Introdução
A tecnologia evoluiu conjuntamente com os crimes praticados no sistema global de redes de computadores (Internet), principalmente contra a dignidade sexual da criança e do adolescente. A infiltração virtual de agentes policiais é uma forma de investigação estabelecida pela Lei n° 13.441/2017 e, consequentemente, um meio para obtenção de provas.
Por conseguinte, a lei supracitada introduziu os artigos 190-A a 190-E no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e consentiu com a figura do agente infiltrado virtual para investigar o rol de crimes previstos e confrontar com a criminalidade cibernética.
O agente de polícia só poderá atuar com autorização constitucional e após um processo de formação para a infiltração, pois o conhecimento e domínio dos computadores são primordiais para o êxito e, simultaneamente, para não desrespeitar completamente os direitos e garantias fundamentais do investigado, visto que, essa técnica de investigação por sua natureza viola alguns princípios.
Diante disso, o presente artigo visa analisar como o desenvolvimento da Internet viabilizou os crimes cibernéticos, principalmente contra a criança e o adolescente, exigindo dispositivos atualizados de investigação devido a grande dificuldade na obtenção das provas e ao combate dos crimes no âmbito virtual. Assim, para que a infiltração policial seja eficaz, os requisitos que a legislação dispõe e as responsabilidades inerentes à técnica devem ser observadas.
Discussão
A tecnologia se desenvolveu ao longo dos anos e, com isso, a facilidade do acesso à internet, fazendo surgir a criminalidade digital e, logo após, técnicas inovadas de investigação para solucionar as infrações penais virtuais e responsabilizar o sujeito que comete os delitos.
Conforme Tasinaffo (2018), o grande problema da internet é o aliciamento da criança ou adolescente para que o criminoso chegue a outro crime do Código Penal, o sexual. Semelhantemente, a ameaça é caracterizada por ser uma das consequências mais gravosas dessa conduta devido ao controle do cibercriminoso sobre a situação de vulnerabilidade das vítimas.
Além disso, a infiltração do agente policial já é prevista na Lei Antidrogas n° 11.343/2006 e na Lei de Crimes Organizados n° 12.850/2013. Porém, a novidade da Lei n° 13.441/17 é a infiltração virtual de agentes policiais, ou seja, por meio da Internet e através da utilização de identidade ilusória para obter informações sigilosas e colher provas suficientes para punir o investigado do crime cibernético.
Por certo, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) dispõe que a “lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem”, segundo seu art. 5º, inciso LX. Sendo assim, o sigilo presente nas investigações não irá contra o princípio constitucional da publicidade.
Segundo Lima (2020), existem requisitos para definição de agente infiltrado, que são: necessidade de ser um agente policial e atuar de forma disfarçada e sigilosa, fazendo com que sua verdadeira identidade seja ocultada; que tenha prévia autorização judicial para atuar; inserção de forma regular nas organizações criminosas; se passar por criminoso para ganhar a confiança e, por fim, o objetivo principal, que é o de identificar fontes de provas do crime investigado.
Evidencia a lei que o policial que oculta a sua identidade para reunir indícios de autoria e materialidade dos crimes através da internet não comete crime. É, portanto, uma excludente de ilicitude pelo estrito cumprimento do dever legal.
Mas, haverá o desvio de finalidade, se usar da sua condição para satisfazer seu interesse pessoal e criminoso pelas informações que consegue da criança e do adolescente pela Internet. Há possibilidade de crise de identidade do agente infiltrado, pois pode ocorrer um desequilíbrio emocional e até corrupção do policial no decorrer das investigações.
Sobretudo, a autorização judicial fundamentada que definirá os limites da infiltração, os nomes ou apelidos dos sujeitos investigados e a finalidade da investigação para que não decorra de uma violação de direitos individuais. Ainda, deve haver a manifestação do Ministério Público, que é o titular da ação penal, acompanhando a execução da infiltração e, também, controlando a atividade policial.
Assim, o ECA em seu artigo 190-A, §3º, dispõe que a infiltração virtual de agentes é uma forma de obter provas, mas subsidiária, sendo admitida apenas quando a prova não puder ser produzida por outro meio ou recursos. Portanto, a técnica só será utilizada quando a investigação impossibilitar a obtenção de provas e não restar nenhum resultado proveitoso.
Em conformidade com Pacelli (2018, p. 270), “o exame acerca dos meios de prova disponíveis, bem como da idoneidade e da capacidade de produção de certeza que cada um deles pode oferecer, deve ser precedido da identificação dos princípios e das regras gerais a eles aplicáveis”.
A Lei n° 13.441/2017 limitou a técnica de infiltração virtual de agente policial na rede mundial de computadores aos crimes específicos do art. 190-A inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), assim, Lima (2020, p. 924) declara:
Com efeito, de acordo com o art. 190-A do ECA, esta infiltração policial virtual será cabível, grosso modo, em 3 (três) categorias de delitos: a) pedofilia (ECA, arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D); b) crimes contra a dignidade sexual de vulneráveis: estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), corrupção de menores (CP, art. 218), satisfação de lascívia (CP, art. 218-A) e favorecimento da prostituição de criança ou adolescente ou de vulnerável (CP, art. 218-B); c) invasão de dispositivo informático (CP, art. 154-A).
A pedofilia infantil não se confunde com a pornografia infantil. Neste a exposição da criança e adolescente é explícita, tanto das relações como dos órgãos sexuais. Já a pedofilia infantil é caracterizada pelo estímulo sexual de forma implícita, publicando, adquirindo, vendendo e produzindo conteúdo pornográfico pela Internet.
Da mesma forma, a pedofilia por meio da internet consuma-se, segundo Lima (2020, p. 610), “no momento da publicação das imagens, ou seja, aquele em que ocorre o lançamento na internet das fotografias de pornografia infantil”.
A frequência do crime de pedofilia é constante, visto que, atualmente a criança e o adolescente utilizam as ferramentas da Internet com pouco ou nenhum controle dos responsáveis. Assim, muitas vezes, os pedófilos criam perfis falsos nas redes sociais com fotos de desconhecidos e se passam tanto por uma criança usando linguagem fácil, como um adulto que demonstra ser confiável para aliciar a vítima.
Consequentemente, a fantasia criada e insinuações acerca de uma amizade ou relacionamento ilusório fazem com que a vítima mande fotos, vídeos e planejem encontros com o autor do crime, concretizando a prática de abusos e atos sexuais, expondo a vida da criança ou do adolescente com a venda do material que obteve com o delito para grupos criminosos da Internet.
Inegavelmente ocorrem impasses para que os indivíduos sejam penalizados, primeiro pela identificação do sujeito do crime devido os perfis falsos utilizados e o disfarce que a internet permite, sendo a quebra de sigilo dos dados através do IP uma das maneiras mais recorrentes contra essa questão. E, segundo, a territorialidade, pois a lei só atinge o agente em território nacional.
Ademais, no decorrer do tempo, a sociedade fica cada vez mais inserida na área virtual, sendo indispensáveis mecanismos e leis para conflitar com os crimes contra a dignidade da criança e do adolescente, verificando os delitos, as possíveis formas de investigação, obtendo provas e punindo os autores.
Conclusões
A infiltração virtual de agentes é essencial para afastar os crimes cibernéticos, uma vez que, com a evolução tecnológica, a criminalidade se apresenta potencializada e o interesse social pela justiça nos casos de crimes pela Internet também.
Essa técnica tem característica excepcional e só é utilizada nos crimes que a Lei determina. É, então, imprescindível a ação do Estado para a prevenção dos crimes contra a dignidade sexual da criança e do adolescente no ciberespaço e ao combate significativo dos agentes delituosos.
Deste modo, a tecnologia das investigações criminais, sob o amparo dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, busca adequar-se à atualidade para ter êxito na responsabilização dos autores dos delitos de maneira eficaz, através da obtenção de provas, aprimoramento do ordenamento jurídico para proteção das vítimas vulneráveis e consequente diminuição dos crimes hediondos contra os jovens.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
BRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 19 set. 2020.
BRASIL. Lei nº 13.441, de 08 de maio de 2017. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2017/Lei/L13441.htm>. Acesso em: 19 set. 2020.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 8. ed. rev. Salvador: Juspodivm, 2020.
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2018.
TASINAFFO, Fernanda. Os principais crimes cibernéticos: o aliciamento de crianças. Disponível em <https://canalcienciascriminais.com.br/crimes-ciberneticos-aliciamento- criancas/>. Acesso: 18 set. 2020.