Vazamento de dados e direito a indenização

08/10/2021 às 10:04

Resumo:


  • Os algoritmos são essenciais na sociedade da informação, registrando e tratando nossos movimentos na internet.

  • O dilema entre inteligência humana e inteligência artificial é evidenciado pela importância dos algoritmos em nossas rotinas.

  • Os algoritmos têm impacto nos valores da sociedade, incluindo direitos da personalidade e o direito de resposta.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Independentemente da LGPD, o titular do dado pode ser indenizado em caso de vazamento. Seus dados são um ativo que dão significado a sua privacidade, logo eles tem valor.

Nesse momento todos os seus movimentos e atos realizados na internet são registrados e tratados em maior ou menor grau, por alguns tantos algoritmos que são quase um segredo de estado nas empresas. Até o fim do ano passado havia mais de 9.000 algoritmos com registro de patente. Isso mesmo. Por aí você tem a dimensão da importância deles na sociedade da informação.

Assim o algoritmo se alimenta de praticamente tudo o que é teclado, todo dia, toda hora, todo segundo, no mundo todo. E é essa diferença na taxa de aprendizado, no dilema ser humano versus as I.A’s, é o que permite dimensionar o temor de muitos em verem as nossas inteligências humanas sobrepujadas por elas.

De forma muito discreta os algoritmos ganham importância em nossas rotinas sendo no registro e no aprendizado registrado pela inteligência artificial, que influencia no comportamento e nas escolhas presentes e futuras. São as forças do algoritmo digital com sua habilidade sutil para vencer o ruído na rede, embutindo nela um mecanismo para que “falasse coisas sobre si própria”. Logo, os mais atentos perceberam que não havia razão para que um processo elegante assim ficasse restrito a buscas.

Como muitos autores destacam “os dois rapazes que se depararam quase sem querer com o mapa do tesouro foram dos primeiros a notar”. Nicholas Carr em seu livro “The Great Switch” conta: “Page e Brin dizem que não estão interessados só em aperfeiçoar seu mecanismo de busca. O que querem, na verdade, é fundir sua tecnologia com o próprio cérebro humano”.

Logo, o lançamento do Google em 1998 evidenciou o acerto do que Shannon propôs como a essência do “problema da comunicação”. Parece que seus fundadores perceberam que o negócio real que tinham nas mãos não era busca na internet, era IA. Kevin Kelly, no seu “Inevitável” conta o seguinte episódio. “Lá por 2002, quatro anos após o Google ter lançado seu serviço de buscas, tive uma conversa com Larry Page, o brilhante cofundador empresa. “Larry, eu ainda não entendi. Há tantas empresas de busca, como vocês vão ganhar dinheiro com busca grátis na web?” Eu não era o único que pensava que o Google não duraria muito, mas a resposta de Page não me saiu mais da cabeça: “Ah, não temos interesse em ficar nisso, o que estamos realmente fazendo é uma IA”. Outra declaração intrigante apareceu quando se noticiou há alguns anos que a empresa estava escaneando todos os livros já publicados. Quando perguntados quem iria ler aquilo, a resposta foi: “Esses livros não estão sendo escaneados para serem lidos por pessoas, estão sendo escaneados para serem lidos por uma IA”. Ninguém entendeu nada, mas hoje está claríssimo. Não pense nos fundadores do Google como gênios clarividentes, como tantos outros, eles não tinham nenhuma visão épica sobre o que estavam fazendo quando começaram, queriam resolver um problema imediato (não do mercado, mas deles próprios) e acabaram esbarrando num algoritmo que se revelou o embrião para Era do Centauro.

Esses algoritmos e seus maniqueísmos esbarram em muitos dos nossos valores de sociedade, registrados em princípios jurídicos, como no caso dos direitos da personalidade que são absolutos, porque oponíveis erga omnes; genéricos, pois basta ser pessoa para por eles ser tutelada; e imprescritíveis, pois sua lesão jamais irá convalescer no tempo, embora a pretensão econômica que decorra do ato ilícito possa vir a ser extinta pela prescrição.

Inclusive são reconhecidos em doutrina e em jurisprudência os seguintes aspectos de direitos da personalidade extensíveis à pessoa jurídica: direito à honra, direito à imagem, direito ao nome e direito à privacidade. Quanto a este último, o direito à privacidade da pessoa jurídica se encontra fundamentalmente relacionado ao segredo industrial da atividade que explora, no entanto, quando a circulação de dados da pessoa jurídica importar em discriminação a uma pessoa natural, que, por razões de oportunidade, tenha optado licitamente por explorar certa atividade através de entidade moral, deverá ser aplicada a esta a disciplina própria da privacidade à pessoa humana, ou seja, a pessoa jurídica que realiza a guarda de dados da pessoa física.

As doutrinas brasileira e estrangeira mais atentas ao tema apresentam concepções tão variadas quanto o número de autores que se dedicam ao estudo da matéria, logo, é possível agrupar algumas tendências conceituais.

Sendo assim, as concepções que giram em torno da privacidade podem ser organizadas em: direito de ser deixado só; direito de limitação de acesso a questões pessoais; direito ao segredo; direito de efetuar as próprias escolhas existenciais sem controle público ou estigmatização social; direito de manter o controle das próprias informações e de determinar livremente como construir a própria esfera privada; direito de não ser simplificado, transformado em objeto, valorado fora de um contexto.

Diante desse valores legais sublinhados, nos é posto um desafio, pois, visto que quase tudo que conhecemos está datado pelo processamento de dados filtrados do caos, das armadilhas e da confusão de algoritmos, sendo transformados em informação por meio da interação presente e futura.

Assim, nossos dados oriundos de diversas fontes como por exemplo,: bibliotecas inteiras escaneadas e dados gerados na Internet em todo tipo de interação onde cada click, cada link aberto, cada e-mail, cada busca, cada post no Facebook, cada foto, cada “curtida” gera um perfil cada vez mais preciso nosso, visto que em cada um desses eventos, novos dados são gerados. Sem algoritmos capazes de varrer o espaço em que esses dados habitam e filtrar os que fazem sentido para a construção de alguma mensagem, esta vastidão de dados seria só ruído, logo, eles tem também o propósito de filtrar.

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O algoritmo inicial vai embutindo informação nova (inteligência) a cada ciclo e vai se transmutando sem intervenção de ninguém por meio de uma reprogramação contínua que ele faz em si mesmo. É a maneira pela qual um cérebro aprende, programada em um algoritmo, o algoritmo aprende e o resultado final do processo é uma competência que ele adquire; uma especialização em alguma coisa. O algoritmo gera mais inteligência para si próprio porque aprende com o que os usuários estão fazendo a cada ciclo, ele vai ficando mais inteligente, mas os humanos que o conceberam no início não estão. Imagine onde isso pode parar.

Por isso registramos a importância do plasmado “Direito de resposta” O art. 5º, V, da Constituição da República, dispõe que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Na legislação infraconstitucional, apenas a Lei 5.250/67, a Lei de Imprensa, tratava do tema. Contudo, como já citado, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADPF 130 julgou procedente o pedido, considerando a referida lei integralmente não-recepcionada pela Constituição de 1988, porém, reconheceu que, na ausência de disposição legal, o juiz poderá aplicar diretamente o artigo 5º, V, da Constituição, fixando os parâmetros para o exercício do direito de resposta diante do caso concreto. Portanto, na ausência de regulamentação legal específica, o titular do direito poderá, ao propor qualquer das medidas judiciais já estudadas, pleitear também que lhe seja assegurado o exercício de seu direito de resposta, ou mover uma ação autônoma que tenha como objeto apenas o exercício de tal direito. Em ambos os casos caberá ao juiz, ao julgar procedente o pedido, fixar os parâmetros do exercício do direito. Ou seja, ele deverá determinar em qual endereço eletrônico a resposta deve ser postada, qual será o seu tamanho, por quanto tempo ela permanecerá no ar, além de qualquer outro elemento que entenda relevante. Por fim, vale ressaltar que a ação ordinária autônoma de direito de resposta poderá ser proposta em qualquer caso no qual a parte tiver direito ao esclarecimento da verdade ou retificação de informações, não se restringindo às hipóteses em que houver violação à honra ou a privacidade. Quanto à legitimidade passiva observar-se-á o raciocínio já apresentado, de forma que se identificados os administradores do site, a ação deverá ser movida em face deles, caso contrário, ela poderá ser movida em face do prestador de serviços nacional.

O art. 5º, X, da Constituição da República, insere também no rol de direitos fundamentais do indivíduo o direito à indenização pelo dano moral ou material decorrente da violação à intimidade, à vida privada, à honra ou à imagem das pessoas. Tal dispositivo é auto-aplicável e poderia, por si só, fundamentar a pretensão deduzida em juízo pelo lesado para ver o responsável pela divulgação indevida de uma informação privada ou desonrosa condenado a indenizar os danos morais ou materiais causados. Ainda assim, o dispositivo constitucional é reforçado pelo Código Civil, o qual traz a previsão, em seu artigo 186, de que todo aquele que violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, e no artigo 927 estabelece que todo aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Além disso, o art. 12. do Código Civil traz a possibilidade de reclamação de perdas e danos por ameaça ou lesão a direito da personalidade. Com base no exposto, não resta dúvida de que o lesado poderá, nos casos de violações aos direitos da personalidade que ocorram pela internet, pleitear indenização por danos materiais e morais em face do causador do dano. Contudo, se quanto à legitimidade passiva é certo que a ação poderá ser movida em face dos responsáveis diretos pelo ato, que são os autores da ofensa, quanto ao responsável indireto, que é o prestador de serviços, nem sempre ele responderá pelos prejuízos causados, isso porque, como já exposto, não se pode exigir dele o impossível, que é monitorar, a todo tempo, todos os incontáveis dados inseridos em seu servidor pelos usuários, os quais comumente chegam às centenas ou milhares. Em outras palavras, sua responsabilidade é subjetiva.

Nota-se assim que todos nós estamos dotados dos mecanismos de defesa para pleitear a proteção dos nossos direitos e a respectiva indenização, e isso antes já da Lei Geral de Proteção dos Dados Pessoais.

É o início de um novo enfrentamento. Os registros de fichários das pessoas foram substituídos por algoritmos alimentados permanentemente com nossos dados, trazendo inúmeros e novos desafios. Quais são seus limites?

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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