Introdução
Não há como falarmos em Direito Penal sem termos, antes de falar na pena em si, com olhos voltados ao comportamento da sociedade a que o Direito Penal se destina. A ação humana pode produzir resultados positivos, omissos ou negativos, conforme o que a sociedade em que este se encontra inserido assim o percebe.
O elemento social nesta análise é de suma importância, pois seguramente a cultura, e a geopolítica geradora do entendimento penal, representam um grande peso ao resultado. Seria ilógico, por exemplo acreditar que as leis terão a mesma interpretação, e redação, no Brasil, e no Egito, ou no Egito e na Itália, ou mesmo na Itália e nos Estados Unidos.
Um exemplo deste desalinhamento normativo é o porte e a posse de armas tipificados no Código Penal Brasileiro, com possibilidade de pena de reclusão, e multa. Já nos Estados Unidos o porte e a posse de armas são protegidos constitucionalmente como um direito, desde o século XVIII.
Estas características, sociedade e geopolítica, como vimos, se faz importante para que a partir da inserção a que o indivíduo está possamos entender a motivação que age no sentido de determinado resultado.
O trabalho tratará o fato típico, com olhos voltados à teoria finalista, e desta forma poderemos entender como ocorrerá a lógica e o raciocínio de um jurista, no momento em que se deparar com uma eventual possibilidade de delito.
1. Fato Típico.
Sem sobra de dúvidas fato típico compõe a raiz do direito penal, sendo este o primeiro elemento do crime, dentro de um cenário onde conceituamos o crime de acordo com um critério analítico, conforme os elementos que o compõe.
Segundo o critério analítico, citado, o crime e composto de três elementos, sendo estes os fatos típicos, ilícitos e culpável, sendo que como podemos ver o fato típico é categorizado como o primeiro elemento do crime, porém, não basta que o fato seja típico para que se identifique um crime, este deve ser ele igualmente ilícito e culpável.
O fato típico, o primeiro elemento do crime, ele também e composto por outros elementos, sendo basicamente quatro elementos, conduta, resultado, nexo causal, e tipicidade.
Na análise de uma ação, frente a possibilidade de crime, devemos nos ater ao fato de que a inexistência de qualquer um dos quatro elementos citados, o ato não configura crime, por se tratar de um fato atípico, ou seja, falta um dos elementos que o caracterizaria como típico, e por consequência crime.
2. Os quatro elementos do fato Típico.
No Fato típico o primeiro ponto que devemos analisar é a conduta, e dentro do ordenamento jurídico brasileiro, o conceito adotado trata-se do finalismo, ou teoria finalista, e dentro desta teoria temos que a conduta é apenas um comportamento humano, uma ação, ou omissão dirigida a uma finalidade.
Vale aqui ressaltar que esta teoria se contrapõe a teoria do causalista, ou a teoria clássica, onde a conduta é classificada como toda ação que produz um resultado para o mundo exterior, independente do dolo ou culpa. Para esta linha o dolo e a culpa são elementos que não estão alojados na análise de conduta, mas sim na culpabilidade. Para os adeptos desta linha, a conduta do sujeito seria penalmente relevante, independente do colo ou da culpa, pois o dolo e a culpa seriam analisados no crime, na culpabilidade.
A diferenciação entre as duas teorias está no fato de que na teoria finalista o dolo e a culpa fazem parte do fato típico, analisados na conduta, desta maneira para o nosso ordenamento jurídico o fato típico é composto pela conduta, e esta conduta pode ser classificada como dolosa, ou culposa, omissiva ou comissiva.
Neste sentido, Victor Leal Nunes (apud NUCCI, 2019, capítulo XIV, item 1.3):
Tal como o causalismo, o finalismo vê no delito, analiticamente, uma ação típica, antijurídica e culpável. Mas, como este sistema advém de uma concepção finalista da conduta, é na teoria da ação que se situa a diferença entre os dois sistemas.
O segundo elemento no fato típico é o resultado, que pode ser naturalístico ou jurídico. Naturalístico é o resultado que produz efeitos e modificações no mundo externo, e como tal podemos citar o crime de homicídio, já o resultado jurídico fala sobre a conduta que produz descumprimento da norma.
O terceiro elemento de que trataremos fala sobre o nexo causal, o liame que existe entre a conduta e o resultado.
Por fim temos a tipicidade que é o último elemento do fato típico, sendo a alocação do fato na norma penal incriminatória, basicamente temos duas categorias de tipicidade, a formal e a material. A tipicidade formal e o encaixe perfeito da norma jurídica ao fato penal, a conduta. A tipicidade material, é a comprovação de que a conduta lesou bem jurídico fundamental.
3. Teoria Finalista
Como vimos no item anterior, o primeiro elemento que analisamos quanto ao fato típico é a conduta, no momento do exposto tratamos superficialmente da teoria Causalista, e da Teoria Finalista, no entanto, vamos agora nos aprofundar um pouco mais na teoria finalista, visto que esta é a mais integrada com o ordenamento jurídico brasileiro.
O entendimento de que a ação é definida como o exercício da atividade final, e que desta forma trata-se de uma conduta dirigida a um fim ou objetivo, e a base da teoria que se apresenta.
O sistema finalista foi idealizado por Hans Welzel, seu formulador mais destacado, que tem por principal característica a percepção dos efeitos originários da ação, e desta maneira ele nos apresenta o seguinte
A ação humana é exercício de uma atividade final. A ação é, portanto, um acontecimento final e não puramente causal. A finalidade, o caráter final da ação, baseia-se no fato de que o homem, graças ao seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as possíveis consequências de sua conduta, designar-lhe fins diversos e dirigir sua atividade, conforme um plano, à consecução desses fins. Graças ao seu saber causal prévio, pode dirigir seus diversos atos de modo que oriente o suceder causal externo a um fim e o domine finalisticamente. A atividade final é uma atividade dirigida conscientemente em razão de um fim, mas é a resultante causal da constelação de causas existentes em cada momento. A finalidade é, por isso dito de forma gráfica vidente, e a causalidade, cega. (WELZEL, 2001, p. 27).
Desta maneira, no que se refere ao dolo e a culpa na teoria do finalismo o entendimento destes elementos migrou para a tipicidade, e como consequência este dolo passa a ser identificado pelo dualismo vontade e consciência, de maneira natural, enquanto o crime culposo uma análise, em certo sentido, até mais severa, conforme nos apresenta:
O princípio do qual derivam os delitos culposos pode ser formulado, do modo mais conciso e correto, pelo adágio latino: Quidiquid agis, prudenter agas et respice finem (em que a palavra finis não se refere ao fim perseguido pelo agente, mas ao final ou ao desenlace). Os delitos culposos baseiam-se também na consideração da ação humana como uma obra: a vontade, que, partindo do fim, seleciona os meios da ação, necessários para a sua consecução, deve atender na seleção e utilização dos meios às consequências que estes possam produzir, juntamente com o fim ou em seu lugar. Nesse ponto intervém o ordenamento jurídico, e ordena que, na realização de toda ação que possa ter consequência. O conteúdo decisivo do injusto dos delitos culposos consiste, por isso, na divergência entre a ação realmente empreendida e a que deveria ter sido realizada em virtude do cuidado necessário no tráfego. Consiste, sobretudo, no desvalor da ação, enquanto o desvalor do resultado produzido (a lesão ou o perigo de lesão a um bem jurídico) tem apenas uma significação restritiva, delimitadora, ao destacar, entre as condutas que não correspondem ao cuidado devido, aquelas que têm relevância para o Direito Penal (WELZEL, 2001, p. 76-77)
Para podermos tornar mais claro o entendimento, tomemos como exemplo a seguinte situação:
Imagine que João está atrasado para o trabalho, e para que não sofra as penalidades no serviço, ele dirige acima da velocidade permitida, sem se dar conta do carro se aproximando uma criança atravessa a rua em busca de uma bola. João não consegue parar o carro, e atropela a criança que vem a óbito.
Seria certo dizer que João quando saiu de casa não tinha a pretensão de matar a criança, mas ele assumiu o risco ao conduzir seu carro acima da velocidade permitida, este assumir o risco está servida de intenção, ainda que a finalidade não fosse a de produzir este resultado.
Outra consequência relevante do finalismo que merece destaque, para os fins a que se destina este estudo, é a contribuição relevantíssima em termos de dogmática no tocante ao desvalor da conduta (injusto pessoal), que é erigido ao patamar de elemento constitutivo do injusto penal (BITENCOURT, 2014, p. 268; ROXIN, 1997, p. 997). Em nossa ótica, a relevância do desvalor da conduta é a pedra de toque para a compreensão dos delitos culposos, especialmente porque é este elemento que traz o conteúdo decisivo do injusto culposo, sendo que o desvalor do resultado tem como característica a delimitação das condutas que têm ou não relevância na seara penal (WELZEL, 2001, p. 76-77).
Para muitos críticos, Welzel apesar de diferenciar o injusto culposo e o injusto doloso, existe uma falha no tratamento dado ao crime culposo, visto que ainda que se observe o fim, as ações não se tratam de uma condução direcionada ao fim.
Outra característica que a teoria finalista nos apresenta e que a Antijuridicidade migra para a tipicidade, uma tipicidade material, onde devemos considerar uma relevante ofensa produzida ao bem jurídico. Segundo (WELZEL, 2001, p. 90) o objeto da consciência do injusto não é o conhecimento da disposição penal ou da punibilidade do fato, mas a compreensão do autor de que sua conduta é juridicamente proibida
4. Conclusão
Como podemos analisar a Teoria Finalista a conduta é sempre dirigida a uma finalidade, e desta maneira é feita a análise da ilicitude da conduta adotada, pois por sermos indivíduos dotados de raciocínio e consciência, conseguimos avaliar o resultado que será alcançado com as nossas condutas.
Desta maneira se um delito é tipificado ele eventualmente pode possuir uma justificável, como é o caso de estado de necessidade, ou legitima defesa, mas do contrário uma vez tipificado é sinal de que foi encontrado o dolo e a culpa que o justifique.
Ao analisarmos o fato jurídico que indica o fato típico nos tempos como elemento dá a potencial consciência da ilicitude.
A lógica científica que embasa esta linha de entendimento é que todos fazemos algo com algum objetivo, por exemplo, agora o objetivo que me leva a estar digitando este trabalho, é a finalidade de aprender e me tornar em um futuro próximo advogada, ou seja, todas nossas ações possuem uma intensão.
Como nos foi permitido verificar para Welzel, e posteriormente o nosso ordenamento jurídico veio a se alinhar com o conceito, toda ação praticada pelo homem, sendo ela livre e consciente possui em si uma finalidade que se encaminha de maneira a pactuar com a lógica da vontade da ação, e desta maneira este ato é de interesse jurídico-penal, pois é justamente a finalidade, a intenção do ato humana dirigida pela vontade do feito.
Promovendo uma linha de conexão, podemos dizer que a teoria finalista nos apresenta uma análise quanto os resultados do livre arbítrio, sendo o resultado o fundamento da culpabilidade, e como consequência da responsabilidade jurídica, segundo o ordenamento.
Esta relação entre a culpa, a ação, a finalidade da ação, a responsabilidade jurídica, conectado a possibilidade de punição prevista em lei, sendo estas relações necessárias para garantir os valores éticos-sociais para o grupo a que aquela lei representa.
5. Bibliografia
Bitencourt, C. R. (2019). Código penal comentado. São Paulo: SaraivaJur.
CAPEZ, F. (2009). Curso de Direito Penal (13ª edição ed.). São Paulo: Saraiva.
NUCCI, G. d. (2019). Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.
Oliveira, D. R. (12 de 2012). Culpabilidade, livre-arbítrio e responsabilidade jurídica: notas sobre o pensamento jusfilosófico de Hans Welzel. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca. Acesso em 27 de 09 de 2021, disponível em http://www.revista.direitofranca.br/index.php/refdf/article/view/183
Roxin, C. (1997). Estudos de Direito Penal. São Paulo: Renovar.
WELZEL, H. (2001). O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. São Paulo: Revista dos Tribunais.