Disciplina jurídica diferenciada nos processos de insolvência que versam sobre interesses de microempresas e de empresas de pequeno porte

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O texto realça algumas normas que atribuem tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito da insolvência.

A Constituição Federal de 1988 estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado, dentre outros princípios, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (art. 170 da CF).

Para complementar, a Constituição Federal preconiza que a  União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem dispensar às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado e incentivo à simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias (art. 189 da CF)[1]

A Lei Complementar nº 123/06 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), em observância indicativos constitucionais, assentou as diretrizes normativas gerais sobre as microempresas e as empresas de pequeno porte.

Quanto às definições, segundo o disposto no art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006, consideram-se Microempresas (ME) ou Empresas de Pequeno Porte (EPP), a Sociedade Empresária, a Sociedade Simples, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) e o Empresário Individual, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis (ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas), que, i) no caso da Microempresa (ME), aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e ii) no caso de Empresa de Pequeno Porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).  

De outra parte, considera-se Microempreendedor Individual (MEI), nos termos do art. 18-A, §1º, da LC nº 123/2006, o empresário individual (ou o empreendedor) que desempenhe atividades de industrialização, comercialização e prestação de serviços no âmbito rural, e que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais), desde que seja optante pelo Simples Nacional.

A despeito das regras definidas na Lei Complementar nº 123/2006, o legislador infraconstitucional concretizou as orientações constitucionais acerca das microempresas e empresas de pequeno porte em diversos campos.

No âmbito insolvência, por exemplo, o tratamento favorável às microempresas e às empresas de pequeno revela-se em inúmeros dispositivos da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Empresarial e Falência – LREF:

 i) na recuperação judicial de microempresas e empresas de pequeno porte haverá redução da remuneração do administrador judicial ao limite de 2% (dois por cento), nos termos do art. 24, §5º da LREF)[2];

ii) assegura-se participação de representantes de microempresas e empresas de pequeno porte no comitê de credores (art. 26, IV, da LREF)[3];

iii) a composição da assembleia geral de credores contará com uma classe de titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 41, IV, da LREF[4]);  

iv) as microempresas e empresas de pequeno porte, no pedido de recuperação judicial, terão direito de apresentar livros e escrituração contábil simplificados (art. 51, §2º, da LREF[5]);

v) as microempresas e empresas de pequeno porte terão direito ao parcelamento de créditos tributários e previdenciários com prazos maiores (ao menos vinte por cento) aos concedidos para os demais empresários em recuperação judicial (art. 68, parágrafo único, da LREF)[6];

vi) a Lei assegura o direito de apresentação de plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte, com possibilidade de parcelamento dos créditos em até trinta e seis parcelas mensais, reajustadas de acordo com a taxa SELIC, entre outras vantagens (art. 70 e 71 da LREF[7]); e

vii) na hipótese de crime de fraude contra credores em falência de microempresa e empresa de pequeno porte há redução ou substituição de pena (art. 168 da LREF)[8].

Essas são apenas algumas das incontáveis regras da legislação que conferem um tratamento favorável às microempresas e empresas de pequeno porte.


[1] Sobre o tratamento jurídico diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, Ivan Vitale Júnior esclarece que “A Constituição pretende, por meio do tratamento privilegiado que cria expressamente, promover o desenvolvimento social, entendendo que este ocorrerá pelo fortalecimento das empresas nacionais de porte menos avantajado e, consequentemente, portadoras de maiores dificuldades na consecução de suas atividades e alcance de seus objetivos (ligados necessariamente ao desenvolvimento do país). Nesse passo, pois, fica bastante nítida a conotação ampla que o princípio aqui em apreço assume, não podendo ser considerado apenas como uma mera regra constitucional desconectada do restante das normas desse mesmo nível. ” JÚNIOR, Ivan Vitale. Microempresa e empresa de pequeno porte. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 1: Introdução ao Direito Comercial e Teoria Geral das Sociedades. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

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[2] Art. 24. O juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. § 1º Em qualquer hipótese, o total pago ao administrador judicial não excederá 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência. [...] § 5º A remuneração do administrador judicial fica reduzida ao limite de 2% (dois por cento), no caso de microempresas e de empresas de pequeno porte, bem como na hipótese de que trata o art. 70-A desta Lei.     (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)    

[3] Art. 26. O Comitê de Credores será constituído por deliberação de qualquer das classes de credores na assembléia-geral e terá a seguinte composição: [...] IV - 1 (um) representante indicado pela classe de credores representantes de microempresas e empresas de pequeno porte, com 2 (dois) suplentes. (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

[4] Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores: [...] IV - titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

[5] Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: [...] II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: [...] § 2º Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica.

[6] Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional. Parágrafo único. As microempresas e empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20% (vinte por cento) superiores àqueles regularmente concedidos às demais empresas. (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

[7] Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1º desta Lei e que se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às normas deste Capítulo. § 1º As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei. § 2º Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na recuperação judicial. Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições: I - abrangerá todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014) II - preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014) III – preverá o pagamento da 1ª (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial; IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados. Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

[8] Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. [...] § 4º Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, e não se constatando prática habitual de condutas fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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