Direito e Sociedade no Oriente Antigo: Mesopotâmia e Egito[1]

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22/10/2021 às 10:32
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Introdução

A Mesopotâmia, região em que, grosso modo, atualmente é o Iraque, fica entre os vales dos rios Tigre e Eufrates. Suas primeiras cidades foram fundadas por volta de 5 mil anos aC na Suméria, nome dado ao sul da Mesopotâmia, e se transformaram em cidades-estados que controlavam as regiões ao redor. Por volta de 2,5 mil anos aC, a cultura suméria alcançou seu apogeu, estendendo-se desde as cordilheiras de Zagros e Tauro e do Golfo Pérsico ao mar Mediterrâneo. Os trabalhos artesanais floresceram; canais de irrigação desde os rios até os vilarejos e as cidades permitiram o cultivo de cevada, trigo, milho e gergelim. (para melhor ilustração consultar mapa Figura 1, pg 3).

Um sistema de escrita foi desenvolvido, primeiro com base na pictografia e, posteriormente, estilizado (cuneiforme). Essa escrita pode ser vista em pedras e tabuletas de argila encontradas na região. Os sumérios adoravam uma série de divindades e de 2,5 mil a 500 aC construíram grandes templos em torres de degraus conhecidos como zigurates (é provável que a lendária Torre de Babel, tenha sido um destes zigurates, na Babilônia).

Por volta de 2334 aC, Sargão da Acádia[2], conquistou a Suméria. A união das culturas passou a ser conhecida como Acádia. Posteriormente, o rei Hamurabi da Babilônia[3] (1792-1750 AC) conquistou a Suméria e a Acádia, criando um forte império. Ele é lembrado pelo seu código de lei, gravado em colunas de pedra e tabuletas de argila. Este é o mais antigo código desse tipo conhecido atualmente. Os hititas, um povo que falava uma língua indo-europeia e que havia se assentado na Ásia Menor por volta de 1,9 mil anos aC, conquistou a Babilônia em 1590 aC.

Figura 1 Mapa da Mesopotâmia (na Antiguidade)

Fonte: Site Prof. Alcides Amorim

Disponível em: <https://xchegraffitix.files.wordpress.com/2015/06/0-mapa-de-mesopotamia.jpg>

Dalal (2017) relata que a agricultura e a domesticação de animais (gatos, porcos, camelos e cães) se difundiram. Ferramentas de pedra mais desenvolvidas eram usadas, assim como ferramentas de cobre, bronze e a roda de oleiro. A arte e a construção se desenvolveram ainda mais, com isto, grandes centros urbanos despontaram na Mesopotâmia, Egito, Índia, Paquistão e no Mediterrâneo.

Vilas começaram a surgir ao longo do rio Nilo, cerca de 4 mil anos AC, que se agrupavam em dois reinos: Alto e Baixo Egito (que se tornaram um só através do rei Menés por volta de 3,1 mil anos aC). Trinta dinastias, agrupadas em Antigo Império, Médio Império e Novo Império. Fazia parte da civilização egípcia: um sistema avançado de governo, obras de irrigação, construções impressionantes, ciências da astronomia, matemática e medicina, calendário de 365 dias, escrita hieroglífica em monumentos e uma escrita hierática simplificada, além da invenção de folhas de papiro para a escrita.

Ainda segundo a autora, enormes pirâmides (tumbas) foram criadas, os mortos eram embalsamados, mumificados e enterrados no interior delas. Adoravam muitas divindades e traziam a sua arte naturalista escrita nas paredes das tumbas. As planícies férteis do Nilo permitiam o plantio de frutas, legumes e leguminosas, alí produziam-se além do vinho, também a cerveja.

A geografia da região mostrava-se como elemento vital para a durabilidade e êxito dessas civilizações. A proximidade de bacias hidrográficas permitia a existência de solo propício à agricultura, bem como a navegação fluvial, essencial para o transporte de mercadorias e sofisticação do comércio, E todos esses fatores contribuem para um crescimento mais acelerado da população dessas sociedades, bem como um maior desenvolvimento político e econômico[4].

Na política, ambas regiões possuíam a monarquia como forma de governo. Entretanto, enquanto o Egito possuía uma monarquia unificada, com um poder central bastante definido, pelo faraó, a Mesopotâmia optou pela fundação de cidades-estados, onde cada uma tinha seu governante, seus políticos até mesmo seu próprio exercito. Em comparação, destaca-se a durabilidade do sistema egípcio, que se manteve no poder por cerca de 3 mil anos[5].

Observando os aspectos econômicos, era comum que ambos utilizassem do plantio e do sistema de navegações. As cidades da Mesopotâmia dependiam do comércio em grau sensivelmente superior ao Egito, pois embora tivesse terras bastante férteis, enfrentava problemas de drenagem e contenção do avanço da vegetação desértica. Desta forma, observa-se que houve nesta região um maior desenvolvimento do direito privado, em comparando as duas civilizações[6].

Sociedade e o Direito

Não há direito fora da sociedade. E não há sociedade fora da história[7]. Por cidade, compreendia-se uma lugar cívico, de satisfação do homem no plano coletivo, desvinculada de aspectos como sobrevivência, alimentação e proteção contra um ambiente hostil[8]. A estrutura destes primeiros agrupamentos urbanos era tripartite: (i) cidade cercada por muralhas; (ii) subúrbio, extramuros; (iii) porto fluvial em que se praticava o comércio. A simples transmissão oral da cultura começa a se tornar insuficiente para a preservação da memoria e identidade dos primeiros povos urbanos, que já possuem uma estrutura religiosa, politica e econômica mais diferenciada. É nesse momento, portanto, que se consolida a passagem da verba volant para a scripta manent [9] [10]. O comércio é fundamental na consolidação das civilizações da Mesopotâmia e Egito. Distingue-se nesta fase, o rico do pobre. O direito insipiente, se confunde com a própria religião.[11]

É com estas palavras que o autor introduz a questão dos elementos de transição na sociedade e as manifestações do direito ao longo da história. Assim, pode-se classifica-lo em três grandes grupos, sendo:

  1. Direito Arcaico característico dos povos sem escrita

  2. Direito Antigo que surge com as primeiras civilizações urbanas

  3. Direito Moderno próprio das sociedades posteriores às Revoluções Francesa e Americana

Nesse lugar o Direito escrito encontra sua primeira forma de expressão, através de codificações como o Código de Ur-Nammu, as Leis de Eshunna, as de Lipit-Ishtar e a de Hamurabi[12].

Código de Ur-Nammu

A queda do império arcádico veio com a recuperação da hegemonia suméria, por intermédio da refundação do primeiro império, agora com sede na cidade de Ur. É nesse momento que surge o primeiro documento escrito da historia do Direito, que pode ser descrita como um meio-termo entre o direito fortemente concreto das sociedades arcaicas e as formas abstratas e gerais que caracterizam o direito moderno. No texto, pode se encontrar duas grandes classes de pessoas, os homens livres e s escravos, além da classe intermediária que seriam os funcionários dos palácios reais e templos, que possuíam liberdade limitada[13].

De acordo com Silva (2013), relata-se que:

O Código de Ur-Nammu é promulgado no período da Mesopotâmia Renascentista (...) esse texto normativo versou sobre todos os assuntos possíveis de serem tratados em um Código e serviu de inspiração para a laboração do Código de Hammurabi. Ur-Nammu estabeleceu que pelo poder de Namma, senhor da cidade de Ur e, de acordo com a palavra de Utu e em assim fazendo considerou-se preparado para estabelecer igualdade da Terra, banindo a maldição, a violência e a fome. Uma das pretensões de Ur-Nammu foi reprimir a violência e o instinto natural humano de vingança. Fundado na terceira dinastia de Ur, foi seguido pelo Código da Cidade de Eshnunna.[14]

Leis de Eshunna

Eshunna, o mais extenso e completo código (possui sessenta artigos), traz uma simbiose entre as matérias de civil e penal que caracterizará o Código de Hammurabi. O documento já contempla institutos complexos à responsabilidade civil, ao direito de família e à responsabilização de donos de animais por lesões corporais seguidas de morte[15].

Ainda de acordo com Silva (2013):

O Código de Leis de Eshnunna, escrito em 1930 a.C., tem o nome relacionado à cidade de Eshnunna e não ao legislador. A cidade de Eshnunna existiu no vale Diyala na Mesopotâmia antiga, hoje sítio arqueológico de Tell Asmar, situado na Província de Diyala no Iraque. As compilações das Leis de Eshnunna, com sessenta artigos, estão em duas estelas (colunas de pedra) guardadas pelos governantes da cidade de Tell Armar. Foi no período entre a queda da dinastia de Ur e o começo do reinado de Hammurabi que Eshnunna conheceu momentos de grande expansão territorial, e conseguiu entrar de maneira determinante no cenário político da Babilônia.

O Código de Leis de Eshnunna, que também foi utilizado como base normativa para a elaboração do Código de Hammurabi, trata de muitas matérias, com destaque para as regras relacionadas ao funcionamento do palácio e do reino de Eshnunna, às Cortes de Julgamento, a intervenção estatal no domínio econômico para conter preços de alimentos, ao casamento, ao divórcio e à escravidão que era prática costumeira da época[16].

Leis de Lipit-Ishtar

Acerca das leis de Lipit-Ishtar, Silva (2013) acrescenta:

Por volta de 1.880 a 1.870 a.C., aproximadamente, o Rey Lipit-Ishtar de Isin, quarta dinastia da Babilônia, compilou o Código de Lipit-Ishtar, cujo prólogo indica que as normas eram concebidas, na época, como manifestações de autopromoção do Rei, que afirmava que fora designado pelas grandes divindades para reinar sobre o país e estabelecer a justiça, fazer desaparecer os motivos de queixas e expulsar por meio da força dos exércitos armados os inimigos e os rebeldes, e trazer o bem-estar aos habitantes de Isin.[17]

Código de Hammurabi

Mendez Kersten (2007), apresenta o Código de Hamurabi como uma compilação de 282 leis da antiga Babilônia, escrito cerca de 1770 anos a.C. É visto como a mais fiel origem do Direito, sendo a legislação mais antiga de que se tem conhecimento, e o seu trecho mais conhecido é a chamada lei de talião. Hugo Winckler (1863-1913), arqueólogo e historiador alemão, faz a divisão do Código de Hamurabi em quatorze partes:

  1. Encantamentos, juízos de Deus, falso testemunho, prevaricação dos juízes. (parágrafos 1 a 5)

  2. Crime de furto e rapina, reivindicação de móveis. (parágrafos 6 a 25)

  3. Direitos e deveres dos oficiais, dos gregários em geral. (parágrafos 26 a 41)

  4. Locação em regime geral dos fundos rústicos, mútuos, locação de casas, doações em pagamento. (parágrafos 42 a 65)

  5. Relação entre comerciantes e comissionários. (parágrafos 100 a 107)

  6. Regulamento das tabernas (taberneiras prepostas, polícia, penas e tarifas). (parágrafos 108 a 111)

  7. Obrigações (contratos de transportes, mútuos), processo de execução e servidão por dívidas. (parágrafos 112 a 119)

  8. Contratos de depósitos (parágrafos 120 a 126)

  9. Injúria e difamação (parágrafo 127)

  10. Matrimônio e família, crimes contra a ordem da família, contribuições e doações nupciais, sucessão. (parágrafos 128 a 184)

  11. adoção, ofensa aos genitores. Substituição do recém-nascidos. (parágrafos 185 a 195)

  12. Crimes e penas (lesões corporais) talião, indenização e composição. (parágrafos 196 a 214)

  13. Médicos e veterinários, arquitetos e barqueiros (mercês, honorários e responsabilidade), choque de navios. (parágrafos 215 a 240)

  14. Sequestro, locações de animais, trabalhos nos campos, pastores, operários. Danos, furtos de utensílios para água, escravo (ação redibitória, responsabilidade por evicção, disciplina). (parágrafos 241 a 282)

O código abrange quase todos os aspectos ligados á dinastia da sociedade babilônica, desde penas definidas com precisão de detalhes até institutos do direito privado, passando, ainda, por uma rigorosa regulamentação do domínio econômico. Apresenta ainda, uma das principais fontes históricas disponíveis para o estudo da antiga Mesopotâmia[18]. Observa-se supreendentemente que nele se tratava do direito penal, direito de família e regulava o direito privado, oferecendo várias modalidades de contratos e negócios, pois já se sabe que na Mesopotâmia eram praticados a compra e venda, arrendamentos e depósitos. Havia ainda, a previsão de empréstimos a juros, títulos de crédito, operações de caráter bancários e sociedade de comerciantes[19], isto tudo, a quase cinco mil anos atrás.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COULANGES, Fustel. A cidade Antiga. Ed. Martin Claret. 2009

DALAL, Roshen. A compacta historia do mundo: volume 1; tradução de Maurício Tamboni. São Paulo : Universo dos Livros, 2017.

MENDEZ KERSTEN, Vinicius. O Código de Hamurabi através de uma visão humanitária. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 42, jun 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4113>. Acesso em maio 2018.

PALMA, Rodrigo Freitas. Historia do Direito. Editora Saraiva. 4ª Ed. 2011.

PITTA, Valter. O fascinante universo da historia. Acessado em: 30/05/2018. Disponível em: http://universodahistoria.blogspot.com/2010/07/sargao-i-o-grande.html

SANTIAGO, Emerson. Código de Hammurabi. Acesso em 29/05/2018. Disponível em: https://www.infoescola.com/historia/codigo-de-hamurabi/

SILVA, Luzia Gomes. Direitos Humanos: análise do surgimento do estado como sociedade e a herança das antigas civilizações. Site: Conteúdo Jurídico. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,direitos-humanos-analise-do-surgimento-do-estado-como-sociedade-e-a-heranca-das-antigas-civilizacoes,43113.html

WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de Historia do Direito. Ed. Del Rey. 4ª Ed. 2008.

  1. Cap. 2 da obra: Fundamentos de História do Direito, organizado por WOLKMER, A. C., escrito por Cristiano Paixão Araújo Pinto

  2. Sargão (do acádio Sharrum-kin: "rei legítimo" ou "rei verdadeiro") teria sido um líder militar incomparável, além de enérgico administrador, responsável por sucessivas conquistas na região que hoje se estende do sul do Iraque até o norte da Síria, incluindo o Líbano e, também, o sul da Turquia.

  3. Hamurabi (1792-1750 a.C.) foi o sexto rei da primeira dinastia da Babilônia e comandou seus exércitos nas conquistas das cidades de Akkad, Elam, Larsa, Mari e da Suméria. Assim, ele criou o Império Babilônico de modo muito semelhante ao faraó Menes, que, mais de mil anos antes, também unira os dois Egitos sob uma única coroa.

  4. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 20

  5. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 22

  6. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 24

  7. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 14

  8. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 15

  9. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 17

  10. verba volant, scripta manent : As palavras voam, os escritos permanecem. Provérbio de grande atualidade que aconselha prudência em pronunciamentos comprometedores e na assinatura de contratos bilaterais. Dicionário de Latim. Disponível em: https://www.dicionariodelatim.com.br/verba-volant-scripta-manent/

  11. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 18

  12. PALMA, Rodrigo Freitas. Historia do Direito, p. 41-42

  13. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 27-28

  14. SILVA, Luzia Gomes. Direitos Humanos: análise do surgimento do estado como sociedade e a herança das antigas civilizações. Site: Conteúdo Jurídico.

  15. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 28

  16. SILVA, Luzia Gomes. Direitos Humanos: análise do surgimento do estado como sociedade e a herança das antigas civilizações. Site: Conteúdo Jurídico.

  17. idem

  18. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 29

  19. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Fundamentos de História do Direito, p. 30-31

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