A prática do Constitucionalismo abusivo
DIJOSETE VERÍSSIMO DA COSTA JÚNIOR
Doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Direito pela UFRN. Especialista em Direito Processual Civil pela UnP. Professor Adjunto da UERN. Procurador Legislativo Municipal em Natal/RN. Advogado.
Resumo: O presente artigo trata de um fenômeno político e social muito recorrente não só na sociedade brasileira, mas como também em várias outras localidades do mundo, que é o denominado constitucionalismo abusivo. Essa prática pode ser definida como a elaboração ou a reforma de uma Constituição pelos grupos detentores do poder, com o claro propósito de nele se perpetuarem, reduzindo a oposição, enfraquecendo as instituições e, por consequência, danificando a democracia. Dessa forma, são criados Estados híbridos, nos quais, apesar de sua Constituição apresentar uma aparência democrática, com elementos característicos de um Estado, verdadeiramente, democrático, como a separação dos poderes, sua sociedade não desfruta de uma democracia plena. Esse artigo promove uma discussão, portanto, acerca desse processo e de como tal fenômeno se dá na contemporaneidade, utilizando-se de instrumentos constitucionais para atingir os seus objetivos. Isso porque tais procedimentos se revestem e se protegem por meio da Constituição a fim de atribuir legalidade e legitimidade aos seus abusos constitucionais. Além disso, discorre-se sobre como tal mazela política está entranhada não apenas em uma única esfera de Poder, mas em todos, ou seja, no Poder Legislativo, no Poder Executivo e no Poder Judiciário. Logo, essa produção busca analisar essas práticas do Constitucionalismo abusivo e confirmar a sua presença na realidade hodierna.
Palavras chaves: constitucionalismo abusivo, política, democracia, autoritarismo.
Abstract: This article deals with a very recurrent political and social phenomenon not only in Brazilian society, but also in several other locations in the world, which is called abusive constitutionalism. This pratice can be defined as the elaboration or the reforming of a Constitution by groups with power, with the clear purpose of perpetuate themselves in power, reducing opposition, weakening institutions and, consequently, damaging democracy. In this way, hybrid states are created, in which, despite its Constitution presenting a democratic appearance, with elements caracteristic of a truly democratic State, such as the separation of powers, its society does not enjoy full democracy. This article promotes a discussion, therefore, about this process and how this phenomenon occurs in contemporary times, using constitucional instruments to achieve its objectives. This is because sush procedures are covered and protected through the Constitution in order to attribute legality and legitimacy to their constitucional abuses. In addition, it is discussed how sush political malaise is embedded not only in a single sphere of power, but in all, that are: in the Legislative Power, in the Execuive Power and in the Judiciary Power. Therefore, this production seeks to analyze these practices of abusive Constitutionalism and confirm their presence in today´s reality.
Key Words: abusive constitutionalism, politics, democracy, autoritarism
O constitucionalismo abusivo envolve o uso dos mecanismos de mudança para minar a democracia. Embora os métodos tradicionais de derrubada democrática, como o golpe militar, estejam em declínio há décadas, o uso de ferramentas constitucionais para criar regimes autoritários e semiautoritários é cada vez mais predominante. Poderosos presidentes e partidos podem projetar mudanças constitucionais de modo a tornar difícil a sua substituição no poder e desarmar instituições, como os Tribunais de Justiça, que possam fiscalizar seus atos enquanto governo. As constituições resultantes desses processos ainda parecem democráticas à distância e contêm muitos elementos que não são diferentes daqueles encontrados nas constituições democráticas liberais, mas, de perto, elas foram, substancialmente, retrabalhadas para deteriorar a própria ordem democrática. (LANDAU, 2020, p. 18)
Esse fenômeno é descrito como constitucionalismo abusivo, originariamente, por David Landau (2013, p. 191), significando a utilização de institutos do direito constitucional e do Estado constitucional para violar e minar a democracia liberal por meio, especialmente, de emendas constitucionais e da substituição de constituições por novas leis fundamentais. O modelo deturpado de constitucionalismo auxilia na efetivação de novas modalidades de governos autoritários ou semiautoritários sem a necessidade de utilização de golpes de Estado para chegar ou manter-se no poder estatal. O partido majoritário, as coalizões de partidos e os Presidentes da República fortes podem utilizar de emendas constitucionais para manterem-se no Poder Executivo com, por exemplo, a aprovação de reeleição do Chefe do Executivo, além de alterarem mecanismos de controle sobre os demais Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos. (BARBOSA e FILHO, 2019, p. 84)
Nesse contexto, a partir do uso de mecanismos, de instrumentos e de formas constitucionais para enfraquecer os controles e mecanismos de accountability, criam-se, ao mesmo tempo, novos modelos de autoritarismo no século XXI e formas de ataque à democracia constitucional. (BARBOSA e FILHO, 2019, p. 84)
Assim, tais mudanças constitucionais permitem que atores autoritários removam membros da oposição política e os substituam por pessoas leais ao governo; enfraqueçam, desativem ou coloquem nos tribunais, assim como em outros órgãos de fiscalização, agentes leais aos titulares do poder; e estabeleçam controle governamental sobre a mídia e outras instituições importantes. (LANDAU, 2020, p. 21)
Em síntese, a hipocrisia guia a criação de novos regimes políticos, uma vez que os líderes empenhados em consolidar o poder agora orientam a criação de novas modalidades de governo, tentando adotar o escudo do constitucionalista e o nome da democracia, mas concentrando poderes desordenados e descontrolados em poucas mãos. (BARBOSA e FILHO, 2019, p. 85)
Desse modo, esses líderes se valem dos direitos sociais e dos demais valores instituidos pela Constituição como propaganda politica e disfarce para a realização de seus artificios. (KANEGAE, 2019, p. 273)
Assim, sendo, nesse regime híbrido, esses atores políticos encontraram, na Constituição, o atalho necessário para o rápido aumento do poder governamental, uma vez ser ela a definidora das regras básicas do jogo político. (KANEGAE, 2019, p. 280)
Isso, porque os detentores do poder, no momento em que obtém uma maioria mais vultosa, comumente de forma democrática, podem engenhar uma mudança constitucional, de modo a se tornarem muito mais estáveis. Para tanto, praticam ações, a fim de neutralizar instituições (como Tribunais, por exemplo) que teriam a função de verificar o exercício do poder, dificultam a ação da oposição existente e operam mudanças constitucionais diversas, mas com o mesmo e espúrio intuito. As constituições resultantes, como já foi citado, ainda parecem democráticas à distância e contêm muitos elementos que não são diferentes daqueles encontrados nas constituições democráticas liberais, mas, de perto, elas foram, substancialmente, retrabalhadas para deteriorar a ordem democrática. (MARTINS, 2019, p. 35)
Nesse ínterim, segundo Mark Tushnet, ´´o constitucionalismo abusivo tem várias características. Primeiro, envolve o uso de métodos constitucionalmente permissíveis para modificar uma constituição. Em segundo lugar, envolve a adoção de numerosas alterações à constituição existente. Em terceiro lugar, tomado individualmente, as emendas podem não ser inconsistentes com o constitucionalismo normativo, mas, finalmente, considerando-se em conjunto, as emendas ameaçam o constitucionalismo normativo``. (MARTINS, 2019, p. 36)
Como profetizou Karl Loewenstein, a Constituição não retrata a realidade do país, mas funciona como um disfarce. Segundo ele, esse fenômeno é encontrado nas chamadas ´´constituições semânticas``, pois, ´´no lugar de servir à limitação do poder, a Constituição é aqui o instrumento para estabilizar e eternizar a intervenção dos dominadores fáticos na comunidade``. (MARTINS, 2019, p. 36)
Nesse âmbito, as “autocracias eleitorais” ou os “regimes híbridos”, que são aqueles países onde geralmente o constitucionalismo assume um feitio abusivo, costumam satisfazer a comunidade internacional, uma vez que são democráticos suficientes para não apontá-los em seu radar. Isso porque eleições são realizadas e não são meras aparências, quer dizer, há competitividade eleitoral a ponto de o partido/candidato da oposição, ocasionalmente, até ganhar, bem como todos os direitos fundamentais são assegurados pela legislação. Ao mesmo tempo, contudo, há um enfraquecimento de várias instituições que deveriam estar fiscalizando os poderes estatais, tornando-as praticamente inexpressivas ou, então, suas fiéis correligionárias. (KANEGAE, 2019, p. 274-275)
O autor defende, logo, que esse fenômeno político se desenvolve em uma cultura política que admite sucessivas reformas em seu texto, bem como a promessa de efetivação dos direitos sociais e a suas elevações ao status de normas constitucionais, garantindo, desse modo, o apoio popular necessário para concretização das manobras necessárias para a manutenção de governos com feições claramente antidemocráticas. (KANEGAE, 2019, p. 278)
Outrossim, vale frisar: enfraquecimento ou a remoção dos oposicionistas é fundamental para a construção de regimes autoritários competitivos, pois confere aos seus titulares um poder muito maior para retrabalhar o Estado em proveito próprio. (LANDAU, 2020, p. 35)
O declínio das autocracias a partir dos anos 80 coincidiu com o aumento dos países democráticos no mesmo período. Não obstante, assim como houve o crescimento da democracia, houve também o crescimento da ´´anocracia`` (MARTINS, 2019, p. 31)
Dessa forma, faz-se importante trazer a definição desse termo, o qual seria uma espécie de regime político que contém tanto características democráticas quanto aspectos autocráticos.
Não obstante, nos últimos anos, percebe-se um movimento de recuo dos regimes democráticos contemporâneos. Ou seja, conquistas obtidas pelos regimes democráticos vêm sendo, paulatinamente, atingidas por ações ou omissões de vários Estados, de vários governos (MARTINS, 2019, p. 34)
Tal recuo encontra justificativa nas ideias de muitos pensadores e estudiosos que defendem a existência, na política, de movimentos cíclicos de tipo pendular. (MARTINS, 2019, p. 34)
Ocorre que, diferentemente do que acontecia em outros momentos históricos quando se dava um colapso do regime democrático, dá-se, atualmente, um movimento de lenta erosão, corrosão do modelo democrático, minando-o internamente, implodindo-o, através de instrumentos dotados de aparente legalidade. (MARTINS, 2019, p. 34)
Assim, o autor afirma, que as democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder. Alguns desses líderes desmantelam a democracia rapidamente, como fez Hitler na sequência do incêndio do Reichstag, em 1933, na Alemanha. Com mais frequência, porém, as democracias caem aos poucos, em etapas que mal chegam a ser visíveis. (MARTINS, 2019, p. 34-35)
Então, nessa nova conjuntura, muitas regiões adotaram as chamadas “cláusulas de democracia”, punindo os Estados que derrubam regimes democráticos em flagrante violação das normas constitucionais. Isso levou os pretensos autocratas a adotarem métodos de mudança mais alinhados com os parâmetros constitucionais. (LANDAU, 2020, p. 23)
Nesse contexto, faz-se interessante destacar o uso de uma forma do Constitucionalismo abusivo referente à questão nazista. Num terrível e instável ambiente político e econômico, com uma série de governos de coalizão caindo em rápida sucessão, os nazistas passaram de um partido marginal para um grande movimento. Hitler foi nomeado chanceler de um governo de coalizão em 1933 e, em seguida, convenceu o Presidente e o Reichstag a lhe dar os poderes ditatoriais necessários para criar um Estado totalitário. (LANDAU, 2020, p. 24)
Os nazistas substituíram a República de Weimar por um regime, plenamente, autoritário, usando o constitucionalismo para destruir, completamente, a democracia. A existência de regimes claramente autoritários diminuiu com o tempo, novamente, em grande parte devido às mudanças no ambiente internacional. (LANDAU, 2020, p. 24)
Como um exemplo dessa prática do Constitucionalismo abusivo, pode-se citar também o ocorrido na Hungria. Lá, o partido vencedor, eleito pelas eleições parlamentares em 2010, promulgou, pela primeira vez, uma série de emendas constitucionais - dez nos meses finais de 2010 - que enfraqueceram as instituições que servem para fiscalizar as maiorias parlamentares, particularmente, a Corte Constitucional. O Parlamento reformou a Constituição para dar, aos membros do Fidesz, mais poder unilateral sobre o processo de nomeação. (LANDAU, 2020, p. 31)
Durante a discussão, o autor atenta para o caso do Impeachment da Presidente Dilma Rolsseff, o qual, segundo ele, aproxima-se do emprego do constitucionalismo abusivo, em certa medida, porque o uso desse instrumento de forma reiterada afronta as bases da democracia constitucional e do respeito às eleições competitivas, periódicas e livres. (BARBOSA e FILHO, 2019, p. 94)
Além do fato de que outros Presidentes da República fizeram uso, juridicamente, do expediente similar ao da Presidente Dilma Rousseff, porém não foram objeto de impeachment. (BARBOSA e FILHO, 2019, p. 94)
A república Bolivariana da Venezuela, protagonizada por Hugo Chávez, é outro ótimo exemplo do Constitucionalismo Abusivo através da troca de Constituições. Percebendo a sua frágil posição política, Chávez, valeu-se da ausência de previsão legal quanto à possibilidade de mudança da constituição vigente e alegou que a Carta Magna do seu país deveria ser substituída e, para tanto, o povo é quem teria o poder para repô-la. Dessa forma, foi realizado um plebiscito popular que aprovou a promulgação de uma nova constituição, a essa época, Chávez já detinha amplo apoio popular. Assim, entraram em vigor regras eleitorais que garantiram, ao seu partido, quase 90% dos assentos da Assembleia, bem como a possibilidade de dois mandatos consecutivos de seis anos cada, possibilitando–o a manutenção no poder até a sua morte em 2013. (KANEGAE, 2019, p. 281)
O constitucionalismo abusivo, portanto, apresenta problemas que não estão sendo, efetivamente, combatidos no direito internacional ou nas ordens constitucionais domésticas. (LANDAU, 2020, p. 20)
Isso tendo em vista que o constitucionalismo abusivo é muito mais difícil de detectar em comparação às ameaças autoritárias tradicionais, pois, no direito internacional, as chamadas “cláusulas democráticas”, geralmente, punem regimes que chegam ao poder por meios inconstitucionais. Essas cláusulas são eficazes na detecção de golpes militares tradicionais, abertamente inconstitucionais, mas muito menos efetivas na detecção do constitucionalismo abusivo, que utiliza meios constitucionais ou ambiguamente constitucionais para atingir esse objetivo. (LANDAU, 2020, p. 19-20)
Esses regimes contemporâneos, de maneira geral, satisfazem os atores internacionais na medida em que são, suficientemente, democráticos para evitar sanções e outras consequências - as eleições são realizadas e elas não constituem completas fraudes. (LANDAU, 2020, p. 25)
O principal problema, então, consiste na razoável facilidade de se construir um regime aparentemente democrático, mas que, na realidade, não o é totalmente, pelo menos em duas dimensões importantes: fiscalizações verticais e horizontais dos líderes eleitos e proteção de direitos para grupos fora do poder. (LANDAU, 2020, p. 25)
Sendo assim, nesse contexto, Scheppele (2016, p. 4-7) emprega o termo Democraturas para descrever líderes e grupos políticos que atuam em situação intermediária entre ditaduras civis e militares tradicionais e o exercício das funções estatais à luz das estruturas do Estado Democrático de Direito. De um lado, os líderes populares obtêm mandatos por meio de eleições, porém se utilizam do poder, das competências e dos institutos constitucionais para restringir a separação dos poderes, a transparência no trato com a coisa pública e as liberdades constitucionais especialmente de grupos oposicionistas, de grupos da sociedade civil, de mecanismos de comunicação social e de coletivos. (BARBOSA e FILHO, 2019, p. 84-85)
Desse modo, configura-se importante recapitular: assim como um direito pode ser exercido de forma abusiva, além de obviamente os direitos fundamentais serem passíveis de emprego abusivo, também as estruturas do Estado Constitucional e os instrumentos constitucionais como emendas constitucionais e o processo legislativo constitucionalmente previsto podem ser utilizados de maneira abusiva. (BARBOSA e FILHO, 2019, p. 87)
Além disso, sob uma perspectiva diferente das teorias já citadas, Juliano Zaiden evidencia o Constitucionalismo Abusivo dentro da próprio Supremo Tribunal Federal. No entanto, diferentemente dos poderes Executivo e Legislativo que se utilizam das reformas constitucionais para expansão de sua soberania, o STF dispõe de práticas deliberativas para proferir decisões que escapam, totalmente, de sua função e que enfraquecem a democracia. (KANEGAE, 2019, p. 284)
Zaiden nota ainda que há uma ausência de transparência argumentativa e coerência decisória da Corte, características basilares de um Tribunal Superior de qualquer Estado Democrático de Direito. (P. 284)
Nesse contexto, ele declara que o Supremo Tribunal Federal utiliza, portanto, a prática deliberativa, mecanismo que deveria ser utilizado em prol do constitucionalismo, como barganha política, travestindo argumentos pessoais e políticos dos ministros em falsos fundamentos jurídicos e constitucionais da Corte como um todo. (KANEGAE, 2019, p. 284)
Logo, para além das reformas constitucionais, “instrumentos” utilizados pelos poderes Executivo e Legislativo para o aumento de sua influência política, a perpetração do constitucionalismo abusivo também pode ser percebida por atos da própria Corte Constitucional, através da utilização de práticas deliberativas intrainstitucionais e interinstitucionais para o ganho de capital político. (KANEGAE, 2019, p. 288)
Além disso, uma ausência de verificação dos atos governamentais está plausivelmente associada a outros males, como o aumento dos níveis de corrupção. (LANDAU, 2020, p. 25)
A partir dessa discussão, pode-se perceber, então, que existe um espectro de regimes entre a verdadeira democracia e o completo autoritarismo (KANEGAE, 2019, p. 279)
É oportuno frisar que as mudanças mais perigosas são as graduais, como afirma Peter M. Senge, através da ´´parábola do sapo escaldado``. Isso, porque o mesmo povo que reagiria contra a tomada do poder, de forma autoritária e antidemocrática, pode não reagir às mudanças constitucionais lentas que chegam ao mesmo resultado: a destruição do regime democrático. (MARTINS, 2019, p. 37)
Por esse motivo o combate ao Constitucionalismo abusivo é tão complexo, pois a mudança que converte a detenção do poder na sua usurpação, por meio do constitucionalismo abusivo, é gradual, lenta e passa pela reforma ou substituição da Constituição. (MARTINS, 2019, p. 36)
De forma diversa, ao mesmo tempo em que a elevação dos direitos sociais e políticas públicas a nível constitucional promoveu o fortalecimento do poder Judiciário, muitas vezes de forma precoce, houve uma mudança radical das agendas políticas para se amoldarem ao processo constitucional, consolidando, desse modo, uma cultura política de reformas constitucionais, principal meio do constitucionalismo utilizado contra o próprio constitucionalismo e a democracia. (KANEGAE, 2019, p. 288)
Ademias, o emprego de instrumentos previstos no direito constitucional positivo, muitas vezes, camuflar a violação da estrutura das democracias constitucionais. (BARBOSA e FILHO, 2019, p. 94)
Além disso, faz-se essencial atentar também para o fato de que o resultado final dessas práticas, provavelmente, não será um autoritarismo completo, mas um regime híbrido em que, vale ressaltar, as eleições continuam sendo realizadas, mas as forças da oposição enfrentam sérias desvantagens na tentativa de vencê-las. (LANDAU, 2020, p. 21-22)
Em suma, a mudança constitucional precisa ser vista como parte central dos projetos autoritários modernos. Indivíduos ou grupos poderosos podem abusar da constituição para criar ordens constitucionais nas quais enfrentam poucas restrições em seu poder e dificultem - ou tornem impossível - sua substituição. Essa nova construção de regras formais funciona em conjunto com normas informais, como suborno e assédio, dentro de regimes autoritários competitivos. (LANDAU, 2020, p. 36)
Independentemente da orientação política, a deterioração da capacidade do público de retirar esses titulares do poder por meio do voto e o enfraquecimento dos controles horizontais que devem fiscalizá-los é motivo de preocupação substancial. A ausência de controles verticais e horizontais parece estar relacionada a uma longa lista de resultados negativos: deterioração da qualidade das políticas, menor capacidade de resposta dos políticos à vontade do público e maior incidência de violações dos direitos humanos. (LANDAU, 2020, p. 37)
Sendo assim, por meio dessa discussão, pode-se apreender que tal fenômeno político está inserido não só na realidade brasileira, onde encontra um ambiente fértil para a sua disseminação devido à cultura nacional de alterações constiticionais, mas em muitas outras localidades do mundo. Assim, configurado-se como um obstáculo para exercício pleno da atividade política e para a conquista de uma sociedade, verdadeiramente, democrática, na qual os direitos e as normas constitucionais sejam respeitados e protegidos.
Referências bibliográficas:
LANDAU, David. Constitucionalismo abusivo (REIS, Ulisses e CABRAL, Rafael Trad.). REJUR-Revista Jurídica da UFERSA, Mossoró, v. 4, n. 7, p. 17-71, jul., 2020. Disponível em: <https://periodicos.ufersa.edu.br/index.php/rejur/article/view/9608/10261> . Acesso em: 09 de nov. de 2020.
BARBOZA, E.; FILHO, I. Constitucionalismo Abusivo. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 12, n. 39, p. 79-97, 26 mar. 2019. Disponível em: <http://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/641/907> . Acesso em: 12 de nov. de 2020.
MARTINS, Flavio. Constitucionalismo abusivo: realidade, perspectivas e propostas para uma possível limitação. Católica Law Review, v. 3, n. 1, p. 29-41, 1 jan. 2019. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/9105-article-15206-1-10-20200629.pdf . Acesso em: 14 de nov. de 2020.
KANEGAE, Kenji. O Novo Constitucionalismo e o seu uso para fins abusivos. Para além dos direitos. São Paulo, 2019. Disponível em: https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/61197805/Para_alem_dos_direitos_Formatacao_final20191112-57014-2lfkkk.pdf?1573607009=&response-content-disposition=inline%3B+filename%3DPara_Ale_m_dos_Direitos.pdf&Expires=1605622562&Signature=E8~t5AyEvLzpTI0wk0NZ2yUAEwgFp1t7Sfbu5-gWF5pU9h-clYZi-kcn2~-mMZEaizEO9AEWaBImOZHpGvka3uJKr8lOMqEq8U6COjo4oCg522l0fNzfJ1F-P2hxggHjZEN0ruHoxQ3Q7R89Nnk10YVoQrWwhj1T9mrrlUFMWmTtzZMf8X7ggODpnOJbjhYvVlptPsmcoZU1GuFlxpo110aEeodHj7M9EHrk~HcfL73Y9PU-cm9atAj5C0UgBr-78B8wojzqyL2wgILwaEqLUQEWvI3Jg1tdFGtjzkGiE-Qa4eTbgmdalkvhGzCe~SqMhdF2IMEkGn~vP7we-mYEHA__&Key-Pair-Id=APKAJLOHF5GGSLRBV4ZA#page=273 . Acesso em: 16 de nov. de 2020.