Comportamento nas Redes Sociais: O patrão pode impor limites?

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O empregador pode impor limites ao comportamento do seu funcionário nas redes sociais? E mais, esse limite pode ser imposto ainda que fora do ambiente e horários de trabalho?

Em tempos de coronavírus a vida virtual nunca foi tão “normal”. Que a gente já navegava nas redes sociais, tinha amigos virtuais, realizava reuniões por videoconferência e trabalhava em home office nós sabemos, o que não tínhamos ideia é de quão necessário é o mundo real, o contato humano e a falta que o dia a dia de convivência faz e a sua importância nas relações corporativas.

Antes mesmo de pensarmos em viver uma pandemia, as redes sociais já tomavam conta das nossas casas, ambientes de trabalho e de lazer e faziam parte da nossa rotina tanto quanto a atividade diária mais simples que possamos imaginar, estamos todos interligados, conectados e já não sabemos mais viver sem as redes sociais, afinal.

Não se pode negar, no entanto, que a vida virtual a que fomos obrigados viver em razão do isolamento social provocado pela covid-19 aumentou, ainda mais, o nosso tempo de uso da internet, nos colocando como utilitários mais assíduos das redes sociais que outrora éramos.

Quando o assunto é mundo virtual, as redes sociais podem ser sites e aplicativos que operam em níveis diversos, a exemplo dos aplicativos com enfoque profissional, de nicho ou de relacionamento, que permitem aos seus usuários o compartilhamento de informações entre pessoas e/ou empresas, a exemplo do Facebook, Twitter, LinkedIn e Instagram.

Segundo dados da pesquisa Digital in 2017, realizada pelo We Are Social, 58% da população brasileira acessa as redes sociais ao menos uma vez por mês, sendo o segundo país que mais passa tempo nas redes sociais - cerca 3h43min por dia, referente a um usuário – ficando atrás apenas das Filipinas, que possui a média de 4h17min [1].

A internet é rápida e eficiente, possibilitando que tenhamos na palma da mão um instrumento que pode ser avassalador, cujo poder é tamanho que, a depender do conteúdo que um único clique pode jogar no mundo virtual em questões de segundos, a vida do ser humano pode mudar totalmente.

O mundo conectado tem as suas vantagens, é claro! Nos economiza tempo, nos dá liberdade e facilita nosso acesso em maior escala. Porém, existem armadilhas na internet que se apresentam como situações corriqueiras e inofensivas, nos levando a cometer deslizes virtuais que podem custar caro e isso não é diferente quando o assunto é relação de trabalho.

O uso das redes modificou o cenário das relações trabalhistas e trouxe os seus usuários e as suas postagens aos Tribunais do Trabalho de todo o país para discutir questões como o direito de se expressar, a força probante de um post, ou a possibilidade de aplicar uma demissão por justa causa embasada em uma foto postada no Instagram, por exemplo.

As redes sociais servem, portanto, como um diário virtual onde o usuário pode utilizar daquele espaço eletrônico para discorrer sobre os mais diversos assuntos, desde a parabenizar um amigo, fazer homenagens a entes queridos através de fotos e músicas, elogiar um colega de trabalho ou escrever textos de amor.

Mas também é possível que a ferramenta seja utilizada como forma de expor suas angústias e ansiedades, além de servir como uma espécie de “muro das lamentações” onde o internauta fala sobre política, questões de gênero e raça e, até mesmo, sobre aquele patrão mal humorado e grosseiro e a empresa que não observa as regras trabalhistas. E é aí que mora o perigo.

Não se pode confundir o direito à liberdade de expressão com a prática de difundir palavras e ideias de cunho racista, sexista ou cujo teor seja baseado em Fake News que venha a sujar a reputação de um indivíduo e/ou uma empresa.

Deveras, os direitos do homem foram confirmados no século XVII, expandindo-se no século seguinte ao se tornar elemento básico da reformulação das instituições políticas, sendo atualmente denominados direitos humanos ou direitos fundamentais. O reconhecimento destes direitos básicos acaba por formar padrões universais de comportamentos mínimos e respeito ao próximo, observando as necessidades e responsabilidades dos seres humanos, estando vinculados ao bem comum.

Cada Estado tem seus direitos específicos, entretanto, os direitos fundamentais estão vinculados aos valores de liberdade e da dignidade humana, nos levando assim ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana, sendo considerados direitos inalienáveis do indivíduo e vinculado pela Constituição Federal como normas fundamentais, surgindo a necessidade da consolidação de obrigações erga omnes de proteção diante de uma concepção integral e abrangente dos direitos humanos que envolvam todos os seus direitos: civis, políticos, econômicos e culturais.

Buscando promover a tutela desses direitos, o Brasil tornou-se signatário de diversos tratados e convenções internacionais que versam sobre o tema, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tutelando não somente o direito à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana, como também o direito à liberdade de expressão e pensamento, o que compreende a proteção ao exercício da democracia que pode ser materializado através da busca, recebimento e divulgação de informações e ideais.

O direito à liberdade de expressão é direito fundamental garantido constitucionalmente, contudo é importante deixar claro que os direitos fundamentais não possuem caráter absoluto como muito se imagina, ou seja, embora a garantia a liberdade de manifestação do pensamento esteja elencada na Constituição Federal, o indivíduo não pode se valer desse status para mitigar o direito alheio.

Acredito que o leitor já tenha escutado ou mesmo já tenha proferido o seguinte dito popular: o direito de fulano termina quando o meu direito começa. E, bem verdade, o ditado é claro e não deixa qualquer dúvida quanto a essência dos direitos e garantias gozados pelo cidadão que devem caminhar de mãos dadas de forma que um não interfira no outro ou, então, estaríamos diante da supressão de garantias constitucionais.

Ora, o direito ou a liberdade de cada indivíduo deve ser pautada no respeito ao próximo e em observância aos limites do direito do outro. Não é possível, portanto, que eu me valha do meu direito de expressão para utilizar o perfil em determinada rede social com o intuito de propagar ódio entre as raças ou difundir imagens de tortura a homossexuais, por exemplo. Isso porque, o meu direito à liberdade de expressão ultrapassou o limite imposto a outro direito garantido constitucionalmente, o da igualdade a todas as raças e gêneros, o que me impossibilita de expressar pensamentos de ódio e desigualdade.

E no ambiente corporativo “liberdade de expressão” que esbarram no direito alheio não é novidade. Inúmeros casos vieram a público de empregadores que demitiram funcionários em razão de suas postagens em redes sociais, a exemplo do ocorrido no ano de 2018, quando a companhia aérea Latam Airlines Brasil demitiu um colaborador (que a época do fato sequer estava a trabalho), após vídeo ser divulgado nas redes sociais com conteúdo de desrespeito, constrangimento e palavras de baixo calão a um grupo de mulheres no evento da Copa do Mundo na Rússia.

Segundo a Latam, as imagens iam de encontro ao seu código de ética e conduta, motivo pelo qual a empresa

“repudia veementemente qualquer tipo de ofensa ou prática discriminatória e reforça que qualquer opinião que contrarie o respeito não reflete os valores e os princípios da empresa. A partir deste pressuposto, a companhia informa que tomou as medidas cabíveis” [2].

Além desse episódio lamentável, outro mais recente ganhou notoriedade na mídia. O casal que acusou um motociclista de furto no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, foi demitido das respectivas empresas em que trabalhavam. Segundo os seus empregadores, o designer e a professora de dança tiveram comportamentos incompatíveis com as diretrizes da empresa, afirmando em nota estar “tratando o assunto com toda a gravidade que ele merece” [3].

Basta vasculhar um pouco os sites de pesquisa e notícias que é possível encontrar reportagens sobre o assunto. Funcionários demitidos por mau comportamento nas redes sociais dos mais variados tipos – desde a postagem de fotos em que 02 funcionários aparecem com o pênis encostando na massa do pão dos sanduíches da Subway até publicações racistas como a do rapaz que, em um bloco de carnaval, pediu para tirar foto com outros 03 rapazes negros e em legenda dizia que teria o seu celular furtado por eles e o funcionário que foi fantasiado vestido como o meme ‘Negão do WhatsApp’ a festa de fim de ano da Salesforce – há muito tempo já não é novidade, infelizmente [4].

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Mas o empregador pode impor limites ao comportamento do seu funcionário nas redes sociais? E mais, esse limite pode ser imposto ainda que fora do ambiente e horários de trabalho?

A pergunta é capciosa, confesso, contudo, a importância do tema não me permite “fugir” de trazer aqui uma resposta ou, ao menos, tentar encontrar uma saída para uma pergunta tão direta a um assunto que possui tantas vertentes e pontos a serem analisados.

Em sentido lato sensu, de forma abrangente e direta, eu diria que não, que ao patrão não caberia impor limites no comportamento de seus funcionários nos seus perfis pessoas das redes sociais. Isso porque, de nada tem a ver a vida do funcionário para fora das paredes da empresa e permitir ao patrão o controle da rede social do empregado, seria também permitir o controle de sua vida.

Entretanto, a relação empregatícia não é tão “redondinha”, como dizemos em um bom português. Existem tantas vertentes a serem analisadas e observadas em uma relação social, qualquer que seja ela, que diminuir o vínculo entre empregado e empregador a simples estrutura laboral é fechar os olhos para as mais diversas conexões e desmembramentos desencadeados através de um contrato de trabalho.

A dinâmica do mercado de trabalho, as mudanças que permeiam as relações interpessoais e as inúmeras variáveis que afetam a vida em sociedade sugerem a necessidade de se esclarecer regras e normas. E é aí que entra a “rede social da vida”. As relações se conectam entre si e o comportamento de um indivíduo pode afetar tantos outros indivíduos, seja no cenário familiar, seja no cenário acadêmico e etc.

E o cenário laboral não foge a regra. As atitudes e comportamentos de um funcionário, sejam eles virtuais ou não, podem ferir a reputação de seu empregador, não só em relação aos demais empregados, mas também frente a toda a sociedade, vindo a trazer sérias consequências a empresa.

Imagine o caso relatado nesse texto, onde o casal do Leblon acusa injustamente um rapaz de furtar a bicicleta que, pasmem, era sua e a empresa em que os acusadores trabalham é conivente com esse tipo de atitude ou sequer se manifesta sobre o episódio? Ora, se a empresa não se importa com o comportamento de seus funcionários, ainda que extra laboral, ela se afasta dos princípios básicos de ética, moral, igualdade e dignidade da pessoa humana, promovidos pela Lei Maior o que, por óbvio, macula a sua imagem perante o mercado de trabalho e toda a sociedade.

Eu enquanto consumidora e provável usuária dos serviços ofertados poderia confiar em uma empresa que tem em seu corpo de funcionários indivíduos que agridem e insultam pessoas? Como posso acreditar em uma empresa que não se manifesta acerca de assuntos de cunho social de tamanha importância como o ocorrido no Leblon e se mantém inerte a situação?

A confiança entre consumidor e fornecedor é pressuposto sine qua non para fluir um bom relacionamento e ao haver essa quebra, ainda que por questões alheias ao exercício em si da empresa, o consumidor – leia-se sociedade – passa a olhar para aquele grupo agora sem o mesmo apreço e confiança depositados anteriormente.

O respeito ao indivíduo é condição fundamental para o desenvolvimento sustentável da sociedade e para o cumprimento dos princípios constitucionais. Por óbvio que as condutas que violam a legislação social, notadamente as atitudes aqui relatadas, constituem macro lesões que afrontam a própria existência do Estado.

Ora, a essência da Constituição Federal é a valorização do indivíduo em todas as suas dimensões, estando presentes o trabalho e o emprego e a garantia ao não retrocesso social, consubstanciando o direito do cidadão frente a ações contrárias às garantias sociais já estipuladas.

Daí porque determinadas postagens poderão resultar na demissão do empregador, caso haja o entendimento de que a postura do funcionário resultou em uma má conduta nas redes sociais, seja em razão da exposição desnecessária de fatos internos, seja no que tange ao constrangimento de colegas de trabalho, a exposição negativa da marca da empresa, ou mesmo outras publicações que possam gerar prejuízo a reputação do empregador, como posts polêmicos com conteúdo racista, sexista, misógino, homofóbico e etc.

 

_______________________________________

[1] Disponível em: https://resultadosdigitais.com.br/especiais/tudo-sobre-redes-sociais/. Acesso em: 26/07/2021.

[2] Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/latam-demite-funcionario-que-aparece-em-video-constrangendo-mulheres-na-russia.ghtml. Acesso em: 26/07/2021.

[3] Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/empresas-demitem-casal-de-jovens-acusados-de-racismo-no-leblon-25062203. Acesso em: 26/07/2021.

[4] Disponível em: https://emais.estadao.com.br/galerias/comportamento,confira-postagens-em-redes-sociais-que-resultaram-em-demissao,35905. Acesso em: 26/07/2021.

 

Sobre a autora
Adrielle de Oliveira Barbosa Ferreira

Advogada atuante nas áreas Trabalhista, Cível e Consumerista. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Católica doSalvador - UCSal. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Sócia no Ricardo Xavier Sociedade de Advogados. Professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UNIMAM -Centro Universitário Maria Milza. Mentora para a 1 fase do Exame de Ordem.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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