SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Alegações orais sentença oral; 3. Da violação da isonomia; 4. Da violação da celeridade impulsionada pelo procedimento oral. 5. Conclusão e Referência.
1) Introdução
Está se tornando uma rotina dos julgadores no processo penal, com o fundamento da urgência e rapidez, determinar alegações finais orais e proferir sentença escrita, uma clara violação da lei federal e uma incoerência com o sistema Constitucional.
Interessante que o objetivo do procedimento oral seria a rapidez do procedimento. Mas, ao determinar a principal forma de defesa do acusado na modalidade oral e a sentença escrita criou-se um paradoxo inconstitucional que não reflete a urgência da oralidade. Para o magistrado terá um prazo de 10 dias, isso é, quando cumpre este prazo. A ideia da necessidade de prazo para produção da sentença justifica claramente a ideia de complexidade.
Não se pode imaginar que a produção escrita com um prazo razoável gera um conforto que não poderia ser apenas para o julgador, sob pena de violação da isonomia.
2- Alegações orais sentença oral
Não se extrai do art. 403 do CPP uma dicotomia de atos, ou o ato é totalmente oral (diante da celeridade) ou totalmente escrito (diante da complexidade). A sentença escrita ou oral acompanha a principal peça defensiva na mesma modalidade. Não se pode defender celeridade com sentença escrita, situação atípica perante o CPP. Daí a necessidade de uniformização dos procedimentos, sob pena de contradição inconstitucional e ilegal.
Normalmente, tem-se o seguinte despacho para a surpresa do advogado de defesa: “tendo o Ministério Público e a Defesa apresentado Alegações Orais (CPP, art. 403), venham-me os autos conclusos para sentença.” Cadê a sentença oral? A sentença será escrita apenas nos termos do art. 403, §3º, CPP.
Não existe previsão na lei federal que alegações orais podem ser conduzir na sentença escrita.
O afastamento da regra de oralidade da apresentação das alegações finais e da sentença constitui faculdade do juiz, que deve verificar, caso a caso, a adequação da medida.
Dessa forma, as instâncias de origem decidiram de acordo com a firme jurisprudência desta Corte, haja vista que "o ordenamento jurídico processual penal adota a oralidade como regra para a apresentação das alegações finais, somente contendo previsão para sua dedução mediante memoriais escritos quando, 'considerada a complexidade do caso ou o número de acusados', o magistrado entender prudente a concessão de prazo para a dedução escrito dos argumentos. Doutrina e precedentes. Note-se que o afastamento da regra de oralidade da apresentação das alegações finais constitui faculdade do juiz, que deve verificar, caso a caso, a adequação da medida" (HC n. 340.981⁄SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª T., DJe de 18⁄10⁄2016).
Serão as alegações finais apresentadas na forma escrita, como ocorre, por exemplo, quando o magistrado, diante de casos complexos ou com significativo número de acusados, concede às partes prazo para a apresentação de memoriais (art. 403, § 3º).
O § 3º do artigo 403 do CPP, ao utilizar o verbo "poderá" - em vez de "deverá" - confere o magistrado uma faculdade, não um dever, ante a complexidade do caso ou se houver muitos réus. Precedentes. (HC n. 418.911⁄SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 14⁄12⁄2017).
Todavia, não constitui uma faculdade do juiz determinar a quebra do princípio da isonomia e da paridade de armas. Se o julgador pretende proferir sentença escrita, uma clara situação de complexidade, o conforto e o tempo da produção da sentença deve ser estendida para a Acusação e para Defesa.
Para o STJ, o art. 403, § 3º, do CPP não prevê nenhuma obrigação do magistrado em deferir a conversão da defesa oral em memorial escrito, como se verifica do seguinte precedente, in verbis:
[...] 10. O art. 57 da Lei n. 11.343⁄2006 prevê que as alegações finais serão apresentadas oralmente em audiência. Sendo assim, verifica-se ter sido mais benéfico aos acusados a autorização dada pelo Juiz do que a apresentação de memoriais escritos, no prazo de 72 horas. O permissivo do art. 403, § 3º, do Código de Processo Penal constitui uma faculdade, e não uma obrigação do magistrado, a quem caberá avaliar a necessidade de sua aplicação. [...]
22. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido em parte, ficando as penas redimensionadas nos termos do voto. De ofício, determinada a utilização, no cálculo do dia-multa, do valor do salário mínimo vigente na data da prática delitiva. (REsp 1439866 ⁄MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 6⁄5⁄2014).
Apesar do entendimento supra que o art. 403, § 3º, do Código de Processo Penal constitui uma faculdade, e não uma obrigação do magistrado, a quem caberá avaliar a necessidade de sua aplicação. Também não se permite pela simples leitura o antagonismo da forma oral entre alegações finais e sentença escrita. Ou ambas são orais ou ambas são escritas.
O simples conforto do julgador em proferir uma sentença escrita, apesar de exigir dos demais a oralidade, não é coerente. Ademais, se objetivo é a celeridade diante da oralidade, não é coerente o julgador não obedecer a celeridade dada a principal defesa, ou seja, alegações finais.
A dicotomia de ato oral (para as partes) e escrita (para o julgador) padecem de vício insanável, porquanto realizados em desconformidade com o art. 403 do CPP, ocorre violação aos preceitos legais e constitucionais, nulidade absoluta, como veremos.
A principal defesa do processo penal são as alegações finais. A escolha entre defesa escrita e sentença escrita deve ser feita pelo julgador.
O ônus da defesa deve ser diretamente com o ônus da elaboração da sentença.
Em regra, as alegações finais são orais, e a seguir, a sentença, conforme dispõem o artigo 403 do CPP. No entanto, existem situações que permite ao magistrado, proferir a sentença posteriormente no prazo de 10 dias.
Trata-se de um desrespeito ao princípio da ampla defesa, pois, tanto o advogado como membro do Ministério Público elaboram a principal peça (alegações finais) sintética e objetiva, o juiz profere fora do pactuado no art. 403 do CPP. Viola-se a lei federal; o princípio da igualdade procedimental, da oralidade / celeridade, bem como princípios do contraditório, ampla defesa e do devido processo legal.
Esta situação está prevista no artigo 403 do CPP. Se o juiz entender que precisa de um prazo para proferir sentença, a alegação da acusação e da defesa, terão um prazo de 05 dias para apresentar as alegações finais, através de memoriais, o que não poderia ocorrer nos autos.
A regra legal (art. 403, § 3º do CPP) determina que apenas haverá alegações escritas se a matéria for complexa ou tiver pluralidade de acusados.
Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.
§ 1º Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.
§ 2º Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 3º O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). (grifo nosso)
Veja bem, a partir do momento que o julgador não proferiu a sentença no mesmo ato, conclui-se que a matéria é complexa. Portanto, não poderia existir tratamento diverso, sob pena de desvalorizar tanto a acusação e principalmente a defesa. Haveria uma clara violação da lei federal. Um prejuízo decorrente da violação legal.
Ora, se diante dos fatos narrados no processo, o magistrado entendeu ser complexo para proferir sentença no prazo de 10 dias, deveria ter dado oportunidade as partes para fazer os memoriais escritos no prazo de 5 dias, para demonstrar condição de paridade e possibilitar ao acusado a efetiva defesa técnica nos moldes da sentença escrita. Nunca se poderia pensar que o trabalho oral é idêntico ao trabalho escrito, até pelo motivo que o oral se faz em minutos o escrito em dias.
O advogado é obrigado a sintetizar uma defesa para não ser nula (súmula 523 do STF), esperando o mesmo do julgador. A ampla defesa (art. 5º, LV, CRFB/88) potencializa a defesa. Obriga-se a defesa técnica, defesa indeclinável. A conduta do julgador em criar um procedimento diverso da lei (sentença escrita alegações orais) é totalmente fora da isonomia procedimental, viola também a orientação à luz da mens legis, inserida no art. 403 CPP, uma inconsistência com a oralidade / celeridade.
3) Da violação da isonomia
A lei federal nº 8.906, de 4 de julho de 1994, destaca que não deve o advogado ser tratado diferente do magistrado ou dos membros do Ministério Público. Objetiva-se uma simetria na atuação da função jurisdição entre juiz, Ministério Público e Advogado:
Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.
Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.
Da igualdade no tratamento, o magistrado também previsto nos artigos 8º e 9º do Código de Ética da Magistratura, nos seguintes termos:
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.
Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação (BRASIL, 2008). Grifo nosso.
O magistrado deve buscar um tratamento igualitário, evitando todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito. Cabe lembrar a busca incessante de eliminar, pela Constituição da República, os atos inquisitoriais do CPP, para transformar ou adequar ao sistema acusatório.
Da mesma forma, a Constituição da República, no art. 5º, estabelece o princípio da isonomia. Toda violação de norma constitucional (regras + princípios) representa um prejuízo implícito da sua não observância.
O advogado é indispensável à administração da justiça. Portanto, para Jurisdição. CRFB/88, art. 133. “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
Não poderia ocorrer distinção procedimental. A importância da sentença ou do acórdão não é menor que o da acusação e da defesa. Estão extremamente interligados (art. 315, §2º, IV, CPP). A distinção entre alegações orais e sentença escrita é inconstitucional e ilegal. Teríamos uma produção sintética pela oralidade e uma sentença robusta pelo tempo lhe dado.
Basta imaginar, se o Ministério Público tem condições de produzir as alegações orais, fundamentada normalmente com base no sistema inquisitorial do inquérito policial, a defesa tem a sua principal peça de defesa sendo sintetizada nos 20 minutos, não teria cabimento a sentença ser feita escrita. Nosso processo penal de 1941 está recheado de artigos inquisitoriais, o que dificulta e muito a defesa técnica. A principal defesa sendo oral é uma violação ao princípio da ampla defesa, diante da construção inquisitorial que o CPP permite. Por exemplo, os elementos informativos deveriam ser excluídos dos autos e nunca meramente ratificados. A prova deve ser construída pelo MP não simplesmente ratificado. Se existe necessidade de mais tempo para produção da decisão final, tem que ter mais tempo para produção das alegações finais.
O princípio da isonomia, requisito básico ao devido processo legal, está constitucionalmente previsto no art. 5º, informando que “todos são iguais perante a lei”. O que está na lei seria alegações orais com sentença oral. A sentença escrita demonstra complexidade. Logo, o julgador deveria fazer o mesmo, sob pena de violar o princípio da isonomia.
Ao modificar o procedimento penal criou algo diverso da lei federal violando o princípio da reserva legal do art. 5º, II, CRFB/88, aumentando ainda mais a carga secularizada do sistema inquisitorial no CPP. O sistema inquisitorial se tornou uma prática repetida como algo normal, o que é um absurdo!
Ao contrário do procedimento civil, no caso as alegações finais são consideradas de extrema importância. Trata-se da principal defesa do acusado, por isso da súmula 523 do STF. Houve uma desvalorização do procedimento para a defesa. A diferenciação fora do descrito na lei é ilegal, bem como inconstitucional (prejuízo decorrente da violação normativa).
4) Da violação da celeridade impulsionada pelo procedimento oral.
Se o objetivo da oralidade no procedimento é obter uma rapidez no julgamento, torna incoerente a postura do magistrado em criar uma diferenciação para o mesmo. O conforto da produção escrita é nítido. Ademais, com raridade se vê o julgador cumprindo os prazos na produção de decisões escritas. Verifica-se que o momento nefrálgico da morosidade se concentra na atividade judicacional. Os advogados têm prazos, são impelidos pela preclusão.
A diferenciação do procedimento entre escrito e oral viola a celeridade, ainda mais, quando os magistrados são blindados pelos prazos impróprios, justificativas para elastecerem os prazos legais.
A existência dos prazos impróprios permite ao julgador a eternização do julgamento do feito procedimental, retardando, pois, a realização do serviço público. O objetivo é acabar com as dilações indevidas do procedimento. Também justifica essa proposição a inadmissão da existência de prazos distintos para os sujeitos processuais frente ao princípio constitucional da igualdade.
Ademais, os prazos impróprios são incompatíveis com o princípio da duração razoável do procedimento (art. 5º, LXXVIII, CRFB/88), com o princípio da eficiência (art. 37, caput, CRFB/88) e com o princípio da isonomia procedimental.
Na tentativa de imprimir mais celeridade, modifica-se a lei, como o presente discutido, alegações orais e a prática dos magistrados em proferir sentença escrita, mas não se impede a utilização do argumento dos prazos impróprios ou criam-se sanções para inibir o descumprimento dos prazos legais pelos julgadores. Acabam que os magistrados são “blindados” pelos simples argumento do aumento exacerbado e da crescente demanda no Judiciário, a qual chegaria ao ponto de “escravizar” os julgadores[2].
O direito deve ser assegurador de igualdade de realização construtiva do procedimento, sem disparidade de armas. Essas são as salutares críticas apontadas por Rosemiro Pereira Leal (2008, p. 98):
A asserção de que há de se dar tratamento igual a iguais e desigual a desiguais é tautológica, porque, na estruturação do procedimento, o dizer e contradizer, em regime de liberdade assegurada em lei, não se operam pela distinção jurisdicional do economicamente igual ou desigual. O direito ao Processo não tem conteúdos de criação de direitos diferenciados pela disparidade econômica das partes, mas é direito assegurador de igualdade de realização construtiva do procedimento.
A rigor, a eliminação desses privilégios é essencial para se adequar ao postulado constitucional do art. 5º do CRFB/88.
5) Conclusão
Antes do momento da produção das alegações finais, as partes devem requerer que o magistrado produza a sentença da mesma forma, em nome da isonomia procedimental. Feito esse pedido, qualquer diferenciação resultaria no prejuízo normativo defendido (art. 5º, II, CRFB/88).
Diante do erro procedimental ao proferir sentença escrita fora do disciplinado no art. 403, §3º do CPP (violação da lei federal), bem como violação aos princípios constitucionais da isonomia procedimental, da reserva legal, da ampla defesa (desvalorizando a principal defesa) e do art. 6º, lei federal nº 8.906/94.
Não se coaduna com o objetivo da celeridade advindo da oralidade a produção das alegações orais e para o magistrado a produção escrita da sentença, em dez dias, quando este prazo é cumprido. Uma dicotomia totalmente inconstitucional. Esses benefícios em nada ajudam na evolução das instituições, que deixam de progredir por entenderem que não são iguais aos demais.
REFERÊNCIAS
CHAVES, Charley Teixeira. Ministério Público como instituição permanente popular: os sujeitos processuais no direito democrático. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.
CHAVES, Charley Teixeira. O povo e o tribunal do júri. Belo Horizonte:2.ed. Editora D’Plácido, 2020.
CHAVES, Teixeira Chaves. Curso de teoria geral do processo. 4. ed., Belo Horizonte: Editora D’plácido, 2020.
CHAVES, Charley Teixeira. Teoria Geral dos Recursos: um direito constitucional democrático. 3 ed., Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021.
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
[2] Essa “escravização” se dá pelo descumprimento do disposto no art. 93, XIII, CRFB/88. Cf. CHAVES, Charley Teixeira. A objetivização do recurso extraordinário: repercussão geral no recurso extraordinário versus controle concentrado de constitucionalidade. Artigo monográfico apresentado ao Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade Mineira de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, disciplina de Doutorado em Direito Processual: Cátedra Lopes da Costa.