Luiz Fernando Maia
Atentando contra a lógica em um período pandêmico, que abalou profundamente a economia nacional e mundial, nosso Legislativo deu endosso ao Projeto de Lei nº 2.337/21, de autoria do Governo Federal, que aumenta ainda mais a carga tributária do empresário. Em que pese a redução da tributação do lucro das empresas - IRPJ de 25% para 18% (já considerado o adicional) e CSSL de 9% para 8%, com a tributação em 15% do lucro distribuído aos sócios -, com aprovação pela Câmara dos Deputados do PL, chegamos ao absurdo patamar de tributação dos lucros em 41%, contra os 34% de tributação existente até então.
Infelizmente, no Brasil, a reforma administrativa continua um tema avesso aos nossos congressistas, já que afeta parte de seus eleitores e aos próprios, como beneficiários de sistemas de previdência de aposentadoria pública que o país, por obviedade, não vai suportar pagar, sem sistemicamente aumentar os tributos. É neste horizonte que foi aprovado na Câmara Federal, e tudo indica que também receba o crivo do Senado Federal, a mudança da tributação do lucro da Pessoa Jurídica e agora a tributação da Pessoa Física dos sócios.
Mesmo com pequena redução da tributação dos lucros das empresas, nos faz chegar à maior tributação sobre os lucros do mundo (41%). Sem dúvida, uma mudança pouco inteligente no momento em que o país experimenta queda de 0,1% do PIB neste último trimestre e recuo de investimentos internacionais. Entendemos justa a tributação dos lucros distribuídos aos sócios, desde que na dose certa, que implicaria numa redução substancial da tributação do lucro das empresas para ficarmos dentro da lógica mundial da tributação dos lucros.
Na somatória, empresa e distribuição do lucro aos sócios experimenta uma tributação de 26% a 16% (Bélgica: 25%, Espanha 25%, EUA 21%, Holanda 16%, Reino Unido 16% e outros). Pelo menos para evitar a fuga do capital estrangeiro e de novos investimentos empresariais com geração de novos empregos, no máximo, o apetite do Fisco deveria arrefecer-se com 30% na somatória da tributação dos lucros das empresas e do lucro distribuído aos seus sócios. Enfatize-se que mesmo em tal patamar, ainda seríamos uma das maiores tributações sobre o lucro no mundo.
Além de errar a dosagem, o PL na forma aprovada pela Câmara é absolutamente inconstitucional no tocante aos critérios adotados para definir os casos de isenção para os lucros distribuídos aos sócios, ferindo de morte o Princípio Constitucional da igualdade tributária, esculpido no art. 150, II da CF/88. Até o advento da CF/88, o Princípio Constitucional Tributário da Igualdade foi implícito, vez que o legislador constituinte, até então, entendeu não ser necessário a sua expressa inclusão no rol dos princípios limitadores ao poder de tributar porque abrangido na regra de igualdade dos Direitos e Garantias Individuais, sempre assegurado em nossos textos constitucionais.
Aliás, tal igualdade de tributação já estaria contida no próprio Princípio Republicano, desde a nossa primeira Constituição. No dizer de Roque Carraza, “...é intuitiva a inferência de que o princípio republicano leva à igualdade da tributação. Os dois princípios interligam-se e complementam-se”. Feitas as observações acima, temos que o Princípio da Igualdade Tributária é dirigido ao legislador e aplicador da lei e não ao contribuinte, pelo que a conclusão que chegamos é de que estamos diante de uma regra de que, caso sejam criadas situações de tributação ou isenções em que ocorram discriminações, estas devem ocorrer sem quebra e agressões aos princípios da igualdade genérica e republicano.
Pois bem, as regras de isenções da tributação sobre o lucro distribuído, aprovada pela Câmara Federal não possuem o mínimo de nexo causal para justificar o “discriminem” necessário para o legislador definir quem vai pagar o imposto e quem será isentado. A uma, porque utiliza-se do critério para isentar da tributação o porte e faturamento anual das empresas e não valores dos lucros distribuídos, instituindo um “discriminem” para isentar grotesco e ilógico. Estarão isentos do lucro distribuído aos sócios da empresa de pequeno porte ou do lucro presumido com faturamento anual até R$ 4,8 milhões.
O critério de distinção para isentar ou não a pessoa física, afronta qualquer critério racional e constitucional. Como bem resumido por Rui Barbosa (Oração aos moços): A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade.
Ora, que critério de isenção é esse, em que um sócio de uma empresa que fatura anualmente até R$ 4,8 milhões e recebe em média mensal de lucros de R$ 150 mil será isento e o sócio de outra empresa que tem faturamento anual de R$ 4,9 milhões e recebe em média mensal lucro de R$ 50 mil será tributado em 15%? Ademais, os empresários sobrevivem dos lucros recebidos e não poderão abater da tributação os gastos para sobreviver, autorizados em lei às demais pessoas físicas contribuintes (assalariados e servidores públicos), como gastos com educação, saúde e previdência, já que o lucro distribuído terá tributação exclusivamente na fonte.
Vale lembrar que as regras de tributação do IR Pessoa Física é sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Mas não é só este Princípio Constitucional tributário que o PL nº 2.337/21, na forma aprovada pela Câmara, mitiga. Afronta ainda, o Princípio da irretroatividade da lei tributária (CF/88, art.150, III, a). Tal qual ocorria com o princípio da igualdade tributária, o princípio da irretroatividade da lei tributária não se encontrava expresso nas Constituições que precederam o texto constitucional de 1988.
A proteção do contribuinte neste aspecto, nunca deixou de ocorrer, vez que sempre foi considerado um princípio implícito como consequência do princípio genérico de que a lei não pode prejudicar o direito adquirido, o ato perfeito e a coisa julgada (art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal). Já o art. 6º, da LINDB (Lei nº 12.376/2010) diz o seguinte: “A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.” Pela previsão do § 2º do art. 6º da LINDB: “consideram-se adquiridos assim os direitos que seu titular, ou alguém por ela, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha tempo prefixo ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.
Importante lembrar aqui que as normas previstas na LINDB não regulam apenas as partes integrantes do Código Civil, mas todas as normas previstas no ordenamento jurídico, tanto de direito privado, quanto ao direito público. Pois bem, a aprovação da distribuição dos lucros da sociedade, em regra, ocorre com a aprovação das contas do exercício. Em outras palavras, forçoso reconhecer que os lucros a serem distribuídos no primeiro trimestre do ano de 2022 são os realizados e apurados no trimestre antecedente de outubro, novembro e dezembro de 2021.
Conforme colocado acima, o direito adquirido não se restringe apenas ao direito que já se incorporou ao patrimônio de seu titular, mas também o exercício de um direito que depende de um termo prefixo ou condição preestabelecida e que seja inalterável, pelo arbítrio de outrem. Ora, o artigo 10-A do PL estabelece que, a partir de 1º de janeiro de 2022, os lucros ou dividendos pagos ou creditados sob qualquer forma pelas pessoas jurídicas ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza retido na fonte à alíquota de 15%. Claro a retroatividade da lei ao tributar o lucro pago de janeiro a março de 2022, já que este lucro foi gerado no último trimestre de 2021 e sua distribuição definida pela sociedade em condição prefixada antes do início da vigência da lei que tributa os lucros distribuídos. Sem dúvidas, estamos diante de novos “cases” que deverão ser submetidos a formatação de jurisprudência em nosso judiciário.
* O autor é advogado e sócio-fundador do escritório LF Maia Sociedade de Advogados.