Os pais, os filhos e o dever de amar

30/09/2021 às 20:12
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Recentemente tivemos uma decisão do STJ, que estipulou indenização por abandono afetivo, independente de pagamento de pensão alimentícia,,que podeacabar com aquela velha história de pais que dizem que máximo que os filhos terão dele é a pensão.

Embora a Doutrina afirme não existir, expressamente, em nosso Ordenamento um “Dever de Amar”, entre pais e filhos, há, por outro lado, uma obrigação de suporte afetivo entre eles.

Este suporte se manifestaria, de forma ideal, no cuidado, na atenção, no carinho e nas atitudes contribuintes para a formação moral dos filhos. De outra parte, teríamos o amparo e o acompanhamento emocional e físico em favor dos pais idosos ou incapacitados.

Afirmar que a Lei não impõe um dever de Amar, mas que impõe a prática de atitudes de amparo afetivo, é em sentido amplo, contraditório. O Amor é muito mais do que uma idealização romantizada e clichê de relação pessoal. O elemento principal da relação Amorosa é o carinho, ou seja, o afeto, o qual impulsiona todas as outras atitudes exigidas em Lei.

Assim, não é incorreto dizer que a Lei obriga o exercício do Amor entre pais e filhos, posto que, não há relação mais íntima entre dois seres humanos do que a filiação e a sua consequente parentalidade.

Temos na defesa desta tese, a própria figura da parentalidade afetiva, a qual se apresenta como um vínculo na esfera civil decorrente do carinho, do afeto e de todas as suas manifestações exteriores com relação a pessoas que não possuem ligação consanguínea. Dessa forma, claro se mostra que o elemento caracterizador da relação entre pais e filhos é o afeto, ou seja, o Amor.

É contraditório dizer que a Lei não impõe o dever de Amar, quando ao mesmo tempo nossos Tribunais punem pais e filhos por abandono afetivo.

As relações humanas, principalmente aquelas havidas no seio familiar, não podem ser resumidas à mera consanguinidade, ou a um mero aporte financeiro para cobertura de necessidades materiais.

O ser humano não se resume a dinheiro; ele é construído sobre valores que somente o cuidado e o afeto advindos do Amor parental pelos filhos pode proporcionar.

A figura do abandono pressupõe que a sua vítima foi alijada de uma condição a que fazia jus. Ao verificarmos a modalidade afetiva de abandono como justificativa a uma pretensão indenizatória por dano moral, vemos que sim, a Lei impõe uma obrigação de Amar, pois segundo o Ordenamento, somente deve reparar o dano aquele que ilicitamente o causou.

Os seres humanos possuem o dever de Amar seja em decorrência da norma legal ou da Jurisprudência, seja por força de preceitos morais advindos de regramentos religiosos. Amar ao próximo é norma e todos os atos praticados que violem o dever de carinho, de zelo e de respeito oriundos do Amor por outrem são passíveis de punição. A norma positivada e as decisões emanadas pelos Tribunais, ao punirem o abandono afetivo, se calcam nesta premissa: a relação entre pais e filhos deve ser pautada no Amor!

Temos que ferir e ofender alguém ou subtrair-lhe direta ou indiretamente seus bens é uma violação, em princípio, do dever de Amar ao próximo. Ser justo é o exercício prático de uma virtude originada do Amor.

Daí, causar tamanha revolta a ausência de manifestação de afeto entre pais e filhos. De fato, é a ausência de Amor na relação entre as pessoas, que faz com que estas percam a capacidade do diálogo e as remetam ao Judiciário para a solução de suas contendas. O equilíbrio das relações humanas é artigo tão sagrado e sublime que o peso de uma decisão judicial a torna irresistível.

O Judiciário em suas decisões, nada mais faz, do que reestabelecer o equilíbrio das relações humanas para que se reinstale a harmonia e possa florescer, novamente, o Amor.

Indenizar a vítima de um abandono afetivo não resolve o problema, nem satisfaz o vazio emocional causado pela ausência. Antes de tudo, a condenação é um chamado a razão daquele que não cumpre com o eu sagrado Dever de Amar.

Há, sim, um Dever de Amar advindo do Ordenamento e da Jurisprudência, melhor identificado no seio familiar. Retirar-se o Amor das relações humanas é um ato de esvaziamento do ser, enquanto manifestação emocional de suas vontades e anseios, bem como dos valores pessoais que esculpiu durante a vida.

Sem Amor não há Justiça, pois é este que lhe dá o sustento.

Sobre a autora
Claudia Neves

Advogada. Pós-graduada em Direito das Mulheres e em Direito de Família e Sucessões, com atuação na área cível com ênfase na área de família, com seus reflexos patrimoniais e assessoria em contratos civis e comerciais, seja na celebração de negócios seja na defesa de interesses. Coordenadora Adjunta da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB Santo Amaro (2019-2021). Instagram: @claudianeves.adv

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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