Limites do Ministério Público na defesa dos Direitos do Consumidor

29/09/2021 às 19:56
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O artigo tem como objetivo os limites de atuação do Ministério Público na defesa dos direitos do consumidor, além de outras questões pertinentes como direitos coletivos e individuais, poderes do Ministério Público e outras mais pertinentes ao tema.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho justifica-se pela necessidade de maiores esclarecimentos em relação aos limites de atuação do Ministério Público na defesa dos direitos do consumidor, e tem por objetivo fornecer um estudo descritivo, teórico (e empírico) acerca da importância de se limitar o poder de atuação do Ministério Público nas questões relativas ao consumo e legislação pertinente, tendo em vista o caráter de defensor dos direitos coletivos, sendo então necessário traças os limites da atuação do mesmo nos casos de direito individual disponível e não-homogêneo que atinja exclusivamente determinado consumidor. Justifica-se pela grande importância que os temas direito do consumidor e poder de atuação daquela instituição, não apenas em âmbito acadêmico como também pragmático e científico, além de político e social.

De atualíssima relevância se constitui o tema referente aos limites de atuação do Ministério Público através de seus promotores e procuradores frente aos direitos do consumidor, tanto os coletivos como os individuais. O foco se dará a explicar uma conceituação sólida, onde foi realizado um estudo acerca dos limites de atuação do Ministério Público como defensor dos direitos tutelados pelo Código do Consumidor e demais normas consumeristas, agregando com isso mais informações aos trabalhos já existentes, isto é, com os conteúdos que abordam essas mesmas questões, visando esclarecer mais sobre tão importante assunto.

O tema abordado mostra-se relevante ainda pelo aspecto dos próprios limites de atuação do Ministério Público como órgão atuante na defesa dos interesses coletivos ou individuais não só no âmbito consumerista como nos direitos em geral, em especial naqueles considerados fundamentais, como o é os direitos do consumidor, o que demonstra a relevância do tema em estudo. 

Necessário se faz, antes de se adentrar e discorrer sobre os limites de atuação do Ministério Público frente aos direitos consumeristas, fazer uma explanação sobre o direito do consumidor no Brasil, direitos individuais e coletivos, poderes do Ministério Público, e os poderes de defesa do referido órgão público em especial depois da Constituição federal de 1988, a qual trouxe inovações não só sobre o Ministério Público como os direitos consumerista, posteriormente tutelados pelo Código do Consumidor. Para isso necessário se faz discorrer-se sobre todos estes temas de maneira sucinta para só então adentrar no tema propriamente dito.

Devido à natureza da proposta que ora se apresenta, recorrer-se-á metodologicamente à revisão bibliográfica para a promoção de um estudo descritivo fundamentado em artigos científicos, obras completas e demais produções científico-acadêmicas que se mostrem úteis e pertinentes à pesquisa em tela. Como revisão crítica, o foco se dará nos limites de atuação do Ministério Público na defesa dos direitos consumeristas, principalmente pelo caráter de hipossuficiência apresentado nas relações de consumo e pela ação civil pública trazida pelas inovações relativas ao Ministério Público. 

A metodologia consiste em uma variedade de parâmetros a partir da qual se viabiliza a realização de pesquisa científica de modo organizado, bem delimitado e criterioso. Isto é indispensável para que o trabalho seja considerado academicamente válido, gerando soluções pra os problemas levantados, hipóteses confirmadas/refutadas e objetivos sólidos, pertinentes e que se adequem ao estado da questão em que o problema se insere. Nesta perspectiva, optou-se pela pesquisa bibliográfica, e, para concretizá-la, será realizada uma avaliação dialética das posições de teóricos competentes acerca dos assuntos em questão.

Os critérios de inclusão foram: artigos que retratassem não só a temática do trabalho como sobre o Ministério Público e direito de consumidor de forma geral, todos presentes nas bases de dados, em português e relacionados aos descritores selecionados. Critérios de exclusão: artigos que não retratassem a temática escolhida e que não estivessem associados aos descritores selecionados

Almeja-se com o presente trabalho ajudar a preencher lacunas teóricas no entendimento acerca dos limites de atuação do Ministério Público através de seus promotores e procuradores frente aos direitos consumeristas, tudo através do fornecimento de conclusões fáticas que, além de seu interesse geral e específico no âmbito dos direitos do consumidor podem servir de base para futuros trabalhos.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Os sistemas político e judicial no Brasil passaram por inúmeras mudanças e reestruturação ao longo de sua história, em especial no seu sistema de decisão. Tais alterações ocorreram principalmente após a Constituição Federal de 1988, que veio a trazer inúmeras inovações e tutelas de direito, além da reestruturação do sistema judicial, que atualmente é formado pelo Judiciário, Defensorias Públicas, polícias e Ministério Público.

O Judiciário brasileiro tem duas faces: uma, de poder de Estado e, outra, de instituição prestadora de serviços. O modelo de presidencialismo consagrado pela Constituição de 1988 conferiu ao Judiciário e aos seus integrantes capacidade de agirem politicamente, quer questionando, quer paralisando políticas e atos administrativos, aprovados pelos poderes Executivo e Legislativo, ou mesmo determinando medidas, independentemente da vontade expressa do Executivo e da maioria parlamentar. Por outro lado, a instituição possui atribuições de um serviço público encarregado da prestação jurisdicional, arbitrando conflitos, garantindo direitos.

O poder de atuação do Ministério Público também veio a sofrer profundas alterações. Antes ligado ao Executivo, o órgão passou a ser independente a partir da promulgação da Carta Magna, que lhe concedeu autonomia funcional, passando a referida instituição então a ser independente de todos os poderes do Estado além de deter atribuições de representante da sociedade. Essa autonomia se traduziu em maior poder de atuação e decisão, sendo legitimado a atuar de maneira mais efetiva inclusive em relação aos direitos coletivos.

O sistema político brasileiro tem passado por inúmeras mudanças nos seus processos de decisão. Inserido nessas alterações, principalmente a partir do processo de redemocratização, iniciado em 1985 e com seu auge na Constituição de 1988, está o sistema de justiça, formado por diversas instituições, dentre elas, o Judiciário, a Defensoria Pública, as Polícias e o Ministério Público. Dentre tais instituições, a que mais sofreu modificações significativas pela Constituinte de 1987/88 foi o Ministério Público. Isto porque, anteriormente ligado ao Executivo, a instituição adquiriu autonomia funcional, passando a ser independente de todos os Poderes do Estado e a deter atribuições bastante reforçadas de representante da sociedade.

Não que em período anterior a Constituição Federal de 1988 o Ministério Público não tivesse relevante papel e poder de atuação no sistema brasileiro, porém foi com a mesma que a instituição ganhou o status de total autonomia, não estando mais sujeito aos demais poderes, podendo atuar de maneira mais independente. A independência do Ministério Público foi uma conquista bastante batalhada e reivindicada pela instituição ao longo de sua história, sendo tal debate sempre marcado por questões políticas e econômicas. Tal independência se fez necessária para que pudesse ele ao agir com mais autonomia e liberdade prestasse o seu verdadeiro papel, que é o de proteger e defender os direitos daqueles que dele necessitem. Porém essa autonomia não se traduz em discricionariedade, eis que o Ministério Público só pode agir estritamente dentro das normas legais.

[...] é apenas com a Constituição de 1988 que o Ministério Público passa a se utilizar dos mecanismos adquiridos ao longo da sua história de maneira autônoma o que, decididamente, faz uma grande diferença (kErChE, 2003).a instituição deixou de atuar como apêndice do poder executivo, fazendo com que suas ações fossem tidas como do próprio governo, e passou a agir como um órgão independente. além disso, obteve a importante função de fiscalizar o cumprimento das leis e os próprios políticos, passando a fazer parte da sua alçada a função de representante da sociedade. Ou seja, foram garantidos ao Ministério Público papéis importantes dentro do cenário político nacional e tais papéis podem ser exercidos de maneira autônoma.

Importante destacar que a luta do Ministério Público através de seus representantes pela autonomia de poder foi longa e árdua, passando por inúmeras questões de cunho político e econômico, até que tal ocorresse com a Carta Magna de 1988. Inclusive defende-se que a Constituição Federal só veio a normatizar um poder e autonomia já existentes e já alcanças com leis ordinárias e complementares. Discussões a parte, tem-se que a luta do Ministério Público na defesa da própria instituição continua, assim como o processo contínuo de renovação e modernização.

O Ministério Público no Brasil, através de seus representantes, sempre foi responsável, mesmo antes da reestruturação pelo qual passou e através do qual o mesmo atingiu o status de autonomia, por duas funções principais dentro do rol a ele elencados, quais sejam o de atuar como fiscal da lei, o custos legis, e o de atuar como titular de ação pública, as denominadas ações civis públicas. Como fiscal da lei seu papel é acompanhar a correta aplicação da lei pelo judiciário nos casos envolvendo direitos individuais que sejam considerados indisponíveis, como no caso de defesa de incapazes por exemplo. Importante ressaltar que aqui a instituição não vai atuar como parte, e sim como órgão intervitente, como um terceiro interessado.

Mediante mudanças legislativas, ao longo das duas últimas décadas o MP veio acumulando novas e importantes atribuições, dentre as quais se destaca a promoção da ação civil pública. Por intermédio desse instrumento, o MP tem a possibilidade de acionar o Poder Judiciário para promover a defesa de direitos transindividuais, recentemente instituídos por lei e mais conhecidos como direitos difusos e coletivos

Entre o poder de atuação do Ministério Público, a defesa dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos veio dentro do pacote de mudanças institucionais pelas quais passou e foi normatizado através da chamada lei da ação civil pública, que inclusive instituiu o poder do Ministério Público de atuar nos casos de tais direitos também em âmbito do direito do consumidor.

Esquematicamente, o Ministério Público abrange o Ministério Público da União – que por sua vez compreende o Ministério Público Federal, o Ministério Público do trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e territórios – e o Ministério Público dos Estados. Do ponto de vista constitucional, destaca-se a unidade e a indivisibilidade como princípios básicos que orientam o funcionamento de tal instituição. O primeiro quer dizer que o Parquet é um só órgão, sob uma só chefia.

A ação civil pública é o instrumento processual através do qual o representante do Ministério Público se utiliza para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. É o remédio previsto na Constituição Federal de 1988 e em normas infraconstitucionais, de que pode se valer e é legitimado para propor o Ministério Público.

Dado seu caráter de defesa de direitos de um grupo de pessoas, determinadas ou indeterminadas, a ação civil pública não pode ser utilizada para a defesa de direitos e interesses disponíveis nem para interesses privados, a não ser que os casos individuais interessarem e servirem para defesa de direito de grupos que se encontrem na mesma situação de fato e de direito. Tal é a hipótese de direitos individuais homogêneos. É função primordial do Ministério Público, garantido constitucionalmente no art. 129 inciso III da CF, que regula suas funções institucionais:

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Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Ainda com relação a ação civil pública, tem-se que a penalização que pode a parte sujeito passivo da referida ação sofrer é em condenação ao pagamento em dinheiro, além do cumprimento de obrigação de fazer ou deixar de fazer algo. Em geral é obrigação traduz-se em remediar o consertar o dano que deu caso ao ingresso por parte do Ministério Público da ação civil pública. 

O Ministério Público do Consumidor é o ramo do Ministério Público que cuida dos direitos do consumidor, desde que se trate de defesa dos direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos, que é o campo de atuação do Ministério Público nas relações de consumo determinado tal campo pelo artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque não obstante a autonomia adquirida pela instituição tem-se que o mesmo só pode atuar dentro do campo a ele determinado, qual seja, na defesa dos direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

2.2 DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Inicialmente enfrentou-se por parte dos doutrinadores dificuldades em se fazer a correta distinção entre direitos difusos, coletivos e homogêneos. Apesar da aparente diferenciação aos referidos direitos, existia uma dificuldade em corretamente conceitua-los, sanada com o advento do Código do Consumidor que trouxe estabelecido em seu art. 81, § único, as três categorias em que se exerce a defesa dos direitos coletivos lato sensu. 

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Por direitos difusos entende-se aqueles que pertencem a um número indeterminado de pessoas, pertencendo portanto a toda coletividade Direitos coletivos por seu turno, são direitos pertencentes a um grupo determinado de pessoas. A titularidade de tais direitos será da coletividade. Difere-se dos direitos difusos pois que em tais não se é permitido determinar a coletividade a qual pertencem seus integrantes. 

Por direitos individuais homogêneos são aqueles direitos que passam a ser tutelados de forma coletiva em decorrência de uma origem comum. Mas só nos casos em que tais direitos individuais sejam dotado de relevância social e interesse público, é que a Promotoria pode exercer a defesa desse tipo de interesse. Os titulares de tais direitos são pessoas determinadas e seu objeto é divisível. Essa relevância social pode se dar pela sua natureza ou por sua repercussão. Ganha status de direito coletivo em função da economia processual além da celeridade que se obtem ingressando com uma única ação em nome de indivíduos determinados.

Os conflitos coletivos, no Brasil, começaram a ser estudados pela doutrina trabalhista e pela doutrina dos direitos do consumo. São conflitos que têm enorme potencial explicativo das mudanças ideológicas, normativas e, por consequência, jurisdicionais da atualidade. É que são conflitos solucionados em nome, muito mais, da preservação de interesses comuns do que da reparação de danos a direitos subjetivos.

Nem sempre de fácil diferenciação, o critério utilizado para se diferenciar os direitos difuso, coletivos e individuais homogêneos é precipuamente com relação ao tipo de tutela que se pretende alcançar com a ação civil pública proposta. Além desse critério outros também são usados em conjunto para determinar qual o caminho a seguir.  

Com relação aos direitos individuais, são aqueles que apenas dizem respeito aos seus titulares e somente por eles ou por advogado constituído é que podem ser reclamados perante o PROCON ou defendidos judicialmente, sempre por meio de ação individual. Nestes casos o Ministério Público não pode interferir, porque só em casos bem específicos o mesmo poderá atuar nos interesses individuais.

A busca pela solução de danos e ameaças aos direitos difusos ou coletivos através de ação civil pública, é a evidente economia processual e porque não dizer economia financeira também, porque muitos dos indivíduos contemplados pelos benefícios e efeitos de tais ações coletivas pertencem a um nível socioeconômico de hipossuficiência e de forma individual não teriam condições de buscar a tutela do Judiciário para a defesa de seus direitos. 

2.3 DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

As relações de consumo sempre existiram na prática e nas normas brasileiras, porém foi com o advento do Código de Defesa do Consumidor em 1990 que tais relações passaram a ter regulamentação específica e as relações consumeristas ganharam novos rumos, com maior proteção aos direitos do consumidor e maiores responsabilidades e responsabilizações para os fornecedores de bens e serviços. 

Mediante mudanças legislativas, ao longo das duas últimas décadas o MP veio acumulando novas e importantes atribuições, dentre as quais se destaca a promoção da ação civil pública. Por intermédio desse instrumento, o MP tem a possibilidade de acionar o Poder Judiciário para promover a defesa de direitos transindividuais, recentemente instituídos por lei e mais conhecidos como direitos difusos e coletivos.

A proteção aos direitos do consumidor sempre se fizeram presente em virtude do caráter mais vulnerável que o mesmo representa na relação de consumo, sendo que essa vulnerabilidade pode se dar por questões técnicas, econômicas, fáticas ou até mesmo sociais, fazendo com que sejam necessárias medidas de proteção ao polo passivo da relação consumerista. 

O Código de Defesa do Consumidor é de extrema importância não só para as relações de consumo como também é utilizado em outras esferas do judiciário, como nas relações de trabalho. É um código exemplar, e seu conteúdo presta-se a pautar outras formas de relação além da de consumo. A criação do CDC foi um marco na história não só da relação de consumo como das leis e normas brasileiras. 

Da mesma forma, o PROCON merece destaque pelos relevantes trabalhos que vem prestando à sociedade brasileira e as relações de consumo. Se o Brasil tem um histórico de desrespeito as relações de consumo, com todo tipo de abuso tendo sido praticados pelos prestadores de obras e serviços, com a criação da legislação pertinente e o PROCON, essa realidade sofreu profundas modificações e atualmente a realidade se mostra bastante diversa, com mais respeito e equilíbrio nas relações entre prestadores e consumidores.

A proteção e tutela das relações de consumo no Brasil sempre foi uma preocupação por parte de juristas, doutrinadores e sociedade. Tais relações sempre sofrem mudanças ao longo da história, assim como as figuras de consumidor e fornecedor de produtos bens e serviços referida relação.. Se antes as relações de consumo eram firmadas em sua maioria de forma verbal, com o progresso e inovação próprios da existência passou-se a existir a necessidade de se proteger tais relações, precipuamente através de contratos escritos e firmados formalmente entre as partes.

Logo surgiram as primeiras legislações referentes ao assunto no Brasil, porém ainda de forma bastante rudimentar, sendo inclusive comum em tempos pretéritos ocorrerem diversas espécies de abusos nas relações de consumo, principalmente por parte do fornecedor, revelando assim ser o consumidor parte hipossuficiente nestas relações merecedor de maior tutela por parte do Estado. Antes do Código de Defesa do Consumidor as relações de consumo eram protegidas através de leis esparsas, sendo que com a promulgação da Constituição Federal de 1988 cresceu a proteção e normatização relativas a matéria com a previsão de proteção ao consumidor elevado a categoria de direito fundamental, com previsão no artigo 5º, inciso  XXXII, que diz

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Tem-se que também os artigos constitucionais de nº 150 par. 5º e 170 inciso V fazem menção aos direitos consumeristas regulando que o direito do consumidor é previsto como princípio base para a atividade econômica. 

Porém foi com o Código de Defesa do Consumidor que o direito consumerista ganhou nova perspectiva em relação que tais relações passaram a ser orientadas por princípios fundamentais, podendo-se dizer que o CDC foi o ápice da tutela dos direitos do consumidor. A lei 8.078/90 que regulamentou de forma específica e definitiva os direitos do consumidor no Brasil veio para trazer com isso maior segurança nas relações de consumo e principalmente aos consumidores.

Não obstante a tutela do Estado aos direitos do consumidor estes ainda são  desrespeitados na prática, mesmo em proporção bem menor à época recente em que não existiam mecanismos de proteção ao consumidor e quando haviam eram limitados. 

Tais desrespeitos ainda ocorrem, sendo inúmeros os casos em que consumidores são lesados pelos fornecedores de mão de obra, produtos e serviços. Essa realidade torna ainda mais importante a participação do Ministério Público como defensor dos direitos do consumidor, assim como o ingresso de ação civis públicas na defesa de tais interesses de cunho de consumo.

Inegável o imenso avanço proporcionado pelo Código de Defesa do Consumidor, e o imprescindível papel do Poder Judiciário na defesa dos consumidores. Entretanto, existem casos em que essas afrontas à lei consumerista sequer chegam ao conhecimento do Estado Juiz, demonstrando que uma nova postura na defesa do consumidor deve ser adotada, possibilitando o alcance e a punição de fornecedores que se escondem nos emaranhados das redes de dados.

As relações de consumo portanto ainda apresentam uma certa fragilidade, mesmo com todos os cuidados e tutelas por parte do Estado e seus órgãos e instituições, ainda mais em tempos de compras online, onde se torna ainda mais fácil a lesão ao consumidor, que seja por boa fé ou mesmo por desconhecimento acabam por adquirir bens ou contratar serviços que acabam muitas vezes nem se concretizando, caracterizando verdadeiras fraudes. Nestes casos mais uma vez primordial a participação do Ministério Público na defesa de tais direitos.

2.4 DO PODER DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS DIREITOS DO CONSUMIDOR 

A normatização dos direitos difusos e coletivos e o papel do Ministério Público da defesa de tais direitos veio sendo construída ao longo do tempo, até culminar na Lei No 7.347, de 24 de julho de 1985 e nas inovações trazidas posteriormente pela Carta Magna de 1988. A lei acima referida e denominada lei da ação civil pública veio a disciplinar a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e aos direitos de uma série de valores como o artístico, estético, histórico e turístico. Foi uma importante inovação trazida na defesa dos direitos da coletividade.

A consolidação constitucional de novos direitos substantivos e de instrumentos processuais antes dispersos em textos específicos foi decisiva também para o processo de legitimação do MP na sua pretensão de tornar-se agente defensor da cidadania. A partir de 1988, o MP passou a invocar a Constituição como uma espécie de certidão de (re)nascimento institucional, suficiente para habilitá-lo a ultrapassar suas funções tradicionais e reforçar sua responsabilidade pela defesa dos direitos coletivos e sociais. Não se pode dizer que o texto constitucional tenha definido perfeitamente o conteúdo desses direitos e os mecanismos judiciais para sua proteção. Ao contrário, ele apenas fornece as bases de uma nova arena de solução de conflitos coletivos, cuja construção depende em grande parte do processo subseqüente de afirmação institucional do MP e de avanços na regulamentação legislativa dos novos interesses e direitos.

Portanto, é também atribuição do Ministério Público a atuação na defesa dos direitos difusos e coletivos das relações de consumo, conforme dispõe a lei da ação civil pública. Isso porque nas relações em que por quaisquer motivos uma das partes se mostra hipossuficiente, ou seja, apresenta maior vulnerabilidade em relação a outra, se faz necessário uma tutela por parte do Estado. As relações de consumo apresentam essa esse desequilíbrio entre as partes, e nos casos das relações de consumo desde que envolva direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, deve o Ministério Público intervir.

Lei 7.347/85

Art. 1º  Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:       (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

...

ll - ao consumidor;

Da criação da lei da ação civil pública até a promulgação da Constituição Federal em 1988 a referida lei dizia respeito somente aqueles casos nela contido, quais sejam os relativos aos direitos ligados ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio. Com a Constituição veio a se ampliar o leque de direitos suscetíveis de receber a defesa de seus direitos pelo Ministério Público.

Entre 1985 e 1988, a ação civil pública teve aplicação restrita às questões de meio ambiente, consumidor e patrimônio histórico e cultural.10 A Constituição de 1988 consolidou as inovações processuais e de direitos substantivos introduzidas pela Lei da Ação Civil Pública, e foi além dela ao ampliar a lista de direitos que podem receber proteção via ACP e ao deixar uma porta aberta para outros que viessem a surgir no futuro, nos termos do art. 129: “São funções institucionais do Ministério Público: [...] III — promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.” Assim, a Constituição significou um duplo avanço: na medida em que ampliou os direitos coletivos e sociais (mesmo que de modo genérico), aumentou, automaticamente, o leque de interesses que podem ser protegidos pelo Ministério Público através da ação civil pública.

É portanto o Ministério Público a instituição responsável pelo defesa coletiva dos direitos do consumidor. Sua atuação se da nos casos que envolvem oferta de alimentos, publicidade enganosa ou abusiva, medicamentos e combustíveis adulterados, cláusulas abusivas contratuais, vícios e defeitos de produtos e serviços, e outros que venham contra os direitos consumeristas difusos, da coletividade e também nos casos de direitos individuais de alto valor e relevância social.

Tal entendimento foi posteriormente sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça através da Súmula 601, que trata da legitimidade do Ministério Público para atuar em defesa dos interesses dos consumidores:

SÚMULA 601 - O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público. (A Corte Especial, na sessão ordinária de 7 de fevereiro de 2018, DJE 25/02/2018,)

Trata-se o referido enunciado sumular de um resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos judiciais e serve de orientação para toda a comunidade jurídica sobre o entendimento jurisprudencial daquele tribunal. A referida súmula surgiu para de regularizar a legitimação do Ministério Público para promover ação civil pública, eis que o mesmo só terá representatividade adequada para propor a ação civil pública se os direitos ali discutidos estiverem relacionados no art. 127 da Constituição Federal, que diz o Ministério Público só pode atuar na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Importante esclarecer que não obstante a enorme importância que tem a ação civil pública e demais ações judiciais em defesa dos interesses dos consumidores, o Ministério Público também tem importante atuação em nível administrativo, sendo inclusive que o ingresso com ACP é recurso último, tentando a instituição antes sanar as questões relativas aos direitos do consumidor que foram lesados, de formas menos gravosa e onerosa para as partes. O Ministério Público atua inclusive em nível de orientação e esclarecimentos aos consumidores de seus direitos, um exemplo foi a criação do Centro de Apoio Operacional ao Consumidor (CCO). Criado através do Ato n 048/2003/PGJ e que busca prestar apoio, esclarecimentos e auxílio não só ao consumidor como também aos fornecedores de produtos e serviços.

Tem-se ainda que na luta em defesa dos direitos do consumidor foram criados órgãos de proteção a estes, dispondo eles além do Ministério Público do consumidor, tanto dos direitos individuais, individuais homogêneos, coletivos e difusos.  Além do Procon (Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor) que defende os direitos do cidadão brasileiro nos estados e municípios, foi criado também o Decon (Delegacia do Consumidor) que apura e reprime atos ilícitos praticados contra o consumidor, e ainda Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), que coordena políticas e ações do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e atua nos casos de relevância nacional e nos assuntos de maior interesse para o consumidor.

Tem-se portanto que esta é a realidade atual do direito consumerista no Brasil e da atuação do Ministério Público na defesa destes direitos desde que dentro dos limites impostos pela legislação vigente.

CONCLUSÃO

Conforme demonstrado no presente trabalho o Ministério Público sempre atuou nos interesses e defesa dos direitos dos cidadãos brasileiros, porém de forma limitada e subordinada ao Poder Executivo, sendo que com a consquista do status de independência por parte da instituição seu poder de defesa dos interesses da coletividade cresceu substancialmente. Concomitante a este fenômeno, houve também um crescimento dos direitos do consumidor bem como da tutela do Estado frente a estes direitos, passando inclusive a direito fundamental constitucional.

O Ministério Público passou também a ter um maior poder de tutela da defesa dos direitos do consumidor, e com a regulação da ação civil pública maior ainda se tornou seu poder de atuação. Porém esse dever de defesa dos interesses do consumidor possui limitações, trazidas através de leis e normas específicas. Através de tais limitações tem-se que o poder de defesa do Ministério Público através de seus promotores e procuradores são restritos aos casos em que os direitos lesados ou que sofrem ameaça de lesão devem ser difusos, relativos à coletividade ou em casos de direitos individuais homogêneos. 

Após breve explanação e conceituação sobre todas estas vertentes do assunto relativos aos direitos do consumidor e os limites de atuação do Ministério Público na defesa de tais direitos, foi esclarecido sobre a importância da participação do Ministério Público na atuação em prol da defesa dos direitos de consumo.

Conclui-se que são atualmente tomadas inúmeras medidas efetivas para a manutenção dos direitos do consumidor, sendo muitas delas de competência do Ministério Público que detém o poder de tutelar e defender os direitos do consumidor, porém dentro de seu limite de atuação. Finalizando, cabe destacar que é de suma importância o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público na defesa dos interesses de consumo, trabalho desenvolvido de forma brilhante tanto em nível judicial como administrativo e até de orientação.

REFERÊNCIAS

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