Constelações sistêmicas como método alternativo para a resolução de conflitos no direito de família

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07/10/2021 às 15:13
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O artigo trata sobre o uso da técnica de constelação sistêmica para a resolução de conflitos judiciais, especialmente no direito de família. No texto são apresentados dados em que mostram a efetividade da constelação sistêmica.

Resumo: As constelações sistêmicas são um dos meios alternativos de resolução de conflitos, com possibilidade de aplicação em conflitos familiares, com vistas a restabelecer o diálogo e tratar controvérsias. O objetivo deste Artigo é analisar a (in)efetividade da Constelação Familiar aplicada no Projeto Justiça Sistêmica no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O problema de pesquisa que se pretende responder é: a aplicação da técnica de constelações sistêmicas no Direito de Família, aplicados pelo Projeto Justiça Sistêmica, tem contribuído para o tratamento de conflitos familiares judiciais? Na primeira Seção, far-se-á uma abordagem histórica sobre a criação da Constelação Familiar e suas principais características; na segunda Seção, serão estudadas as legislações correlatas aos métodos de solução consensual de conflitos no ordenamento jurídico brasileiro, como a Resolução n.125/10 do Conselho Nacional de Justiça, a Lei de mediação n.º 13140/15, e pelo Código de Processo Civil Lei n.º 13105/15, bem como a aplicação da Constelação Familiar no âmbito jurídico no Brasil; na terceira Seção, serão apresentados e analisados dados sobre a aplicação da técnica de Constelação Familiar pelo Projeto Justiça Sistêmica. O método será o dedutivo, com estudo bibliográfico e de natureza qualitativa. A provável hipótese é de que a prática da aplicação de constelações familiares pode ser um método alternativo importante para a resolução e a redução de controvérsias familiares judiciais no Direito de Família. Como possível conclusão, as Constelações Sistêmicas, o Projeto Justiça Sistêmica, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, apresenta dados positivos, que convergem para pacificação de conflitos familiares, a humanização na abordagem do conflito e de o restabelecimento dos vínculos afetivos.

Palavras-chave: Constelação Familiar. Métodos de solução consensual de conflitos. Mediação. Direito Sistêmico.


1. INTRODUÇÃO

A motivação para o presente artigo se encontra na possibilidade de a prática da Constelação Familiar ser relevante para a solução de conflitos familiares, na atualidade, haja vista que, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2018, foram iniciados, nas Varas de Família das Justiças Estaduais do País, o total de 800.512 (oitocentos mil quinhentos e doze) processos judiciais, ou seja, 3,36% do total.

Os métodos tradicionais de solução de conflitos apresentam uma resolução do caso às partes envolvidas, mas não garantem a solução do conflito, que, por vezes, se mantém. Desse modo, surgiram Legislações que visam à autocomposição dos conflitos, permitindo que diferentes métodos de resolução de conflitos pudessem ser utilizados, dentre eles, a Constelação Familiar. Assim, esse trabalho tem como problema de pesquisa: a aplicação da técnica de constelações sistêmicas no Direito de Família, pelo Projeto Justiça Sistêmica, tem contribuído para o tratamento de conflitos familiares judiciais no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul?

O presente Artigo tem, como objetivo geral, analisar a técnica4 de Constelações Familiares a partir da sua aplicabilidade na solução de conflitos familiares no Direito Familiar, a partir do Projeto Justiça Sistêmica, realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Como objetivos específicos, pretende-se compreender o conceito de constelação familiar e a sua inserção no meio jurídico; apontar os métodos alternativos de resolução de conflitos, previstos no ordenamento jurídico brasileiro, e, especificamente, a Constelação Familiar aplicada no Projeto Justiça Sistêmica, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na seara do Direito de Família, e identificar em que medida pode auxiliar as partes envolvidas na resolução das controvérsias.

Na primeira Seção, será estudado o surgimento da teoria das Constelações Familiares, criada por Anton Suitbert Hellinger, e o aprimoramento dessa teoria no decorrer do tempo.

Na segunda Seção, serão apontados os métodos de resolução de conflitos e sua previsão legislativa no Brasil, destacadamente, a Resolução nº. 125/10, do Conselho Nacional de Justiça, e a Lei nº. 13.140/2015, conhecida como Lei de Mediação, e Código de Processo Civil de 2015, que regulamentou e incentivou os meios consensuais de solução de conflitos.

Na terceira e última Seção, com base na coleta de dados, será analisada a aplicação do método da Constelação Familiar aplicada na esfera judicial, pelo Projeto Justiça Sistêmica, implementado no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no período de 2015 a 2018, com fins de verificar o grau de efetividade na resolução de controvérsias familiares.

Como provável hipótese, tem-se que a prática da aplicação de constelações familiares pode se apresentar um método alternativo importante para a resolução de conflitos familiares judiciais no Direito de Família, e o consequente enfrentamento e redução dos conflitos, submetidos ao Projeto Justiça Sistêmica.

A pesquisa terá como método o dedutivo, com bibliografia qualitativa e análise documental, com base em legislações nacionais vigentes, bem como, com estudos jurídicos publicados. Da mesma maneira, serão coletados dados e informações de livros e artigos publicados em.

A principal motivação para a Pesquisa se encontra na importância da Constelação Familiar para a solução de conflitos familiares, na atualidade, haja vista que, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2018, foram ingressados nas Varas de Família das Justiças Estaduais do País o total de 800.512 (oitocentos mil quinhentos e doze) ou seja 3,36% dos processos. Os métodos tradicionais de solução de conflitos, como o processo judicial tradicional, dentro outros, apresentam uma resolução do caso às partes envolvidas, mas não garantem a solução do conflito, que, por vezes, se mantém. É importante atentar para as novas possibilidades de solução de conflitos, amparadas pela Resolução n°. 125/2010 do CNJ, bem como, a Lei nº. 13.105/2015, Código de Processo Civil, e a Lei nº. 13.140/2015, Lei de Mediação.

A aplicação da Constelação Familiar no âmbito jurídico, especificamente, pelo Projeto Justiça Sistêmica, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, é considerada um método inovador para a resolução de conflitos, de modo que a pesquisa poderá contribuir para a comunidade acadêmica e em geral, pois, pela leitura deste estudo, irão tornar-se conhecedores da técnica, bem como, terão a possibilidade de vislumbrar os benefícios e, poderão incentivar o uso desse método inovador nas Comarcas que possuírem acesso. Este Artigo está vinculado à linha de pesquisa do GPjur República, Estado e Sociedade Contemporânea.


2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Considerações sobre o método da Constelar Familiar sistêmica

A teoria das Constelações Sistêmicas, como é conhecida, atualmente, surgiu a partir de outras teorias, e foi proposta por Anton Suitbert Hellinger, psicoterapeuta, filósofo e teólogo alemão. No período de 1942 a 1958, enquanto atuava como missionário na África do Sul e com experiências com o Povo Zulu5, ao observar seus sistemas de relacionamentos familiares. Após 25 anos de sacerdócio, retornou à Alemanha e iniciou os estudos na psicanálise (INSTITUTO IPÊ ROXO, 2017).

Hellinger, juntamente, com sua primeira esposa, Herta Kennen, estudaram métodos terapêuticos (métodos da psicanálise que integram a dinâmica de grupo) e teorias, como a psicanálise Gestalt-terapia6, a terapia primal7 e análise transacional8. Ambos concluíram que, nos sistemas de relacionamentos familiares, as lembranças são levadas de gerações em gerações, o que foi a base para a criação da Teoria da Constelação Familiar, inicialmente, com aplicação em âmbito terapêutico (CÉSPEDES, 2017).

A Teoria das Constelações Sistêmicas foi desenvolvida por Hellinger, em conjunto com sua, segunda esposa, Sophie Hellinger, esta que propôs basear as Constelações nas ordens do amor (SCHULE, 2020), que são divididas em três: hierarquia, equilíbrio e pertencimento.

Na primeira, da hierarquia, entende-se que, dentro de uma família, deve existir a hierarquia, ou seja, os filhos não devem ser colocados antes dos pais, do mesmo modo em que os filhos devem ser tratados conforme a ordem de seus nascimentos, e o amor entre pai e mãe deve ser posto antes dos filhos, de modo que não se defina um destaque de sentimentos, mas, sim, um respeito pelas ordens dos acontecimentos. A segunda ordem, do equilíbrio, afirma que há a necessidade de equilíbrio em todas as relações, com respeito e igualdade de condições. Por fim, na terceira ordem, do pertencimento, tem-se que todos os membros devem ser reconhecidos como parte daquele sistema (INSTITUTO IPÊ ROXO, 2019).

Contudo, os indivíduos encontram dificuldades de viver conforme as ordens do amor, pois cada indivíduo, dentro de seu sistema familiar, traz, em sua consciência, heranças afetivas, ou seja, conflitos emocionais e psíquicos transmitidos de geração em geração, e que criam um emaranhado, conforme explica Hellinger (2007, p. 14):

Emaranhamento significa que alguém na família retoma e revive inconscientemente o destino de um familiar que viveu antes dele. Se, por exemplo, numa família, uma criança foi entregue para adoção, mesmo numa geração anterior, então um membro posterior dessa família se comporta como se ele mesmo tivesse sido entregue. Sem conhecer esse emaranhamento não poderá se livrar dele. A solução segue o caminho contrário: a pessoa que foi entregue para adoção entra novamente em jogo. E colocada, por exemplo, na Constelação Familiar.

Segundo Braga (2009, p. 03) “[...] esta é a herança afetiva, uma transmissão transgeracional de problemas familiares, que acaba criando uma sequência de destinos trágicos”. É por meio da herança afetiva que os conflitos são perpetuados às gerações futuras, e os indivíduos atuam, constantemente, em função da consciência familiar, e não atuam com a sua consciência individual, criando um ambiente sem harmonia o que gera inúmeros conflitos. Conforme Schimidt, Nys e Passos (2017, p. 06), “[...] ao desvendar a verdade sobre o sistema familiar trabalhado, as Constelações familiares promovem a paz nos seus membros, permitindo o olhar para a solução consensual e autocompositiva”, ou seja, a aplicação da técnica visa a promover a paz nos indivíduos família, permitindo o olhar destes para a solução, de forma harmoniosa.

A constelação tem, como principal objetivo, que o participante, ou seja, o indivíduo que busca a solução para seus conflitos familiares, independentemente, de ser filho/filha, pai ou mãe, possa, ao final, sentir aconchego e segurança na família, porque, conforme Hellinger (2014, p. 281), “[...] objetivo é fazer com que alguém volte a sentir-se em casa com sua família, de maneira a ficar em ligação com todas as boas forças que nela atuam”.

Embora Hellinger tenha se focado no estudo e tratamento das relações familiares, atualmente, suas teorias foram aplicadas em outros ramos do tratamento psicoterapêutico, e mesmo para melhorar as relações interpessoais dentro de variados grupobitos profissionais, empresariais, ou, igualmente, em ramos do direito, neste, com as Constelações Sistêmicas.

Sobre a aplicação das Constelações familiares como instrumento judicial de resolução de conflitos, o Brasil é considerado precursor mundial, na aplicação da técnica da constelação. O juiz de direito do Tribunal de Justiça da Bahia e constelador , Sami Storch, utilizou a abordagem sistêmics. Assim, surgiram as Constelações Sistêmicas, voltadas para a solução de conflitos em âma de forma inédita nas audiências de Conciliação de demandas de família, em 2012, quando atuante na Comarca de Castro Alves, interior do Estado da Bahia (Conselho Nacional de Justiça, 2018).

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O juiz Storch propôs, ao Tribunal da Bahia, um projeto para a realização de palestras vivenciais com a temática Separação de casais, filhos e o vínculo que nunca se desfaz que ocorreram entre outubro de 2012, na Vara de Família da Comarca de Castro Alves/BA, com um total de seis encontros para os envolvidos em ações judiciais na área de família. Ao fim dos encontros, e pela aplicação de questionários, Storch observou resultados positivos tanto entre as partes, quanto entre servidores do Poder Judiciário e os advogados, estes que demonstraram interesse pela visão sistêmica, adotando uma conduta mais conciliadora (STORCH, 2014).

O ato da constelação familiar consiste no convite, para as partes, a acompanharem uma representação, feita por terceiros, que os membros das famílias de uma determinada pessoa, que terá sua história constelada9. As partes envolvidas são posicionadas uma de frente para outra, situação em que, para Storch (2014, p. 02) elas “[...] são tomadas por um fenômeno que as faz sentir como se fossem as próprias pessoas representadas, expressando seus sentimentos de forma impressionante, ainda que não as conheçam” .

Durante a sessão de constelação, podem se evidenciar situações que, até então, não foram mencionadas pelas partes, que podem até justificar o conflito. O processo final da sessão de constelação consiste em propor “[...] frases e movimentos que desfaçam os emaranhamentos, restabelecendo-se a ordem, unindo os que antes foram separados e proporcionando paz a todos os membros da família”, conforme explica Storch (2014, p. 04).

Conforme as observações do juiz Sami Storch, percebe-se que esse ultrapassou as fronteiras de sua atuação como magistrado, empenhando-se na função de solucionar os conflitos além das práticas tradicionais do direito brasileiro. Sua experiência sugere que com o uso da Constelação Familiar, é possível solucionar os conflitos dos familiares envolvidos, contribuindo para a resolução de controvérsias familiares.

2.2. Os métodos alternativos de resolução de conflitos no Brasil: previsão legislativa e implementação

O conflito é inerente às relações humanas e sociais em razão de fatores diversos, como por exemplo, a facilidade de comunicação pelas novas tecnologias que podem gerar afastamentos e reduções de interação pessoal, afetando os vínculos afetivos (ALVES, 2018). Conforme a sociedade evolui, o Direito se modifica, e uma dessas mudanças foi a adoção, no Brasil, dos métodos de resolução alternativos de conflito, em que se insere a Constelação Familiar. As formas de autocomposição das controvérsias10 surgiram com o intuito de descongestionar as instituições judiciais e firmar um padrão inovador de resoluções de conflitos no universo jurídico (SANTOS, 2019).

Os métodos alternativos foram regulamentados, no Brasil, a partir da Resolução nº. 125/2010, de 29 de novembro de 2010, publicada pelo o Conselho Nacional de Justiça, ante a necessidade de cumprir o planejamento do Poder Judiciário, como a eficiência operacional, a ampliação do acesso ao sistema de Justiça e a responsabilidade social, de maneira eficaz e harmônica. Além disso, visou a padronizar o exercício das práticas de Mediação e Conciliação, consolidando uma abordagem permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios, e não, somente, ações pontuais (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010).

A referida Resolução instituiu a política pública de tratar, adequadamente, os conflitos jurídicos, com estímulo à solução pela autocomposição (DIDIER JÚNIOR, 2016), conforme seu artigo 7º, que impõem a obrigação aos Tribunais, de criação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, os CEJUSC (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010).

Em 26 de junho de 2015, entrou em vigência a Lei n.º 13.140, conhecida como Lei da Mediação, e teve, como objetivo, regulamentar a Mediação, bem como, criar oportunidades para que conflitos fossem resolvidos com o auxílio de um terceiro Mediador, pessoa imparcial11 e sem poder decisório, com papel de estimular o diálogo, e, se possível, chegarem a soluções consensuais12 (BRASIL, 2015).

A Lei da Mediação, em seu artigo 2º, elenca oito princípios, os quais possuem a finalidade de orientar todo o procedimento de mediação13:

Artigo 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I - imparcialidade do Mediador; II - isonomia entre as partes; III - oralidade; IV - informalidade; V - autonomia da vontade das partes; VI - busca do consenso; VII - confidencialidade; VIII - boa-fé.

O princípio da imparcialidade tem a finalidade de assegurar que o Mediador se mantenha neutro e respeite as concepções, apresentadas pelas partes, para viabilizar a condução do diálogo. O princípio da isonomia entre as partes tem o propósito de garantir que elas tenham critérios iguais de participação, a fim de contribuir para um resultado harmonioso, garantindo o equilíbrio de poder entre ambas/todas (MEIRA RODRIGUES, 2017).

O princípio da oralidade, por sua vez, assenta a necessidade de comunicação entre os envolvidos, possibilitando a compreensão do que está sendo dito durante a sessão e pelas inúmeras possibilidades de resolução de conflitos que podem ser verificadas. Já o princípio da informalidade permite que as partes tenham a liberdade de optar pela técnica que acreditam ser a melhor para a resolução do conflito pois não são impostas normas de procedimentos fixos para a mediação, fato que possibilita o uso de variadas técnicas14. Em sentido estrito, presume-se que a mediação é, essencialmente, informal e o objetivo a ser alcançado pode ser atingido sem formalismos e com simplicidade nos atos (SALES, 2003).

Além disso, há o princípio da autonomia da vontade das partes que, segundo Netto e Soares (2015, p. 116), referenda o “[...] poder concedido às partes de definir todos os pontos a serem tratados no processo, desde o seu início até o final. Esse princípio afasta qualquer tentativa arbitrária de o Mediador forçar o desenvolvimento do processo e a tomada de decisão das partes em qualquer nível”. Esse princípio afirma a liberdade de decisão dos participantes sobre o procedimento, porque serão os protagonistas para estabelecerem um diálogo, que poderá resultar na solução consensual de seus conflitos.

O princípio da busca pelo consenso refere-se a uma das finalidades do Mediador, em que se faz necessário necessária a aplicação de diferentes técnicas da mediação, de modo que seja estimulado o diálogo entre as partes para se crie condições de se solucionar, pacificamente, o do conflito. O penúltimo princípio, da confidencialidade, visa a assegurar às partes que não tenham receio de conversar e expor o seu ponto de vista da situação, pois, ainda que não haja a autocomposição, o que for abordado/mencionado na sessão não poderá ser utilizado no processo15. Por fim, tem-se o princípio da boa-fé, o qual tem a finalidade de que as partes conduzam o método escolhido para a solução sem a intenção de prejudicar o outro, segundo Meira e Rodrigues (2017, 11):

O princípio da boa-fé impõe ao Mediador o dever de zelar pela manutenção da honestidade recíproca entre as partes – tanto na condução da mediação como na interpretação das questões subjacentes ao conflito e dos termos do acordo entabulado.

Os métodos consensuais de resolução de conflitos foram reforçados na Lei n.º 13.105/2015, o Código de Processo Civil, que elencou o acesso à justiça como categoria de política pública, com pretensões de tornar os processos mais céleres e com respostas mais efetivas. O artigo 3º, parágrafo 3º16 prevê que os operadores do Direito devem incentivar a aplicação das práticas alternativas de solução de demandas e outros métodos (TARTUCE, 2016), dentre os quais, insere-se a Constelação Familiar. Do mesmo modo, em seu artigo 139, inciso V, afirma que os meios de solução de conflito serão estimulados e promovidos a qualquer momento no processo (BRASIL, 2015).

Nesse aspecto, o artigo 165 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015, s/p), a respeito dos espaços para a realização e aplicação dos métodos consensuais de resolução de conflitos, determina:

Artigo 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

Os mecanismos de autocomposição, essenciais aos conflitos familiares, devem ser priorizados, com previsão legal da imprescindibilidade das tentativas de resolução de conflitos mediante as formas consensuais de resolução, conforme o artigo 694 do Código de Processo Civil:

Artigo 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.

Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar. (BRASIL, 2015, s/p).

Contudo, a Conciliação e a Mediação deverão ser aplicadas conforme o tipo de conflito apresentado, considerando, por exemplo, a anterioridade de relação entre as partes, conforme explica Silva (2018, p. 65):

Sinteticamente, indica-se a conciliação para casos em que não há vínculo prévio entre as partes, de modo que se trata o problema de maneira pontual, por um terceiro imparcial que aponta sugestões de acordo para as partes. A mediação, por sua vez, indica-se para os conflitos inseridos em relações com um histórico entre as partes, de modo que um terceiro imparcial apenas auxiliará a que as partes mesmas restabeleçam o diálogo.

Além disso, para a formação do Mediador ou do Conciliador judicial, conforme disposto no artigo 11 da Lei de Mediação, é necessário ter concluído o Ensino Superior há mais de dois anos, em instituição reconhecida pelo Ministério da Educação, bem como, ter obtido capacitação em escola de formação de Mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) ou pelos tribunais.

As técnicas de tratamento adequado do conflito têm, como objetivo, harmonizar os conflitos e estimular a agilidade pré-processual e processual, fazendo com que, cada vez mais, sejam usados os meios alternativos de soluções de conflitos judiciais (JTTV, 2018).

Atualmente, os projetos, que promovem a aplicação das Constelações, se desenvolvem em diferentes ritmos nos Tribunais de Justiça do País, como, por exemplo, o Projeto Aplicação das Constelações Familiares no Judiciário Paraense, o qual teve início em 2016 (TJPA, 2016) e o projeto Constelar e Conciliar do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, que teve início em 2017 (TJDFT, 2017). No Estado do Rio Grande do Sul também se verificam tais iniciativas, de modo que será especificada a maneira como estão se desenvolvendo, em especial, na Comarca de Capão da Canoa, Parobé e Porto Alegre, ambas no Estado no Rio Grande do Sul.

Além disso, conforme os dados, apurados e publicados pelo Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2018, o tempo médio de tramitação de um processo judicial, de seu começo até o arquivamento, é de, aproximadamente, 6 anos e 2 meses. O Conselho Nacional de Justiça apurou dados de acordo com cada ramo especializado do Poder Judiciário, por exemplo: no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em seu 1º Grau de Jurisdição, o tempo médio para a sentença é o de 2 anos e 4 meses; já no 2º Grau de Jurisdição é de 1 ano e 1 mês. Tendo em vista que a maior parte dos acordos judiciais são celebrados ainda na fase inicial do processo, ou seja, no 1º Grau de Jurisdição, as conciliações representam economia de tempo para as partes e para o Poder Judiciário, que consequentemente, reduzem o número de ações em tramitação e seu tempo de duração (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019).

2.3. A aplicação do método da Constelação Familiar no Direito de Família: a (in)efetividade do Projeto Justiça Sistêmica, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

A aplicação da Técnica de Constelação Familiar, como meio alternativo de resolução de conflitos nas Varas de Família, visa a tratar conflitos, por vezes, complexos, vinculados às questões emocionais. Neste Título, serão apresentados os resultados da análise da aplicação do Projeto Justiça Sistêmica, inicialmente, realizado na Comarca de Capão da Canoa e, em seguida, na Comarca de Parobé e no Município de Porto Alegre – RS, com fins de verificar a (in)efetividade do método de Constelação Familiar desenvolvido pelo Projeto Justiça Sistêmica.

Atualmente, em âmbito nacional, a aplicação da técnica já se faz presente em, pelo menos, 16 Estados (Goiás, São Paulo, Rondônia, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Alagoas, Amapá, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Rio de Janeiro) e o Distrito Federal e no Rio Grande do Sul, Estado, em que esta Pesquisa se desenvolverá (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2018).

No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), no ano de 2015, foi criado o Projeto Justiça Sistêmica: Resolução de Conflitos à Luz das Constelações Familiares que tem, como objetivo, aplicar as Constelações Familiares na resolução de conflitos judiciais. O Projeto foi idealizado e iniciado na Vara Integrada de Terra de Areia – RS, com o auxílio dos psicólogos capacitados na técnica das Constelações Sistêmicas no ano de 2015 (PROCHNOW, 2016), e inicialmente, aplicado na Comarca de Capão da Canoa - RS, pioneira na aplicação da técnica no Estado.

As Constelações foram aplicadas aos conflitos familiares, especialmente, aos que não foram possíveis a pacificação do conflito, em que os processos foram escolhidos por terem longos históricos de tramitação ou que estavam no início. Segundo Prochnow (2016), para os novos processos, o objetivo seria convidar as partes para constelar antes da citação das partes demandadas, pois, a partir da constituição do polo passivo processual, nota-se um tensionamento no conflito. Além disso, para Prochnow (2016, p. 42), há benefícios trazidos com a aplicação da Constelação Familiar, pois:

[...] os participantes do Projeto Justiça Sistêmica entendem que o encontro facilita a troca de experiências. Dessa forma, apesar desse ainda não ser demasiadamente conhecido na comunidade judiciária, atrelado ao fato de enfrentar o reiterado desconhecimento dos participantes acerca da técnica, aos poucos a ideia da Justiça Sistêmica vai instalando-se no Poder Judiciário brasileiro (PROJETO JUSTIÇA SISTÊMICA, 2016).

No período de 2015 a 2017, na Comarca de Capão da Canoa – RS, foram atendidas, anualmente, cerca de 1.500 pessoas e os encontros eram realizados quinzenalmente, contando, em média, com a participação de 80 pessoas, dentre todos os envolvidos, (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, 2017). As partes não eram intimadas a participar, mas, sim, convidadas e, momentos antes do início da sessão de constelação, os interessados recebiam esclarecimentos acerca do método da Constelação Familiar e da atuação das leis sistêmicas. O Projeto, implementado em Capão da Canoa, contava com voluntários que se disponibilizavam a comparecer aos encontros e participar da constelação, ou, em outros momentos, narravam às partes o que estava acontecendo durante a sessão de constelação (PROCHNOW, 2016).

Contudo, durante o momento de breves explicações do encontro, muitos dos possíveis interessados desistiam de participar da constelação, porque, segundo Prochnow (2016),

[...] muitas pessoas sentem-se ligadas ao conflito, além de não estarem preparados para tratarem dessas questões profundas de ordem familiar que são trazidas à tona durante a constelação. Após, aqueles que permanecem no encontro tem a possibilidade de constelarem seus conflitos.

Ademais, não era preciso que as partes estivessem presentes no encontro, porque, conforme Storch (2015) não há necessidade de todos os presentes constelarem suas próprias questões, pois o movimento conflituoso pode ser modificado com apenas uma parte envolvida no conflito, desde que essa parte esteja assistindo aos movimentos conflituosos da família. A implementação da Constelação Familiar possibilita, ao Poder Judiciário, a adoção de novas medidas voltadas à prevenção e às soluções dos conflitos,

O Projeto Justiça Sistêmica foi desenvolvido, na Comarca de Capão da Canoa – RS,até o ano de 2017, momento em que foi desativado.

Além disso, na 40ª Palestra do Projeto Horizontes do conhecimento: constelações familiares aplicadas ao judiciário, realizada no Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a juíza Lizandra dos Passos afirmou que, conforme dados, coletados por meio de avaliação de reação, ou seja, pela pesquisa de satisfação, na Comarca de Capão de Canoa – RS, constatou-se que:

[...] 98,2% dos participantes responderam que o encontro possibilitou uma percepção um pouco diferente sobre o seu conflito, e o encontro aumentou o conhecimento sobre si. Mostra que 99,1% dos participantes responderam que o encontro desenvolveu melhorias em seus relacionamentos e aumentou a sua motivação na busca de uma solução pacífica e que 100% dos participantes responderam que o encontro facilitou a troca de experiências (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, 2017, s/p.).

A juíza Lizandra dos Passos era atuante na Comarca de Capão da Canoa – RS; contudo, atualmente, é juíza titular na Comarca de Parobé – RS e, por este motivo, prosseguiu desenvolvendo o Projeto na nova Comarca, com três grupos de atuação17 (JORNAL DA LEI, 2018). Na Comarca de Parobé, a juíza analisa os casos e(vírgula) se entender que têm potencial para serem constelados, direciona para participarem do Projeto, que, em caso de concordância, devem preencher um formulário de confidencialidade. Na sequência, faz-se uma listagem dos casos que estão no Projeto e, então, participam do encontro de constelação (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, 2017).

Após o encontro, o constelado é direcionado a responder um instrumento de avaliação e de acompanhamento, a fim de apontar o índice de satisfação, para fins de acompanhamento e monitoramento dos casos que estão sendo constelados.

Além disso, o Projeto foi iniciado com grupos de gênero, ou seja, havia um grupo para participantes do gênero masculino e outro para participantes do gênero feminino; contudo, atualmente, se deu início aos grupos de gêneros mistos, nos quais os participantes são de ambos os gêneros masculinos ou femininos, ademais, se tem o grupo de apoio municipal de Parobé, que também participa do projeto. A magistrada afirma que é um trabalho em conjunto, visando à harmonização dos conflitos da comunidade.

Ainda na palestra, realizada pelo Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a magistrada afirma que, em alguns casos, é perceptível que algumas pessoas, no início, se mostravam resistentes à Constelação, mas que, após a participação, e, ao final, realizar a avaliação, relatavam ter aproveitado os momentos e que teriam mudado a sua concepção sobre a controvérsia que estavam envonticas. Não obstante, a magistrada afirma que os operadores do direito são capazes de aplicar a técnica de constelação e olhar o conflito de um modo inovador:

Então é algo que realmente tem funcionado, talvez porque qualquer um de nós seja capaz de desenvolver essa habilidade, basta estar aberto a essa sensibilidade de poder olhar para as pessoas como pessoas. Os conflitos familiares, eu costumo dizer, são iguais em todas as famílias. Todos temos conflitos familiares, não só aquelas pessoas que estão ali, litigando.

Além disso, a juíza afirma que o cenário de Constelação Familiar vem crescendo no Estado do Rio Grande do Sul, pois, além de ser reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça, é, igualmente, reconhecida pelo Ministério da Saúde como prática integrativa e complementar (JORNAL DA LEI, 2018).

Além disso, em Porto Alegre, foi realizado o Encontro Projeto Justiça Sistêmica de Porto Alegre, em parceria com o Núcleo da Paz - CEJUSC e Varas de Família e Sucessões. Verificou-se que, ao se observar os dados sobre a origem dos processos, controvérsias e sentimentos conflitivos repetiam-se nas gerações de uma família. Por fim, destacou:

Foram vistos processos em que a mulher não permite o acesso do homem aos filhos (configurando caso de alienação parental), como também, casos em que o próprio homem não possuía o modelo de cuidar e se aproximar (efetivamente) dos filhos. Nesse encontro de hoje, também foi conferido outro fato em que não houve, amor inviabilizando a parte de doar amor, justamente por não sentir ou desconhecer esta emoção (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, 2020, s/p.)

Segundo Pituco (2018), a magistrada, responsável pela 1ª Vara de Família da Comarca de Porto Alegre, há mais de dezenove anos, Maria Inês Claraz de Souza Linck, informou que a implementação da constelação familiar no local foi uma parceria com o Projeto Justiça Sistêmica de Parobé:

O projeto iniciou suas atividades em outubro de 2017 e, até o momento, foram realizadas duas sessões de constelações familiares, em que partes de processos pertencentes à 1° Vara receberam em suas residências correspondências convidando-as a participarem das sessões voluntariamente. A juíza informou que, após uma conversa com os constelandos, recebeu um retorno positivo, que lhe informaram ter gostado bastante da experiência (PITUCO, 2018, p. 87).

Ante o elevado percentual de obtenção de acordos, conforme os dados, apresentados neste Artigo, pode-se acenar à tendência para a institucionalização dos Projetos que aplicam o método.

Como verificado, pode-se afirmar que a constelação familiar possibilita que os indivíduos envolvidos tomem consciência dos motivos que os fizeram agir de determinada maneira, e, ao reconhecerem esses padrões de comportamento, muitas vezes, repetitivos, saberão como agir de forma distinta quando houver a necessidade de resolver novos conflitos na busca da autocomposição, garantindo uma sociedade mais madura e a redução de processos nas Varas de Famílias. Estudos contemporâneos sobre constelação familiar, no âmbito jurídico, proporcionam aos operadores do direito e às famílias, enquanto sociedade, a oportunidade de solucionar seus conflitos judiciais pela aplicação da técnica.

Portanto, se verifica que a aplicação da técnica de Constelação Familiar com o intuito de solucionar conflitos judiciais nas Varas de Família, vem sendo ampliada junto ao Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Além do mais, tendo em vista o elevado êxito na obtenção de acordos por intermédio do Projeto Justiça Sistêmica, nota-se que há tendência para a expansão do referido Projeto nas demais Comarcas do território gaúcho.

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