Os direitos da mulher como direitos humanos

Direitos humanos

25/09/2021 às 22:52
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A “lei de direitos das mulheres” é uma pedra fundamental de todos os programas da ONU Mulheres. Mais de 185 países são signatários da Convenção. A convenção foi um importante passo para o reconhecimento dos direitos da mulher como direitos humanos.

No dia 18 de dezembro de 1979, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotava a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), em meio à década dedicada ao sexo feminino. A “lei de direitos das mulheres” é uma pedra fundamental de todos os programas da ONU Mulheres. Mais de 185 países são signatários da Convenção.

         A convenção foi um importante passo para o reconhecimento dos direitos da mulher como direitos humanos. A convenção foi pensada primeiramente como instrumento da ajuda ao desenvolvimento. Assim, em seus primórdios, existiam grandes lacunas na proteção dos direitos da mulher.           

         A Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher é o principal documento do direito internacional em relação aos direitos das mulheres, impondo obrigações básicas de eliminar qualquer discriminação baseada no gênero que prejudique as liberdades fundamentais das mulheres na esfera política, social, econômica e cultural.

         Atualmente, segundo o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR), os direitos fundamentais das mulheres no mundo englobam o direito à vida, à saúde, à educação, à privacidade, à igualdade, à liberdade de pensamento, à participação política, o direito a não ser submetida a tortura, entre outros.

         Os direitos das mulheres passaram a integrar as discussões públicas no século XVIII, quando eclodiu a Revolução Francesa, em 1789, exigindo por liberdade, igualdade e fraternidade. A revolução impulsionou diversos questionamentos em relação aos direitos civis e políticos da humanidade.

         A ONU Mulheres tem sede em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Possui escritórios regionais e em países da África, Américas, Ásia e Europa. Nas Américas e Caribe, o escritório regional está situado no Panamá. No Brasil, o escritório opera em Brasília.

         No Brasil

         Em 1932, o sufrágio feminino foi garantido pelo primeiro Código Eleitoral brasileiro: uma vitória da luta das mulheres que, desde a Constituinte de 1891, pleiteavam o direito ao voto. Essa conquista só foi possível após a organização de movimentos feministas no início do século XX, que atuaram intensa e exaustivamente no movimento sufragista, influenciados, sobretudo, pela luta das mulheres nos EUA e na Europa por direitos políticos.

         A Constituição brasileira de 1934 proibiu diferenças de salários para um mesmo trabalho por motivo de sexo; Proíbe o trabalho de mulheres em indústrias insalubres; Garante assistência médica e sanitária à gestante e descanso antes e depois do parto, através da Previdência Social.

         Em 27 de agosto, a Lei nº 4.212/1962 permitiu que mulheres casadas não precisassem mais da autorização do marido para trabalhar. A partir de então, elas também passariam a ter direito à herança e a chance de pedir a guarda dos filhos em casos de separação. No mesmo ano, a pílula anticoncepcional chegou ao Brasil. Apesar de ser um método contraceptivo bastante polêmico, por influenciar os hormônios femininos, não dá para negar que o medicamento trouxe autonomia à mulher e iniciou uma discussão importantíssima sobre os direitos reprodutivos e a liberdade sexual feminina.

         Até o dia 26 de dezembro de 1977, as mulheres permaneciam legalmente presas aos casamentos, mesmo que fossem infelizes em seu dia a dia. Somente a partir da Lei nº 6.515/1977 é que o divórcio tornou-se uma opção legal no Brasil. Porém, é importante ressaltar que anos após a validação da lei, as mulheres divorciadas permaneciam vistas com maus olhos pela sociedade. Esta pressão social fez muitas mulheres optarem por casamentos infelizes e abusivos em vez de pedirem o divórcio.

         Em 1985 é criada a Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) surge em São Paulo e, logo depois, outras unidades começam a ser implantadas em outros estados. Essas delegacias especializadas da Polícia Civil realizam, essencialmente, ações de proteção e investigação dos crimes de violência doméstica e violência sexual contra as mulheres.

         Atualmente, a Constituição de 1988 é o maior instrumento jurídico de proteção dos direitos das mulheres no país. Dessa forma, diversas legislações referentes à mulher foram aprovadas no Brasil, como as Leis nº 8.072/1990 e 8.930/1994, que passaram a caracterizar o estupro e o atentado ao pudor como crimes hediondos.

         A Lei nº 9.100/1995, que estabeleceu quotas mínimas de 20% das vagas em candidaturas nos partidos políticos do país para mulheres e o novo Código Civil (2002), que garantiu o poder familiar e a capacidade civil plena da mulher, conforme o art. 1.603, que permite que a mãe possa fazer o registro de nascimento dos filhos, uma ação que antes competia apenas ao pai.

         Dentre os avanços citados, a lei que representa um dos maiores progressos na luta das mulheres brasileiras por direitos é a Lei nº 11.340/2006, também conhecida como a Lei Maria da Penha. Ela foi precursora ao criar mecanismos jurídicos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Falamos de maneira mais aprofundada sobre essa lei em nosso texto anterior, vale a pena conferir.

         Apesar das conquistas, as mulheres no Brasil ainda vivem uma realidade de desigualdade e discriminação.  Para se ter uma ideia, segundo o Fórum Econômico Mundial (2020), atualmente somente 15% do Congresso Nacional é composto por mulheres, indicando uma grande disparidade entre homens e mulheres na ocupação do espaço público. Nas eleições municipais de 2020, segundo o TSE, apenas 16% das mulheres foram eleitas vereadoras, contra 84% dos homens. A situação é ainda mais grave para as mulheres negras que, conforme a pesquisa GeneroNúmero, representam apenas 6% das vereadoras eleitas em 2020. Além disso, segundo a Agência Patricia Galvão, cerca de 76% das mulheres já sofreram violência e assédio no trabalho no país. Os dados refletem um cenário em que esforços precisam ser feitos para que os direitos das mulheres no Brasil sejam garantidos não apenas no papel, mas na prática.

         Na Espanha

         Mujeres Libres (no português Mulheres Livres) foi uma organização anarquista e feminista espanhola criada oficialmente em 1936, atuando até fevereiro de 1939. A Mulheres Livres foi criada por militantes do movimento anarcossindicalista espanhol. Suas fundadoras atuavam principalmente na CNT (Confederación Nacional del Trabajo), entidade que reunia os sindicatos espanhóis dessa orientação política. O que as levou a estabelecer uma organização própria foi o fato de que, embora o movimento anarcossindicalista na Espanha fosse formalmente comprometido em promover a igualdade entre mulheres e homens e alcançar um tratamento equitativo para ambos no ambiente de trabalho e na sociedade, não estava trabalhando para isso na prática.

         A organização pretendia empoderar as mulheres para assumirem, ao lado dos homens, um lugar nos sindicatos, no ambiente profissional e na sociedade. Elas acreditavam que apenas com uma organização própria, atuando de maneira auto-organizada, as mulheres poderiam se ver como capazes de participar do movimento como iguais e, por consequência, ser tratadas dessa forma pelos homens.

         Após anos de intensa luta, o Parlamento Republicano espanhol aprovou uma emenda constitucional que reconhecia o direito ao sufrágio às mulheres em outubro de 1931, porém elas tiveram que esperar até 19 de novembro de 1933 para poder votar. Após esta votação histórica de 1933 as mulheres só puderam votar novamente em 1936, onde meses mais tarde chegaria o golpe de Estado, a Guerra Civil e posterior, 40 anos de ditadura que aboliram o voto livre à todos os espanhóis, aos quais não puderam voltar a votar até o ano de 1977, após a morte de Francisco Franco.

         Em 2007 a Espanha aprovou a chamada Lei da Igualdade de Gênero, cujo nome oficial é Lei Orgânica 3/2007, de 22 de março, para a igualdade efetiva entre mulheres e homens. Elementos como paridade, não discriminação com base no sexo, igualdade de oportunidades, violência de gênero ou conciliação da vida pessoal, familiar e profissional foram conceitos que a Lei da Igualdade de Gênero introduziu e que agora estão totalmente atualizados.

No atual governo de Pedro Sanchez dos 17 ministérios existentes 11 ministérios estão sendo administrados por ministras.  Já no parlamento há um 40% de mulheres parlamentarias e as duas cidades mais populosas do país, Barcelona e Madrid, estão sendo governadas por mulheres, Ada Colau e Manuela Carmena. A Espanha aprovou em outubro de 2020 dois decretos que buscam regulamentar a igualdade salarial entre homens e mulheres.

         As mulheres, ao longo dos séculos, têm sido privadas do exercício pleno de direitos humanos e têm sido submetidas a abusos e violências, tanto em situações de guerra, como no espaço da vida familiar e doméstica, elas têm tido um papel de grande relevância na ampliação do alcance dos direitos humanos.

         O papel da mulher no contexto que se seguiu à Declaração dos Direitos Humanos, teve uma melhora perante o direito de igualdade, mas sabemos que muito ainda há de se evoluir, em prol de se estabelecer uma equidade. Diferentes questões ganharam destaque em cada período na curtíssima história dos direitos humanos em geral e das mulheres mais especificamente. O avanço dos direitos humanos das mulheres tem ganhado fôlego a partir do fortalecimento da participação feminina e da manutenção dos mecanismos de controle social nos países.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em: 8 jul. 2021.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 8 jul. 2021.

BRASIL. Decreto nº 4.377 de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto no 89.460, de 20 de março de 1984. Brasília, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4377.htm. Acesso em: 8 jul. 2021.

BRASIL. Lei nº 4.121 de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica da mulher casada. Brasília, 1962. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4121.htm. Acesso em: 8 jul. 2021.

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BRASIL. Lei nº 6.515 de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos. Brasília, 1977. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6515.htm. Acesso em: 8 jul. 2021.

BRASIL. Lei nº 8.072 de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm. Acesso em: 8 jul. 2021.

BRASIL. Lei nº 8.930 de 06 de setembro de 1994. Dá nova redação ao art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal. Brasília, 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8930.htm. Acesso em: 8 jul. 2021.

BRASIL. Lei nº 9.100 de 29 de setembro de 1995. Estabelece normas para a realização das eleições municipais de 3 de outubro de 1996. Brasília, 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9100.htm. Acesso em: 8 jul. 2021.

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 8 jul. 2021.

BRASIL. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal. Brasília, 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 8 jul. 2021.

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ONU. Brasil. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por. Acesso em: 8 jul. 2021.

 

Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação a distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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