O teste do bafômetro e o direito de não produzir provas contra si mesmo

04/10/2021 às 16:42

Resumo:


  • A legislação brasileira estabelece a necessidade de estimar o grau de alcoolemia do condutor para caracterizar o crime de embriaguez ao volante.

  • O princípio da não autoincriminação garante que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, resguardando os direitos fundamentais do indivíduo.

  • A recusa em realizar o teste do bafômetro pode acarretar em sanções administrativas, porém, a constatação da embriaguez depende de procedimentos que demonstrem sinais de embriaguez do motorista.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo busca demonstrar o teste do bafômetro em detrimento do direito de não produzir provas contra si mesmo, tendo em vista a imposição de penalidade para aqueles que recusam a realizar o teste, prevista no Código de Trânsito Brasileiro.

RESUMO

O Código de Trânsito Brasileiro estabelece que, para a particularização do delito de embriaguez ao volante, há a imprescindibilidade de estimação do grau de alcoolemia do condutor. Tem sido contestável a circunstância da exigência da efetivação do teste de alcoolemia pelo acusado em desobedecer ao art. 165 do CTB - Código de Trânsito Brasileiro. Em contrapartida, determinados operadores do direito compreendem que este comportamento não está adequado, considerando-se, em suas pesquisas, que o indivíduo não é compelido a efetuar o exame sob a égide das garantias e dos direitos fundamentais preceituados na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, sem versarem acerca do argumento dos efeitos da recusa ao mecanismo. Ao averiguar a serventia do bafômetro como instrumento probatório confrontando se o instrumento é ou não eficiente a fim de corroborar a embriaguez. Foi realizado um estudo acerca da utilização do bafômetro, dentro dos preceitos constitucionais e de direito, se este é ou não forçoso e se este atinge tais preceitos. Um estudo através do qual o bafômetro é coletado pela autoridade, e se acerca de tais ocorrências, é legítimo como prova, além de se constatar se é prova ilícita ou lícita.

Palavras-chave: Lei seca. Direito de não produzir provas contra si. Direitos e Garantias Individuais.



 

ABSTRACTS

The Brazilian Traffic Code establishes that, for the particularization of the crime of drunk driving, it is essential to estimate the driver's alcohol level. The circumstance of the requirement to carry out the alcohol test by the accused in disobeying art. 165 of the CTB - Brazilian Traffic Code. On the other hand, certain operators of the law understand that this behavior is not adequate, considering, in their researches, that the individual is not compelled to carry out the examination under the aegis of the guarantees and fundamental rights provided for in the Federal Constitution of 1988, in your art. 5, without dealing with the argument of the effects of refusing the mechanism. When verifying the usefulness of the breathalyzer as a probative instrument, confronting whether the instrument is efficient or not in order to corroborate drunkenness. A study was carried out on the use of the breathalyzer, within the constitutional and legal precepts, whether or not it is mandatory and whether it achieves such precepts. A study through which the breathalyzer is collected by the authority, and if it concerns such occurrences, is legitimate as evidence, in addition to verifying whether it is illegal or lawful evidence.

Keywords: Prohibition. Right not to produce evidence against himself. Individual Rights and Warranties.



 

Sumário: 1.Introdução; 2. Dos  meios de prova da embriaguez; 3 Da recusa em realizar o teste do Bafômetro e a aplicação do princípio de não produzir provas contra si; 4. Da infração penal por recusa ao teste do bafômetro; 5. Conclusão; Referências bibliográficas.



 

1 INTRODUÇÃO

O trânsito é um acontecimento que conquista, gradativamente mais, relevância dentro da conjuntura social, uma vez que concerne à movimentação dos indivíduos, à sua garantia fundamental de ir e vir. Todavia, a livre movimentação de indivíduos localiza empecilho quando da combinação de direção e álcool. A embriaguez ao volante é causadora da maioria dos acidentes de trânsito, colocando em perigo a integridade e a vida da sociedade.

Considerando a quantidade de lesões e mortes no trânsito ocasionado por motoristas embriagados, o legislador, progressivamente, vem fortalecendo o tratamento dado à direção de veículos sob ingerência de álcool. Em um preliminar período histórico, a embriaguez ao volante era tratada somente como ilícito administrativo. Com o aviltamento de acidentes ocasionados por tal comportamento, o legislador se viu no dever de refrear, de forma mais categórica, os motoristas alcoolizados, convertendo-se em crime a direção de veículos sob ingerência de álcool.

A principal conduta do legislador para o fortalecimento da coibição à embriaguez ao volante foi a publicação da Lei n. 11.705/08, também intitulada como Lei Seca. O que se refletiu que fosse estabelecer uma tolerância zero, finalizou por limitar os instrumentos de prova, fazia-se indispensável a criação de prova técnica a fim de se demonstrar a dosagem de álcool, isto é, exame de sangue ou etilômetro. Além de dependentes, estes instrumentos de prova são de custoso emprego, uma vez que, para sua efetivação, é imprescindível a atuação do acusado. Todavia, em decorrência da garantia fundamental à não autoincriminação, ninguém é compelido a contribuir na elaboração de provas que possam lhe incriminar.

O preceito da não autoincriminação, também denominado como nemo tenetur se detegere, argumenta pela garantia de não elaborar prova contra si mesmo. Tal preceito localiza seus fundamentos na imprescindibilidade de enfrentar os abusos do Poder Público perante a pessoa, em resposta ao cometimento do interrogatório sob julgamento e da tortura, que obrigavam o acusado a confissão e, consequentemente, a própria incriminação. A imprescindibilidade de coibição ao delito de embriaguez ao volante não pode servir de desculpa para uma extinção de garantias fundamentais, aquela deve buscar se adequar a máxima efetividade na coibição, contudo sem infringir os direitos do ser humano.

Ante o exposto, novamente, o legislador modificou a legislação que aborda sobre a embriaguez ao volante. Desta vez, separando a diferenciação do delito à imprescindibilidade de prova técnica, expandindo os instrumentos de prova de embriaguez. Todavia, ainda é necessário ponderar acerca da aplicabilidade imediata do preceito da não autoincriminação, sempre que os instrumentos de prova carecerem da cooperação do acusado, seja quando existe intervenção corporal, seja quando ele tem que cometer uma ação que pode resultar na sua própria incriminação.

Esta pesquisa empregou estudo bibliográfico qualitativo, utilizando jurisprudência, legislação, doutrinas, entre outros documentos bibliográficos, tencionando-se a investigar acerca da temática acima mencionada. 


 

2. DOS MEIOS DE PROVA DA EMBRIAGUEZ

Quando da publicação do Código de Trânsito Brasileiro, o delito de embriaguez ao volante, definido no seu art. 306, ordenava, para sua caracterização, a presença de risco concreto e que o motorista estivesse sob ingerência de álcool, sem determinar a dosagem máxima ou mínima no sangue para sua constatação. Por conseguinte, não se fazia imprescindível à efetivação de prova técnica, tais como o exame de sangue ou etilômetro para sua constatação (MORELLO, 2015).

Ocorre que a quantidade de acidentes automobilísticos resultantes da direção sob ingerência de álcool prosseguia bastante elevada. Portanto, o legislador decidiu por fortalecer o tratamento aos motoristas alcoolizados e produziu a Lei nº 11.705/08, intitulada como Lei Seca, que, modificando o art. 306 do Código de Trânsito, extinguiu a imposição da presença de risco concreto para determinação do delito de embriaguez ao volante, convertendo-o em um delito de perigo abstrato. Ademais, determinou como critério formal, a fim de que se comprovasse a embriaguez, a quantia de seis decigramas de álcool por litro de sangue ou 0,3 miligramas por litro de ar emanado (CORRÊA, 2020).

O que se refletiu que fosse estabelecer uma tolerância zero, terminou por limitar os instrumentos de prova, portanto, tornava-se imprescindível a elaboração de prova técnica para se constatar a dosagem de álcool, isto é, exame de sangue ou etilômetro. Além de limitados, estes instrumentos de prova são de custosa aplicação, uma vez que, para sua efetivação, é imprescindível a participação do suspeito. Todavia, em decorrência do direito fundamental à não autoincriminação, ninguém é compelido a contribuir na elaboração de provas que possam lhe incriminar (MORELLO, 2015).

A fim de tentar controlar a negativa nos testes de alcoolemia, estabeleceu-se o instituto da infração administrativa da negação em se sujeitar aos testes de alcoolemia. Procedimento este de constitucionalidade, no mínimo, questionável, uma vez que ninguém deve ser punido por desempenho de direito, qual seja, o direito de não elaborar prova contra si mesmo (ALCÂNTARA, 2016).

Em decorrência do deslize legislativo que foi a lei seca, que terminou por garantir a impunidade aos motoristas alcoolizados, o legislativo modificou, novamente, o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, por intermédio da Lei nº 12.760/12, e afastou a imposição absoluta da quantia de álcool no sangue, utilizando um requisito de tipificação que expande os procedimentos de prova do delito de embriaguez ao volante, instrumentos de prova estes ilustrados no §2º deste dispositivo. São eles, além de quaisquer instrumentos em direito aceitos, a prova testemunhal, o vídeo, a perícia, o exame clínico e o teste de alcoolemia (etilômetro) (NUCCI, 2016).

No que concerne ao etilômetro, comumente intitulado como bafômetro, é caracterizado no Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro como o instrumento atribuído à aferição da quantidade do teor alcoólico no ar alveolar, e finaliza o conceito, também em seu Anexo I, ao definir ar alveolar, como o ar expirado pela boca de uma pessoa, proveniente dos alvéolos pulmonares. Como preceituado no Código de Trânsito Brasileiro, o etilômetro é o instrumento, que trabalha por intermédio de processo eletroquímico, hábil a aferir a acumulação de álcool no ar emanado pelo paciente. O emprego do instrumento localiza normatização na Resolução 206/2006 do CONTRAN, caracterizando as circunstâncias técnicas do instrumento (DE ANDRADE, 2016).

O etilômetro é um instrumento de prova que não resulta intervenção corporal no suspeito, contudo resulta uma conduta positiva por parte deste, resulta uma conduta comissiva, uma vez que deve ele assoprar. À vista disso, é facultado ao motorista participar ou não da elaboração desta prova, pois está resguardado pelo preceito do nemo tenetur se detegere. Ademais, não pode ser punido por sua negação, nem dela pode-se inferir presunção de culpabilidade (ARAÚJO, 2015).

Com a redação anterior atribuída pela Lei nº 11.705/08, era imprescindível, para a concretização do delito de embriaguez ao volante, a constatação de uma determinada dosagem de álcool no sangue, que equivalia, para os resultados do bafômetro, a 0,3 miligramas por litro de ar emanado. A prova técnica era obrigatória. Acerca da temática, o Supremo Tribunal Federal entendeu no sentido de requerer prova técnica para a definição do tipo de que abordava a antiga redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (FOLLMANN et al., 2016).

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Atualmente, com a redação atribuída ao art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro, pela Lei 12.760/12, deixou de ser elementar do tipo a verificação dos índices de alcoolemia, sendo esta somente uma circunstância de caracterização do delito. Deste modo, o etilômetro ainda é substancial instrumento de prova de embriaguez. Todavia, com a recente legislação abrem-se hipóteses para instrumentos de prova que ajustem, de forma mais eficiente, a persecução criminal e a procura pela verdade processual com as garantias fundamentais, nesta hipótese, a garantia de não criar provas contra si mesmo (SANTOS et al., 2019).

No que tange ao exame de sangue para constatação de embriaguez, trata-se de exame laboratorial, que se efetiva a partir de amostra de sangue do acusado, e representa o emprego de reagentes químicos para estabelecer o índice de álcool no sangue. A perícia deve ser efetivada em laboratório especializado, constando procedimento técnico científico, com o propósito de comprovar o índice de álcool no sangue do motorista (CORRÊA, 2020).

O recolhimento de sangue resulta em intervenção corporal invasiva no suspeito, consequentemente, faz-se imprescindível a sua autorização para a efetivação. Não pode o suspeito ser obrigado a conceder instrumento corporal, porque, estar-se-ia infringindo os preceitos da intangibilidade corporal, da intimidade, bem como o preceito do nemo tenetur se detegere, uma vez que ao suspeito acompanha a garantia de não oferecer instrumento probatório que possa lhe incriminar (MORELLO, 2015).  

Ao exame de sangue se emprega o mesmo para o etilômetro acerca da não caracterização do delito de desobediência em sua negação, porquanto está em exercício regular de direito (ALCÂNTARA, 2016).

A antecedente redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, determinava a constatação da concentração de álcool na corrente sanguínea, que deveria ser igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue. Todavia, com a nova redação, acompanhou o mesmo entendimento do etilômetro: permanece como um instrumento de prova confiável para a caracterização do delito de embriaguez, todavia não é mais obrigatório, podendo ser a embriaguez constatada por outros instrumentos (SANTOS et al., 2019).

No que concerne ao exame clínico, trata-se de exame efetivado por médico, que, por intermédio do reconhecimento de indícios, pode atestar a circunstância de embriaguez. O exame clínico compreende-se aquele efetivado por médico, que pela constatação dos indicadores, irá calcular o nível de embriaguez demonstrado pelo indivíduo infrator. Não é possível constatar a concentração de álcool no sangue por intermédio do exame clínico, da simples verificação dos sintomas. Em outros termos, não se consegue retirar o correto grau de alcoolemia, determinando o indivíduo a “fazer o quatro” ou “realizar uma caminhada” ou, também, “falar 33 no consultório médico” (NUCCI, 2016).

A Lei n. 12.760/12 modificou a perspectiva dos instrumentos de prova de embriaguez. À vista disso, não é imprescindível prova técnica com um nível correto de alcoolemia. Deve se realizar uma observação no que concerne ao exame clínico, uma vez que, se este obrigar participação ativa do suspeito, como, por exemplo, “realizar o quatro”, o suspeito, com fundamento no preceito de não elaborar prova contra si mesmo, pode se negar a realizar o que ordena o médico, sem sofrer punições por isso (ARAÚJO, 2015).

A prova testemunhal compreende uma alegação pessoal de caráter oral, todavia, nas circunstâncias estabelecidas na legislação, pode se realizar por instrumento escrito. A prova testemunhal pode provar a embriaguez pela verificação de sintomas aparentes de embriaguez ou manifestações físicas, podendo esta prova ser elaborada pelo próprio agente de trânsito (DE ANDRADE, 2016).

A Lei 12.760/12, que modificou o art. 306 do Código de Trânsito, oportunizou a hipótese de prova testemunhal, uma vez que afastou o critério objetivo do índice de alcoolemia, assim como, em seu §2º, estabeleceu, de forma expressa, a hipótese de constatação da embriaguez por prova testemunhal. Ademais, o §1º preceitua que, ao delito de embriaguez poderá ser verificado por indícios que apontem, na forma preceituada pelo CONTRAN, modificação da aptidão psicomotora. E assim realizara o CONTRAN, em sua Resolução 206/06, onde determina que o agente da autoridade de trânsito poderá, na negação ao teste do bafômetro, provar sobre os relevantes indícios originários do consumo de álcool (FOLLMANN et al., 2016).

Todavia, o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro é auto aplicável, uma vez que embora, ao que tudo indica, seja uma norma penal em branco, a circunstância de o §2º determinar rol exemplificativo dos instrumentos de prova de embriaguez, resulta na dispensabilidade de normatização pelo CONTRAN. Entretanto, a Resolução 206/06 do CONTRAN ainda serve para disciplinar o procedimento a ser obedecido pelos agentes de trânsito (CORRÊA, 2020).

Por conseguinte, a hipótese de prova testemunhal para a constatação de embriaguez ao volante é admissível, não obstante normatização pelo CONTRAN, dado que a lei preceitua prevê a hipótese de emprego destes instrumentos de prova (SANTOS et al., 2019).

3. DA RECUSA EM REALIZAR O TESTE DO BAFÔMETRO E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO

O preceito da não autoincriminação, conhecido pelo termo nemo tenetur se detegere, é o preceito que assegura a garantia de não elaborar prova contra si mesmo, sendo a garantia ao silêncio um de seus significados. O preceito quer dizer que ninguém é compelido a se autoincriminar ou a elaborar prova contra si mesmo, nem o indiciado ou suspeito, nem a testemunha, nem o acusado, entre outros (MORELLO, 2015).

A expressão nemo tenetur se detegere possui o sentido, ao pé da letra, de que ninguém é compelido a se deparar, todavia este não é o único termo latino, pelo qual também é intitulado de princípio da autoincriminação. Pode-se asseverar que este preceito advém da natureza biológica do indivíduo, descendendo, de forma direta, do instinto de sobrevivência, uma vez que a elaboração de provas contra si mesmo fere, claramente, o sistema de autopreservação do homem (DE ANDRADE, 2016).

O preceito da não autoincriminação vem, por conseguinte, defender a dignidade humana, a qual deve ser assegurada por uma circunstância de direito, preponderando sobre o propósito de explorar a verdade em um procedimento investigatório, mesmo que ninguém possa compreender melhor esta verdade que o próprio suspeito. O preceito da não autoincriminação é direito fundamental, e está introduzido entre os direitos de primeira dimensão, que são aqueles que protegem a liberdade individual perante o Estado (SANTOS et al., 2019).

Assim como os demais direitos de primeira dimensão, o direito de não elaborar prova contra si mesmo apresenta-se entre as liberdades negativas, uma vez que o núcleo da garantia de não autoincriminação habita, sobretudo, numa inatividade, ou seja, o réu possui o direito de não falar, e se falar, o direito de não falar a verdade, bem como o direito de não confessar, de não exibir prova contra ele, de não participar ativamente da elaboração de uma prova que o incrimine, entre outros (FOLLMANN et al., 2016).

O princípio do nemo tenetur se detegere, ainda, corresponde à definição de princípio-garantia, que é aquele preceito que objetiva estabelecer imediata e diretamente um direito dos indivíduos, sendo-lhe designada uma densidade de efetiva norma jurídica (ALCÂNTARA, 2016).

Assim sendo, o sentido do princípio do nemo tenetur se detegere equivale em asseverar que qualquer indivíduo acusado do cometimento de um ilícito criminal possui as garantias ao silêncio e a não elaborar provas em seu desfavor. Conquanto não possuam rigorosamente o mesmo conteúdo, o direito à não autoincriminação, bem como o direito ao silêncio, estão permanentemente relacionados. O direito ao silêncio exterioriza-se como uma das implicações ao preceito do nemo tenetur se detegere. Há quem assevere ser inadequado tratar-se do direito ao silêncio como sinônimo do princípio do nemo tenetur se detegere. Tal correspondência equivale a uma definição muito limitada desse preceito (MORELLO, 2015).

No que concerne aos princípios, a teoria da normatividade destes teve gênese na teoria pós-positivista, uma vez que para o direito não satisfazia mais o positivismo jurídico, que se orientava somente pela justiça posta, afastando-a da ética. Entretanto, também, não se fazia razoável um retorno ao jusnaturalismo, onde os preceitos eram apenas fundamentos abstratos e vagos. Compreender o princípio como regra foi uma considerável etapa na procura pela eficiência das garantias e dos direitos fundamentais, uma vez que lhes oportunizou a aplicabilidade imediata (NUCCI, 2016).

Os princípios, em conjunto com as regras, são espécies de normas. A fundamental diferenciação entre princípios e regras é a sua aplicabilidade. A aplicabilidade das regras se dá pelo tudo ou nada, isto é, se a circunstância de incidência for integralizada, ou é regra válida e o efeito normativo deve ser admitido, ou não é reputado válido. Já os princípios, como deliberações de desenvolvimento, estabelecem a maior aplicabilidade admissível de seu conteúdo normativo (ALCÂNTARA, 2016).

Ao princípio do nemo tenetur se detegere, em decorrência de sua natureza jurídica, empregam-se todas as particularidades dos princípios. Consequentemente, detém ele natureza normativa, podendo ser recorrido sempre que ameaçado. Nesta perspectiva é a redação do art. 5º, §1º, da Magna Carta, que atribui aplicabilidade imediata às normas estabelecedoras das garantias e dos direitos fundamentais (CORRÊA, 2020).

4. DA INFRAÇÃO PENAL POR RECUSA AO TESTE DO BAFÔMETRO


 

No Brasil, a partir da utilização do bafômetro, as autoridades viárias podem constatar se o motorista está ou não alcoolizado. O art. 165-A do Código de Trânsito Brasileiro assevera que quem dirigir sob a ingerência de álcool ou outra substância psicoativa que estabeleça dependência, ficará subordinado ao pagamento de multa e ter sua habilitação suspensa pelo prazo de um ano (MORELLO, 2015).

Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:

Infração - gravíssima.

Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no §4º do art. 270.

Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses (BRASIL, 1997).

Através de tal norma, o propósito foi de procurar uma sanção àquele motorista que não quis efetivar os exames hábeis a constatar que o mesmo estava sob a ingerência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa (ALCÂNTARA, 2016).

Ademais, o art. 306 da mesma norma também preceitua uma pena de detenção de seis a três anos, pagamento de multa e vedação ou suspensão para o alcance da habilitação ou da permissão para dirigir veículo automotor (SANTOS et al., 2019).

Acontece que, a fim de atribuir eficácia a tal norma, imprescindível se apresenta a existência de procedimentos que caracterizem a existência do estado de embriaguez, isto é, que os agentes demonstram algum traço ou sinal que possa constatar que o motorista estivesse embriagado, registrando tal circunstância (DE ANDRADE, 2016).

À medida que nada restar registrado, não existirá possibilidade de sanção com fundamento no art. 165-A, uma vez que são oportunizados inúmeros exames, dentre os preceituados no art. 177 do Código de Trânsito Brasileiro, diante do que, inexistente a efetivação de um destes, incidirá na penalização; todavia, se não oportunizado ou documentado, a mera recusa no que concerne à efetivação do teste de bafômetro não ocasionará presunção no que concerne à circunstância de embriaguez do motorista (NUCCI, 2016).

5. CONCLUSÃO

Quando da publicação da Lei n. 11.705/08, o propósito legislativo de converter-se em mais austera a legislação atinente à embriaguez ao volante, terminou por não se consolidar. Ao estabelecer como elementar do tipo o índice de alcoolemia do motorista, a Lei Seca limitou os instrumentos de prova. A redação da legislação determinava prova técnica, ou seja, exame de sangue ou etilômetro, que consistia na cooperação do suspeito para a sua elaboração.

Nessa perspectiva, o preceito da não autoincriminação procede no sentido de garantir ao cidadão a garantia de não participar da elaboração de provas que possam levar a sua incriminação. É preceito constitucional, derivado do direito de autodefesa, e assegura o suspeito dos possíveis abusos da atividade persecutória estatal.

À elaboração de provas, emprega-se o preceito do nemo tenetur se detegere, consequentemente, a prova realizada por intermédio do bafômetro e do exame de sangue carecem da autorização do suspeito.

A nova redação da legislação reinseriu uma elementar subjetiva ao tipo, ou seja, a modificação da aptidão psicomotora. Deste modo, faz-se imprescindível agora a constatação da modificação do desempenho psicomotor para a determinação do delito de embriaguez ao volante. A atividade probatória no processo criminal deve fundamentar-se pelos preceitos constitucionais, de forma a atender os propósitos de um procedimento justo, que obedeça à dignidade da pessoa humana.

Com a publicação da Lei 13.760/12, o preceito da não autoincriminação sai do cerne do debate, uma vez que agora é admissível o emprego de instrumentos de prova que não afrontam tal preceito, expandindo a eficácia na aplicação da legislação. O princípio da não autoincriminação perdeu a relevância no que concerne à constatação da embriaguez ao volante, uma vez que a constatação não mais fica limitada a instrumentos de prova que dependam da autorização do suspeito. Embora estes instrumentos ainda possam ser empregados para a constatação da embriaguez ao volante, existem instrumentos mais eficazes de constatação da embriaguez, que não violam o preceito da não autoincriminação.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALCÂNTARA, Francisco Sousa. Violação aos princípios constitucionais penais da não autoincriminação e da presunção de inocência: Inserção do artigo 165-A (Lei 13.281/2016) no CTB. Campina Grande, p.1-23 2016.

ARAÚJO, Thaís Viana. A verdade real e o direito de não produzir provas contra si mesmo no processo penal. 2015

BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm Acesso em 23 set. 2021

BRASIL. Conselho Nacional de Trânsito. Resolução nº 432, de 23 de janeiro de 2013.

CORRÊA, João Victor Borges. A recusa em realizar o teste do bafômetro e o princípio de não produzir prova contra si mesmo. 2020.

DE ANDRADE, Ana Carolina Biagi. O princípio da inexigibilidade de autoincriminação: garantia do indivíduo inafastável no Estado Democrático de Direito. ETIC-Encontro de Iniciação Científica - ISSN 21-76-8498, v. 12, n. 12, 2016.

FOLLMANN, Eduardo Langhinotti; KRIEGER, Bruno Thiago. Aspectos controvertidos sobre a recusa na realização do teste do bafômetro e a aplicação de penalidade administrativa. Jus.com.br, [s. L.], nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53920/aspectos-controvertidos-sobre-a-recusa-narealizacao-do-teste-do-bafometro-e-a-aplicacao-de-penalidade-administrativa. Acesso em: 23 set. 2021

MORELLO, Meiri. Forma de investigação e direito de não produzir prova contra si com base na Lei nº 12.654/12. 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Os tênues limites entre a autoacusação e a

presunção de inocência. 2016. Disponível em:

http://www.guilhermenucci.com.br/artigo/os-tenues-limites-entre-autoacusacao-epresuncao-de-inocencia. Acesso em: 23 set. 2021

SANTOS, Thayana Cardoso dos et al. As repercussões administrativas de conduzir veículo automotor sob a influência de álcool: um estudo sobre o confronto entre o princípio da segurança viária e as garantias do processo acusatório. 2019.

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