Comoriência e sua aplicação no direito Sucessório.

Quando um casal morre ao mesmo tempo, como fica a herança?

29/09/2021 às 13:11
Leia nesta página:

A Comoriência é um instituto do direito sucessório que ocorre, normalmente, precedido de tragédias.

 

A Comoriência é um termo jurídico que vem do latim “commori”, que significa “morrer com”, ou seja, quando duas ou mais pessoas falecem juntas ou ao mesmo tempo.

Segundo o artigo  do código civil

"Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos."

Essa situação é de grande importância para o Direito Sucessório, pois pelo princípio da saisine, falecendo o autor da herança, seus bens serão imediatamente transmitido aos herdeiros.

Porém, no caso de comoriência, tendo o herdeiro falecido simultaneamente com o autor da herança, não há que se falar nessa transmissão, pois no dizer da Professora "Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka"

O Direito Sucessório não admite a transmissão da herança ao vazio, vale dizer, não se admite deferência sucessória a pessoa que se encontrava também morta, ainda que portasse, antes dos óbitos, a condição de herdeiro do autor dessa herança.

Para facilitar o entendimento, vou trazer um exemplo citado pelo Professor "Conrado Paulino da Rosa" em seu livro Inventário e Partilha, Teoria e Prática, Editora Juspodivm, 3ª Edição, item 1.3.4, página 36 a 38.

Imaginemos que João e Maria, são casados pelo regime da separação convencional de bens, sem descendentes nem ascendentes, vem a falecer em um acidente de carro onde, no momento do impacto, ambos morrem.
Cada um deles possui um irmão vivo e um patrimônio de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) ), portanto, o patrimônio do casal falecido era de R$ 2.000.000,00 (Dois milhões de reais).
Existindo comoriência, cada um dos irmãos do casal falecido, receberá R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Lembrando que irmãos são considerados herdeiros colaterais e só herdam na ausência de descendente, ascendentes e cônjuge do falecido, conforme previsto do art. 1.829 e incisos do Código Civil.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.

Voltando ao exemplo do ilustre Professor, imaginemos agora que:

João faleceu no impacto e Maria posteriormente, tendo sido socorrida com vida, mas ao dar entrada no hospital não resistiu aos ferimentos, neste caso, não há que se falar em comoriência pois a morte do casal ocorreu em momentos distintos.
Tendo em vista ter falecido antes de sua esposa, abre-se primeiro a sucessão de João, esse que, sem descendentes ou ascendentes terá Maria como sua única herdeira, uma vez que a ordem de chamamento para herança prevista no artigo 1.829 do Código Civil dispõe que a existência de cônjuge sobrevivente afasta os colaterais, afastando, portanto, o irmão de João do recebimento da herança.
Desse modo, Maria herda a totalidade da herança, qual seja R$ 2.000.000,00 (Dois milhão de reais), nos termos do artigo 1.838 do Código Civil, independente do regime de bens.
Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.
Com o falecimento posterior de Maria, viúva de João, sem descendentes ou ascendentes, quem receberá a totalidade do patrimônio será o irmão de Maria, nos termo do artigo 1.829, inciso IV do Código Civil, para desespero do irmão de João.

Note, que o fato de Maria ter vivido algumas horas, ou até mesmo alguns minutos a mais do que João, fez toda a diferença na questão sucessória e fatalmente no direito dos propensos herdeiros do casal falecido.

Assim, o momento exato da morte é de suma importância para o direito sucessório, não por acaso, a lei 6.015/73, Lei dos Registros Publicos, dispõe sobre a obrigatoriedade de se constar nas certidões de óbitos a hora, se possível, dia, mês e ano do falecimento.

Nesse sentido vale citar os artigos 77 e 80 da mencionada lei:

Art. 77. Nenhum sepultamento será feito sem certidão do oficial de registro do lugar do falecimento ou do lugar de residência do de cujus, quando o falecimento ocorrer em local diverso do seu domicílio, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte. (Redação dada pela Lei nº 13.484, de 2017)

 

Art. 80. O assento de óbito deverá conter: (Renumerado do art. 81 pela, Lei nº 6.216, de 1975).
1º) a hora, se possível, dia, mês e ano do falecimento;
2º) o lugar do falecimento, com indicação precisa;
3º) o prenome, nome, sexo, idade, cor, estado, profissão, naturalidade, domicílio e residência do morto;
4º) se era casado, o nome do cônjuge sobrevivente, mesmo quando desquitado; se viúvo, o do cônjuge pré-defunto; e o cartório de casamento em ambos os casos;
5º) os nomes, prenomes, profissão, naturalidade e residência dos pais;
6º) se faleceu com testamento conhecido;
7º) se deixou filhos, nome e idade de cada um;
8º) se a morte foi natural ou violenta e a causa conhecida, com o nome dos atestantes;
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9º) lugar do sepultamento;
10º) se deixou bens e herdeiros menores ou interditos;
11º) se era eleitor.
Sobre o autor
Ezequiel Pereira da Silva

Advogado especializado em causas de natureza Cível, Família e Previdênciária. Atuando em toda região metropolitana da grande Vitória/ES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A recente queda de um avião particular que vitimou parte de uma família de empresários, além do piloto e co-piloto, me chocou profundamente. Lendo os detalhes deste triste fato nos jornais, percebi tratar-se do fenômeno da Comoriência e então resolvi escrever esse artigo.

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