CONSTRUINDO UMA SOCIEDADE DE APRENDIZAGEM NA ECONOMIA DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO
- Contexto
O século XXI trouxe em seu bojo uma série de mudanças que nos autoriza falar em uma mudança de paradigma, estamos deixando a sociedade industrial para ingressar na sociedade do conhecimento. De fato, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) estão modificando as relações de produção na infraestrutura econômica mundial, com repercussões na superestrutura cultural, política, social e ambiental em escala planetária.
O mundo mudou e a humanidade está cada vez mais disposta a consumir bens e serviços imateriais. A economia está se desmaterializando, com o avanço das tecnologias digitais como a Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas (IoT), computação nas nuvens, novas ramos da economia estão surgindo como a economia criativa, colaborativa, circular, multimoedas, exponencial, solidária, gerando novos negócios inovadores e oportunidades de geração de trabalho, renda e inclusão social.
Infelizmente no Brasil, os jovens são pouco estimulados à ciência, principalmente, mulheres e meninas negras que não ocupam postos de trabalhos nas áreas de engenharia, sistema da informação e mesmo matemática. No cenário mundial, se o Brasil está entre as 15 nações que mais produzem conhecimento (artigos científicos) em relação a produção tecnológica ocupamos a modesta 70ª posição no ranking mundial das nações mais inovadoras.
Desde a obra de Schumpeter (SCHUMPETER, 1987) sobre o desenvolvimento capitalista, que sabemos da importância da inovação para a geração da riqueza de uma nação. Por sua vez, o Prêmio Nobel de Economia em 2001 Stiglitz (STIGLITZ, 2004), nos mostra que, depois da segunda guerra mundial, 7/8 da qualidade de vida gerada para a humanidade é decorrente da inovação tecnológica. A inovação tecnológica tem a capacidade de gerar externalidades positivas beneficiando toda a população. Segundo o Instituto Europeu da Criatividade a inovação é, em última análise, melhorar a condição humana, isto é, melhorar a vida das pessoas, as relações sociais, a vida nas cidades e no campo, e nossa relação com o meio ambiente.
Por estes motivos, os países desenvolvidos estão investindo muito em pesquisa e inovação, assim como na construção de regras mais rígidas de proteção à Propriedade intelectual, junto a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). Segundo Proener, a distância entre as nações ricas e pobres vai se dar, cada vez mais, na fronteira do conhecimento (PROENER, 2007).
Neste cenário de uma quarta revolução industrial temos que responder ao questionamento sobre quais pilares vamos erguer nossa civilização daqui para frente. Como fazer para que essa nova sociedade seja mais inclusiva e democrática, em vez de reproduzir a concentração de riqueza da sociedade industrial. A resposta encontramos em autores como Stiglitz (STIGLITZ, 2017), que defendem a criação de uma Sociedade da Aprendizagem na nova Economia do conhecimento.
Este é o desafio que estamos enfrentando desde 2010 quando chegamos a Pró-Reitoria de Pesquisa e pós-Graduação e depois na diretoria do Centro de Pesquisa CRDH/UNEB. Como formar recursos humanos para essa nova sociedade, preparando a sociedade baiana e brasileira para os novos desafios. Não adianta só dar bens materiais a população, se não dermos bens culturais (educação), a sociedade não saberá aproveitar as oportunidades geradas pelas novas tecnologias. Defendemos que a educação, além de ser um direito humano universal, ela é um bem de público, um bem de produção essencial ao desenvolvimento de qualquer nação.
Educar a população, seja através da educação formal, não-formal, informal essa é a nossa missão.
- O porquê?
Sou educador popular desde adolescência, mas foi como pró-reitor que percebi que os programas de pós-graduação e o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) não davam conta de um público beneficiário formado por grupos vulneráveis e pessoas com pouca informação sobre a temática. Como exemplo, grupos de dança popular procuravam a universidade para saber sobre economia criativa, mas eram considerados fora do escopo destes órgãos da universidade, mesmo dentro de uma concepção de inovação aberta. Quando deixei o cargo de pró-reitor, aprovei com o CNPQ um projeto para criação de uma Incubadora Universitária para empreendimentos populares e com a CAPES um Observatório da Educação, projetos que foram o embrião do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades (CRDH/UNEB), considerado estratégico para o desenvolvimento do Estado pela Resolução CONSU 1.247/2016. Fundei um centro de pesquisa como ambiente de inovação, para livre circulação de ideias, pessoas, tecnologias, projetos, processos, visando capacitar toda a sociedade par os novos desafios. Hoje podemos nos orgulhar do CRDH ser considerado uma boa prática pelo governo do estado e uma tecnologia social pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
- As grandes ideias
Percebemos logo no início do trabalho que desenvolvimento e direitos humanos são faces da mesma moeda. Não há como garantir direitos para todos e todas sem repensar o desenvolvimento econômico a partir de novos parâmetros. A educação é essencial em todos os aspectos, para a construção da cidadania, da democracia, do respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, além de ser um fator de produção decisivo na sociedade do conhecimento. É preciso investir na educação do nosso povo, tanto do ponto de vista cultural, mas da aprendizagem de novas técnicas e conhecimentos que possam ser aplicados ao desenvolvimento local. A ideia da sociedade de aprendizagem é justamente está, formar continuamente o cidadão para aproveitar as oportunidades que o Estado, o mercado e a sociedade civil oferecem.
Marcos legais. É importante frisar que desde 2004, com a Lei de inovação, o Brasil vem investindo na criação de um ambiente jurídico institucional capaz de favorecer a formação de projetos de inovação. Tivemos uma emenda 85 a constituição Federal, depois a Lei 13.243/216 e o Decreto 9.283/2018 que tratam do estímulo à pesquisa e CTI no país. Em 2021 o marco legal para as startups, além de outros marcos legais como o MIROSC, cultura, marco civil da internet. São todos marcos legais que podem ser aproveitados para gerar oportunidades de organização das comunidades locais e sua inclusão social e produtiva.
Essa organização vai se dar de diferentes formas e dependerá das condições locais e características de cada grupo. Nossa ideia é formar e gerir grupos para a constituição e Arranjos Produtivos Locais (APL), Distritos Criativos (DC), condomínios digitais, polos, entre outras formas de organização produtiva, visando a organização da cadeia produtiva, valorização dos produtos e atração de políticas públicas e investimento estatal.
Em nosso planejamento, estamos aplicando também os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável/Agenda 2030. Desde 2019, que trabalhamos com essa temática levando a discussão para o interior do Estado e criando planos de implementação dos ODS em organizações públicas, privadas e não governamentais. Depois da pandemia da Covid 19, existe uma expectativa internacional com relação a renaturalização da vida humana, ressignificando nossa relação com os alimentos e o meio ambiente, em vista disso, implantamos hortas agroecológicas urbanas como laboratório para a capacitação em ecoeducação, ecosocioeconomia e ecoterapia.
- Principais projetos em destaque
A criação do CRDH/UNEB é nosso principal projeto ao criar um ambiente de inovação e espaço multirreferencial de aprendizagem. Ao Observatório da educação e a Incubadora Universitária, foram adicionados outros laboratórios, perfazendo um total de 10 laboratórios abertos à sociedade. Em nosso centro de pesquisa, além da formação, podemos produzir vídeos e cinema, temos nossa webrádio universitária, temos um portfólio com mais de 20 projetos abertos a sociedade como a Feira de Economia Criativa e Cidadania; o Seminário de Metodologias Participativas, o seminário Bahia Sociedade 5.0, entre outros. Temos reconhecidas mais de 15 tecnologias sociais: fórum de empreendedorismo de negros e mulheres com base na Lei 13.208 de 2014 (que institui o fomento a este público); o Congresso de Turismo Étnico Afro (CONTEA), entre outros.
5. Principais dificuldades e pontos de virada
Falta de um ambiente institucional propício ao desenvolvimento de projetos, a lentidão da burocracia estatal e a falta de recursos financeiros são as grandes dificuldades da ação.
6. Principais entregas
Formação de recursos humanos para a sociedade, cerca de 5.000 pessoas por ano; disponibilização de uma infraestrutura tecnológica para pesquisa, ensino, extensão e inovação; disponibilização do espaço para reuniões dos movimentos populares; realização de atividades artísticas e culturais; desenvolvimento de tecnologias sociais que são incorporadas nas organizações; incubação de empreendimentos econômicos solidários; formação de mestres e doutores. Desenvolvimento de sistemas, doação de equipamentos para as comunidades.
7. Valor agregado e impacto
A partir da ação desenvolvida temos conseguido fortalecer a cidadania de muitas pessoas, valorizar os espaços democráticos, popularizar a ciência, tecnologia, inovação e o empreendedorismo. Gerar e preservar conhecimento, para difusão com toda a comunidade. Melhorar o desenvolvimento local de municípios no estado, prestar
8. Partes interessadas
Nosso público-alvo (interativo) são professores e estudantes da rede pública de ensino; estudantes e professores universitários; profissionais do terceiro setor e lideranças populares; profissionais de justiça e segurança pública; profissionais da mídia; empreendedores econômicos solidários; trabalhadores criativos. Agentes públicos e a sociedade em geral, são partes interessadas em nosso trabalho, especialmente, no que diz respeito a popularização da ciência, empreendedorismo e inovação. Recorremos a Lei Estadual 13.208 de 2014 que institui o fomento ao empreendedorismo de negros e mulheres na Bahia.
Todos os nossos projetos são feitos com transparência, com a discussão prévia com a comunidade, assinatura de termos de cooperação técnico científica, ata de fundação do projeto, divulgação com a imprensa e ampla divulgação dos resultados pelas redes sociais. Publicação de artigos e capítulos de livros, apresentação de relatórios e apresentações pública, assim como as Feiras de Tecnologia onde apresentamos toda a produção gerada em parceria com as comunidades.
9-10. Indicadores de esforços e resultados
Do ponto de vista quantitativo podemos destacar o número de pessoas capacitadas todos os anos (5.000); o número de atividades de formação por ano (20); as tecnologias sociais desenvolvidas (15); o número de laboratórios (10), o total de pesquisadores em todo o estado (120); as centenas de artigos e capítulos de livros produzidos. Do ponto de vista quantitativo, destacamos os projetos captados junto as entidades de fomento a visibilidade interna e externa do projeto.
11. Formação e premiações
Sou graduado em ciências econômicas (1984-1988) e direito (1991 a 1996) pela UFBA. Mestrado (1998 a 2000) e doutorado (2001 a 2006) em educação pela UFBA. Especialização em Administração pública - UEFS (1997); especialização em ética, desenvolvimento e capital social - INEAM/OEA (2004) e pós-graduação em direitos humanos - SEDH/PR (2005) e pós-graduação em gestão de projetos de pesquisa e pós-graduação – UNIRIO (2015). Pós-doutorado em direito - UFSC (2014 a 2015). Certificação internacional como gestor de projetos sociais – APMG (2015). Cursando graduação em Desenvolvimento e Análise de Sistemas e especialização em tecnologias educacionais pela UNEB.
Recebi mais de 20 premiações, destaco aqui a Medalha Thomé de Souza da Câmara Municipal de Salvador, o título de Cidadão de Camaçari e o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos do OEI/MEC/ SEDH-PR/UNDIME.
12. Principais experiências e cargos ocupados
Atualmente, ocupo o cargo de diretor do CRDH/UEB. Já ocupei os cargos de pró-reitor de pesquisa e ensino de pós-graduação (03 anos); diretor de departamento (04 anos); membro do CONSU e CONSEPE (07 anos). Membro da Câmara Técnica de Educação e Ciência Humanas (04 anos) e conselheiro (02 anos) FAPESB. Conselheiro nos conselhos de Proteção aos Direito Humanos e Recursos Hídricos (Bahia) e conselheiro de desenvolvimento e meio ambiente em Camaçari.
13. Principais competências
Acredito que a experiência anterior obtida junto aos movimentos populares e como dirigente de redes de organizações não governamentais me ajudaram muito a fazer um trabalho diferente na universidade.
14. Inovações
Nosso trabalho voltou-se para o desenvolvimento de tecnologias sociais compreendidas como tecnologias de baixo custo, fácil aplicabilidade, replicabilidade em outras realidades, verdadeiro impacto social, desenvolvida em parceria com as comunidades. Nesse sentido, são reconhecidas como inovações sociais de nosso grupo: a criação do centro de pesquisa como ambiente de inovação assim como todos os seus laboratórios; o portfólio com capacitações tecnológicas e científicas; a realização de 15 edições da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT); a criação da Feira de Economia Criativa e Cidadania (FECC), que atende a mais de 100 empreendedores. A criação do Fórum de turismo étnico afro com base na Lei 13.208 de 2014 (plano estadual de fomento ao empreendedorismo de mulheres e negros); a criação do Congresso de Turismo Étnico Afro (CONTEA) e criação das rotas de turismo étnico afro. A criação da biblioteca virtual Maat; a implantação de hortas agroecológicas urbanas. Tecnologias educacionais como as Incubadoras Tecnocriativas de Gestão Estudantil, a webrádio vinil e o portal de educação Mbote, são tecnologias sociais reconhecidas e premiadas.
15. Aprendizados obtidos
Em todos estes anos de trabalho aprendi que a solidariedade é um motor para a economia tão ou mais importante que a competição capitalista. O compartilhamento de informação e a formação de equipes para pensar os problemas da sociedade é vital. Além disso, é importante produzir, preservar e difundir conhecimento em coautoria com as comunidades beneficiadas. Ter humildade para sempre aprender e orgulho do que faço são grandes aprendizados. Vale destacar que – reconhecendo a importância da transformação digital – estamos realizando o curso de Desenvolvimento e Análise de Sistemas visando desenvolver sistemas para facilitar a vida das comunidades atendidas.
16. Inspirações para outras trajetórias profissionais e legados.
Nosso plano de trabalho para os próximos anos é trabalhar com os 17 Objetivos do Desenvolvimento sustentável (Agenda 2030), considerados como uma agenda global do desenvolvimento com metas até 2030, para estimular a ação nas três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e ambiental. A visão de futuro prevista nos ODS atende a um mundo de respeito universal aos direitos humanos, dignidade humana, democracia, ao Estado de Direito, à igualdade e à não discriminação, à educação para todos, respeitando a diversidade, ética da alteridade e multiplicidade de povos, que permita a plena realização do potencial humano e contribua para a prosperidade compartilhada.
Estamos, desde 2019 trabalhando com essa temática em organizações públicas, privadas e não governamentais, promovendo a difusão dos 17 ODS (menos de 40% da população brasileira conhece esses objetivos) e elaborando planos de ação de efetivação de um ou mais ODS.
Como juristas, reconhecemos a importância dos marcos legais para o desenvolvimento local sustentável. No Brasil nós temos hoje o ambiente jurídico institucional para desenvolvimento de ecossistemas locais de inovação baseados na Emenda Constitucional nº 85, Lei 13.243/2016 e Decreto 9.283/2018, que tratam do estimo à pesquisa e inovação no Brasil, marco legal para as startups, marco legal para organizações da sociedade civil (MIROSC). No plano estadual temos o novo marco legal para CTI na Bahia, Lei 14.315/2021 e a lei de inovação de Salvador, Lei ordinária 9.534/2020, que servirá de inspiração para outros municípios.
Nosso objetivo é capacitar organizações e lideranças locais, assim como prestar assessoria universitária a constituição desses ambientes de inovação. Fomentar a criação de Conselhos Municipais de CTI também faz parte de nossa estratégia. A inovação é um fator decisivo no desenvolvimento local e, para tanto, temos que investir numa sociedade da aprendizagem para enfrentar a economia do conhecimento.
A rede de pesquisadores do CRDH/UNEB, com certeza, dará continuidade ao meu legado quando eu não puder mais fazer isso, para tanto busco sempre inspirar o grupo ao criar um ambiente de cuidado com o outro e realização profissional
REFERÊNCIAS
PROENER, C. Propriedade Intelecutal: para uma outra ordem jurídica possível. São Paulo: Cortez, 2007.
SCHUMPETER, J. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
STIGLITZ, J. E. E. G. B. Rumo a um Novo Paradigma em Economia Monetária. São Paulo: Francis, 2004.
STIGLITZ, J. E. G. B. Por uma sociedade da aprendizagem: repensar o desenvolvimento, o crescimento e o comércio livre. Lisboa - Portugal: Bertrand Editora, 2017.