1) INTRODUÇÃO
A origem das sociedades humanas é debatida por pensadores ao longo do tempo e duas correntes se formaram para tentar entende-la: os que acreditam na ideia de sociedade natural, formação que emana da própria natureza humana – naturalistas – e os que defendem tratar-se de uma escolha dos seres humanos em se agruparem em sociedade – contratualistas (DALLARI, 1982).
Independentemente das motivações que levam os humanos a viverem em sociedades, essas, quando formadas, acabam por limitar os direitos dos envolvidos. Consequentemente surgem os conflitos de interesse, que em um primeiro momento eram resolvidos pelos próprios interessados, por meio da justiça privada.
Ocorre que, com a evolução da sociedade e a criação do Estado, este passou a exercer privativamente o poder de dirimir os conflitos existentes entre os integrantes da sociedade, no intuito de solucionar o conflito e reinserir a paz social. Essa prática denominada jurisdição, que nada mais é do que o poder-dever do estado em dizer o direito, eliminar o conflito pela aplicação da justiça, atingindo assim a pacificação social.
O instrumento utilizado para o desenvolvimento da atividade jurisdicional é o processo. No decorrer do processo, antes mesmo de aplicar o direito de forma definitiva, surgem questões passíveis de pronunciamento judicial, que ao serem emanadas em forma de decisão, por vezes acabam por gerar prejuízo ao interesse de uma, ou ambas as partes, e ainda, de terceiros interessados. Neste momento nasce o direito a se insurgir contra a referida decisão por meio de um reexame da matéria decidida, denominado recurso.
2) FUNÇÃO JURISDICIONAL DO ESTADO
As relações humanas e a consequente vida em sociedade se iniciaram desde os tempos antigos até a atualidade, antes mesmo das formações dos Estados. Essa vida em conjunto trouxe muitos benefícios, todavia, criou uma série de limitações às liberdades dos humanos componentes dessas sociedades (DALLARI, 1982).
Assim, as sociedades podem ser entendidas como agrupamentos humanos que possuem uma finalidade específica, qual seja, o bem comum, submetendo-se a égide de um poder.
Como os objetivos dos indivíduos e das sociedades muitas vezes são conflitantes, e como seria impossível, obter-se a harmonização espontânea dos interesses em choque, surge a necessidade de um poder social superior, que não sufoque os grupos sociais, mas, pelo contrário, promova sua conciliação em função de um fim geral comum” (DALLARI, 1982, p. 41).
Verifica-se que a maioria das relações jurídicas existentes entre as pessoas se iniciam e se extinguem da forma mais natural possível: a execução das obrigações de ambas as partes, sem que isso importe no surgimento de um litígio.
Todavia, por inúmeras razões, ocorrem situações em que as partes não fazem o adimplemento de suas obrigações e a parte prejudicada resiste a essa pretensão, formando a lide. Ocorrem, ainda, situações em que, havendo a possiblidade da reparação via justiça privada, a parte não a busca, mas opta por requerer a intervenção estatal, por meio do exercício do direito de ação.
Assim, o suposto detentor de um direito violado busca invocar no Estado a solução para sua controvérsia, com, no mínimo, a intenção de retorno do status a quo, ou ainda, o cumprimento da obrigação e suas respectivas consequências, como dano material, moral, etc.
No decorrer do processo, o estado-juiz, leia-se, magistrado ou órgão colegiado, ao buscar a pacificação social por meio do exercício da jurisdição, profere várias decisões no intuito de resolver a controvérsia, situação que ocasiona prejuízos a uma das partes, ao Ministério Público ou ao terceiro interessado. São as decisões interlocutórias, as sentenças e os acórdãos (MONTENEGRO FILHO, 2018).
Assim, mesmo que o direito aplicado pelo estado-juiz receba a melhor interpretação possível, normalmente gerará um desconforto, prejuízo, aos citados acima. Desta feita, surge, a qualquer deles, a possibilidade de combater a referida decisão, ou seja, impugná-la.
2.1) MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
O ordenamento jurídico brasileiro possibilita a impugnação das decisões judiciais por meio de um sistema, que pode ser considerado como gênero, possuindo por espécies os recursos, as ações autônomas de impugnação e os sucedâneos recursais.
“O recurso é o meio de impugnação da decisão judicial utilizado dentro do mesmo processo em que é proferida. Pelo recurso, prolonga-se o curso (a litispendência) do processo” (DIDIER, 2016, p. 89).
Já a ação autônoma de impugnação é instrumento de impugnação que resulta em um novo processo, sendo exemplos a querela nullitatis, os embargos de terceiro, o mandado de segurança, o habeas corpus e a reclamação (DIDIER, 2016).
Por fim, há o sucedâneo recursal, que nada mais é do que todo tipo de impugnação de uma decisão que não seja recurso, tampouco ação autônoma, ou seja, possui caráter residual. A título de exemplo, verifica-se como o pedido de reconsideração, pedido de suspensão da segurança.
O pedido de reconsideração foi criado pela prática forense e aceito por todos os órgãos do poder judiciário. Apesar de ser formulado à autoridade prolatora da decisão interlocutória no mesmo processo e possuir o condão de modificá-la, o mesmo não pode ser considerado como recurso, tendo em vista a aplicação do princípio da taxatividade aos recursos (MONENEGRO FILHO, 2018).
3) CONCEITO DE RECURSO
Como descrito pelos professores Didier Jr. e Cunha (2016, p. 87) a etimologia, ou seja, a evolução e a origem da palavra recurso vêm de “refluxo, refazer o curso, retomar o caminho ou correr para o lugar de onde veio”.
Como definição jurídica, recurso pode ser entendido como “meio ou instrumento destinado a provocar o reexame da decisão judicial, no mesmo processo em que proferida, com a finalidade de obter-lhe a invalidação, a reforma, o esclarecimento ou a integração” (DIDIER JR; CUNHA, 2016, p. 87).
Dentre os possíveis meios de impugnação das decisões judiciais, o recurso se destaca pela característica de que sua tramitação se dá na mesma relação processual. É um remédio utilizado por quem se sentiu prejudicado com decisão judicial, podendo ser julgado de forma excepcional pela própria autoridade prolatora da decisão ou por órgão hierarquicamente superior (MONENEGRO FILHO, 2018).
3.1) PRINCÍPIOS RECURSAIS
Para tratar do tema dos princípios afetos à teoria geral dos recursos, deve-se levar em consideração que não se está diante da definição de princípio trazida pelos doutrinadores que discutem o tema. Essa, dentro da doutrina, gera muita discussão quando da distinção realizada entre princípios e regras. Aqui está a se falar de “características encontradas de forma geral nos recursos, e que por isso podem ser sistematizadas” (RODRIGUES, 2017, digital).
O rol de princípios não se mostra pacífico, assim, será tratado de alguns princípios trazidos pela revisão bibliográfica realizada.
3.1.1) Princípio do duplo grau de jurisdição
Aquele que busca a tutela jurisdicional do estado, ou mesmo aquele que é acionado e se defende daquilo que lhe é imputado, busca satisfazer seu interesse recebendo uma tutela favorável. Todavia, decisões judiciais acabam por contrariar um lado ou outro, situação em que nasce o inconformismo com a referida decisão.
Portanto, é natural que aquele que recebeu uma decisão desfavorável tenha interesse que sua demanda seja apreciada por outro órgão julgador, baseando-se na falibilidade do ser humano que representa o Estado-juiz. Nasce, assim, o princípio do duplo grau de jurisdição.
Como conceito, é possível defini-lo como “o direito à revisão das decisões judiciais por órgão jurisdicional hierarquicamente superior, na forma e cumpridos os requisitos previstos em lei” (RODRIGUES, 2017, digital).
O duplo grau de jurisdição se mostra como um princípio implícito na Constituição Federal, sendo extraído da interpretação gramatical do texto contido no artigo 5ª, LV que ensina que” aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).
Assim, pode-se considerar que o duplo grau de jurisdição é sem sombra de dúvidas
o reexame da causa por órgão jurisdicional colegiado, constituído por juízes, em regra, mais experientes e que decidem conjuntamente, é fator que assegura maior possibilidade de acerto da decisão judicial, em razão da possibilidade de melhor reflexão sobre as alegações e provas trazidas pelas partes do processo (RODRUIGUES, 2017, digital).
Todavia, a aplicação desse princípio é passível de críticas pois, além de prolongar as demandas, caminhando em direção contrária à razoável duração do processo, ainda tem o condão de desprestigiar os juízes de primeiro grau. Dessa forma o princípio aqui elencado deve ser aplicado por meio da ponderação entre os demais princípios, pois estes podem ser satisfeitos nos mais variados graus (RODRUIGUES, 2017, digital).
3.1.2) Princípio da taxatividade
Os recursos passíveis de interposição devem ser elencados expressamente em determinação legal, não sendo possível interpor um recurso não previsto em lei em sentido estrito. Não é possível a criação de nenhum tipo de recurso por meio do regimento interno dos tribunais, tampouco pelo novo negócio processual previsto no artigo 190 do Código de Processo Civil (DIDIER JR e CUNHA, 2016).
A Constituição dividiu as competências legislativas aos entes federativos, cabendo à União legislar sobre matéria processual. Dessa forma, não é possível que leis estaduais criem qualquer tipo de recurso. Os recursos possíveis encontram-se descritos no artigo 994 do Código de Processo Civil, quais sejam, apelação, agravo de instrumento, agravo interno, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, agravo em recurso especial ou extraordinário e embargos de divergência.
Ainda, existem recursos previstos nas leis federais esparsas, como, por exemplo, na Lei 9.099/95 que em seu artigo 41, caput, diz “da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio juizado” (BRASIL, 1995) e ainda, os embargos infringentes previstos no art. 34 da Lei de Execução Fiscal.
3.1.3) Princípio da singularidade
É o princípio que determina que para cada decisão judicial só é cabível apenas um recurso com um objetivo determinado.
No caso do recurso de agravo de instrumento, é cabível nas hipóteses das decisões interlocutórias elencadas no rol do artigo 1.015 e parágrafo único do Código de Processo Civil.
Ensinam Didier Jr. e Cunha que esse princípio foi extraído implicitamente do artigo 809 do Código de Processo Civil de 1939 que ensina que "A parte poderá variar de recurso dentro do prazo legal, não podendo, todavia, usar, ao mesmo tempo, de mais de um recurso" (DIDIER JR e CUNHA, 2016, p. 110).
A aplicação dessa regra não se mostra absoluta, pois existem algumas exceções como no caso de interposição de embargos de declaração e apelação de uma sentença, como a de recurso extraordinário e especial de acórdão proferido por Tribunal Estadual ou Tribunal Regional Federal proferido em última instância.
3.1.4) Princípio da fungibilidade
A fungibilidade se mostra como característica de alguns bens, estudada no Direito Civil, como sendo bens móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Dessa forma, o legislador processual emprestou essa característica, aplicando-a no jogo processual, inclusive no que diz respeito aos recursos (GONÇALVES, 2017).
Além dos recursos, a fungibilidade pode ser vista nas ações possessórias e nas tutelas provisórias. Isso se justifica pela dificuldade no caso concreto de o litigante escolher a melhor medida para a solução da lide (GONÇALVES, 2017).
Nos recursos, como estudado no tópico anterior, em regra, contra uma decisão judicial cabe apenas uma espécie de recurso previsto em lei. Todavia, cabe uma explicação histórica para a aplicação da fungibilidade aos recursos.
O Código de Processo Civil de 1939 trazia, de forma explícita, sua aplicação no artigo 810 que ensina que “Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou Turma, a que competir o julgamento" (BRASIL, 1939). Havia a necessidade dessa previsão pois, o sistema recursal da época verificava o teor da decisão para fixar-lhe o meio de impugnação. Assim, surgiam muitas dúvidas quanto a escolha do recurso correto (GONÇALVES, 2017).
O Código de 1973 não trouxe expressa a fungibilidade tendo em vista que o legislador modificou a forma de identificar o recurso cabível, que deixou de ser verificado pelo conteúdo, mas pela finalidade da decisão. Todavia, as dúvidas persistiram. Mesma situação persiste no diploma atual (GONÇALVES, 2017).
Ensinam Didier Jr. e Cunha (2016, p. 108) que “o princípio da fungibilidade recursal decorre dos princípios da boa-fé processual, da primazia da decisão de mérito e da instrumentalidade das formas”.
Portanto, para a aplicação da fungibilidade recursal é necessário que haja uma dúvida objetiva acerca do recurso apropriado, ou seja, uma dúvida proveniente da própria legislação, da jurisprudência e da doutrina. Ainda, a fungibilidade somente poderá ser aplicada quando não restar caracterizado erro grosseiro, tampouco a má-fé.
3.1.5) Princípio da voluntariedade
Os recursos devem ser utilizados como remédios voluntários, manifestando a vontade da parte, terceiro ou Ministério Público. Quando qualquer destes não se conforma com a decisão prolatada, insurgem-se, impetrando o recurso cabível. Extrai-se do princípio da voluntariedade que, de fato, o reexame necessário não pode ser entendido como recurso, pois, este se dá por força de previsão legal sem a necessidade da voluntariedade da Fazenda Pública (RODRIGUES, 2017).
3.1.6) Princípio da proibição da "reformatio in pejus"
Quando o recorrente interpõe um recurso, obviamente está externando sua vontade de forma a buscar uma melhora em sua situação, pois não se conformou com a definição proferida pelo juízo a quo. Ainda, como já verificado a matéria impugnada acaba por limitar a apreciação do recurso pelo juízo ad quem.
A esse respeito, ensina Gonçalves (2017, p. 287), sobre esse princípio:
É corolário do efeito devolutivo. Os recursos devolvem ao conhecimento do órgão ad quem o conhecimento apenas daquilo que tenha sido impugnado. A parte recorre daquilo que tenha sucumbido. O conhecimento do órgão ad quem fica restrito ao objeto do recurso, razão pela qual não poderá ser agravada a situação de quem o interpôs. Isso só pode ocorrer no julgamento do recurso do adversário, jamais naquele por ela própria interposto.
Apesar disso, essa proibição comporta exceções, como, por exemplo, a apreciação pelo órgão ad quem de matérias de ordem pública, isso em virtude do efeito translativo do recurso.
Outra exceção está consubstanciada na aplicação da teoria das causas maduras, disposta no §3º, I do artigo 1.013 do Código de Processo Civil. Esta pode ser utilizada quando da apelação contra uma sentença que julgou sem resolução do mérito, o tribunal, verificando constar dos autos elementos capazes para o julgamento, acaba por apreciar o mérito. Se este for improcedente, não há que se falar em reformatio in pejus.
Quando uma ação é parcialmente procedente e ambas as partes recorrem, naquilo que foram sucumbentes, ao terem apreciados seus recursos, poderão incorrer na piora de suas situações. Porém, isso ocorre em decorrência da impugnação da outra parte que acabou por ser acolhida, reformando a decisão. A piora não provém do recurso impetrado pela própria parte, assim, não há que se falar em reformatio in pejus.
Nesse sentido explica José Carlos Barbosa Moreira Apud Rodrigues (2017, digital):
quando se fala em proibição de reformar para pior, é necessário bem esclarecer do que se trata. Nas hipóteses de ‘sucumbência recíproca’, havendo adesão, o litigante que interpõe o recurso principal assume duplo papel: de recorrente e de recorrido. O que o tribunal não pode fazer é piorar-lhe a situação como recorrente; quanto à sua situação como recorrido, não é diversa da que ele teria a se a parte contrária houvesse interposto recurso independente. [...] se ambas (as partes) apelaram, o proveito que cada qual pode esperar deriva do seu próprio recurso, não do recurso da outra.
3.2) CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS
3.2.1) Recursos totais ou parciais
O artigo 1.002 do Código de Processo Civil permite que as decisões judiciais possam ser impugnadas em toda a sua extensão ou apenas em parte dela. Desta forma o recorrente possui a faculdade de se insurgir contra parte da decisão atacada. Agindo dessa forma, tacitamente é gerada uma concordância do recorrente com a parte não atacada. O efeito verificado é a preclusão parcial, pois, a matéria não impugnada no momento oportuno não poderá ser ventilada em atos processuais posteriores (RODRIGUES, 2017).
Todavia, tendo sido feito o recurso de forma parcial, que culminará com a preclusão também parcial da decisão, não há que se falar em coisa julgada parcial, “pois este apenas se dá uma vez, integralmente, quando se esgotam os recursos cabíveis em uma demanda em face da última decisão, ou passa in albis o prazo para impugná-la” (RODRIGUES, 2017, digital).
O entendimento acima mencionado pode ser verificado quando da análise do prazo decadencial para a propositura a ação rescisória, que começa a correr somente após a inexistência de recurso após o último pronunciamento judicial, conforme a inteligência do enunciando da súmula 401 do Superior Tribunal de Justiça que diz “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial” (STJ, 2009).
Já o recurso total, “é aquele que abrange todo o conteúdo impugnável da decisão recorrida. Se o recorrente não especificar a parte em que impugna a decisão, o recurso deve ser interpretado como total” (MOREIRA Apud DIDIER JR; CUNHA, 2016, p. 97).
Ainda, sobre este tema, interessante colacionar o entendimento sutilmente diverso de Cândido Dinamarco trazido por Didier Jr. e Cunha em sua obra (2016, p. 97):
recurso integral é o que contém a impugnação de toda a decisão, em todos os seus capítulos, e portanto, opera a devolução de toda matéria decidida; parcial, o que se refere somente a um, ou alguns dos capítulos de uma sentença, deixando sem impugnação o outro ou outros.
Assim, no entendimento Barbosa Moreira citado e seguido por Didier Jr. e Cunha (2016, p. 97) essa sutil diferença tem seu significado, tendo em vista que
o recurso é total quando o recorrente impugna toda a matéria impugnável, que pode não corresponder a toda a decisão. Se o autor perde em relação a um pedido e ganha em relação a outro, eventual recurso que interponha, contra o capitulo em que se julgou improcedente um de seus pedidos, será total, pois abrangente de todo o conteúdo impugnável, sem que isso signifique que tenha impugnado toda a decisão (grifo nosso).
3.2.2) Recursos de fundamentação livre ou vinculada
Os recursos podem ainda ser classificados em recursos de fundamentação livre ou de fundamentação vinculada.
Os de fundamentação livre são aqueles em que o recorrente pode alegar qualquer tipo de matéria como fundamentação, não sendo exigido uma fundamentação específica. Pode ser alegado um erro processual, conhecido como error in procedendo, como exemplo verifica-se o recurso contra o indeferimento da realização de uma determinada prova solicitada pela parte. Ainda, o recorrente pode atacar o mérito da decisão ao não se conformar com a análise e síntese feita pelo julgador, é também conhecido como combate ao error in judicando (RODRIGUES, 2017). Alguns exemplos desse tipo de recursos são a apelação, o agravo de instrumento e recurso ordinário.
Doutro giro, os recursos de fundamentação vinculada necessitam de uma fundamentação baseada na legislação. Se o recurso possuir a fundamentação trazida pela lei, poderá passar pelo crivo da admissibilidade, avançando à etapa de apreciação do mérito. Ao revés, o recurso não será admitido.
Nessa categoria encontram-se os embargos de declaração, que somente podem ser fundamentados no combate à omissão, obscuridade, contradição ou erro material de decisão judicial, conforme preceitua o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. Também se encontram nessa categoria o recurso extraordinário e o recurso especial, tendo em vista que este possui sua fundamentação no artigo 105, III da Constituição Federal e aquele no artigo 102, III do texto maior.
3.2.3) Recursos ordinários e extraordinários
Essa outra classificação, também utilizada em alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros, é interpretada de forma diversa da adotada no Brasil. Nesses países, a classificação em recursos ordinários e extraordinários está ligado com a ocorrência do trânsito em julgado, ou seja, quando os recursos são interpostos antes de sua ocorrência, são considerados ordinários, já os que podem ser interpostos após, são chamados de extraordinários (RODRIGUES, 2017).
No Brasil, essa forma de classificação não é possível, tendo em vista que somente são considerados recursos, as impugnações que ocorrem antes do trânsito em julgado da decisão, impedindo, assim, a o fenômeno da preclusão. Desta feita, essa classificação deve ser entendida com base em outra fundamentação (RODRIGUES, 2017).
Neste sentido, pode-se entender que o recurso ordinário é aquele que busca trazer à discussão a justiça da decisão, em virtude do inconformismo do recorrente, como é o caso do agravo de instrumento e a apelação. Lado outro, os recursos entendidos como extraordinários são aqueles em que o recorrente impugna o direito objetivo, discutindo a aplicação da norma de forma imediata, contemplando o direito subjetivo do recorrente de forma mediata. Como exemplo têm-se os recursos especial e extraordinário (RODRIGUES, 2017).
3.2.4) Recursos independentes ou subordinados. O recurso adesivo
Essa classificação diz respeito ao momento de interposição do recurso. O recurso independente “é aquele interposto autonomamente por qualquer das partes, sem qualquer relação com o comportamento do adversário” (MOREIRA Apud DIDIER JR e CUNHA, 2016, p. 148). Esse recurso não depende de outro para sua admissão, contendo seus próprios requisitos.
O recurso subordinado tem sua admissibilidade diretamente ligada ao recurso independente ofertado por outro sujeito do processo. O Código de Processo Civil admite dois tipos de recurso subordinado: o recurso adesivo e as contrarrazões de apelação que, em preliminar, combatem decisão interlocutória não contidas no rol do artigo 1.015 do mesmo diploma legal (RODRIGUES, 2017).
O recurso adesivo pressupõe sucumbência recíproca. Ele ocorrerá quando o recorrido, ao deixar precluir o prazo recursal sobre a matéria na qual foi sucumbente, quando da intimação para apresentar as contrarrazões ao recurso interposto por outro sujeito do processo, dentro desse novo prazo se arrepende e decide ofertar seu próprio recurso.
A admissibilidade deste recurso adesivo está ligada à admissibilidade do recurso independente, ou seja, caso este seja inadmitido, o adesivo também o será. Da mesma forma ocorre se o recorrente independente, desistir de seu recurso. O recurso adesivo possui previsão legal no artigo 997 do Código de Processo Civil e permite sua admissibilidade na apelação, nos recursos especial e extraordinário, não sendo aplicável ao agravo de instrumento.
Ressalte-se, portanto, que o agravo de instrumento não pode ser interposto na forma adesiva, mas apenas como recurso independente.
Essa classificação acaba por não dividir os recursos em grupos distintos, como observado nas divisões acima mencionadas, pois, ela apenas diferencia o momento de interposição do recurso. Assim, os recursos de apelação, especial e extraordinário podem ser interpostos de maneira independente ou de forma subordinada (RODRIGUES, 2017).
3.3) EFEITOS DOS RECURSOS
Os recursos, que além de impedir o trânsito em julgado do processo a que pertençam, perpetuando a litispendência em novo grau, podem ser entendidos como atos jurídicos, e assim, passíveis de produzirem seus efeitos.
Os efeitos podem se dar no processo de três formas distintas: duas delas ligadas à interposição do recurso, como a sua apresentação e o seu cabimento. A terceira está ligada ao julgamento do recurso. Os efeitos serão descritos a seguir (RODRIGUES, 2017).
3.3.1) Efeito obstativo ou impeditivo
Como já mencionado acima, a interposição de recurso impede o trânsito em julgado, criando, ainda, obstáculo para a preclusão da decisão recorrida. “Há, então, um prolongamento da litispendência, com o impedimento à formação de coisa julgada quanto ao que foi impugnado” (RODRIGUES, 2017, digital).
Como ensinam os professores Didier Jr. e Cunha (2016) no entendimento de Barbosa Moreira, apenas os recursos que foram admitidos têm a capacidade de gerar os efeitos. Ensinam, ainda, haver muita discussão a respeito do tema, porém verifica-se que o Código de Processo Civil tem adotado uma posição intermediária: “recurso inadmissível produz efeitos, inclusive o de impedir o trânsito em julgado, ressalvados os casos de intempestividade ou de manifesto descabimento” (DIDIER JR; CUNHA, 2016, p. 141).
Desta forma, verifica-se que as decisões interlocutórias, cujo tema esteja descrito em um dos incisos e o parágrafo único do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, se não agravadas no prazo legal, restarão preclusas.
3.3.2) Efeito Suspensivo
O efeito suspensivo possui o condão de impedir a eficácia da decisão que fora impugnada até que o recurso seja julgado.
O artigo 995 do Código de Processo Civil dita no caput que “Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso” (BRASIL, 2015). Dessa forma, entende-se que o efeito suspensivo decorre de duas fontes: da lei, como no caso do recurso de apelação, e da decisão do magistrado.
As reformas ocorridas no sistema processual pátrio têm demonstrado uma inclinação cada vez maior para que o efeito suspensivo dos recursos seja advindo de decisão judicial, e não por força de lei. Isso porque, o julgador avaliará, no caso concreto, se realmente se faz necessária a suspensão dos efeitos da decisão atacada. É chamado de efeito suspensivo ope iudicis (RODRIGUES, 2017).
O parágrafo único do artigo supramencionado diz que:
A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso (BRASIL, 2015).
Dessa forma, é de se concluir que o efeito suspensivo ope iudicis funciona como uma tutela provisória incidental em favor do recorrente (RODRIGUES, 2017) e não se trata de uma discricionariedade do relator, mas sim um poder-dever decorrente da própria lei (ZANETTI JUNIOR Apud RODRIGUES, 2017).
No caso de recurso que possua efeito suspensivo decorrente da lei, ope legis, como na apelação, a sentença se mostra ineficaz no lapso que se estende entre sua publicação e a data fatal para a interposição da apelação (GONGALVES, 2017).
Sobre esse assunto, ensina Nelson Nery Jr Apud Gonçalves (2017, p. 292-293):
Olhando o fenômeno por outro ângulo, poder-se-ia dizer que o que ocorre durante o prazo que vai da publicação da decisão até o escoamento do termo para a interposição do recurso é a suspensão dos efeitos da sentença, não por incidência do efeito suspensivo do recurso, mas porque a eficácia imediata da decisão fica sob a condição suspensiva de não haver interposição do recurso.
Da mesma forma entende Moreira citado por Didier Jr. e Cunha (2016, p. 141):
Aliás, a expressão 'efeito suspensivo' é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso.
Por fim, entende-se que no direito pátrio todo recurso pode ter o efeito suspensivo. Ainda, existe a possibilidade de o efeito suspensivo se dar apenas em parte da decisão impugnada. Quando houver cumulação de pedidos, e o recorrente atacar apenas parte da decisão, a parte que restou incontroversa transitará definitivamente em julgado e poderá ser executada, com a formação de autos suplementares que correrão em paralelo à apreciação do recurso pelo tribunal (GONÇALVES, 2017).
Neste mesmo prisma, cabe uma ressalva: se o pedido incontroverso manter vínculo de dependência com o pedido recorrido, sua eficácia também se manterá suspensa. Cite-se o exemplo trazido pelo professor Gonçalves:
[...] em uma ação de rescisão de contrato cumulada com reintegração de posse, em que este último pedido dependa do acolhimento do primeiro. Proferida sentença de procedência dos dois, se o réu recorrer apenas do primeiro, a suspensividade estender-se-á também ao segundo, por que, se o tribunal der provimento ao recurso, e afastar a rescisão, terá também de afastar a reintegração de posse, pois os pedidos mantêm entre si um vínculo de prejudicialidade (GONÇALVES, 2017, p. 293).
O recurso de agravo de instrumento, em regra, não possui o efeito suspensivo. Todavia, extrai-se do artigo 1.019, I do Código de Processo Civil que o relator poderá atribuir-lhe efeito suspensivo, comunicando ao juízo a quo a suspensão da eficácia da decisão recorrida. Trata-se do efeito suspensivo ope iudicis.
3.3.3) Efeito Devolutivo
Efeito devolutivo possui a característica de devolver a matéria impugnada ao órgão julgador do recurso para que este a aprecie.
O nome desse efeito possui origem histórica, pois, nas civilizações nas quais não existia a tripartição dos poderes, o soberano detinha todo o poder, inclusive o de julgar. Todavia, como na prática se mostrava impossível ao soberano decidir todas as questões, este delegava o poder de julgar para juízes.
Quando a parte prejudicada se insurgia contra a decisão, impetrando recurso, este era dirigido ao soberano, que não mais possuía a competência para efetuar o julgamento, em virtude da delegação. Porém, por aplicação do efeito devolutivo, o poder de julgar retornava ao soberano (DIDIER JR e CUNHA, 2016).
Com base nessa origem histórica, existia o entendimento de que o efeito devolutivo somente alcançaria os recursos que seriam apreciados por órgão hierarquicamente superiores. Todavia, o entendimento atual é de que “o efeito devolutivo decorre da interposição de qualquer recurso, equivalendo a um efeito de transferência da matéria ou de renovação do julgamento para outro ou para o mesmo órgão julgador” (DIDIER JR e CUNHA, 2016, p. 143).
O efeito devolutivo pode ser imediato, no caso dos recursos que são interpostos diretamente no órgão que o julgará, como por exemplo o agravo de instrumento. Pode, ainda, ser gradual, que ocorre nos recursos que são interpostos perante órgão que não é o seu julgador. Nesse caso, haverá uma sequência de atos até que o recurso chegue àquele que o apreciará. Por fim, o efeito devolutivo pode ser entendido como diferido, pois, ficará retido para uma apreciação futura. É o exemplo dos casos de recursos especiais repetitivos que são suspensos para aguardar a decisão do recurso paradigma (RODRIGUES, 2017).
Existe, ainda, entendimento de que o efeito devolutivo possui desdobramentos e deve ser analisado em duas dimensões: a extensão, também chamada de dimensão horizontal, e a profundidade, conhecida como dimensão vertical. O estudo da profundidade do efeito devolutivo pode ser denominado efeito translativo (DIDIER JR e CUNHA, 2016).
Ao verificar-se a extensão do efeito devolutivo, quer-se determinar qual matéria foi impugnada e será submetida ao julgamento do órgão ad quem. “O recurso não devolve ao tribunal o conhecimento de matéria estranha ao âmbito do julgamento (decisão) a quo. Só é devolvido o conhecimento da matéria impugnada (art. 1.013, caput, CPC)”. Acerca desse assunto pode ser entendido que as determinações legais referentes ao recurso de apelação acabam por formar a regra geral (DIDIER JR e CUNHA, 2016, 143).
Doutro giro, a profundidade do efeito devolutivo pode ser verificada quando da aplicação do artigo 1.013, §1º do Código de Processo Civil que diz que “serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado” (BRASIL, 2015).
Desta forma, “a profundidade do efeito devolutivo determina as questões que devem ser examinadas pelo órgão ad quem para decidir o objeto litigioso do recurso” (DIDIER JR e CUNHA,2016, p143).
Todas as questões levantadas pelo recorrente poderão ser apreciadas pelo juízo ad quem, ainda que não enfrentadas pelo juízo a quo, assim, no momento de examinar o recurso, o tribunal poderá examinar as questões incidentais que se mostram relevantes.
Em síntese sobre o assunto cite-se os ensinamentos dos professores Didier Jr. e Cunha (2016, p. 145):
A extensão do efeito devolutivo determina os limites horizontais do recurso; a profundidade, os verticais. A extensão delimita o que se pode decidir; a profundidade, o material com o qual o órgão ad quem trabalhará para decidir a questão que lhe foi submetida. A extensão relaciona-se ao objeto litigioso do recurso (a questão principal do recurso); a profundidade, ao objeto de conhecimento do recurso, às questões que devem ser examinadas pelo órgão ad quem como fundamentos para a solução do objeto litigioso recursal.
Assim, há de se concluir que o efeito devolutivo delimita o seu desdobramento translativo (profundidade), cabendo ao recorrente determinar a extensão do recurso por meio da demonstração do capitulo impugnado, mas não pode estabelecer a profundidade.
Como advertência, deve ficar cristalino que o capítulo não impugnado tem seu trânsito em julgado, não podendo, assim, ser passível de reexame do juízo ad quem.
Com efeito, é possível verificar uma exceção ao princípio da proibição da reformatio in pejus, como exposto no exemplo a seguir:
uma demanda possui apenas um pedido principal, e este vem a ser julgado procedente em parte. O autor recorre, buscando a procedência integral deste. Ao apreciar o recurso autoral, é possível que o tribunal reconheça de ofício a falta de uma condição da ação, extinguindo o feito sem resolução de mérito. Como o pedido da causa era único, o reconhecimento da ausência dessa condição pode ocorrer, porque dentro dos limites do que foi transferido ao órgão julgador do recurso (RODRIGUES, 2017, digital).
Por fim, verifica-se que o limite imposto pelo efeito translativo não é aplicado à Fazenda Pública em virtude do reexame necessário. Nesse sentido, a súmula 325 do Superior Tribunal de Justiça, que ensina que “a remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado” (STJ, 2006).
3.3.4) Efeito Regressivo – Juízo de Retratação
Normalmente os recursos levam a decisão atacada para outro órgão julgador decidir sobre a matéria impugnada, todavia, o efeito regressivo permite ao órgão prolator rever a própria decisão.
É o caso da apelação em face da sentença que indefere a petição inicial, da que extingue o processo sem a resolução do mérito. Também é o caso da apelação que impugna sentença de improcedência liminar do pedido, apelação no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ainda, esse efeito pode ser visto no agravo de instrumento, agravo interno e recurso especial e extraordinário repetitivos (DIDIER JR e CUNHA, 2016).
Em relação ao agravo de instrumento, conforme o artigo 1.018, § §1º e 2º do Código de Processo Civil, quando o juiz de primeiro grau receber a cópia da petição do agravo, poderá reformar inteiramente sua decisão, comunicando o relator, que considerará prejudicado o recurso interposto (BRASIL, 2015).
3.3.5) Efeito Expansivo
Os recursos, em regra, atingem a decisão recorrida e as partes envolvidas, como o recorrente e o recorrido. Apesar disso, existem situações em que o recurso pode atingir outras pessoas que não sejam os citados acima ou atingir outras decisões que não aquela da qual se recorre. Esses são os chamados efeitos expansivo subjetivo e objetivo (RODRIGUES, 2017).
Em relação ao efeito expansivo subjetivo, este está ligado a decisões de recursos que afetam outras pessoas além do recorrente e recorrido. É o caso do litisconsórcio unitário. Como é sabido, na disposição do artigo 117 do Código de Processo Civil, tem-se que “Os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, exceto no litisconsórcio unitário, caso em que os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar.” Esse artigo deve ser interpretado em conjunto com o artigo 1.005 do mesmo diploma legal que ensina que o” recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses” (BRASIL, 2015).
Desta feita, no caso de litisconsórcio unitário, mesmo que um dos recorrentes tenha deixado transcorrer in albis o prazo para o oferecimento do recurso de uma decisão, a interposição do recurso por seu litisconsorte lhe aproveita.
Da norma é possível extrair que a mesma sorte não se aplica ao litisconsórcio simples, pois neste caso incide o princípio da autonomia dos litisconsortes. Todavia, o parágrafo único do artigo 1.005 do Código de Processo Civil traz uma exceção: “Havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns.”
Já o efeito expansivo objetivo refere-se a decisão do recurso que atinja outras decisões diversas da que foi realmente recorrida. Para melhor explicar, é válido colacionar um exemplo trazido na obra de Rodrigues, 2017, digital:
Pode-se exemplificar com uma decisão saneadora do processo que entendeu pela presença de legitimidade e interesse (art. 485, VI) e acabou por deferir tutela antecipada. Dessa decisão de saneamento do processo foi interposto agravo de instrumento, conforme autoriza o art. 1.015, I, em função da concessão da tutela de urgência, porém tal recurso se prestou a atacá-la em todo o seu conteúdo. O relator do agravo não concedeu efeito suspensivo a este, o que levou à continuação da tramitação do processo, com a prolação de outras decisões, como de escolha de perito, honorários periciais etc. Imagine-se que o agravo foi provido para reconhecer a falta de legitimidade do réu. Tal acórdão reformou a decisão saneadora, porém também está produzindo efeitos sobre outras decisões, quais sejam, aquelas posteriormente prolatadas na fase instrutória. Portanto, constata-se que o acórdão do agravo também cassou outras decisões, não se limitando a reformar a decisão recorrida.
3.3.6) Efeito substitutivo
O último efeito a ser estudado é o substitutivo, oriundo do artigo 1.008 do Código de Processo Civil que ensina que “O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso” (BRASIL, 2015). Esse efeito é aplicável ao recurso de agravo de instrumento.
Como já foi visto, um recurso possui as finalidades de reformar, anular, integrar ou esclarecer uma decisão. Quando o recurso recair sobre error in judicando, o provimento do recurso analisará novamente o mérito e substituirá a decisão. A não procedência do recurso, apesar de não modificar a decisão, analisará novamente o mérito, portanto é entendido que houve a substituição.
Lado outro, quando a impugnação se der exclusivamente em face de erro de procedimento (error in procedendo) caso o recurso seja procedente, não haverá análise de mérito, mas sim a anulação da decisão impugnada. Desta forma, não há que se falar em incidência do efeito substitutivo, conforme entende o Superior Tribunal de Justiça, trazido à baila pelo doutrinador Rodrigues (2017, digital):
Recurso especial. Art. 512 do CPC. Error in judicando. Pedido de reforma da decisão. Efeito substitutivo dos recursos. Aplicação. Error in procedendo. Anulação do julgado. Inaplicabilidade do efeito substitutivo. Necessidade de prolação de nova decisão. 1. O efeito substitutivo previsto no art. 512 do CPC implica a prevalência da decisão proferida pelo órgão superior ao julgar recurso interposto contra o decisório da instância inferior. Somente um julgamento pode prevalecer no processo, e, por isso, o proferido pelo órgão ad quem sobrepuja-se, substituindo a decisão recorrida nos limites da impugnação. 2. Para que haja a substituição, é necessário que o recurso esteja fundado em error in judicando e tenha sido conhecido e julgado no mérito. Caso a decisão recorrida tenha apreciado de forma equivocada os fatos ou tenha realizado interpretação jurídica errada sobre a questão discutida, é necessária a sua reforma, havendo a substituição do julgado recorrido pela decisão do recurso. 3. Não se aplica o efeito substitutivo quando o recurso funda-se em error in procedendo, com vício na atividade judicante e desrespeito às regras processuais, pois, nesse caso, o julgado recorrido é anulado para que outro seja proferido na instância de origem. Em casos assim, a instância recursal não substitui, mas desconstitui a decisão acoimada de vício. 4. Recurso especial conhecido em parte e desprovido (REsp 963.220/BA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4.ª Turma, j. 07.04.2011, DJe 15.04.2011).
Saber se houve ou não a incidência do efeito substitutivo mostra-se importante no intuito de identificar qual órgão será competente para eventual ajuizamento da ação rescisória após passar em julgado a decisão proferida.
Em regra, a ação rescisória é de competência do juízo que proferiu a decisão, com exceção dos juízos de primeira instância, situação em que a ação rescisória deverá ser proposta nos tribunais hierarquicamente superiores correspondentes (RODRIGUES, 2017).
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília/DF: Senado Federal, 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: fevereiro de 2021.
_______Lei nº 9.099/95. Brasília/DF, 26 de setembro de 1995. Disponível em: L9099 (planalto.gov.br) Acesso em: fevereiro de 2021.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 9ª Ed. São Paulo. Saraiva, 1982.
DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed. reform. Salvador. JusPodivm, 2016.
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, volume 3: execução, processo nos tribunais e meios de impugnação das decisões. 10ª ed. São Paulo. Saraiva, 2017.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Direito processual civil. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2018. DIGITAL.
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado [livro eletrônico]. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. 6 Mb ; PDF 3. ed. em e-book baseada na 17. ed. impressa. DIGITAL.
RODRIGUES, Marco Antonio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação. 1ª ed. São Paulo. Atlas, 2017. DIGITAL.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado da Súmula 401. https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2013_37_capSumula401.pdf. Acessado em 20/03/2021.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado da Súmula 325. https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/sumstj/article/download/5693/5814. Acessado em 20/03/2021.