural, especialmente a Lei n. 4829/65, tem artigos específicos que garante ao produtor rural, o direito de repactuar o vencimento de sua dívida, fixando um calendário de pagamento que lhe dê o tranquilidade e fôlego para pagar o débito sem comprometer seu patrimônio e isso se chama direito ao alongamento da dívida rural.
Em regra, diz a lei que podem ser alongadas as operações de crédito rural firmadas com bancos ou cooperativas de crédito, tanto as operações que são lastreadas com recursos obrigatórios ou recursos livres, tampouco precisam estar firmadas em Cédulas Rurais. Também podem ser alongadas as operações firmadas em CCB (Cédula de Crédito Bancário), pois tanto a lei, quanto o Banco Central admitem a utilização deste título para firmar operações de crédito rural.
Há algumas exceções onde não se admitem, como as linhas especiais de financiamento, o PESA ou a Securitização e quando a lei expressamente dispõe que determinado crédito não pode ser alongado (exceção, sempre prevista em normas próprias). Também estão excluídas operações formalizadas em Cédula de Produto Rural (CPR).
Posso pleitear meu direito de alongamento sempre que ocorrer alguma das hipóteses previstas na regra geral do Manual de Crédito Rural, editado pelo Banco Central, em Leis e em Resoluções do Bacen.
As regras gerais para o alongamento são:
1) dificuldade de comercialização dos produtos;
2) frustração de safras, por fatores adversos;
3) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.
O alongamento de dívida rural era tratado no Manual de Crédito Rural (MCR) no item 2.6.9mas em 2021 houve uma reforma no MCR e a disciplina do alongamento passou a se encontrar no item 2.6.4, com nova redação. A Res. 4.755/19, foi abordada em artigo específico.
Algumas informações importantes devem serem observadas para não acarretar a perda do direito de prorrogar:
O pedido administrativo antes do vencimento é um dos primeiros requisitos.
E mais, para exercer o direito de prorrogar a dívida, o produtor rural deverá fazer duas provas principais (através de laudo do seu engenheiro agrônomo):
A) que a situação adversa aconteceu (dificuldade de comercialização, frustração, desenvolvimento prejudicado da exploração; e
B) que a capacidade de pagar foi comprometida.
Diante dessas duas provas deverá notificar o banco ou cooperativa sobre o interesse de prorrogar, inclusive apresentando desde logo o novo cronograma de pagamento, que deverá ser fixado em face da sua nova realidade econômico-financeira.
Esse pedido irá constituir direitos e deveres para as partes, logo, é importante que ele seja feito por seu advogado, lembrando que uma notificação mal redigida pode levar o produtor a perder o direito de alongar seu débito.
Importante ainda é fazer provas da incapacidade de pagamento, pois em regra “a prova cabe a quem alega”, o que pode ser feito através de laudos periciais e demais documentos indicados por seu advogado.
A prova das perdas só é dispensável quando alguma norma específica do Banco Central atinge uma coletividade e a isenta da prova das perdas.
Nesse sentido, Resoluções do Banco Central geralmente saem quando o fato é público e notório e atinge toda uma região, provocando forte desequilíbrio financeiro. Neste caso, preenchendo os demais requisitos da norma, basta o requerimento do devedor para a formalização.
Faça um cronograma de pagamento, um laudo de fluxo de caixa que contenha, ano a ano, as receitas e despesas previstas e o saldo que sobrará para pagamento das dívidas que poderão ser alongadas, o documento seja o mais próximo possível da realidade financeira do empreendimento e contenha ali os custos de cada safra, as receitas esperadas, as despesas programadas e quanto será destinado, ano a ano, para o pagamento da dívida que se quer pactuar.
Estão abaixo as questões cruciais a serem observadas na concessão do alongamento:
1. a capacidade real de pagamento do devedor deve ser medida em parâmetros seguros, de modo que o novo cronograma de cumprimento do débito seja exequível. O novo calendário deverá se enquadrar na capacidade de pagamento do produtor com tranquilidade. Os vencimentos devem coincidir com a época de obtenção de receitas (safra).
Por isso, pode ser deferida prorrogação por 5, 7, 10, 12 anos, com ou sem carência. A lei não estabelece limite mínimo ou máximo para alongamento, tampouco a necessidade de pagar determinado percentual para que seja efetivada. O prazo dependerá da prova produzida pelo produtor rural e deverá se enquadrar em sua capacidade de pagamento.
2. no novo instrumento, as taxas de juros remuneratórios não podem ser alteradas para maior. Quando, todavia, novo índice é fixado em taxa menor por ato da Autoridade disciplinadora, sua redução é necessária.
3. os juros moratórios, observando o preceito legal especial, não admitem taxa superior a 1% ao ano (sobre os juros de mora).
4. as garantias reais pré-existentes à prorrogação não podem ser aumentadas para comprometer o patrimônio do devedor;
5. a mudança de garantia hipotecária para garantia de alienação fiduciária de bem imóvel, por exemplo, não pode ser admitida;
6. não se admite que o devedor firme uma confissão de dívida com números inflados pela aplicação de penalidades moratórias elevadas, o que é feito, muitas vezes, para assegurar o direito de pagar um valor menor (dívida negociada por R$500.000,00, mas, se atrasar, vai para R$1.000.000,00), sob o risco de responder por todos os números confessados. É vedado ainda os chamados contrato ”mata-mata” (aquele realizado para quitar dívida de credito rural).
Estas e outras questões devem ser exigidas pelo devedor na firmação da prorrogação negociada administrativamente com o credor, por direito seu. Caso haja resistência do financiador em firmar documento nestes termos, não é aconselhável assinar a prorrogação desfavorável para, mais tarde, tentar revisá-la judicialmente. Uma vez instalado o impasse entre as partes, o caminho para a solução é o Judiciário e para isto o devedor precisa lançar mão de medidas processuais que sejam capazes de proteger seu direito. A lei assegura este direito.
O que deve ser entendido é que, de fato, o que autoriza a prorrogação da dívida rural é a proteção que se quer dar à atividade agrícola e sua continuidade.
A produção de alimentos é, dentre todas as atividades econômicas que se desenvolve no País, seguramente, a que mais influencia direta e positivamente a estabilidade social, a estabilidade econômica e, por que não dizer, até mesmo a soberania do Estado.
Quando se examina a Constituição Federal, a Lei Agrícola e a Lei que institucionalizou o crédito rural no País, é com facilidade que tudo isto pode ser observado.
Em segundo lugar, por certo, a prorrogação de dívida rural tem como objetivo imediato manter o produtor rural em atividade, de modo que o abastecimento alimentar do País não sofra qualquer descontinuidade.
Em terceiro lugar, para que haja proteção efetiva ao setor, a prorrogação deve seguir parâmetros que tornem o alongamento um processo de solução do débito, não uma dilação de prazo que somente adie a crise aguda para tempo um pouco mais distante.
Assim, o produtor rural precisa encontrar nas novas condições de pagamento do seu endividamento os meios mais favoráveis para dar satisfação à obrigação sem comprometer sua estrutura de produção que, conforme visto acima, é o bem maior a ser protegido.