Recurso em sentido estrito no processo penal militar: Breve discussão acerca das alíneas “A”, “B” e “G” do artigo 516 do CPPM.

27/09/2021 às 18:21

Resumo:


  • O recurso em sentido estrito é um dos principais meios de impugnação contra decisões judiciais da primeira instância na justiça militar.

  • Destaca-se o princípio da taxatividade e a possibilidade de aplicação de interpretação extensiva.

  • As reflexões centrais do artigo giram em torno da análise das discussões acerca das alíneas "a", "b" e "g" do artigo 516 do CPPM.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O recurso em sentido estrito é um dos principais recursos contra decisões judiciais da primeira instância na justiça militar e, no presente estudo, busca-se trazer algumas discussões doutrinárias acerca das alíneas "a" "b" e "g" do art. 516 do CPPM.

Resumo: O recurso em sentido estrito é um dos principais meios de impugnação contra decisões judiciais da primeira instância na justiça militar, razão pela qual o presente estudo, com foco maior na justiça militar da união, busca, inicialmente, trazer breve conceito acerca dos recursos em geral e prossegue definindo o recurso em debate. Destaca-se o princípio da taxatividade e a possibilidade de aplicação de interpretação extensiva. As reflexões centrais do artigo giram em torno da análise das discussões acerca das alíneas “a”, “b” e “g” do artigo 516 do Código de Processo Penal Militar, tudo com base no texto da legislação específica, doutrina especializada e jurisprudência, em especial a do Superior Tribunal Militar.

Palavras-chave: Recurso em sentido estrito. Justiça Militar da União. Código de Processo enal Militar. Doutrina especializada. Superior Tribunal Militar.

Abstract: The appeal in the strict sense is one of the main means of impugnation against court decisions of the first instance in the military justice, which is why this study, with a greater focus on the Federal Military Justice, initially seeks to bring a brief concept about appeals in general and proceeds to define the appeal under discussion. The principle of exactivity and the possibility of applying an extensive interpretation are highlighted. The article’s main reflections revolve around the analysis of the discussions about items "a", "b" and "g" of article 516 of the Code of Military Criminal Procedure, all based on the text of specific legislation, specialized doctrine and jurisprudence, in particular that of the Superior Military Court.

Keywords: Appeal in the strict sense. Federal Military Justice. Code of Military Criminal Procedure. Specialized doctrine. Superior Military Court.

Sumário: Introdução. 1. Recurso em sentido estrito no processo penal militar. 1.1. Conceito e natureza jurídica dos recursos em geral. 1.2. Breve conceito do recurso em sentido estrito. 2. Rol taxativo e possibilidade de interpretação extensiva em caso de RESE. 3. Hipóteses de cabimento do RESE no processo penal militar: foco nas alíneas “a”, “b” e “g” do CPPM. 3.1. Reconhecer a inexistência de crime militar, em tese. 3.2. Indeferir o pedido de arquivamento, ou a devolução do inquérito à autoridade administrativa. 3.3. Julgar improcedente o corpo de delito ou outros exames. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Nos termos do artigo 510 do Código de Processo Penal Militar (CPPM), existem duas modalidades de recursos cabíveis contra as decisões de primeira instância: recurso em sentido estrito (RESE) e apelação.

Todavia, essa literalidade do código não condiz com a realidade, pois, conforme a firme doutrina e jurisprudência castrense, comprovadas pela praxe forense, existem outros recursos cabíveis contra decisões do juiz federal da justiça militar (juiz de direito da justiça militar estadual) e dos Conselhos de Justiça, tais como recurso inominado, os “embarguinhos” (art, 203 e art. 219, ambos do CPPM) e, para quem admite, os embargos de declaração.

Vale lembrar do recurso inominado, que não é recurso propriamente dito, mas, em verdade, condição necessária para que a sentença possa produzir seus efeitos jurídicos.

Nesse cenário, o RESE ganha relevância por ser um dos recursos mais frequentes, demandando do operador do direito processual penal militar certos cuidados ao manejá-lo, a fim de que não incorra em equívocos que impeçam seu conhecimento no juízo de prelibação.

Diante desse quadro, busca-se no presente estudo, com maior foco na Justiça Militar da União (JMU), elencar algumas das hipóteses de cabimento do RESE, mais especificamente as alíneas “a”, “b” e “g” do artigo 516 do CPPM, comparando-se as posições doutrinárias acerca delas.

A metodologia se baseia em pesquisas bibliográficas, buscando-se uma comparação entre autores desse ramo especializado do Direito, os quais abordam o tema com profundidade. Nessa toada, faz-se menção aos posicionamentos, por exemplo, do sempre bem lembrado e agora saudoso Célio Lobão, de Cícero Robson Coimbra Neves, de Jorge Cesar de Assis, de Ênio Luiz Rosseto e de Guilherme de Souza Nucci.

Além disso, será mencionado o entendimento jurisprudencial, em especial, do Superior Tribunal Militar (STM), dada a sua relevância no Poder Judiciário e atuação na especialidade do direito castrense no âmbito federal. Desse modo, não focamos nos precedentes dos Tribunais de Justiça Militares estaduais (São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), mas isso não significa que algumas lições aqui abordadas não se aplicam à Justiça Militar Estadual (JME).

Quanto a temática escolhida, percebe-se a sua grande relevância, porque o recurso em sentido estrito é um dos meios de impugnação a decisões de primeira instância mais frequente na prática do processo penal militar, sendo certo que a identificação e correta compreensão acerca das hipóteses de seu cabimento se revela importante para aqueles que estudam o processo penal castrense e atuam nessa área tão específica.

Destarte, o presente artigo busca primeiramente trazer um breve conceito e natureza jurídica acerca dos recursos em geral, prosseguindo no conceito do RESE, destacando o rol taxativo e possibilidade de interpretação extensiva em casos do recurso em tela. Posteriormente adentra-se na análise de algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais acerca das suas hipóteses de cabimento, mais especificamente das alíneas “a”, “b” e “g” do CPPM.

1. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO NO PROCESSO PENAL MILITAR

 

{C}1.1         Conceito e natureza jurídica dos recursos em geral        

O recurso pode ser definido como o direito que a parte possui de, na mesma relação jurídica processual (o que o difere das ações autônomas de impugnação, que inauguram uma nova relação jurídica processual), atacar decisão judicial que lhe contrarie, pleiteando sua revisão, total ou parcial.

Também vemos na doutrina sua definição como um instrumento processual voluntário de impugnação de decisões judiciais, previsto em lei federal, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, objetivando a reforma, invalidação, integração ou o esclarecimento da decisão judicial impugnada. Essa é a posição de Renato Brasileiro (2020, p. 1729).

Temos uma discussão acerca da natureza jurídica do instituto, no que podemos dizer que tem prevalecido na doutrina e jurisprudência o entendimento de que o recurso é um desdobramento do direito de ação, sendo uma fase do mesmo processo, e que. ao ser interposto, faz com que o procedimento se desenvolva em nova etapa da mesma relação processual. Nesse sentido, podemos citar Renato Brasileiro, Vicente Greco Filho e Guilherme de Souza Nucci, por exemplo.

Desse modo, é sempre bom lembrar que os recursos não se confundem com as ações autônomas de impugnação (mandado de segurança, habeas corpus e revisão criminal, por exemplo). Com efeito, através das ações autônomas de impugnação instaura-se uma nova relação jurídica processual. Essa é a principal diferença dessas ações para os recursos, pois nos recursos, a mesma relação jurídica se prolonga (há o mero desdobramento da mesma relação processual, perante um órgão jurisdicional diverso).

 

1.2. Breve conceito do recurso em sentido estrito

Podemos definir e entender o recurso em sentido estrito como uma modalidade de recurso destinada, em regra, ao ataque de decisões interlocutórias, não definitivas ou que não tenham caráter terminativo, previsto nos art. 516 e seguintes do Código de Processo Penal Militar, bem como art. 511 e seguintes do Código de Processo Penal (tendo em vista o foco do presente trabalho, vamos nos ater somente ao CPPM, sem prejuízo de eventuais comparações com as disposições do CPP).

Acerca do conceito do RESE, cabe trazer à baila as lições de Cícero Coimbra (2021, p. 1037):

“Consiste em recurso destinado, em regra, ao ataque de decisões interlocutórias, não definitivas ou que não tenham caráter terminativo, previsto nos arts. 516 e seguintes do Código de Processo Penal Militar. Claro que não está atrelado apenas a decisões interlocutórias - uma vez que o caput do art. 516 do CPPM fala genericamente em decisão ou sentença –, mas é um remédio especialmente dirigido a elas.”

Note-se que o caput do art. 516 do CPPM fala genericamente em decisão ou sentença. Nucci (2019, p. 542) traz a ilustração das alíneas “c” “d” e “j”, como exemplos de verdadeiras decisões que dão fim ao processo.

Diante desse contexto, podemos definir o RESE como um recurso destinado, em regra, ao ataque de decisões interlocutórias, não definitivas ou que não tenham caráter terminativo, previsto no art. 516 e seguintes do Código de Processo Penal Militar.

 

2. ROL TAXATIVO E POSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA EM CASOS DE RESE

O Rol do artigo 516 do CPPM é taxativo. Confirmam essa informação, por exemplo, os ilustres doutrinadores de processo penal militar: Célio Lobão, Cláudio Amin, Jorge Cesar de Assis, Cícero Coimbra, Enio Luiz Rosseto e Guilherme de Souza Nucci.

E aqui cabe fazer um importante alerta ao estudioso do processo penal militar: não devemos confundir taxatividade com literalidade.

Com efeito, segundo firme doutrina e jurisprudência castrense, apesar de taxativo, o rol do artigo 516 do CPPM admite interpretação extensiva (art. 2º §1º CPPM). A interpretação extensiva, conforme Vicente Greco Filho, citado por Coimbra (2021, p. 1038):

não amplia o rol legal; apenas admite que determinada situação se enquadra no dispositivo interpretado, a despeito de sua linguagem mais restritiva. A interpretação extensiva não amplia o conteúdo da norma; somente reconhece que determinada hipótese é por ela regida, ainda que sua expressão verbal não seja perfeita” (grifo nosso)

No mesmo sentido é a posição do STM:

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO SUSCITADA PELA DEFESA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ART. 516 DO CPPM. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. (...)  A doutrina e a jurisprudência dos Pretórios entendem que não deve prevalecer a interpretação literal nas hipóteses de cabimento do Recurso em Sentido Estrito, devendo ser utilizada, tanto quanto possível, a técnica da interpretação extensiva. Preliminar de não conhecimento rejeitada. Unanimidade. (...) Recurso em Sentido Estrito a que se nega provimento. Unanimidade. (Superior Tribunal Militar. nº . Relator(a): Ministro(a) CLEONILSON NICÁCIO SILVA. Data de Julgamento: 12/09/2017, Data de Publicação: 28/09/2017)”

Logo, concluímos que a interpretação extensiva não é incompatível com o rol taxativo.

Como exemplo clássico de aplicação da interpretação extensiva no processo penal comum, podemos citar o RESE contra decisão que rejeita o aditamento da denúncia. Note-se que esse artifício não é necessário ao intérprete do CPPM, que prevê expressamente tal possibilidade (art. 516 “d” do CPPM).

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Noutro giro, cabe lembrar que existe uma prevalência do recurso de apelação em relação ao recurso em sentido estrito, pois “quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra.” (art. 526, pú do CPPM). É dizer: se for cabível a apelação contra uma decisão definitiva e também cabível o recurso em sentido estrito para uma outra decisão pontual no mesmo contexto, esta deverá ser impugnada também na apelação.

Posto isso, passemos, agora, a analisar discussões existentes acerca de algumas hipóteses de cabimento do RESE no processo penal militar, mais especificamente das alíneas “a, “b” e “g” do art. 516 do CPPM.

3. HIPÓTESES DE CABIMENTO DO RESE NO PROCESSO PENAL MILITAR: FOCO NAS ALÍNEAS “A”, “B” E “G” DO ARTIGO 516 DO CPPM

O caput do artigo 516 do CPPM menciona que “caberá recurso em sentido estrito da decisão ou sentença (...)” e, nesse aspecto, entendemos que o legislador processual penal militar andou melhor tecnicamente do que o do processo penal comum, haja vista que o art. 581 do CPP faz menção a sentença, despacho ou decisão (lembremos da crítica daqueles que entendem que os despachos são irrecorríveis).

Nessa toada, as hipóteses de cabimento de RESE estão elencadas nas alíneas “a” até “q” do já citado artigo 516 do CPPM. Por questões de objetividade, e sempre dando maior foco à JMU, traremos breves reflexões acerca das alíneas “a”, “b” e “g”, por entendermos que elas dão causa a boas discussões tanto na doutrina como na jurisprudência castrense.

Desse modo, caberá recurso em sentido estrito da decisão ou sentença que:

3.1 reconhecer a inexistência de crime militar, em tese (art. 516 “c” do CPPM)

Imaginemos a seguinte situação: em uma festa junina de rua, o soldado do Exército Brasileiro ROY, após tomar umas cervejas, discute com o soldado do Exército Brasileiro BOB e o agride fisicamente. Levado o fato ao conhecimento do Comando (ambos serviam na mesma Organização Militar), foi instaurado um inquérito policial militar e o Ministério Público Militar denunciou o SD EB ROY pelo crime de lesão corporal (art. 209 c/c art. 9º, II “a”, ambos do CPM).

O juiz federal da JMU, por se filiar à corrente predominante no Supremo Tribunal Federal, rejeitou a denúncia por entender que não estava diante de um crime militar, já que o fato não ocorreu em lugar sujeito à Administração Militar, nada tinha a ver com a atividade militar dos envolvidos e, portanto, não havia repercussão na caserna.

O membro do MPM tomou ciência da decisão e, por ser adepto da corrente de entendimento predominante no STM (o caso trata de crime militar, por força do art. 9º, II “a” do CPM, que deve ser analisado objetivamente) decidiu interpor recurso no prazo legal.

Pergunta-se: Qual o recurso cabível? Com base em qual fundamento legal?

O recurso é simples de identificar: RESE. Quanto à alínea do art. 516 do CPPM a ser aplicada, cabe trazer algumas considerações da doutrina.

Se adotarmos a visão de Célio Lobão (2010, p. 576), o recurso seria o RESE, podendo-se invocar a alínea “a” do art. 516 do CPPM. Com efeito, pelas suas argumentações, notamos que o ilustre autor aplica uma interpretação ampliativa dessa hipótese. Entende, por exemplo, que estaria abarcado nessa hipótese o reconhecimento da incompetência, pelo fato de a conduta configurar crime comum. Se não, vejamos:

“O crime militar encontra-se definido no CPM, com o atendimento dos pressupostos do art. 9º do mesmo diploma penal castrense. Como a competência constitucional da Justiça Militar é restrita ao crime militar, a decisão do Juiz ou do Conselho que reconhecer a inexistência, em tese, de crime militar estará reconhecendo, ao mesmo tempo, a incompetência ratione materiae da Justiça Militar. (...). Como a decisão que reconhece a inexistência de crime militar importa no reconhecimento da incompetência da Justiça Militar, conforme demonstrado supra, o recurso contra ela interposto tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos. Em juízo de retratação, o Juiz ou Conselho poderá manter ou reformar a decisão recorrida. Na segunda hipótese não cabe recurso por falta de previsão legal (arts. 516, p. ún., e 517, do CPPM)” (grifo nosso)

Abrindo divergência, Cícero Coimbra (2021, p. 1043 - 1044) e Enio Rosseto (2021, p. 641), tratando dessa mesma alínea, aplicam, uma interpretação restritiva, pois entendem que tal possibilidade de RESE deve ficar limitada ao caso em que a autoridade decisora entende que não há crime por ausência de um dos substratos do conceito analítico de crime (fato típico, ilícito e culpável). Rosseto ainda traz como exemplo a desclassificação do fato para infração disciplinar.

Por sua vez, Nucci (2021, p. 543) entende que não existe razão para a alínea “a” que é, nas palavras do autor, “no mínimo, peculiar”, pois sempre que reconhecer a inexistência do crime, a decisão pode ser atacada por RESE baseado em outras alíneas.

De nossa parte, com a devida vênia aos demais doutrinadores, entendemos que a posição de Coimbra e Rosseto é a mais acertada. Destarte, se estivermos, por exemplo, diante de um caso em que o magistrado rejeita a denúncia por entender pela atipicidade material da conduta ou pela presença de causa excludente de ilicitude, deve o operador do direito militar manejar RESE com base no artigo 516 “a” e “d” do CPPM (não vemos problemas em conjugação das hipóteses).

3.2 Indeferir o pedido de arquivamento, ou a devolução do inquérito à autoridade administrativa; (alínea “b do art. 516 do CPPM)

Inicialmente, cabe mencionar que, para alguns operadores do Direito Processual Penal Militar na JMU, a primeira parte dessa alínea não faz sentido, uma vez que o juiz federal da justiça militar, ao discordar da promoção de arquivamento do MPM, deve, pela letra do CPPM, remeter os autos à análise do Procurador Geral de Justiça Militar (PGJM), ex vi do art. 397 do CPPM:

Falta de elementos para a denúncia

“Art. 397. Se o procurador, sem prejuízo da diligência a que se refere o art. 26, n° I, entender que os autos do inquérito ou as peças de informação não ministram os elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia, requererá ao auditor que os mande arquivar. Se este concordar com o pedido, determinará o arquivamento; se dele discordar, remeterá os autos ao procurador-geral.”   

Destaque-se que, na prática, todavia, há orientação para que os autos sejam enviados pela secretaria da Circunscrição Judiciária Militar (CJM) diretamente à Câmara de Coordenação e Revisão do MPM (CCR/MPM), cuja atuação em revisão de arquivamento de IPM se dá em caráter conclusivo e decisório (Enunciado nº 13 - CCR/MPM).

Portanto, para essa corrente de pensamento, não haveria causa para interposição de RESE, já que o próprio magistrado, ao indeferir o pedido de arquivamento, já remete os autos para o órgão competente do MPM.

Noutro giro, há quem sustente existir aplicação dessa primeira parte quando o magistrado, rejeitando a promoção de arquivamento, não remete os autos ao PGJM (ou CCR/MPM). Essa é a posição, por exemplo, de Enio Rosseto (2021, p. 641).

Em relação à segunda parte dessa alínea, há quem entenda que ela também não faz sentido.

De fato, para os estudiosos que, com base no sistema acusatório, defendem que é mais adequada a tramitação direta das diligências entre o titular da ação penal militar e a autoridade de polícia judiciária militar (art. 129, VIII da CF/88), não haveria aplicabilidade dessa hipótese de RESE.

Nesse diapasão, se os autos “baixam” para a OM por requisição direta do MPM ao Comandante da OM ou encarregado do IPM, não cabe ao juiz participar desse trâmite, salvo em caso de necessidade de decisões com cláusula de reserva de jurisdição durante a fase pré-processual. Como o magistrado não pode interferir na opinio delicti do Parquet das Armas, não vai, em casos de tramitação direta, ter a oportunidade de deferir ou indeferir as diligências, Não há, nesse caso, possibilidade de ocorrer uma decisão que seja fato gerador para a interposição de RESE.

Por sua vez, outra corrente de pensamento vê ainda aplicabilidade nessa segunda parte da alínea. Isso porque o artigo 26, incisos I e II do CPPM ainda está em plena vigência e preconiza:

“Art. 26. Os autos de inquérito não poderão ser devolvidos a autoridade policial militar, a não ser:

        I — mediante requisição do Ministério Público, para diligências por ele consideradas imprescindíveis ao oferecimento da denúncia;

        II — por determinação do juiz, antes da denúncia, para o preenchimento de formalidades previstas neste Código, ou para complemento de prova que julgue necessária.

        Parágrafo único. Em qualquer dos casos, o juiz marcará prazo, não excedente de vinte dias, para a restituição dos autos.”

 

Pela simples leitura do parágrafo único, se observa que, na sistemática do CPPM, o magistrado ainda exerce função anômala de fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal militar, podendo, em decisão fundamentada, indeferir diligências pleiteadas pelo MPM.

É o que ocorre, por exemplo, quando o juiz federal da justiça militar indefere pedido do MPM de baixa para diligências por ausência de minucioso relatório a ser confeccionado pelo encarregado do IPM. Ora, é cediço que o relatório, a solução e a respectiva homologação, não constituem peças essenciais, sendo incabível a devolução do IPM para sua inclusão. Essa é a lição de Célio Lobão (2010, p. 65).

É dizer: a ausência de relatório é mera irregularidade, não sendo suficiente para gerar nulidade e o MPM pode, portanto, denunciar normalmente. Entendendo o juiz dessa forma, o magistrado indefere o pedido de devolução do inquérito à autoridade administrativa, o que dá ensejo ao manejo do RESE com base na alínea em comento.

Mas não é só.

Acerca do preceito do art. 26, caput e incisos do CPPM, o STM já se manifestou pela sua validade nos dias atuais, não havendo que se falar em afronta ao sistema acusatório. Nesse sentido, colaciona-se:

“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO DO MAGISTRADO A QUO. REVOGACÃO DE ATO JURISDICIONAL QUE CONFERIA AO MPM ATRIBUIÇÃO PARA ESTABELECER PRAZO PARA DILIGÊNCIAS INDISPENSÁVEIS AO OFERECIMENTO DA DENUNCIA.  ART. 26 DO CPPM.  PREVISÃO DE COMPETÊNCIA DO JUIZ-AUDITOR PARA DETERMINAÇÃO DE PRAZO COMPLEMENTAR PARA DILIGÊNCIAS. SEGURANÇA DENEGADA. FALTA DE AMPARO LEGAL.

Compete ao Juiz Federal da Justiça Militar, na qualidade de supervisor das investigações, o controle dos procedimentos investigatórios criminais. Assim, o representante do Ministério Público Militar há de requerer ao magistrado competente a devolução dos autos à autoridade policial, cabendo ao juízo decidir sobre a eventual possibilidade de prorrogação de prazo, a teor do parágrafo único do art. 26 do CPPM, haja vista a falta de previsão legal para instituição da "Central de Inquéritos".Mandado de Segurança conhecido e denegada a ordem. Decisão unânime. Superior Tribunal Militar. Mandado de Segurança nº 7000907-33.2018.7.00.0000. Relator(a): Ministro(a) FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO. Data de Julgamento: 13/02/2019, Data de Publicação: 06/03/2019)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. ART. 303, 'CAPUT', DO CPM. Preliminar de inconstitucionalidade do art. 26, inciso II, do CPPM, suscitada pelo MPM, e, em consequência, de nulidade da prova pericial requisitada pela Magistrada a quo. No processo penal vigora o princípio da verdade real como fundamento da sentença. Só excepcionalmente o juiz penal se satisfaz com a verdade formal, quando não disponha de meios para assegurar a verdade real (Doutrina). Preliminar que se rejeita. Unânime. (...) Unânime. (Superior Tribunal Militar. Recurso em Sentido Estrito nº 0000065-16.2012.7.02.0102. Relator(a): Ministro(a) MARCUS VINICIUS OLIVEIRA DOS SANTOS. Data de Julgamento: 09/05/2013, Data de Publicação: 17/05/2013)” (grifo nosso)

Por esse motivo, em algumas auditorias da justiça militar da união, ainda não se aplica a tramitação direta dos autos do IPM entre o MPM e a autoridade de polícia judiciária militar, sendo certo que os autos passam pelo cartório da auditoria.

3.3 Julgar improcedente o corpo de delito ou outros exames (alínea “g” do art. 516 do CPPM)

Preliminarmente, cabe aqui duas observações acerca dessa redação: o legislador na verdade quer se referir ao exame de corpo de delito (cujo conceito não se confunde com o de corpo de delito) e “outros exames” podem ser encontrados no art. 330 CPPM, mas, com base na busca da verdade real, isso não significa que não possam ser realizados outros que não estão previstos expressamente na letra do CPPM.

Posto isso, passemos àquela que entendemos ser a principal indagação acerca dessa alínea: O que é julgado improcedente? O conteúdo do exame ou o pedido do exame?

Para início de conversa, temos que lembrar da literalidade dos artigos 315 e 325, ambos do CPPM (com grifos nossos):

“Determinação

        Art 315. A perícia pode ser determinada pela autoridade policial militar ou pela judiciária, ou requerida por qualquer das partes.

        Negação

        Parágrafo único. Salvo no caso de exame de corpo de delito, o juiz poderá negar a perícia, se a reputar desnecessária ao esclarecimento da verdade. (ex art 330 CPPM)

 

Prazo para apresentação do laudo

        Art. 325. A autoridade policial militar ou a judiciária, tendo em atenção a natureza do exame, marcará prazo razoável, que poderá ser prorrogado, para a apresentação dos laudos.

        Vista do laudo

        Parágrafo único. Do laudo será dada vista às partes, pelo prazo de três dias, para requererem quaisquer esclarecimentos dos peritos ou apresentarem quesitos suplementares para êsse fim, que o juiz poderá admitir, desde que pertinentes e não infrinjam o art. 317 e seu § 1º.”

Diante dessa questão, uma primeira corrente, capitaneada por Enio Rosseto (2021, p. 643), traz a seguinte interpretação:

“A improcedência de que trata a alínea “g” se refere tanto à decisão que rejeita o pedido de realização do exame do corpo de delito e de outros exames, como também a que não acolhe a impugnação da parte insatisfeita com o conteúdo do exame (leia-se do laudo).” (grifo nosso)

Para uma segunda corrente, cabe RESE contra decisão que julga improcedente o conteúdo do exame. Há precedente do STM nesse sentido (RESE 2002.01.006953-0. J. 9/05/2002).

Parte da doutrina especializada critica essa possibilidade de o juiz rejeitar o conteúdo do exame, pois não lhe cabe dizer se o conteúdo é ou não procedente. Com efeito, o que cabe ao magistrado é acolher ou não o resultado do exame quando do seu julgamento. Essa é a posição de Nucci (2019, p. 545) e de Coimbra (2021, p. 1060).

Para uma terceira corrente, cabe RESE contra decisão que julga improcedente o pedido do exame. Há precedente do TJM/SP nesse sentido (RESE 1.014/11, j. 24/02/2012).

Aqui também cabe uma crítica, pois o já citado parágrafo único do art. 315 do CPPM não prevê recurso para a negativa do juiz. Nesse sentido, as lições de Jorge Cesar de Assis (2012, p. 440):

“Conquanto possa o juiz negar a perícia, cremos que tal decisão deve ser tomada com cautela, a fim de não ferir os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, nem, muito menos, obstar o Ministério Público de provar sua acusação.”

Como se vê, a alínea em comento gera interessantes debates, razão pela qual o intérprete deve se atentar para seus detalhes, desde sua peculiar redação até a consideração dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.

CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou trazer reflexões acerca do recurso em sentido estrito, que é um dos principais meios de impugnação contra decisões judiciais da primeira instância na justiça militar. A temática foi desenvolvida com maior foco na JMU.

Nessa toada, dentre as hipóteses de cabimento de RESE, foram escolhidas para reflexão as alíneas “a”, “b” e “g” do art. 516 do CPPM, que geram interessantes debates para os operadores do direito processual penal militar.

A partir desse cenário, foi apresentada a literalidade da norma de regência da matéria (CPPM), comparando-se alguns posicionamentos na doutrina especializada e trazendo a posição jurisprudencial, em especial a do STM.

Destarte, conclui-se que o conhecimento adequado acerca das hipóteses de cabimento de RESE faz com que o operador do direito processual penal militar tenha certos cuidados ao manejá-lo, evitando equívocos que impeçam o conhecimento desse meio de impugnação no juízo de prelibação.

Referência: 

ASSIS, Jorge Cesar de. Código de Processo Penal Militar anotado. Curitiba: Juruá, 2012, p. 440.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único – 8 ed. Ver. Ampl e atual. – Salvador: Ed. Juspodivm, 2020.

LOBÃO, Célio. Direito Processual Penal Militar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Direito Processual Penal Militar - Volume Único. 5. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2021.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Militar Comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. 

ROSSETO, Enio Luiz. Curso de Processo Penal Militar. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

Sobre o autor
Ataliba Dias Ramos

Juiz Federal Substituto da Justiça Militar da União, atualmente lotado na 10ª Circunscrição Judiciária Militar. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Fortium.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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