Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

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07/10/2021 às 22:09

Resumo:


  • A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro não faz parte do Código Civil, sendo um diploma legislativo separado.

  • O Código Civil regula direitos e obrigações de ordem privada, enquanto a Lei de Introdução disciplina o âmbito de aplicação das normas jurídicas.

  • A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro trata de assuntos como vigência e eficácia das normas, conflitos de leis no tempo e no espaço, critérios hermenêuticos e de integração do ordenamento jurídico, além de normas de direito internacional privado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA E DA ESTABILIDADE SOCIAL

De acordo com esse princípio, previsto no art. 5º, inc. XXXVI da CF, a lei não pode retroagir para violar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Devem ser respeitadas, portanto, as relações jurídicas constituídas sob a égide da lei revogada.

→ Direito Adquirido: é o que pode ser exercido desde já por já ter sido incorporado ao patrimônio jurídico da pessoa. O §2º do art.6º da LINDB considera também adquirido:

a) O direito sob termo. O art.131 do CC também reza que o termo, isto é, o fato futuro e certo, suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.

b) O direito sob condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem: Trata-se, a rigor, de termo, porque o fato é futuro e certo, porquanto inalterável pelo arbítrio de outrem. Exemplo: Dar-te-ei a minha casa no dia que chover, sob a condição de João não impedir que chova. Ora, chover é um fato certo e inalterável pelo arbítrio de João e, portanto, trata-se de termo, logo o direito é adquirido.

→ Ato Jurídico Perfeito: é o já consumado de acordo com a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Exemplo: contrato celebrado antes da promulgação do Código Civil não é regido por este diploma legal, e sim pelo Código Civil anterior.

→ Coisa Julgada: é a sentença judicial de que já não caiba mais recurso. É, pois, a imutabilidade da sentença.

Atente-se que a Magna Carta não impede a edição de leis retroativas; veda apenas a retroatividade que atinja o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

A retroatividade, consistente na aplicação da lei a fatos ocorridos antes da sua vigência, conforme ensinamento do Min. Celso de Melo, é possível mediante dois requisitos:

a) cláusula expressa de retroatividade;

b) respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.

Assim, a retroatividade não se presume, deve resultar de texto expresso em lei e desde que não viole o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Abre-se exceção à lei penal benéfica, cuja retroatividade é automática, vale dizer, independe de texto expresso, violando inclusive a coisa julgada.

Podemos então elencar três situações de retroatividade da lei:

a) lei penal benéfica;

b) lei com cláusula expressa de retroatividade, desde que não viole o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Na área penal, porém, é terminantemente vedada a retroatividade de lei desfavorável ao réu.

c) lei interpretativa: é a que esclarece o conteúdo de outra lei, tornando obrigatória uma exegese, que já era plausível antes de sua edição. É a chamada interpretação autêntica ou legislativa. A lei interpretativa não cria situação nova; ela simplesmente torna obrigatória uma exegese que o juiz, antes mesmo de sua publicação, já podia adotar. Aludida lei retroage até a data de entrada em vigor da lei interpretada, aplicando-se, inclusive, aos casos pendentes de julgamento, respeitando apenas a coisa julgada. Cumpre, porém, não confundir lei interpretativa, que simplesmente opta por uma exegese razoável, que já era admitida antes da sua edição, com lei que cria situação nova, albergando exegese até então inadmissível. Neste último caso, a retroatividade só é possível mediante cláusula expressa, desde que não viole o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Em algumas situações, porém, uma parcela da doutrina admite a retroatividade de uma norma, inclusive para violar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. As hipóteses são as seguintes:

a) A Lei penal benéfica pode retroagir, conforme já vimos, para violar a coisa julgada (art.5º, XL, da CF).

b) Princípio da relativização da coisa julgada: A flexibilização da coisa julgada passou a ter importância a partir da análise de decisões que transitaram em julgado, não obstante a afronta à Constituição Federal, outrossim, no tocante às decisões distantes dos ditames da justiça. Segundo o parágrafo único do artigo 741 do CPC, é inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. A inconstitucionalidade exigida pelo Código é aquela emanada de uma ação direta de inconstitucionalidade, ou seja, não se contenta a lei com a mera inconstitucionalidade declarada incidentalmente no processo, cujo efeito é desprovido de eficácia erga omnes. Para o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado, a coisa julgada não deve ser via para o cometimento de injustiças, pois se assim fosse se estaria fazendo o mau uso do Direito, que não estaria atendendo aos seus ideais de justiça.

c) Emenda Constitucional pode retroagir para violar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, porque, no plano hierárquico, posiciona-se acima da lei, sendo que apenas a lei, segundo o art.5º, inciso XXXVI, da CF, não pode retroagir para prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Este posicionamento, no entanto, é minoritário, prevalecendo a tese de que a expressão “lei” mencionada no inciso XXXVI do art.5º da CF estende-se também às Emendas Constitucionais, logo elas não poderiam retroagir para violar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

d) O parágrafo único do art. 2.035 do CC prevê a retroatividade das normas de ordem pública, tais como as que visam assegurar a função social da propriedade e dos contratos. Assim, referido dispositivo legal consagrou a retroatividade das normas de ordem pública, acolhendo o posicionamento doutrinário de Serpa Lopes e outros juristas de escol. A menção à retroatividade dos preceitos do Código Civil sobre a função social da propriedade e dos contratos, a meu ver, é meramente exemplificativa, porquanto em outras situações a lei de ordem pública também poderá retroagir.

É preciso, no entanto, compatibilizar o preceito legal que prevê a retroatividade das normas de ordem pública com os preceitos, legais e constitucionais, que protegem o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

No concernente à coisa julgada, salvo nas hipóteses de sua relativização, não é atingida por leis de ordem pública, pois, para rescindi-la, é mister ação rescisória, e dentre os seus fundamentos legais, previstos no art.485 do CPC, não se cogita da superveniência de lei de ordem pública.

Em relação ao direito adquirido e ato jurídico perfeito (por exemplo: contratos já celebrados), não se nega a aplicabilidade imediata da lei de ordem pública, para fazer cessar os efeitos que a contrariam, como no exemplo clássico da lei que passou a proibir a usura, considerando-a crime, subsistindo, porém, os efeitos pretéritos, isto é, que fluíram até a data da entrada em vigor da lei, mas que, a partir dela, como salienta Serpa Lopes, não podem mais ser exigidos.

Portanto, nos atos ou negócios de execução continuada, a proteção ao direito adquirido ou ao ato jurídico perfeito, que está estabelecido no plano constitucional, é limitada à data de entrada em vigor da lei de ordem pública, estancando os seus efeitos a partir de então.

De fato, nenhum direito é absoluto. Todo direito deve ser protegido à vista de uma finalidade ética. Se um fato anteriormente lícito tornou-se ilícito em razão de uma nova lei, esta deve ser aplicada imediatamente sob pena de, sob o manto do direito adquirido ou ato jurídico perfeito, permitir-se que a ilicitude perdure no seio da sociedade, contrariando os fins do Direito, que é combatê-la. Portanto, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito não podem sobrepor-se à função do próprio Direito.

A argumentação acima, a meu ver, resolve o problema da aplicação imediata, que, no entanto, não se confunde com a retroatividade, isto é, a aplicação da lei de ordem pública aos negócios jurídicos celebrados antes de sua vigência para considerá-los ineficazes desde a data da sua celebração.

Em princípio, prevalece a Escala Ponteana, os planos de existência e validade regem-se pela lei vigente ao tempo de sua celebração, enquanto o plano da eficácia submete-se à lei de ordem pública vigente ao tempo dos efeitos. Dentro dessa visão, a lei de ordem pública superveniente não poderia afetar a existência ou validade do negócio jurídico, mas apenas os seus efeitos.

Imaginemos, porém, que o sujeito tenha adquirido uma fazenda num tempo em que o desmatamento era permitido e posteriormente leis ambientais proibissem ou limitassem esse seu direito. Ora, não há, nesse caso, que se falar em prevalência do direito adquirido, pois a pretensão, até então lícita, tornou-se ilícita, colidindo com os novos postulados do ordenamento jurídico, impondo-se, pois, a retroatividade da nova lei.

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Outro exemplo: João celebra com Pedro um contrato de venda de determinada mercadoria, para ser entregue em 30 (trinta) dias. Antes desse prazo, porém, surge uma lei proibindo a comercialização dessa mercadoria. A meu ver, o contrato, anteriormente válido, deve ser extinto, impondo-se a retroatividade da nova lei, inviabilizando-se a entrega da mercadoria, sob pena de o ato jurídico perfeito funcionar como exceção à ilicitude, contrariando a função do próprio Direito.

Nesse caso, a máxima res perit domino soluciona o problema, devendo a superveniência de lei de ordem pública ser equiparada a caso fortuito ou força maior, resolvendo-se o negócio nos termos do art.234 do CC. De fato, a ilicitude superveniente da prestação representa a destruição jurídica desta, equiparando-se ao perecimento material.

Vê-se, assim, que o princípio da segurança jurídica não é absoluto. Ele sucumbe diante da superveniência de lei de ordem pública e, a meu ver, com maior razão, em virtude da Emenda Constitucional, pois a manutenção de privilégios, como certas aposentadorias conflitantes com os novos postulados do ordenamento jurídico, não devem persistir acobertadas pelo manto do direito adquirido, porque a par desse princípio, há, no Estado Democrático de Direito, outros mais importantes.


INEFICÁCIA

Vimos que a lei só é revogada em razão da superveniência de uma nova lei. Em certas hipóteses, porém, a lei perde a sua validade, deixando de ser aplicada ao caso concreto, não obstante conserve a sua vigência em razão da inexistência da lei superveniente revogadora.

Assim, é possível a ineficácia de uma lei vigente, bem como a eficácia de uma lei revogada. Essa última hipótese ocorre quando a lei revogada é aplicada aos casos em que há direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.

Malgrado a sua vigência, a lei é ineficaz, isto é, inaplicável nas seguintes hipóteses:

a) caducidade: ocorre pela superveniência de uma situação cronológica ou factual que torna a norma inválida, sem que ela precise ser revogada. Exemplo: leis de vigência temporária.

b) desuso: é a cessação do pressuposto de aplicação da norma. Exemplo: a lei que proíbe a caça da baleia deixará de ser aplicada se porventura desaparecerem todas as baleias do planeta.

c) costume negativo ou contra legem: é o que contraria a lei. O costume não pode revogar a lei, por força do princípio da continuidade das leis. Todavia, prevalece a opinião de que ele pode gerar a ineficácia da lei, desde que não se trate de lei de ordem pública. Como ensina Rubens Requião, verificada que a intenção das partes foi a de adotar certos costumes, o julgador deve aplicá-lo, sobrepondo-o à norma legal não imperativa. De acordo com Serpa Lopes, a realidade, através de um costume reiterado, enraizado nos dados sociológicos, em harmonia com as necessidades econômicas e morais de um povo, é capaz de revogar a norma. Não se trata, data venia, de revogação, pois esta só é produzida pelo advento de uma nova lei; a hipótese é de ineficácia. Como exemplos de costumes contra legem, podemos citar: a emissão de cheque pré-datado; a expedição de triplicata pelo fato da duplicata não ter sido devolvida tornou-se praxe, embora a lei preveja para a hipótese o protesto por indicações, ao invés da triplicata; admissibilidade de prova testemunhal em contrato superior a dez salários mínimos, nos casos em que o costume dispensar a prova escrita exigida pela lei.

d) decisão do STF declarando a lei inconstitucional em ação direta de inconstitucionalidade (controle por via de ação ou aberto). Cumpre observar que essa decisão judicial não revoga a lei, apenas retira a sua eficácia.

e) resolução do Senado Federal cancelando a eficácia de lei declarada incidentalmente inconstitucional pelo STF (controle por via de exceção ou difuso). Atualmente, a jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de que esta resolução do Senado serve apenas para dar publicidade à inconstitucionalidade, pois o efeito erga omnes dessa decisão deriva do acórdão do STF, é o que se denomina efeito expansivo do controle de constitucionalidade.

f) princípio da anterioridade da lei tributária, pois, uma vez publicada, sua eficácia permanece suspensa até o exercício financeiro seguinte.

g) a lei que altera o processo eleitoral entra em vigor na data de sua publicação, mas não tem eficácia em relação à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.


Referências bibliográficas

BRASIL, Decreto – Lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm, último acesso em 01 de agosto de 2021.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral. V. 1, 14ª Ed. – rev., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2012.

 

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