HISTÓRIA DO DIREITO E ANTROPOLOGIA

Exibindo página 1 de 2
22/10/2021 às 10:10
Leia nesta página:

Texto Base: Jorge Zaverucha em O que resta da ditadura: Relações Civil-Militares: o legado autoritário da Constituição de 1988[1]

Um processo de democratização pode ser, de acordo com a literatura, dividido em três fases, a da liberalização ocorre quando o regime autoritário começa a fraquejar e sinaliza sua intenção de realizar mudanças politicas, a transição ocorre quando novos atores políticos são incorporados ao processo de tomada de decisões, visando preparar a polis para eleições multipartidárias e, a consolidação democrática e um processo de fortalecimento de instituições e aprofundamento das instituições e da cultura democrática. Esta consolidação é alcançada quando a democracia tornase tão legitima e profunda, sendo muito improvável que venha a ser golpeada.

Tal divisão em fases tem seu mérito heurístico[2]: ajudanos a classificar os países. Contudo, pela sua falta de rigor metodológico, as duas primeiras fases liberalização e transição baseiamse, primordialmente, na concepção de democracia como competição eleitoral. Como o conceito de democracia não se esgota em eleições, estas divisões podem funcionar em países onde os direitos civis já foram bem assimilados. Neles, falar em direitos políticos implica, a previa existência de direitos civis. A trajetória histórica dos países latinoamericanos é diferente da experiência europeia e norteamericana. É um erro acreditar que a concepção sobre democracia seja a-histórica, isto é, valida para qualquer sistema politico independentemente do tempo.

A terceira fase, a da consolidação, não se refere primordialmente a liça eleitoral e, por isso mesmo, os critérios para sua avaliação são distintos das duas fases anteriores. Em países como o Brasil, onde avançamos muito mais nos direitos políticos do que nos civis e sociais, esta divisão trifásica ainda é problemática.

A Nova Republica[3] foi inaugurada sob o palio militar, neste ambiente, de forte presença politica militar, é que foi redigida a Constituição Federal de 1988. A Carta Magna mudou substancialmente a Constituição autoritária anterior (196769), mas manteve incólume vários dos artigos desta Constituição autoritária, referentes às relações civilmilitares e policiais. Por exemplo, quando os constituintes decidiram retirar a faculdade das Forcas Armadas de serem garantes da lei e da ordem, o general Leônidas ameaçou interromper o processo constituinte. Os constituintes recuaram, no texto final, mantiveram, por meio do artigo 142[4], o poder soberano e constitucional das Forcas Armadas de suspender o ordenamento jurídico sem precisar prestar contas a qualquer outra instancia de poder; ou seja, os militares podem dar um golpe de Estado amparados por preceito constitucional.

Impressiona o fato da coalizão de centrodireita que escreveu a Constituição de 1988 ainda controlar o Congresso Nacional. Os artigos da Constituição que versam sobre as Forcas Armadas e as forcas policiais foram perifericamente alterados, mantendose, deste modo, vários enclaves autoritários dentro do Estado.

Mesmo que a Constituição tenha sido emendada mais de sessenta vezes entre 19882008, em um ritmo superior a Constituição mexicana do Partido Revolucionário Institucional (PRI) é como se o Brasil estivesse se transformando em um governo dos legisladores em vez de um governo das leis. Vinte anos depois, este poder militar permanece constitucionalmente, praticamente, intacto e não ha sinais concretos de que esta situação possa ser alterada.

O Partido dos Trabalhadores, quando era oposição, apresentou três projetos para abolir a Lei de Segurança Nacional, nenhum deles foi desengavetado com a chegada do PT ao poder central. Nem Lula nem sua base parlamentar no Congresso procuraram desafiar a essência do poder militar, claramente denunciada pelo constituinte Lula em seu discurso no Congresso Nacional.

Este estado constituinte permanente dificulta o estabelecimento de um Estado de direito Democrático, pois as instituições coercitivas são constitucionalmente incentivadas a aplicar a lei de um modo semelhante ao que faziam em um contexto autoritário. As Forcas Armadas e a policia, de acordo com este desenho institucional, tornamse enclaves autoritários constitucionalmente sancionados. Sem esquecer que a Constituição de 1988, em pleno século XX, conservou a falta de uma das principais características do Estado moderno: a clara separação entre a forca responsável pela guerra externa (Exercito) e a Policia Militar encarregada da manutenção da ordem interna. Chegouse ao ponto de apagar do texto constitucional a expressão "policial militar", que foi substituída por "militar estadual", algo que o regime militar não ousou fazer.

  1. Trabalho avaliativo na forma resumo do texto. Faculdade Cidade Verde. 2018. Direito. Discente: Flávia Gutierrez. e-mail: [email protected]

  2. Diz-se que um método é heurístico quando leva o aluno a descobrir aquilo que se pretende que ele aprenda: maiêutica socrática é, por excelência, um método heurístico. Não devemos confundir heurística ou hipótese de trabalho com erística, do grego eristikos, que anima a disputa, a controvérsia. A erística é a arte da discussão e de manejar, no debate, sutilezas lógicas. APIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. Disponível em: https:sbgdicionariodefilosofia

    Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
    Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos
  3. A Nova República é um período da História do Brasil que tem início com o final da Ditadura Militar (1985) até os dias de hoje. Começa com a saída do general Figueiredo da presidência do Brasil e a entrada de um civil no cargo, José Sarney. Esta fase é conhecida como Sexta República, e faz referência ao nascimento de um novo período democrático, em oposição ao antigo governo que representava a censura, falta de democracia e repressão aos movimentos sociais. Principais características da Nova República: Redemocratização do Brasil; Retorno das liberdades sociais: imprensa, manifestação política, expressões artísticas e culturais, opinião e etc; Eleições diretas para presidente da República, a partir de 1990; Promulgação de uma nova constituição em 1988, que valorizou a democracia e o respeito os direitos do cidadão; Retorno do sistema político multipartidário (no regime militar só existiam dois, ARENA e MDB); Tentativas malsucedidas de combate à inflação durante o governo Sarney; Combate e controle inflacionário, através do Plano Real, no governo Itamar Franco (continuados nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma); Fortalecimento dos laços econômicos do Brasil com os países vizinhos no cone sul (Argentina, Uruguai e Paraguai) com a criação do Mercosul em 1991; Aumento das relações econômicas com países da África e Ásia, principalmente com a China; Criação de programas sociais voltados para as populações carentes; Aumento da influência do Brasil no cenário externo. Disponível em: https://www.historiadobrasil/brasil_republicano/nova_republica.htm

  4. São os artigos 142 e 143 que falam da instituição das Forças Armadas no Brasil. Logo no enunciado do artigo 142, vemos os objetivos das Forças Armadas assim postos: Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos