Apenas mais uma nefasta história da busca por subverter a democracia

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Populismo, semântico, para neo facismo aflige alguns países, destaque também para o Brasil, o que demanda dos cidadãos e instituições públicas e privadas enfrentarem tentativas de subverter a democracia

Apenas mais uma nefasta história da busca por subverter a democracia



 

Com o advento da Constituição de 1988 e retorno à democracia os sucessivos governos mantiveram a estabilidade política e econômica sem, contudo, sanar os graves problemas sociais e corrupção endêmica. 

A partir da severa crise econômica de 2015 e 2016, casos de corrupção generalizada nos governos da maioria dos entes após a redemocratização e incertezas políticas, abriu-se espaço eleitoral para candidatos extremistas, denominados de populistas por alguns, e partidos marginais no espectro político. Nesse contexto, houve a eleição no Brasil do atual presidente, de extrema direita.

 

Num paralelo, pode-se mencionar a Alemanha do século passado. Derrotada na 1a. Guerra, viu surgir movimentos radicais, à direita, nazistas; à esquerda, comunistas. 

Os nazistas almejavam haver no partido um messias, um líder. Identificaram o ex-cabo Hitler como esse salvador por seus discursos nacionalistas e radicais para tornar o país uma liderança mundial. Além disso, acreditavam na teoria, também sem qualquer fundamento, de haver uma conspiração mundial, liderada por judeus e liberais, que prejudicava a Alemanha. Propunham, em contrapartida, o nacionalismo e o direito a um espaço vital para uma nação voltada somente a alemães que não tivessem ascendência genealógica de outros povos.

No início da fundação, já em 1923, os nazistas tentaram um golpe em Munique, que fracassou e vários foram presos.

Então, adotam como estratégia se tornarem democratas para alcançar o poder e, em seguida, subverter a democracia. Simultâneo, impulsionam milícias com violência nas ruas contra comunistas, judeus e qualquer opositor.

Nas eleições de 1924 e 1928 o partido continuou inexpressivo e quase desapareceu. No entanto, a quebra da bolsa de Nova York causa um colapso mundial e arruína economia alemã, o que abre oportunidade para os partidos menores e com ideias radicais almejarem o poder, notadamente o nazista pela retórica de crise e conspiração, parecendo proféticos para muitos eleitores, e profusão de desinformação sistemática. 

Tanto que nas eleições de 30, nesse contexto de recessão econômica e conturbação social, com propaganda em massa e violência da polícia de elite, SS, obtêm votação relevante. Passam de 12 para 107 deputados no Reichstag, parlamento, tornando-se o 2o maior partido.

Nas eleições de 33, Hitler obtém a maior votação e é escolhido chanceler em um composição com outros partidos. A partir do incêndio do edifício do Reichstag, nazistas imputam a culpa aos comunistas, fecham todos demais partidos políticos e instauraram a ditadura. Com a morte do presidente em 1934, Hitler se autoproclama presidente e chanceler, fuhrer.

A Alemanha expande o território anexando países vizinhos, a exemplo da Áustria. Quando invade a Polônia, em 1939, eclode a 2a Guerra Mundial. Ao mesmo tempo desenvolvida uma política interna liderada pela SS, polícia de elite do nazismo, de extermínio sistemático do povo judeu, ciganos, doentes e povos conquistados. 

Todavia, a Alemanha não obtém êxito na guerra. O conflito ocasionou em torno de 50 milhões de mortes no mundo, a Alemanha praticamente destruída e milhões de alemães mortos. O País ainda restou dividido em parte ocidental e oriental, respectivamente, sob domínio das democracias liberais e da ditadura comunista da então União Soviética. Reunificação apenas no final do século XX.

De pontuar que se observa na história o extremismo quer de direita, a exemplo de Hitler, ou esquerda, Stálin, atual Rússia, vitimou milhões, independente da ideologia proposta para cooptar fanáticos e implementar regimes autoritários.

Stalin, importante também frisar, assumiu o poder com a morte de Lenin e liderou o regime totalitário comunista entre 1927 e 1953, na União Soviética. Marcado pela ausência de liberdade e de igualdade, bem como pela severa violência contra opositores. Impôs um governo baseado no terror e provocou a morte de milhões de pessoas, fosse por execuções sumárias, fosse em campos de trabalho forçado. 

Assim, também teve muitas características semelhantes ao regime nazista. Políticas de governo baseadas nos arbítrios do líder, economia planificada, veemente propaganda política, extremo nacionalismo, culto à personalidade do líder, implacável perseguição dos opositores, bem como contra a religião (igrejas fechadas e líderes religiosos presos ou mortos), militarização da sociedade e grande manipulação das informações e censura.

Fomentou no campo externo o combate às democracias ocidentais e ao capitalismo. Todavia, toda essa sistemática violência, economia fechada e opressão gerou um país com enormes desigualdades, fragilidade econômica, corrupção e pobreza, resultando na queda da União Soviética poucas décadas depois.

 

No Brasil contemporâneo, um ex-capitão do exército, que se desligou das forças armadas após investigação sobre um tentativa de atentado e que foi arquivada, ingressou na política como vereador. Depois, sucessivamente eleito como deputado federal. Sempre um parlamentar corporativista, controverso e agressivo. Cultua a ditadura militar e torturadores do regime, assim como condecorou dezenas de policiais violentos. 

Entretanto, como na Alemanha no pós crise de 29 do século passado, irrompe uma instabilidade política, impeachment de uma presidente e denúncias de crime contra o sucessor, bem assim houve a maior recessão econômica da história do país entre 2015 e 2016. Nesse panorama, Bolsonaro lança-se candidato a presidente por um partido inexpressivo, o PSL. 

Plataforma centrada no liberalismo da economia e no combate ao comunismo, à política tradicional e à corrupção. Vários dos filhos já na política, candidatam-se novamente. Traçou uma campanha com poucos recursos, porém de maciça propaganda nas redes sociais com fake news, ilusão sobre fatos. Surpreende nas eleições de 2018 pelo apoio dos eleitores decepcionados com partidos de centro e esquerda, corrupção e economia combalida, pois confrontava essa conjuntura de fragilidade nacional. Além disso, o PSL, pelo qual se elegeu, se tornou o 2° maior partido na Câmara dos Deputados.

No Poder, nomeia inúmeros militares a cargos chaves nos Ministérios, a exemplo não apenas da Alemanha, mas de várias ditaduras, como a recente implementada na Venezuela, que tanto combateu na retórica das eleições. Quanto ao enfrentamento à corrupção, desestrutura já no início do mandato o controle de transações financeiras, o até então atuante COAF, e tenta a troca e depois altera efetivamente comandos na Polícia Federal.

A gestão  desde o primeiro ano é marcada por conflitos e ataques ao Congresso Nacional, à Imprensa e ao Judiciário. Não diminui o tamanho da Administração Pública. Permanece com propaganda cotidiana desinformativa intensa nas redes sociais, mantém conflito permanente, foco em combater quem considera adversários, e não em melhorar o País. Estratégia diversionista que não enfrenta os problemas reais do país, porém mantém grupos de apoio fanáticos-iludidos engajados, que, com o respaldo do Presidente, perpetram possíveis ataques aos Poderes, Democracia e República, o que objeto de investigação no Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral.

O Presidente também demitiu o Diretor da Polícia Federal, o que ocasionou o pedido de demissão do Ministro da Justiça. Esse expõe a tentativa de intervenção incabível na Polícia Federal. Nada obstante, troca o comando de superintendências da PF. 

Várias investigações abertas no STF para apurar possíveis crimes. Além disso, filhos do presidente e apoiadores também objeto de inúmeras investigações criminais e eleitorais. Prática reiterada de desinformação e ataques aos poderes e adversários, além de possíveis casos de corrupção sistemática nos gabinetes pelo recebimento de parte majoritária dos salários de servidores.

Após primeiro ano de mandato, com a insólita e grave pandemia da covid-19, destituiu os ministros da saúde que propunham medidas baseadas na ciência e que liderava com demais entes da Federação o combate à ampla crise sanitária.

Sustentou o falso dilema entre a vida e a economia, quando o mundo concilia o temporário isolamento social com medidas de sustento de renda e recursos para as empresas. Importante frisar que se, com base nas alegações sem base científica do presidente, não houvesse no início o isolamento social adotado por Estados e Municípios, e 70% da população se contaminasse para um suposta imunidade pela contaminação geral, consoante se baseou para não combater o isolamento ou adotar quando deveria a vacinação em massa, estudiosos estimam que ao menos de 9 milhões de pessoas morreriam no País. 

Nomeia um militar despreparado, que junto com o Presidente incentivou utilizar remédios sem eficácia comprovada, desprezou e sabotou a utilização de vacinas e a ciência em geral. Posteriormente, nomeia um médico com identificação ideológica, que também adota condutas sem base científica e permaneceu no poder. Em consequência, o Brasil se tornou um dos epicentros de contágio e de maior vítimas fatais. O Presidente permanece indiferente a centenas de milhares de mortos.

O Presidente também ataca as minorias, desconstituiu o sistema de proteção ambiental e incentivou o extrativismo ilegal quer mineral ou vegetal. Não tem política de melhoria da educação, inclusive o ministro da pasta atacou, entre outros, as crianças portadoras de deficiência, bem como houve graves casos de corrupção. 

Não aceita qualquer componente do governo com boa avaliação popular. Enxerga conspiração em tudo e em todos. Governa não para aprimorar as políticas públicas e promover o bem comum, mas sim, com traços nitidamente fascistas, promovendo a desconfiança, medo, conflito reiterado e tentativas de intimidação, tentar subverter a democracia. Agride jornalistas e imprensa em geral, bem como políticos e magistrados, embora o STF tenha suspendido, no sistema de freios e contrapesos, algumas das inúmeras medidas que contrariam a Carta Magna. 

Continuou a administração voltada contra o esforço dos demais entes da Federação para conter os efeitos da pandemia. Impeliu população contra o isolamento social e os que considera adversários. Incentiva a população a se armar sem base científica que gera segurança. Busca subverter as instituições e o sistema democrático reiteradamente.

Economia nacional com crescente crise econômica e social, apoio da população se retrai progressivamente, remanescendo apenas uma minoria, mas com preponderância de radicais.

 

Nessas breves perspectivas em paralelo, pode-se observar a ascensão ao poder de um político extremista no Brasil no cenário de grande crise e algumas das nefastas consequências quando no exercício do mandato. 

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Como em toda cooptação por nefastas lideranças, embora o presidente brasileiro não represente a conduta ilibada de quem combate a corrupção ou tenha alguma empatia com o próximo, base preconizada por religiões ou filosofias, nem seja liberal na economia, parcela ainda relevante da população, embora minoritária, tornou-se fanática, com características evidentes de facismo. 

Apoia o líder extremista sem a devida reflexão ou crítica que todo cidadão deve por responsabilidade ter, continuam a respaldar medidas contra as instituições, de subverter o regime democrático, visando a que se instale um autocracia no País, muito semelhante aos que apoiaram no passado o facismo italiano e o  nazismo. 

Identificam-se no presente com os governantes que desnaturam a democracia após eleitos, concentrando poder, a exemplo da Hungria, Polônia e os EUA com Trump até pouco tempo. Se informam sobremaneira por fake news por redes sociais, revelam medo de legítima votação do povo promover a alternância de poder. Não percebem ou em cegueira deliberada que no País segue inclusive o modelo ditatorial da própria Venezuela, que tanto, em tese, criticaram.

 

Em contraponto, impende enaltecer que na democracia os governos administram o Poder Público para a sociedade, e não o contrário, preceitos plasmados na Carta Magna, podendo-se citar artigos 1º ao 3°, 5º e 37, submetendo os governantes da coisa pública, com mandatos com prazos limitados, ao controle da sociedade em geral ao mesmo tempo que os cidadãos podem avaliar e questionar políticos que elegeram, bem assim instituições públicas de controle podem atuar de forma plena, no sistema republicano de freios e contrapesos. 

Por conseguinte, se permanecem graves problemas no Brasil, por exemplo, a endêmica corrupção, advindas quer de governos autoritários ou democráticos, há um plexo de normas, bem como entidades com a capacidade de combater tal chaga e contribuir para se punir infratores, além de se conferir direito a cada indivíduo de exercer de modo direto o controle dos atos administrativos. Inúmeros Órgãos e Poderes investigam de modo permanente a Administração Pública por dever constitucional e que também podem e devem se aperfeiçoar na dinâmica sociedade atual. Além disso, há possibilidade de aprimorar o ordenamento jurídico.

Pelos termos da Constituição da República há de se observar ainda que se protege tanto o direito da maioria quanto da minoria. Isso porque a tolerância e respeito às diferenças consistem em postulados primaciais do regimes participativos e de efetiva liberdade. Isso também por erigir a dignidade do ser humano como direito fundamental e como pedra angular da nossa Lei Maior, artigo 3º. 

Essas e demais nuances do regime participativo revelam um outro fundamento imanente, a responsabilidade. O cidadão ao longo da vida pode perceber que as escolhas políticas que livremente realiza trazem consequências para toda a sociedade. Caso o político seja comprometido em desenvolver trabalhos para o povo, o voto fomentou esse benefício. De outro lado, se a escolha não resultou de uma melhor análise do político e das propostas de governo, observará quando esse no poder e pode exigir o comprometimento do governante durante o mandato e ainda pode mudar o voto na eleição seguinte.

De outro ângulo, há de se notar que o exercício do poder deve respeitar as balizas constitucionais, porquanto não há poderes absolutos. Se algum poder excede, os outros, por serem independentes e harmônicos, devem o conter no que se denomina de sistema de freios e contrapesos, nos termos da Carta Magna, artigo 2º. Do contrário, o poder se caracteriza pelo arbítrio e utilização da força, ditadura, em que o poder é exercido de modo ilimitado, falecendo a liberdade e o respeito aos direitos, liberdade e garantias fundamentais nem se responsabilizam perante os ilícitos cometidos. 

De citar as deliberações do STF, no MI 7.311, DJe 10.06.20, Relator, Min. Roberto Barroso, e liminar na ADI 6457, DJe 12.06.20, Relator Min. Luiz Fux, espancaram quaisquer dúvidas de prevalecer a harmonia e separação de poderes na nossa democracia, descabendo entender que as forças armadas - Instituição de Estado, e não de Governo, com as atribuições de defender o país e a democracia -, tenham papel político.

As inerentes crises das mais variadas esferas - política, econômica, criminal, ambiental, social, entre outras - devem ser enfrentadas pelos poderes e instituições constituídos mediante os diversos mecanismos previstos na Carta Política de 88. 

Então, a Democracia se constitui num regime de governo participativo com os cidadãos, que têm o direito de escolher quem os governa, exigir uma administração comprometida com a ordem legal e os programas de governo; os governantes, o dever de liderar para o bem comum e prestar contas ao povo. 

Não se trata, pois, de um sistema hermético. Implementar um necessário ciclo virtuoso consiste numa responsabilidade compartilhada de todo o povo e instituições do Brasil. E, onde houve a médio e longo prazo o comprometimento responsável da maioria com o regime democrático, a qualidade de vida em geral melhorou pelo processo de enfrentamento em conjunto das dificuldades, promovendo-se uma educação universal de qualidade e aprimoramento contínuo das instituições públicas e privadas para se construir mediante a democracia uma sociedade mais desenvolvida.

 

Assim, de necessidade contemporânea que os cidadãos, instituições públicas e privadas adotem urgentes medidas para afastar o presidente ou o impeçam de subverter a ordem legal e o regime democrático. Como nos alertou a filósofa Hanna Arendt: “Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem os desprezam. Abdicar de pensar também é crime.”



 

Alcindo Antonio A. B. Belo (Advogado, pós-graduado em Administração Pública e Controle Externo pela FCAP/UPE)



 

Referências

 

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1998. Brasil, Congresso Nacional, [1998]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso 20 set. 2021.

Lenharo, Alcir. Nazismo “O triunfo da vontade”. 2ª edição. Editora Ática: São Paulo. 1990.

TERRA. Isolamento vertical pode multiplicar mortes 12x, diz estudo. Disponível em: <https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/saude/isolamento-vertical-pode-multiplicar-mortes-12x-diz-estudo,8a03645eadcad3a57330deb74759ffc6frz7l1f2.html>. Acesso em 15 set. 2021.

YAHOO. Tese de Bolsonaro sobre coronavírus teria milhões de mortos e médico vê "estratégia de destruição em massa". Disponível em: <https://br.noticias.yahoo.com/jair-bolsonaro-coronavirus-milh%C3%B5es-de-mortos-140350845.html>. Acesso em 18 ago. 2021.

Arendt, Hannah. A condição humana. 13ª edição. Editora Forense Universitária: São Paulo. 2016



 

Sobre o autor
Alcindo Antonio Amorim Batista Belo

Bacharel em Direito e Administração pela UFPE. Pós-graduação em Administração Pública e Controle Externo pela FCAP/UPE. Advogado OAB-PE licenciado. Auditor de Controle Externo do TCE-PE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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