Repensar o hiperconsumo entre o desenvolvimento sustentável e o decrescimento

06/10/2021 às 10:31
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Considerações iniciais

A sociedade contemporânea está baseada em paradigmas que devem ser questionados, o crescimento econômico e o hiperconsumo. O ponto que une uma crítica a esses dois fenômenos é a crise (ambiental, econômica, social, etc.) decorrente da maneira que se produzem e se consomem os bens ambientais na modernidade. Antes restrita a alguns círculos de pensadores, as alternativas para o atual modelo econômico que busca crescimento infinito têm-se tornado corriqueiras no vocabulário político, ainda que nenhum país efetivamente tenha aderido a um modelo que não vise o crescimento quantitativo de sua economia.

A alternativa, pode-se dizer, mais popular, é aquela que observa o princípio jurídico do desenvolvimento sustentável. Este princípio foi difundido globalmente em 1987, no famoso Relatório Brundtland[1], como um conceito político, um conceito amplo para o progresso econômico e social, que define o desenvolvimento sustentável como aquele em que a geração atual garante suas necessidades sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas. O princípio, portanto, se insere no contexto de buscar uma solução ao sistema produtivo capitalista moderno. Uma solução que integre desenvolvimento econômico e equilíbrio ambiental, tendo em vista os riscos de colapso do próprio sistema.

Contudo, qualquer solução que pretenda implementar sustentabilidade ambiental em escala mundial acaba por gerar uma contradição com o capitalismo, pelo fato de este sistema se fundamentar na acumulação de lucros, pela exploração dos recursos naturais e pelo consumo social dos bens produzidos. Visto que a satisfação das necessidades humanas (presentes ou futuras) se dá pelo consumo, é o fenômeno do hiperconsumismo contemporâneo que se faz contraditório com a ideia de desenvolvimento sustentável.

Assim, é pouco provável que a busca por crescimento econômico cesse, ainda mais em uma sociedade que possui padrões de consumo cada vez mais luxuosos. Este padrão de consumo, entretanto, possui um limite (até então) intransponível para o sistema econômico, qual seja, a finitude de energia que existe disponível no planeta. Dentro desse aspecto, o desenvolvimento sustentável seria uma mera tentativa de tratar os sintomas de um modelo econômico condenado, deve-se, portanto, levar em conta as limitações terrestres e compreender que o desenvolvimento (no futuro) irá se relacionar com a ideia de retração da produção e consumo de bens.

O centro deste artigo, então, é apresentar uma análise da tese da bioeconomia proposta por Georgescu-Roegen, na qual sustenta o destino catastrófico da humanidade e propõe apenas como medida o decrescimento econômico. Partindo do pressuposto – incorreto – de que a civilização ocidental apenas “funciona” quando está crescendo economicamente, tal como um ciclista que apenas se equilibra quando pedala, ela parará de “funcionar” quando estancar seu crescimento, do mesmo modo que o ciclista cai quando para de pedalar. Assim, o crescimento econômico perpétuo que foi o motor da sociedade morreu nos anos 70, porém, a ideia de que ele existe ainda permanece viva.

2 Hiperconsumo e o desenvolvimento sustentável

Em sua obra sobre Direito Ambiental, Milaré (2011, p. 64) afirma que “o desequilíbrio ecológico acentua-se a cada dia que passa”. O que ocorre na atualidade é uma apropriação cada vez mais significativa de termos como: desenvolvimento sustentável; hiperconsumo; crise ambiental. A utilização destes vocábulos saiu dos livros e artigos científicos e vem se inserindo na mídia. Assim, o alcance dessa afirmação proposta por Milaré, seguindo sua própria construção, acentua-se a cada dia que passa. Seguindo a linha de pensamento do mesmo autor, observa-se que o meio ambiente num prazo muito curto será dilapidado e os recursos consumidos e esgotados não se recriarão (MILARÉ, 2011). Nas palavras de Enrique Leff,

a crise ambiental se torna evidente nos anos 60, refletindo-se na irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e consumo, e mancando os limites do crescimento econômico. [...]. Portanto, a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de civilização, marcada pelo modelo de modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza (LEFF, 2004, p. 15-17).

A sociedade contemporânea é uma sociedade de consumo. Os fenômenos da globalização e da modernidade propiciaram o surgimento de estruturas de produção e consumo que geram riscos ambientais que as próprias estruturas são incapazes de resolver. A visão ainda dominante, em nossa tardia modernidade, é a economicista, na qual alguns detêm tudo e outros não detêm nada, visão essa que propicia a espoliação da natureza em todos os seus âmbitos (PEREIRA; CALGARO, 2015). É no contexto da modernidade que ocorrem as grandes transformações na nossa sociedade, afinal, a sociedade moderna é caracterizada por “mudanças constantes, rápidas e permanentes” (HALL, 2004, p. 14). Bauman concorda que essas mudanças são rápidas e constantes, nas suas palavras,

A modernidade é o que é – uma obsessiva marcha adiante – não porque nunca consegue o bastante; não porque se torne mais ambiciosa e aventureira, mas porque suas aventuras são mais amargas e suas ambições mais frustradas. A marcha deve seguir adiante porque qualquer porto de chegada não passa de uma estação temporária (BAUMAN, 1999, p. 14).

A evolução da sociedade de consumo para Lipovetsky aconteceu em três fases diversas, sendo a atual caracterizada pelo hiperconsumo. Nesta terceira fase, a sociedade ocidental industrializada tem como grande valor a liberdade individual, e as relações de consumo são realizadas tendo em vista mais o bem estar e lazer do indivíduo do que as suas próprias necessidades de sobrevivência. O consumo nesta fase pode ser caracterizado como um “ato social”, um empoderamento ou um aumento de autoestima. Ressalta-se que nas relações de consumo atual não existe horário definido para que estas aconteçam, assim como elas podem ocorrer por intermédios eletrônicos. Nesta terceira fase, então, é possível dizer que o individualismo se sobrepõe ao coletivo.

Na modernidade marcada pelo capitalismo neoliberal, o que se deseja é o constante progresso, ainda que o progresso possa ocasionar riscos ambientais, pois o que importa é viver o presente. Diante desse cenário, “os indivíduos não se preocupam com questões importantes como, por exemplo, aonde vai o lixo trazido pelo consumismo?” (PEREIRA; CALGARO, 2014, p. 12). Nessa sociedade de consumo não se consome para satisfazer necessidades; na sociedade hipermoderna existe como base uma estrutura individualista e mercantilista que promete a felicidade universal pelo ato de consumir, mas como lembra Lipovetsky (2007, p. 336) “produzimos e consumimos sempre mais, não somos mais felizes por isso”. O mesmo autor ainda adverte que essa “busca da felicidade por meio dos bens e dos serviços mercantilizados está apenas no começo de sua aventura histórica” (LIPOVETSKY, 2007, p. 343). Logo, em nosso horizonte não há expectativas de que o consumo perderá o caráter de principal fonte de felicidade, mas, sim, a expectativa é de que esse fenômeno aumente.

O próprio mercado reforça essa tendência de busca desmedida de bens de consumo, o que é notado pela “corrida desenfreada à renovação acelerada dos produtos e modelos” (LIPOVETSKY, 2007, p. 87). Esse crescimento é propiciado pelo fenômeno exposto por Durkheim da organização da economia através da divisão do trabalho, que possibilita a maximização da produção. Como expõe Lipovetisky, a sociedade de hiperconsumo se realiza na modernidade, pois acontece “uma ampla difusão do modelo tayloriano-fordista de organização da produção, que permitiu uma excepcional alta de produtividade bem como a progressão dos salários [...]” (LIPOVETSKY, 2007, p. 33) que permite produzir e vender em quantidades cada vez maiores. Dessa forma, é possível falar em uma revolução na modernidade tanto da maneira como se produz bens materiais quanto da forma como se consome bens materiais.

As relações de consumo podem ser vistas em nossa sociedade ocidental como relações em uma sociedade de excesso e de fartura e, consequentemente, como uma sociedade de desperdício. Direcionam-se os preciosos recursos naturais para a produção dos mais diversos produtos sem que se saiba se estes serão realmente utilizados, visto que o importante é a produção em massa para cumprir o objetivo do capital, visão essa que gera uma poluição industrial e devastação dos recursos não renováveis.

O nexo entre a crise ambiental e o hiperconsumo surge com relevância, inclusive, nos tratados internacionais. A temática ética da sustentabilidade no consumo é destacada na própria Agenda 21, que aborda sobre a necessidade de mudanças nos padrões de consumo, pois se entende que os padrões de produção e consumo estão se tornando insustentáveis. Assim, torna-se necessário o desenvolvimento de políticas e estratégias nacionais e internacionais para estimular mudanças nestes padrões. Além disso, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o consumo sustentável é aquele no qual o fornecimento de serviços e de produtos satisfazem as necessidades básicas e proporcionam uma melhor qualidade de vida. Por outro lado, o consumo sustentável é aquele em que se diminui o uso de recursos naturais e as emissões de resíduos e poluentes durante as fases de produção e consumo, em conformidade com o princípio de preservação ambiental para as gerações futuras.

Como dito na introdução, o desenvolvimento sustentável é um princípio político que visa garantir as necessidades das presentes e futuras gerações. Entretanto, ao perceber o desenvolvimento como um processo de satisfação das necessidades humanas é restritivo. Para satisfazer as necessidades da sociedade é necessário um aumento da produção econômica e consequente maior uso de recursos naturais. Essa junção de crescimento econômico (para a satisfação humana) e sustentabilidade (para garantir o futuro) só é possível em modelos econômicos utópicos. Além disso não existem provas que garantam que – dentro de uma perspectiva de sustentabilidade - a tecnologia forneça uma eficiência que compense os danos ambientais provocados pelo crescimento econômico. Por essa razão, é improvável que novas tecnologias, sem mudanças no próprio sistema de produção e consumo de bens, sejam responsáveis por diminuir os riscos do sociedade de crise contemporânea.

Nesse entendimento, para Georgescu-Roegen, o termo desenvolvimento sustentável serve somente para desviar a atenção dos verdadeiros problemas da economia e do meio ambiente, esta expressão esconde a falsa ideia de que o crescimento econômico pode ser sustentado no tempo infinitamente, criando um conceito otimista para o futuro do modelo econômico vigente (CECHIN, 2008). É necessário vislumbrar no horizonte uma nova forma de produzir e consumir, que respeite os limites impostos pela natureza devido à finitude de seus recursos. Por essa razão, no cerne do debate sobre o desenvolvimento sustentável está a questão de como processo econômico faz uso dos recursos naturais, em outras palavras, como a busca por desenvolvimento (econômico ou social) requer energia. Essa discussão deve ser realizada sob a ótica do decrescimento de Georgescu-Roegen.

3 Bioeconomia e decrescimento

Ainda que simples a primeira observação, a lição do economista e matemático Nicholas Georgescu-Roegen sobre o estatuto da economia pós-revolução industrial mostra-se uma das mais complexas da modernidade. Dentro de um aporte teórico da física termodinâmica pode ser encontrada a resposta indefectível e irrevogável sobre o real futuro da energia e mesmo da matéria. A resposta amarga para a complicada questão do destino da humanidade e do universo é, dentro desta teoria, para a morte termodinâmica. Em outras palavras, para a total dissipação de energia e de matéria em um verdadeiro caos. Tal resposta é, contudo, de cunho antropocêntrico, é dizer, a energia e a matéria dissipada estão fora de alcance do uso humano, o que não é sinônimo de que a energia e a matéria simplesmente deixem de existir, ideia contrária ao princípio de conservação da matéria, em que nada é criado ou eliminado apenas transformado.

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Outro fator que deve ser sopesado em conjunto é de que o crescimento industrial ultrapassa os limites da biosfera, tanto que o homem se tornou uma força geológica, “uma das mais poderosas forças do mundo vivo a operar nas transformações da face da Terra” (GEORGESCU-ROEGEN, 2012, p. 23). Não se trata apenas de pensar a física e a economia conjuntamente, de aplicar a termodinâmica à economia, de modo nenhum trata-se de uma análise à moda cartesiana e newtoniana, analítica, estática e mecânica. Trata-se de pensar dialeticamente, holisticamente, de pensar a totalidade em evolução, integrando tanto a economia, como a física, matemática e a biologia evolutiva. Dessa forma, pretende-se pensar em uma bioeconomia.

A termodinâmica em abstrato é visualizada pela Lei da Entropia em concreto. Como qualquer outra lei física, a Lei da Entropia rege a matéria e a energia, duas grandezas diferentes. De fato, para Georgescu-Roegen a termodinâmica não é apenas uma teoria energética do valor econômico, pois a matéria também está inclusa. A economia, ou seja, o metabolismo social é regido pela Lei da Entropia que vem a afirmar que a energia atualmente disponível está em curso de dissipação, o que também vale para a matéria entendida como jazidas minerais e macroestruturais utilizáveis. Para Georgescu-Roegen, a Lei da Entropia se aplica à matéria em bruto, isto é, a matéria organizada em macroestruturas economicamente utilizáveis. A lógica da Lei da Entropia é uma lógica evolutiva, diferentemente da mecânica clássica em que o tempo não é um fator presente, na Entropia o tempo é fator determinante, por isso sua natureza evolutiva.

Georgescu denuncia as mitologias modernas, em especial do processo circular da vida econômica, ou seja, do crescimento perpétuo. Ao integrar termodinâmica e economia, desvela a amarga realidade que os economistas negam, da finitude dos processos biológicos e econômicos que constituem o metabolismo social. Ocupada com o fluxo monetário e o crescimento econômico, a economia está ocupada de mais para ater-se a temas de “menor” relevo. Economistas negligenciam o papel do capital natural na economia, e o que é pior, o fato de a economia estar mudando a própria biosfera como a conhecemos. O fluxo de energia, no mesmo sentido, é negligenciado, visto que as empresas petrolíferas são as maiores geradoras de energia. Contudo, tornou-se uma afirmação de senso comum afirmar que combustíveis fósseis são finitos e degradam o ambiente. Ao perceber que a energia total do universo permanece constante e a entropia do universo tende ao máximo, a crença no desenvolvimento sustentável dos economistas parece profunda falsa consciência da realidade que os cerca.

Sabendo que matéria e energia não podem ser criadas ou destruídas, apenas transformadas, postulado que decorre do princípio de conservação de matéria-energia que é o primeiro princípio da termodinâmica, como é possível então que a economia seja considerada um processo circular? Ou seja, como é possível que o homem produza matéria sem ter tal capacidade divina? A resposta a tais questão Georgerscu responde: “o que temos de sublinhar em primeiro lugar é que esse processo é um processo parcial e que [...] está circunscrito por uma fronteira através da qual matéria e energia são intercambiadas com o resto de todo um universo de material” (GEORGESCU-ROEGEN, 2012, p. 57) Não há uma produção de matéria e energia, o processo econômico “limita-se a absorver matéria-energia para devolvê-la continuamente” (GEORGESCU-ROEGEN, 2012, p. 57). A matéria-energia que é absorvida pelo processo econômico está em um estado de baixa entropia e é liberada em um estado de alta entropia.

Sabendo que a entropia vem a significar medida de energia não utilizável num sistema termodinâmico, ou ainda, energia não utilizável, o processo econômico acelera a transformação de baixa entropia e alta entropia, ou seja, absorve matéria-energia economicamente viável e a torna inviável para um novo uso econômico. Em outras palavras, a energia de um sistema que pode ser utilizada pelo homem é a energia livre ou utilizável, a baixa entropia, e a energia não utilizável ou presa, a alta entropia, é a energia contida num sistema que o homem não pode mais utilizar. (GEORGESCU-ROEGEN, 2012). E o resultado da dissipação da energia livre em energia presa é o aumento da entropia, que, portanto, sempre tende a aumentar, embora existas casos de entropia negativa ou neguentropia, que é a diminuição da entropia, ou seja, a passagem da energia presa para a energia livre.

Este diagrama do fluxo circular da economia é um desenho estampado em qualquer manual de introdução à economia, o fluxo mostra a relação entre produção e consumo. O objetivo do diagrama é mostrar como circulam os produtos, insumos e dinheiro entre empresas e famílias, abrangendo mercados de bens e serviços. O circuito interno mostra os fatores de produção fluindo das famílias para as empresas, e os bens e serviços fluindo das empresas para as famílias. O circuito externo demonstra o fluxo monetário. Como bem destaca Georgescu, nada melhor que a imagem descrita para demonstrar os fundamentos epistemológicos da economia, que “representa o processo econômico como um fluxo independente e circular entre ‘produção’ e ‘consumo’” (GEOGESCU-ROEGEN, 2012, p. 75). No mesmo sentido afirma Cechin e Veiga (2010, p. 35):

Tal alicerce epistemológico apresenta uma visão inteiramente falsa de qualquer economia, considerando-a um sistema isolado no qual nada entra e do qual nada sai, e fora do qual não há nada. É uma representação da circulação interna do dinheiro e dos bens, sem absorção dos materiais e sem liberação de resíduos. Ora, se a economia não gerasse resíduos e não exigisse novas entradas de matéria e energia, então ela seria o sonhado moto-perpétuo, capaz de reproduzir trabalho ininterruptamente consumindo a mesma energia e valendo-se dos mesmo materiais. Seria um reciclador perfeito.

O gráfico representa a epistemologia mecanicista da economia neoclássica, pois “ela parte do princípio que é possível entender os fenômenos, independentemente de onde, quando e por que ocorrem” (CHECIN; VEIGA, 2010, p. 36). Ao contrário da segunda lei da termodinâmica, as leis da mecânica clássica não distinguem o passado do futuro, pois parte da ideia de que todos os movimentos são reversíveis e justamente em virtude disso não é capaz de compreender o movimento unidirecional do calor. Para mecânica clássica, portanto, a variável tempo é irrelevante, pois preocupasse apenas com a reversão do movimento, é dizer, a mudança de posição de um objeto. “No entanto, os processos irreversíveis constituem a regra na natureza” (2010, p. 37). Os economistas modernos usaram da mecânica clássica para levantar a tese de que há algo na economia que se mantém constante, o valor. Apenas a alocação do valor seria um problema a ser resolvido por meio da troca. Segundo Cechin e Veiga (2010, p. 37), “é nesse sentido que a estrutura analítica da economia convencional é uma metáfora mecânica, mas especificamente do princípio de conservação de energia na física”.

Nesse sentido, o exposto contradiz claramente uma das leis da termodinâmica, pois, segundo a Lei da Entropia, a energia não pode ser usada e reusada quantas vezes se deseja, a energia usada uma vez não pode ser reusada uma segunda vez, pois ela faz parte do que se chama de energia presa. A energia dissipada não pode mais ser usada, isso não significa que a energia extinguiu-se, mas apenas se dissipou no espaço e não será mais possível reutilizá-la pera gerar trabalho.

A economia convencional continua presa à física do século XIX. Nem de longe incorporou os avanços ocorridos no século passado. Assim, a proximidade com a mecânica impediu que o estudo do processo econômico fosse permeado pela atenção às relações biofísicas com seu entorno. Afinal, a metáfora mecânica na economia implica não reconhecer os fluxos de matéria e energia que entram e saem do processo, assem como a diferença qualitativa entre o que entra e o que sai. (CHECIN; VEIGA, 2010, p. 37)

Ainda que a entropia do universo esteja constantemente crescendo e levando a desordem a seu máximo, há um processo muito peculiar que pode reverter o crescimento entrópico, produzindo neguentropia, é a fotossíntese das plantas. Ao crescerem as plantas absorvem energia presa do ambiente, gerando ordem a partir da desordem. Contudo, não há propriamente diminuição da entropia, mas uma desaceleração de seu processo em vista de que o ambiente compensa a diminuição gerada pelas plantas. Os seres humanos, por outro lado, por meio de sua cadeia alimentar dissipam energia, pois não produzem fotossíntese, mantendo sua ordem em detrimento do ambiente a seu redor. Além do fato de os seres humanos aumentam prodigiosamente a entropia do ambiente através de sua cadeira alimentar, possuem capacidade exossomáticas, ou seja, a capacidade de desenvolver ferramentas e mecanismos de sobrevivência para além de seus corpos, é dizer, de captar energia através de meios mais eficazes (MERICO, 2002, p. 45).

Como bem salienta Merico (2002, p. 46), é por meio da construção de máquinas e ferramentas que os humanos extraem mais energia do ambiente que os circunda, é por meio da construção de casas e roupas que mantêm seus corpos aquecidos. Ao construírem estradas e pontes, canais e rodovias transportam energia de um lugar a outro. Desenvolvem uma gestão governamental, uma linguagem, uma economia, sabendo que tudo gira em torno dos fluxos de energia, pois na hipótese de não existência de energia, nada mais disso seria possível. “O controle de nossos instrumentos exossomáticos pode reduzir o ritmo vertiginoso do aumento entrópico do planeta que tem sido verificado nas últimas décadas [...]” (MERICO, 2002, p. 46). O aumento da entropia do nosso planeta está relacionado com o aparecimento do efeito estuda, do desgaste da camada de ozônio, do desequilíbrio climático, poluição do ar, oceanos, solo etc.

Tomando novamente a ideia de que a economia existe para atender as necessidades mais básicas da humanidade, e sabendo que seu funcionamento depende da quantidade disponível de baixa entropia, está desvelada a relação causal o valor econômico e a entropia. A economia movimenta-se somente através da baixa entropia, como os minerais, os alimentos, seja a madeira, roupa ou energia. Como salienta Georgescu (2012), no processo econômico o valor econômico está ligado à baixa entropia, e os rejeitos consistem em resíduos de alta entropia.

Georgescu-Roegen (2012, p. 83) conclui que “a economia de um processo vivo é regida pela Lei da Entropia, e não pelas leis da mecânica”. Mas a diferença entre a economia e todos os outros processos físicos naturais que igualmente são processos entrópicos, é a velocidade do aumento entrópico e a direção que é conduzido, ou seja, o aumento entrópico é direcionado para regiões determinadas que sobrecarregam os ecossistemas e os colocam em risco. É, portanto, apenas a termodinâmica que reconhece a distinção qualitativa entre inputs de recursos de valor, a baixa entropia, e os outputs que são os resíduos sem valor, a alta entropia. Os economistas pensam a economia, contudo, sem nenhuma forma de entrada e energia e matéria ou saída de resíduos, eis sua contradição fundamental.

Nada poderia, pois, estar mais longe da verdade do que a ideia do processo econômico como um fenômeno isolado e circular, como o representam tanto os marxistas quanto os economistas ortodoxos. O processo econômico está solidamente apoiado numa base material que está sujeita a pressões bem precisas. É por causa dessas pressões que o processo econômico comporta uma evolução irreversível em sentido único (GEORGESCU-ROEGEN, 2012, p. 63).

Gerogescu-roegen propõe um programa de bioeconomia, em que a economia é absorvida pela ecologia, tudo em vista de que a atividade econômica de uma geração intervém nas gerações posteriores, e os recursos terrestres de energia e matéria vão sendo irreversivelmente degradados, além da cumulação dos efeitos nocivos da poluição no ambiente. Um programa bioeconômico requer o pressuposto de que não há outra saída para a humanidade que não seja o decrescimento econômico, como consequência da limitação material da Terra, Georgescu-roegen propõe que o programa do decrescimento bioeconômico seja implementado voluntariamente em vez de ser iniciado involuntariamente através da progressiva escassez de recursos. “Quanto mais cedo começar tal encolhimento da economia, maior será a sobrevida da atividade econômica da espécie humana” (CECHIN; VEIGA, p. 44).

O programa de decrescimento proposto por Georgescu (2012, p. 134) consiste em: a) proibição da guerra e da produção de todos os instrumentos bélicos. Não apenas o fim de mortandades em massa, mas a cessação da produção de todos os instrumentos de guerra também vai liberar uma enorme força de produção que beneficiaria com ajuda internacional sem baixar o nível de vida dos países interessados; b) por meio dessas forças de produção e mediante medidas complementares planificadas, seria possível ajudar as nações subdesenvolvidas a chegar a uma existência digna, mas sem luxo; c) a humanidade deveria reduzir sua população até um nível em que uma agricultura orgânica bastasse para alimentá-la devidamente; d) regulamentar os excessos de aquecimento, de climatização e iluminação para que o desperdício energético seja eliminado até que o uso de energia solar não estiver implantado ou o uso da energia termonuclear seja possível e segura; e) cessação da produção de carros de luxo e máquinas extravagantes, como o carrinho de golfe, pois alimenta apenas o mercado de luxo desnecessário; f) abandonar a moda e o consumo exagerado de roupas, móveis, carros, e quaisquer mercadorias que realmente não sejam úteis e duráveis; g) é imprescindível aumentar a vida útil das mercadorias para que não sejam substituídas com frequência; h) terminar o ciclo vicioso de construir máquinas que garantam mais tempo útil para as pessoas para que possam trabalhar mais e construir máquinas ainda mais rápidas, sem tempo de lazer suficiente.

4 Considerações finais

O dever em garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado é sinônimo de proteger a espécie humana, visto que as gerações futuras necessitarão de um planeta com certa quantidade de recursos naturais para ter qualidade de vida com dignidade. Conhecer os limites impostos pela natureza, devido à finitude de seus recursos, determina o dever de revisar a forma que acontecem as relações de consumo e produção. Esta posição é vital, pois não basta que a sociedade adote novos objetivos de em relação ao consumo, de forma moral e ecologicamente sustentável dos recursos naturais. Este horizonte de ação, para Georgescu é irrelevante se não compreendermos a verdadeira finitude dos recursos naturais.

Esse novo paradigma se mostra necessário pois é a própria espécie humana que contribui para o aumento da entropia no sistema terrestre, ou seja, é a sociedade que produz e consome em um ritmo cada vez mais acelerado e que acaba, por consequência, dissipar a energia, também, de modo cada vez mais acelerado. Diante do exposto, resta como uma possibilidade frente a sociedade de hiperconsumo a solução de adotar como programa econômico o descrescimento de Georgescu-Roegen. Assim, é possível vislumbrar no horizonte que uma nova forma de consumir, que seja equilibrada e respeite as regras teorizadas pelo autor, fazendo frente ao modelo de desenvolvimento sustentável, até então adotado. A adoção do decrescimento, portanto, implica na redução do consumo afim de que se possa atender as necessidades humanas sem extrapolar os limites biofísicos.

As ciências econômicas devem ter como finalidade o controle racional sobre o processo de consumo dos bens, observando que o modo de consumir na sociedade esteja de acordo com as reais necessidades humanas. Modificando o paradigma de hiperconsumo como impulsionador de um crescimento econômico quantificado pelo PIB para uma visão de consumo condizente com conceitos de ética e justiça. Ainda assim, pensar o consumo através do desenvolvimento sustentável como uma questão de garantir as necessidades de gerações humanas, é, também, se preocupar em garantir recursos materiais e energéticos para gerações extremamente distantes no futuro. A única maneira segura e, portanto, ética, de garantir o acesso a essas gerações é através do decrescimento do consumo. A compreensão da economia como um processo mecânico e linear está em dissonância com sua real natureza entrópica, ou seja, com entrada de baixa entropia e saída de alta entropia, sendo a saída de resíduos uma dissipação de energia. Contra a ideologia do progresso econômico repetido como um mantra pelos economistas modernos, a realidade é de um planeta finito para uma economia infinita, logo percebe-se a tensão crescente. O programa bioeconômico postula o decrescimento como a única alternativa viável a uma economia inviável. Dessa forma, como aponta Georgescu-Roegen, a conclusão necessária dos argumentos a favor dessa perspectiva consiste em substituir o estado estacionário por um estado de decrescimento, afinal, o crescimento atual deve não só interromper-se, mas inverter-se.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

CECHIN, Andrei Domingues. Georgescu-Roegen e o desenvolvimento sustentável: diálogo ou anátema?. 2008. 208 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Ambiental) – Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

CECHIN, Andrei; VEIGA, José Eli da. O fundamento central da economia ecológica. In. HAY, Peter H. (Org.). Economia do meio ambiente: teoria e prática. 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2010. 379 p.

GEORGESCU-ROEGEN. Nicholas. Decrescimento: entropia, ecologia economia. São Paulo: Senac SP. 2012. 258 p.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. 3. ed. Petrópolis: Vozes. 2004.

LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal: Ensaio Sobre a Sociedade de Hiperconsumo. Traduzido por Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 369

MERICO, Luiz Fernando Krieger. Introdução à economia ecológica. 2.ed. Blumenau, SC: Edifurb, 2002. 129 p.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina jurisprudência, glosário. 4ª ed. São Paulo: RT, 2005

PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide. A modernidade e o hiperconsumo: políticas públicas para um consumo ambientalmente sustentável. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; HORN, Luiz Fernando del Rio. (Org.). Relações de Consumo: políticas públicas. Caxias do Sul: Plenum, 2015.

______. Os riscos ambientais advindos dos resíduos sólidos e o hiperconsumo: a minimização dos impactos ambientais através das políticas públicas. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; HORN, Luiz Fernando del Rio. (Org.). Resíduos Sólidos: consumo, sustentabilidade e riscos ambientais. Caxias do Sul: Plenum, 2014.

UNITED NATIONS WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our Common Future. 1987. Disponível em: <http://www.un-documents.net/wced-ocf.htm>. Acesso em: 11 jul. 2017.


[1] In essence, sustainable development is a process of change in which the exploitation of resources, the direction of investments, the orientation of technological development; and institutional change are all in harmony and enhance both current and future potential to meet human needs and aspirations (OUR COMMON FUTURE, 1987).

Sobre o autor
César Augusto Cichelero

Professor e Coordenador do curso de Direito da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul (FISUL). Doutorando em Ciências Criminais na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com bolsa CAPES. Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2018), com bolsa CAPES e integrando o grupo de pesquisa Metamorfose Jurídica. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2016), com bolsa PIBIC/CNPq e integrando o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas Sociais (NEPPPS). Advogado e colunista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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