Formas de transferência de titularidade das ações das companhias.

Ações nominativas, escriturais, endossáveis e ao portador.

Leia nesta página:

Este texto versa sobre as modalidades de transferência das ações das companhias, e destaca algumas particularidades sobre as ações nominativas, escriturais, endossáveis ou ao portador.

A despeito de ser uma unidade representativa do capital social da companhia, a ação pode ser negociada por seu titular, dentro dos limites fixados na Lei ou no estatuto da companhia. Entre outros limites, tomem-se como exemplos o impedimento, nas companhias abertas, de negociação de ações antes de realização de ao menos trinta por cento de preço de emissão (art. 29 da LSA[1]) e a proibição de a companhia negociar com as próprias ações (art. 30 da LSA[2]).

No que concerne à identificação do titular e à presunção de propriedade, as ações podem classificadas como ações nominativas, ações endossáveis, ações ao portador ou ações escriturais.

Até a revogação dos artigos 32 e 33 da LSA pela Lei nº 8.021/1990, admitia-se a existência de ações nominativas (art. 31 da LSA), endossáveis (art. 32 da LSA), portador (art. 33 da LSA) e escriturais (arts 34 e 35 da LSA). Com o advento da Lei 8.021/1990 e a revogação dos artigos 32 e 33 da LSA, não é mais possível a emissão de ações endossáveis ou ao portador.

Agora, quanto à presunção de propriedade e à forma de circulação as ações serão sempre nominativas[3].

Ações nominativas.

Nas ações nominativas a presunção da sua propriedade decorre da inclusão do nome do acionista no Livro de Registro de Ações Nominativas, ou por um extrato fornecido por instituição financeira responsável pela custódia do título. Nessa hipótese a instituição atua como proprietária fiduciária do título. Como se vê, nas ações nominativas há indicação do nome do titular num livro de registro mantido pela companhia (Livro de Registro de Ações Nominativas) ou nos registros mantidos pela instituição financeira custodiante das ações.

A propósito da transferência, as ações nominativas são transferidas por meio da lavratura de um termo, lançado num livro específico denominado Livro de Transferência de Ações Nominativas. O termo de transferência, além das demais formalidades legais, deve ser datado e assinado pelo cedente, pelo cessionário, ou por seus representantes.

Quando o título tiver sido adquirido por negociação em bolsa de valores, para fins de transferência da ação nominativa o cessionário será representado, independentemente de instrumento de procuração, pela sociedade corretora ou pela entidade responsável pela liquidação da operação.

Nos casos de transmissão indireta, sem ajuste direto entre o titular cedente e o adquirente cessionário, como nas hipóteses de transmissão por morte (e.g. por sucessão universal ou legado) ou por ato judicial (e.g. arrematação e adjudicação) a transferência dos títulos dependerá de averbação no Livro de Registro de Ações Nominativas, à vista de documento comprobatório da causa transmissiva. Esse documento, salvo se houver impossibilidade justificável, deverá permanecer sob custódia da companhia.

Ações endossáveis.

A título de curiosidade, lembre-se que nas ações endossáveis a propriedade presumia-se pela posse do título, tendo em vista a série regular de endossos.

Além disso, presumia-se que a assinatura do endossante seria autêntica quando fosse atestada por oficial público, sociedade corretora de valores, estabelecimento bancário ou pela própria companhia.                        

O exercício de direitos perante a companhia exigia, de todo modo, a averbação do nome do acionista titular da ação endossável no Livro de Registro de Ações Endossáveis e no correspondente certificado da ação.[4]

As transferências das ações endossáveis eram feitas por diferentes formas, a depender da integralização de alguns fatores, como a integralização ou não do título. Tratando-se de ação integralizada, a transferência poderia ocorrer mediante endosso, em preto ou em branco, lançado diretamente no certificado. O endosso, nesse caso, deveria ser datado e assinado pelo proprietário da ação ou por mandatário especial. Se a ação não estivesse integralizada, a transferência poderia ser feita por endosso em preto, com a assinatura do endossatário no certificado.

Sem prejuízo dessas formas, além da possibilidade de emissão de novo certificado em nome do adquirente, a ação ainda poderia ser transferida, independentemente de endosso, pela averbação do nome do adquirente no Livro de Registro e no certificado. Essas medidas (averbação ou emissão de novo certificado), é claro, deveria ser providenciada pela própria companhia, mediante apresentação pelo interessado de certificado da ação e do instrumento de aquisição.

Nesse regime anterior, como mencionado, a transferência mediante endosso só seria eficaz perante a companhia após a averbação no livro de registro e no próprio certificado. Não obstante, o endossatário possuidor direto título poderia provar em face de terceiros, com base na série regular de endossos, seu direito de obter a averbação da transferência ou de exigir emissão de novo certificado em seu favor[5].

Ações ao portador.

Como mencionado acima, até a entrada em vigor da Lei nº 8.021/1990, admitia-se a emissão de títulos ao portador.

Nas ações ao portador não havia necessária indicação do titular. Presumia-se que o portador seria o proprietário do título. A transferência das ações ao portador, nesse caso, dependia de mera tradição do título.

A partir da Lei nº 8.021/1990 vedou-se a emissão de quaisquer títulos e pagamentos sem a identificação dos beneficiários.

Art. 1° A partir da vigência desta lei, fica vedado o pagamento ou resgate de qualquer título ou aplicação, bem como dos seus rendimentos ou ganhos, a beneficiário não identificado. Parágrafo único. O descumprimento do disposto neste artigo sujeitará o responsável pelo pagamento ou resgate a multa igual ao valor da operação, corrigido monetariamente a partir da data da operação até o dia do seu efetivo pagamento.

Art. 2° A partir da data de publicação desta lei fica vedada: I - a emissão de quotas ao portador ou nominativas-endossáveis, pelos fundos em condomínio; II - a emissão de títulos e a captação de depósitos ou aplicações ao portador ou nominativos-endossáveis; Parágrafo único. A transferência das ações ao portador opera-se por tradição.

Ações escriturais.

As ações nominativas podem ser fisicamente (por papéis, livros, certificados etc.), ou eletronicamente representadas (documentos eletrônicos ou suportes equivalentes).

A ação nominativa representada por papel (que tem um suporte físico) é transferida mediante termos no Livro de Registro de Ações Nominativas ou no Livro de Transferência de Ações Nominativas, conforme as formalidades mencionadas acima. Nesses casos é a própria companhia que figura como responsável pela gestão e controle das transferências dos títulos.

Apesar disso, o estatuto da companhia pode estipular que ações da companhia (todas ou algumas ações de classes específicas), sejam mantidas em contas de depósito geridas por determinada instituição financeira, em nome de seus titulares, independentemente da emissão de certificados[6].

Essas ações, mantidas em contas de depósito no nome dos acionistas titulares são denominadas ações escriturais. Note-se que não se trata de uma nova espécie de ação, mas apenas de uma modalidade específica de custódia, circulação e controle de transferência dos títulos.[7]

De modo semelhante ao que ocorre com as ações nominativas, referidas nos livros da companhia, a propriedade da ação escritural é presumida pelo registro da conta de depósito das ações, em nome do acionista, nos livros da instituição financeira depositária.

A transferência das ações escriturais ocorre mediante operações de débito, na conta de ações do alienante, e de crédito, na conta de ações do adquirente. Essas operações são efetivadas pela instituição financeira responsável à vista de uma ordem escrita do alienante, de ordem judicial ou de qualquer outro documento apto à transferência de direitos.[8]

 


[1] Art. 29. As ações da companhia aberta somente poderão ser negociadas depois de realizados 30% (trinta por cento) do preço de emissão.

Parágrafo único. A infração do disposto neste artigo importa na nulidade do ato.

[2] Art. 30. A companhia não poderá negociar com as próprias ações. § 1º Nessa proibição não se compreendem: a) as operações de resgate, reembolso ou amortização previstas em lei; b) a aquisição, para permanência em tesouraria ou cancelamento, desde que até o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social, ou por doação; c) a alienação das ações adquiridas nos termos da alínea b e mantidas em tesouraria; d) a compra quando, resolvida a redução do capital mediante restituição, em dinheiro, de parte do valor das ações, o preço destas em bolsa for inferior ou igual à importância que deve ser restituída. § 2º A aquisição das próprias ações pela companhia aberta obedecerá, sob pena de nulidade, às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, que poderá subordiná-la à prévia autorização em cada caso. § 3º A companhia não poderá receber em garantia as próprias ações, salvo para assegurar a gestão dos seus administradores. § 4º As ações adquiridas nos termos da alínea b do § 1º, enquanto mantidas em tesouraria, não terão direito a dividendo nem a voto. § 5º No caso da alínea d do § 1º, as ações adquiridas serão retiradas definitivamente de circulação.

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[3]  Art. 20. As ações devem ser nominativas. (Redação dada pela Lei nº 8.021, de 1990). Redação anterior: Art. 20. As ações podem ser nominativas, endossáveis ou ao portador.

 

[4] Aos endossos das ações deveriam ser aplicadas, subsidiariamente, as normas reguladoras do endosso cambial (dos títulos de crédito).

[5] “RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. INVENTÁRIO. SOCIEDADE ANÔNIMA. INCLUSÃO DE AÇÕES DO 'DE CUJUS' NO MONTE-MOR. CABIMENTO. CONTRATO DE DOAÇÃO NÃO REGISTRADO NO LIVRO SOCIETÁRIO PRÓPRIO. TITULARIDADE DA AÇÃO NÃO TRANSFERIDA. (...) 2. ‘A transferência das ações nominativas opera-se por termo lavrado no livro de 'Transferência de Ações Nominativas', datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus legítimos representantes. ’ (Art. 31, § 1º, da Lei 6.404/76) 3. Ineficácia da escritura de doação, ratificada em assembleia geral, para transferir a titularidade das ações doadas. Doutrina sobre o tema. (...).” (STJ, Resp. 1196634/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2013, DJe 11/11/2013.

[6] Art. 34. O estatuto da companhia pode autorizar ou estabelecer que todas as ações da companhia, ou uma ou mais classes delas, sejam mantidas em contas de depósito, em nome de seus titulares, na instituição que designar, sem emissão de certificados. § 1º No caso de alteração estatutária, a conversão em ação escritural depende da apresentação e do cancelamento do respectivo certificado em circulação. § 2o Somente as instituições financeiras autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários podem manter serviços de escrituração de ações e de outros valores mobiliários. § 3º A companhia responde pelas perdas e danos causados aos interessados por erros ou irregularidades no serviço de ações escriturais, sem prejuízo do eventual direito de regresso contra a instituição depositária.

[7] Art. 34 da LSA.

[8] Art. 35 da LSA. Art. 35. A propriedade da ação escritural presume-se pelo registro na conta de depósito das ações, aberta em nome do acionista nos livros da instituição depositária. § 1º A transferência da ação escritural opera-se pelo lançamento efetuado pela instituição depositária em seus livros, a débito da conta de ações do alienante e a crédito da conta de ações do adquirente, à vista de ordem escrita do alienante, ou de autorização ou ordem judicial, em documento hábil que ficará em poder da instituição. § 2º A instituição depositária fornecerá ao acionista extrato da conta de depósito das ações escriturais, sempre que solicitado, ao término de todo mês em que for movimentada e, ainda que não haja movimentação, ao menos uma vez por ano. § 3º O estatuto pode autorizar a instituição depositária a cobrar do acionista o custo do serviço de transferência da propriedade das ações escriturais, observados os limites máximos fixados pela Comissão de Valores Mobiliários.

 

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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