1. INTRODUÇÃO
Como uma das mais acentuadas preocupações mundiais da atualidade é a busca pela garantia da preservação de bens da ocorrência de infortúnio, crescem, a cada dia, a contratação de seguros, os quais estão cada vez mais se aperfeiçoando as necessidades dos segurados.
Dentre as tantas modalidades de Seguro, surge em meados dos anos 90 no Brasil, e se intensifica contemporaneamente em razão dos acontecimentos no tocante à crise institucional e sistemática que assola o País e o desdobramento da responsabilidade para de Altos Executivos de empresas, a comercialização do Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil para Diretores e Administradores (Seguro RC D&O), cobertura securitária protege o patrimônio de Altos Executivos quando responsabilizados, judicial ou administrativamente, por decisões decorrentes de atos regulares de sua gestão que causarem danos materiais ou morais à terceiros.
Como tem gênese em estados estrangeiros, a exemplo dos EUA e Inglaterra, a base de operacionalização desse contrato de seguro, incluindo conceitos, sistemática básica de funcionamento e algumas consequências decorrentes da pactuação, é não doméstica. No setor privado, o Direito Interno prevê normais regrais sobre a contratação do seguro, e regras convencionadas entre os próprios contratantes completam a conclusão do negócio jurídico.
Acontece que quando a contratação deste tipo específico de seguro envolve Administração Pública, em razão da incidência mais intensa do Direito Público na contratação, inúmeros debates surgem inclusive quanto a possibilidade do implemento desse contrato na seara do Poder Público no que tange particularmente às empresas públicas e sociedades de economia mista.
Questiona-se se há viabilidade jurídica desse tipo de contrato por aquelas empresas estatais, já que, em que pese algumas tentativas isoladas de regular tal contratação pelas estatais e que não foram suficientes, a única previsibilidade legal autorizadora para existência de tal contratação se baseia na redação limitada do art. 17, § 1º, da Lei 13.303/2016, não definiu os limites e alcances da contratação.
Tal legislação trouxe apenas a possibilidade de contratar o aludido seguro, mas não trouxe os pormenores para efetivação de tal contrato no âmbito da Administração pública, culminando assim na concessão de ampla margem de discricionariedade subordinada às vontades do administrador da coisa pública, violando assim violações aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Pensando nisso, a pesquisa irá se direcionará, no primeiro capítulo, a apresentar a insuficiência normativa de Direito Interno para regular essa prática contratual quando a Administração Pública é contratante, motivo a tal violação principiológica, passando por um breve contexto do surgimento da prática contratual até a indefinição quanto a ausência de disciplinamento específico do RC D&O pelas estatais.
No segundo, será examinado a natureza jurídica dos contratos em geral, atentando sobre as peculiaridades dos de Direito privado e os Administrativos, buscando traçar um paralelo entre eles e extrair a essência distintiva que ocasiona uma peculiaridade do contrato de seguro no âmbito da administração Pública.
E no último capítulo, discorrer-se-á sobre os princípios, distinguindo-os de regra, a que fazem parte do gênero norma, apresentado os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, que servirão de parâmetro para observação de violação do ordenamento jurídico ante a insuficiência normativa de Direito Interno para regular tal contratação de seguro e existência de uma prática contratual implementada sem margem limitativa de autonomia de vontade para contratar.
A vista disso, perceberá que a investigação será desenvolvida sob método de pesquisa qualitativo, apoiando-se na coleta de dados por revisão bibliográfica de doutrinas especializadas em assuntos securitários, direito constitucional, administrativo e empresarial, as quais possibilitaram o resultado da pesquisa.
Desde 1956 Era J.K - o Brasil passa pelo período desenvolvimentista culminando na execução de projetos que incentivaram atuação da administração paralela buscando dentre outras metas, a desburocratização da Administração Pública.
O decreto-lei nº 200 de 25 de fevereiro de 1967, por sua vez, trouxe uma enorme reforma organizacional na Administração pública, estabelecendo diretrizes dentre as quais se encontra a descentralização das atividades do Estado, viabilizando o surgimento de categorias dotadas de personalidade jurídica própria, nas quais se incluem a empresa pública e sociedade de economia mista.
Ademais, o art. 173 da Constituição Federal trouxe a previsão de operabilidade dessas estatais, o que mais tarde foi complementado com a edição da emenda constitucional nº 19/98, acrescentado àquele texto magno a disciplina geral referente ao estatuto jurídico dessas sociedades.
Em virtude de vários acontecimentos envolvendo desvios do exercício da atividade legal e o fim do interesse público por agentes estatais, a Nação brasileira, na busca pelo combate à corrupção sistêmica nacional, vem executando Ações repressivas por intermédios de seus Órgãos oficiais para combate desse tipo de ilegalidade.
A exemplo, constatou-se a maior investigação realizada pela Polícia Federal no Brasil, qual seja, a operação lava jato, esta que por seu turno, deu ensejo a mais de mil mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, na busca de apurar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina. (EBC, 2016).
Além dessas ações investigativas, era certo que as responsabilidades pelos atos ilícitos praticados teriam tratamento no plano legislativo. Uma dessas medidas a qual a Constituição previu foi que:
Art. 173 omissis.[...]
§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. (BRASIL, 1988).
Nesse interregno temporal conturbado ocorreu certa intensificação na apuração de responsabilidades de agentes públicos pela prática de atividades criminosas, principalmente com o descoberta e desarticulação de esquema ilegal na maior empresa estatal do País, qual seja, a Petrobrás.
Ainda nesse tempo, houve a rápida aprovação do projeto de Lei nº 4918/2016, que mais tarde se tornaria a Lei das estatais, que inclusive coincidiu com a condenação em processo de impeachment no qual foi réu a ex-Presidente da República, Dilma Rousseff1, por crimes de responsabilidade por pedaladas fiscais e por liberação de créditos suplementares sem autorização legislativa.
E foi nesse contexto que surgiu a Lei 13.303/2016 Lei das estatais que visou disciplinar o estatuto jurídicos das empresas estatais e trazer disposições mais abrangentes sobre atividade das empresas estatais. Na oportunidade, mesma Lei trouxe o disciplinamento de atuação e limitação dos agentes públicos que tratam essas empresas.
1 O processo de Impeachment de Dilma Rousseff teve sua votação na Câmara dos Deputados no dia 17 de abril de 2016. Por maioria de votos, o processo seguiu para a primeira votação no Senado Federal, no dia 12 de maio do mesmo ano, onde foi decidido pelo afastamento de 180 dias da então presidente Dilma Rousseff. POZOBON, Rejane de Oliveira Pozobon; DAVID, Carolina Siqueira de. Impeachment de Dilma Rousseff: análise das estratégias argumentativas de Veja e CartaCapital após a votação na Câmara dos Deputados. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/intexto/article/viewFile/69633/41266>. p. 174. Acesso em: 09. set. 2021.
A exemplo, constatou-se a maior investigação realizada pela Polícia Federal no Brasil, qual seja, a operação lava jato, esta que por seu turno, deu ensejo a mais de mil mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, na busca de apurar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina. (EBC, 2016).
Além dessas ações investigativas, era certo que as responsabilidades pelos atos ilícitos praticados teriam tratamento no plano legislativo. Uma dessas medidas a qual a Constituição previu foi que:
Art. 173 omissis.[...]§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. (BRASIL, 1988).
Nesse interregno temporal conturbado ocorreu certa intensificação na apuração de responsabilidades de agentes públicos pela prática de atividades criminosas, principalmente com o descoberta e desarticulação de esquema ilegal na maior empresa estatal do País, qual seja, a Petrobrás.
Ainda nesse tempo, houve a rápida aprovação do projeto de Lei nº 4918/2016, que mais tarde se tornaria a Lei das estatais, que inclusive coincidiu com a condenação em processo de impeachment no qual foi réu a ex-Presidente da República, Dilma Rousseff1, por crimes de responsabilidade por pedaladas fiscais e por liberação de créditos suplementares sem autorização legislativa.
E foi nesse contexto que surgiu a Lei 13.303/2016 Lei das estatais que visou disciplinar o estatuto jurídicos das empresas estatais e trazer disposições mais abrangentes sobre atividade das empresas estatais. Na oportunidade, mesma Lei trouxe o disciplinamento de atuação e limitação dos agentes públicos que tratam essas empresas.
2.2 Insuficiência normativa da Lei das Estatais para regular a implementação do seguro de responsabilidade civil para administradores pelas Empresas Estatais
Dentre as previsões legais, uma em particular chama bastante atenção na Lei 13.303/16: a previsão de seguro de responsabilidade civil para acobertar os riscos os quais aqueles administradores e diretores de alto escalão estão expostos quando da gerência das estatais brasileiras.
Acontece que a previsão normativa que trouxe essa Lei não abarca as peculiaridades do seguro nessas empresas, e acaba por se omitir no estabelecimento de limites e definição de alcances da cobertura securitária. Mas mesmo assim, a contratação segue sendo negociada e implementada por aquelas Organizações.
Houveram algumas tentativas de disciplinar tal contratação. Inicialmente, com o Tribunal de Contas da União (TCU) que se manifestou ser favorável acerca da possibilidade de contratação do D&O pelas as estatais, no julgamento da representação nº 043.954/2012-0.
No debate ficou decidido que o seguro não poderia promover cobertura somente quando se tratar de atos ilícitos ou ilegais realizados pelo administrador, ou, no caso da prática de atos lícitos empreendidos na modalidade dolosa ou com culposa, neste último caso quando ficar configurada a não adoção de medidas esperadas de um homem médio.
É esse inclusive o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme julgado:
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DE DIRETORES E ADMINISTRADORES DE PESSOA JURÍDICA (SEGURO DE RC D&O). RENOVAÇÃO DA APÓLICE. QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DE RISCO. INFORMAÇÕES INVERÍDICAS DO SEGURADO E DO TOMADOR DO SEGURO. MÁ-FÉ. CONFIGURAÇÃO. PERDA DO DIREITO À GARANTIA. INVESTIGAÇÕES DA CVM. PRÁTICA DE INSIDER TRADING . ATO DOLOSO. FAVORECIMENTO PESSOAL. ATO DE GESTÃO. DESCARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE COBERTURA.
1. [...]
6. A apólice do seguro de RC D&O não pode cobrir atos dolosos, principalmente se cometidos para favorecer a própria pessoa do administrador, o que evita forte redução do grau de diligência do gestor ou a assunção de riscos excessivos, a comprometer tanto a atividade de compliance da empresa quanto as boas práticas de governança corporativa. Aplicação dos arts. 757 e 762 do CC.
7. (omissis)
8. O seguro de RC D&O somente possui cobertura para (i) atos culposos de diretores, administradores e conselheiros (ii) praticados no exercício de suas funções (atos de gestão). Em outras palavras, atos fraudulentos e desonestos de favorecimento pessoal e práticas dolosas lesivas à companhia e ao mercado decapitais, a exemplo do insider trading , não estão abrangidos na garantia securitária.
9. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1601555 SP 2015/0231541-7, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Data de Julgamento: 14/02/2017, Data de Julgamento 20/02/2017, grifos nossos).
Após aquele primeiro julgado, a legislação brasileira também tratou de inserir no plano infraconstitucional a Lei das Estatais para enquadramento disciplinatório dos estatutos jurídicas das empresas públicas e sociedades de economia mista e assim, dentre outras previsões, tratar do seguro de responsabilidade direcionado Administradores de alto escalão dessas empresas.
Por meio chamada Lei das Estatais, o legislador previu permissivo legal para contratação do Seguro de responsabilidade civil para administradores, como se infere na redação a seguir:
Art. 17. Omissis
[...]
§ 1o O estatuto da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias poderá dispor sobre a contratação de seguro de responsabilidade civil pelos administradores, (BRASIL, 2016, grifos nossos).
Um pouco mais tarde, essa mesma Lei teve alteração através do decreto nº 8.945, de 27 de dezembro de 2016, que também se limitou a mera reprodução do artigo 17 da Lei das estatais Lei, sem incluir disposições específicas ou até novas, observe o teor: Art. 43. O estatuto da empresa estatal poderá dispor sobre a contratação de seguro de responsabilidade civil pelos administradores.
Acontece que tanto a Lei quanto o julgamento naquele Tribunal relevam o fato de que o estatuto das estatais é que vão dispor sobre as particularidades do seguro, no entanto, não definem qualquer limitação para contratar.
O Estado ainda, por intermédio do Órgão regulador da atividade securitária nacional (SUSEP), editou instrumento normativo na forma de Circular nº 541/2016 cuja orientação contida no art. 1º dispõe a finalidade daquele ato administrativo para: Estabelecer diretrizes gerais aplicáveis aos seguros de responsabilidade civil de diretores e administradores de pessoas jurídicas (seguro de RC D&O). No entanto, esse fato em nada complementa a ausência regulatória específica.
Para além disso, nem mesmo há perante o Supremo Tribunal Federal alguma discussão sobre a temática do RC D&O no âmbito das empresas estatais, que não a única Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 5624/16 a qual debate as regras de transferência de controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia mista e de suas subsidiárias ou controladas.
Como se percebe, no ordenamento jurídico ainda não deliberou sobre especifidades da contratação, principalmente quanto a limitações e alcances definidos para contratar, dando aval para o exercício ilimitado da autonomia da vontade pelos contratantes.
Isso dá ensejo a várias indagações, dentre as quais, se a implementação do Seguro D&O pelas estatais brasileiras ofenderia os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS CONTRATOS EM GERAL E O PACTO SECURITÁRIO
3.1 Aspectos dos contratos em geral
Para se poder começar tal investigação envolvendo tais principiologias, inicialmente deve-se ter um conhecimento acerca da natureza do Seguro D&O, qual seja, um contrato. Isso se faz necessário pois a partir da essência desse negócio jurídico consegue se extrair suas implicações a partir da discussão de seu objeto.
Pois bem, nas lições de TARTUCE (2015, p. 446) é possível extrair um tirocínio bem esclarecido de que contrato:
é um ato jurídico bilateral, dependente de pelo menos duas declarações de vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e deveres. Os contratos são, em suma, todos os tipos de convenções ou estipulações que possam ser criadas pelo acordo de vontades e por outros fatores acessórios.
Para mais, como bem leciona LÔBO (2011, p. 56-72), os contratos em geral, são regidos pelos seguintes princípios:
-
A boa-fé objetiva é a exigência de condutas reconhecidas no mundo social como honesta, legal e correta. Aquela cujo se espera de um homem médio probo.
-
Força obrigatória estabelece que o contrato obriga os contratantes, como se fosse Lei entre eles.
-
A relatividade dos efeitos do contrato predispõe que o contrato somente obriga e vincula as próprias partes, não sendo oponível à terceiros.
-
A função social determina que os interesses individuais das partes do contrato sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sem pre estes se apresentem.
-
A equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização de interesses.
-
Autonomia privada negocial é o poder jurídico de auto-regulamentação de interesses nos limites prefixados.
Atendendo a esses princípios e após o encontro de manifestações de vontades do ofertante e do aceitante nos termos estabelecidos em pacto, o contrato se aperfeiçoa e começa a produzir efeitos obrigacionais entre os contratantes. Essa é a forma do surgimento dos contratos, em geral.
Importante ainda lembrar que o contrato se estende tanto à ramos do direito privado como também ao direito público (GONÇALVES, 2017, p. 21) mas que para cada seara há uma diferenciação de interpretação e forma de execução desses contratos.
3.2 Caracteres distintivos entre os Contratos Privados e Contratos Públicos
No que tange os contratos Administrativos, estes são no qual Administração Pública integra um dos polos do negócio jurídico, seja como contratante ou contratado, e visa a consecução de fins públicos.
Quando o contrato tem natureza jurídica de direito privado, a Administração se nivela ao particular estabelecendo relação jurídica de horizontalidade. Nos contratos Administrativos, a Administração age como poder público, com todo o seu poder de império sobre o particular, caracterizando-se a relação jurídica pelo traço da verticalidade. Mesmo assim não se pode perder de vista o que é assente na doutrina majoritária - que os contratos Administrativos possuem característica próprias que os distinguem dos contratos privados, fato que legitima inclusive exceções à horizontalidade nos contratos regidos por direito privado. (DI PIETRO, 2017, p. 334).
Os contratos celebrados pela Administração Pública distinguem-se dos de regras do direito privado porque em relação a estes últimos, vale como regra, a autonomia da vontade irrestrita. Por esta, as partes têm ampla liberdade de contratar.
No entanto, quando se refere à contratação pela Administração Pública, deve-se ter toda atenção centrada e vinculada à realização do interesse público. Para isso, a autonomia da vontade de contratar é limitada por Lei em razão do princípio da legalidade, no qual impõe ao Poder Público a submissão de atuação conforme os ditames legais.
A Lei 8.666/93 (Lei de licitações), que rege a natureza dos contratos Administrativos, estabelece dois tipos: contratos Administrativos propriamente ditos e Contratos privados da Administração. Os primeiros, são aqueles são regidos por normas de Direito Público, aplicando o Direito privado por exceção, de forma supletiva, veja:
Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. (BRASIL, 1993).
Por essa previsão entende-se que a prioridade normativa a ser contida nesses contratos administrativos são normas de direito Público, sendo por exceção e em último caso, aplicado as regras gerais dos contratos privados.
Isso garante a supremacia plena do interesse público sobre o interesse privado, propiciando à Administração um Poder gerencial maior sobre o contrato a fim de encontrar o interesse público que daquele se espera.
A supremacia estatal legitima a existência de cláusulas denominadas de exorbitantes, que promovem desigualdades entre as partes contratantes em razão de um Poder soberano da Administração Pública. A exemplo, a Lei 8.666/93 apresenta uma delas:
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; [...] (BRASIL, 1993, grifos nossos).
Nesse sentido, percebe-se que nos Contratos Administrativos propriamente ditos a equivalência material não é plena, pois, a Administração impõe limitações à igualdade material no intuito de conseguir concretizar a realização do interesse público.
Também, a autonomia negocial é limitada pois a Lei exige uma série de formalismos e predefinições, v.g., obrigatoriedade da constituição de pactos escritos em regra, e apenas uma única exceção para um contrato ser não escrito, qual seja:
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior
a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);
[...]
Art. 60. (omissis)
Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento. (BRASIL, 1993, grifos nossos).
Além disso, no contrato Administrativo propriamente dito a elaboração prévia das cláusulas contratuais pela Administração Pública fixará os direitos e deveres aos quais os contratantes devem observar, não sendo permitido a rediscussão das cláusulas estipuladas e cabendo ao particular aceitá-las ou não, como se infere da leitura do artigo 55, da Lei de licitações, que apresenta as cláusulas obrigatórias a constar no instrumento contratual administrativo, observe quais são elas:
Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
I - o objeto e seus elementos característicos;
II - o regime de execução ou a forma de fornecimento;
III - o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;
IV - os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso;
V - o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica;
VI - as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas;
VII - os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas;
VIII - os casos de rescisão;
IX - o reconhecimento dos direitos da Administração, em caso de rescisão administrativa prevista no art. 77 desta Lei;
X - as condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso;
XI - a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor;
XII - a legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos casos omissos;
XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação. (BRASIL, 1993).
Já os contratos privados da Administração, são aqueles que têm regime de direito privado, mas parcialmente derrogado pelo Direito Público. Isso quer dizer que esse tipo de contratação também contém as exigências previstas na Lei 8.666/93, no que tange a existência de cláusulas necessárias (Art. 55 e 61) e exorbitantes (Art. 58), e além disso também se submetem a restrição de autonomia de vontade e equivalência material plena.
Conforme a inteligência do artigo 62, § 3º da Lei de Licitações, são contratos privados da Administração, os seguintes:
Art. 62. Omissis.
[...]
§ 3o Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber:
I - aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado; [...]. (BRASIL, 1993, grifos nossos).
Dentre esses, o contrato de seguro - tipicamente é um contrato de natureza civil - quando implementado pelo Poder Público gera algumas situações jurídicas contemporâneas inusitadas passíveis de reflexões acerca de sua implementação mais particularmente nas empresas estatais.
Isso porque, devido a intensificação na busca por controle interno da Própria Administração, previstas na Constituição Federal (art. 173, § 5º) e reforçada pela legislação infraconstitucional na forma da Lei nº 13.303/16 (Lei das estatais), adveio a previsão de normas específicas sobre responsabilidade dos administradores da coisa pública. (BRASIL, 1998; 2016).
E o fato inusitado mais emblemático, é que em que pese tal contrato ser regido predominantemente por direito privado e havendo disciplinamento legal que obriga a submissão à autonomia negocial restrita e equivalência material não plena, tal contratação encontra-se em implementação discricionária do administrador Público, em razão de insuficiência normativa para regular os limites a que essa contratação estaria subordinada.
Para entender essa problemática com mais afinco e objetividade, necessário primeiramente entender a sistemática dos contratos de seguro e confrontar os princípios que regem as atividades da Administração Pública, cuja previsão se encontra no art. 37, caput, da Constituição Federal.
3.3 O Contrato de Seguro e suas peculiaridades
Iniciando por contrato de seguro, tem que nos termos do artigo 757, do Código Civil preconiza que é aquele:
Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. (BRASIL, 2002).
Através de recorte jurisprudencial HARTEN (2011, p. 35) extrai-se uma definição mais completa do contrato de seguro como:
[...] aquele em virtude do qual, um dos contratantes (segurador) assume a obrigação de pagar ao outro (segurado), ou a quem este designar, uma indenização, um capital, ou uma renda, no caso em que advenha o risco indicado, obrigando-se o segurado, por sua vez, a lhe pagar o prêmio que lhe tenha sido estabelecido [...] (HARTEN, 2009 apud EREsp 176.890/MG, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22.09.1999, DJ 19.02.2001, p.130).
Definida a conceituação deste tipo contratual, se faz pertinente apresentar os principais elementos essenciais e obrigatórios que compõem a relação securitária, são eles: o prêmio, risco e a indenização.
Através de tirocínio de SCHERKERKEWITZ (2013, p. 326), vislumbra-se que prêmio:
[...] é o valor pago pelo segurado à seguradora para que esta assuma a obrigação de efetuar o pagamento de uma indenização quando da ocorrência do risco assumido [...];
O risco é a ocorrência de um evento determinado que pode ocorrer ou não, com o segurado, devendo, entretanto, ser previamente acordado sua cobertura cuja eficácia é válida durante o período de vigência do plano de seguro.
Os riscos indicados estão previstos na apólice de seguro que segundo a SUSEP (2014, p.7), Órgão Regulador da atividade seguradora no Brasil, conceitua como documento emitido pela empresa formalizando a aceitação da cobertura solicitada pelo proponente, nos planos individuais, ou pelo estipulante, nos planos coletivos.
Quando o risco delineado em apólice securitária ocorre no mundo dos fenômenos, isto é, na vida real, constata-se o sinistro.
Com a ocorrência do sinistro nasce para o segurado, durante o período de vigência do plano de seguro, o direito à indenização, que se configura a como uma retribuição a um prejuízo (HARTEN, 2009, p. 52).
Os sujeitos desse tipo de contrato são denominados segurador, segurado e beneficiário, na qual se definem, respectivamente, como aquele que assume o risco que lhe transfere o segurado; quem paga o prêmio para se encontrar protegido de eventual prejuízo advindo do risco previsto no contrato, o recebedor da indenização decorrente da ocorrência do sinistro.
Relevante também é destacar que o contrato de seguro possui uma classificação contratual peculiar: qual seja: ser um contrato bilateral, consensual, oneroso, formal, de trato sucessivo e de adesão.
Há bilateralidade posto que cada uma das partes possui obrigações bem delineadas, quais sejam, o segurado é responsável pelo pagamento do prêmio e a seguradora, havendo ocorrência do sinistro, se presta a indenizar o segurado.
Tem consensualíssimo porque precisa do consentimento das partes para conclusão do negócio jurídico securitário. Possui onerosidade é, pois, sua existência está condicionado com o pagamento do prêmio, por parte do segurado.
De trato sucessivo porque possui renovação periódica do acordo que se prolonga no tempo, mediante prestações reiteradas. É formal, devido a Lei exigir forma especial para sua contratação, bem como para sua prova. (SCHERKERKEWITZ, 2013, p. 328).
Por fim, é também um contrato de adesão, pois suas cláusulas não são passíveis de discussão ou modificação substancial do conteúdo.
Outrossim, compõe a relação securitária o princípio da boa-fé objetiva. Nos contratos de seguro, a boa-fé é indispensável entre as partes. Tanto o segurado quanto o segurador devem agir de modo que o contrato seja executado com equilíbrio entre eles. Não pode, e nem deve existir intencionalidade em prejudicar financeiramente o outro contratante.
Essa principiologia sustenta a base relacional da obrigação no contrato de seguro antes mesmo da efetivação daquele. Em caso de violação dessa boa-fé objetiva, há uma penalidade inerente ao segurado, tais como a perda do prêmio ou perda de garantia prestada. (BRASIL, 2002, Art. 766).
O segurador, como também se vincula a essa boa-fé não pode retardar injustificadamente o pagamento da indenização, levantar causas de exclusão não existentes da cobertura securitária ou ainda fazer exigências absurdas para o pagamento da indenização. (SCHERKERKEWITZ, 2013, p. 329). Nessa esteira, a boa-fé garante então o equilíbrio da relação contratual securitária.
3.3.1 O contrato de seguro de Responsabilidade civil de diretores e administradores de empresas (RC D&O)
Definidos os pressupostos de condições para efetivação e existência da relação securitária e esclarecidos pontos importantes sobre a contratação genérica dessa, importa agora direcionar os estudos acerca dos contratos de seguro em espécie. Dentre as várias modalidades de coberturas securitárias, destaca-se o Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil de Diretores e administradores.
Pois bem, define-se como Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil para Diretores e Administradores (Seguro RC D&O) aquele que resguarda o patrimônio do Altos Executivos de empresas quando estes são responsabilizados, judicial ou administrativamente, por decisões decorrentes de atos regulares de sua gestão (não sendo ato ilícito penal) que causarem danos materiais ou morais à terceiros.
LACERDA (2013, p. 112 e 113), sintetiza a finalidade desse tipo de contratação como produto securitário que tem:
por objetivo principal a proteção do patrimônio dos administradores diante dos riscos de responsabilização pessoal em decorrência do exercício da gestão empresarial, abrangendo, ainda, o suporte de eventuais gastos havidos com a defesa, na esfera judicial ou mesmo administrativa, dos interesses dos segurados, incluindo-se o pagamento de honorários advocatícios.
O registro concreto do surgimento dos seguros dos administradores das sociedades comerciais remonta ao início do século passado, como consequência da Crise Econômica de 1929 Norte-Americana (quebra da bolsa de valores de Nova Iorque), que instaurou um colapso financeiro mundial gerador de inúmeras consequências, entre elas a responsabilidade pessoal de altos executivos da empresa pela má gestão administrativa que ocasionou perdas de dividendos dos acionistas.
A vista disso a Loyds of London, empresa precursora no mercado de seguros, idealizou a criação de instrumentos destinados à cobertura dos riscos inerentes à atuação de altos executivos de sociedades comerciais. (LACERDA, 2013, p. 80).
Nesse momento, nos EUA, também foram intensificadas adoções de políticas legislativas como a criação de um órgão supervisor independente de mercado e a promulgação de leis com objetivo de controlar e regular a atividade financeira e o mercado de valores mobiliários, imputando maior responsabilidade ao alto escalão empresarial.
Surge então, ainda que de forma acanhada, em razão da dificuldade de difusão haja vista a complexidade e alto custo das apólices de seguro, uma técnica seguradora nova que mais tarde é aperfeiçoada como Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil de Diretores e administradores (Seguro D&O) ou Directors and Officers Liability Insurance.
Sobre essa contratação, FARIA (2011, p. 67) complementa o apontamento supra:
Na década de 1960, diversas seguradoras daquela Nação já ofereciam o Seguro D&O, por meio de suas diferentes apólices: uma cobrindo o reembolso à sociedade pelas indenizações por ela pagas a seus conselheiros e diretores em virtude de reclamações feitas contras estes [...] e outra cobrindo o reembolso direto aos administradores por indenizações pagas à terceiros e não reembolsadas pela sociedade [...] Mais tarde, as duas coberturas passaram a ser contempladas em uma mesma apólice. E ainda, em razão do despendido nos litígios, foram incluídos na cobertura do seguro os custos incorridos pelos administradores na defesa desses processos.
Com o ingresso de grandes companhias seguradoras no mercado na segunda metade dos anos 60 a demanda só tendeu a crescer no cenário global, sendo inclusive obrigada a contratação da modalidade do seguro em tratamento pelas sociedades empresariais bem como que seus acionistas tivessem ciência daquela. No final dos anos 80, dificuldades sistêmicas foram observadas, particularmente no tocante a delimitação temporal da cobertura securitária.
No Brasil, em meados dos anos 90, devido abertura econômica e privatizações em diversos setores da economia brasileira, emergiu a comercialização de cobertura securitária para proteção do patrimônio de Altos Executivos de empresas. As primeiras apólices de seguro D&O foram emitidas em decorrência de privatizações que acarretaram a instalação de executivos de multinacionais no país, os quais exigiram o referido contrato como condição de sua vinda.
Em 2003, entrou em vigor o novo e atual Código Civil brasileiro e com sua vigência, já com a previsão da desconsideração da personalidade jurídica, além as sociedades já compunham a carteira de clientes do seguro D&O, sociedade limitadas, entidades sem fins lucrativos e instituições financeiras.
Por meio da Lei complementar nº 126, de 15 de janeiro de 2007, se encerrou o monopólio da empresa estatal IRB-Brasil Resseguros S.A. como detentora exclusiva, o que trouxe mais competitividade a esse ramo, no Brasil. (BRASIL, 2007).
Em 2009, o mercado cresceu de forma expressiva decorrente de crise financeira mundial, propiciando mais contratações D&O diante dos riscos financeiros a que as empresas estavam expostas, como ocorreu com a empresa Sadia S.A ramo alimentício, que inclusive a levou a uma fusão com a Perdigão S.A para não seguir a uma falência. (ÉPOCANEGÓCIOS, 2010).
Após esse episódio da história, o último grande impulsionador da divulgação e contratação do seguro D&O no Brasil foi a deflagração, no ano de 2014, com a Operação Lava Jato, onde a Policia Federal brasileira investiga um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Sociedade de economia mista Petrobrás, grandes empreiteiras do país e políticos. (POLÍCIA FEDERAL, 2014)
Esse arcabouço histórico ocasionou no além do desenvolvimento desse produto securitário um amadurecimento no mesmo, e isso levanta questionamentos discursivos acerca da consideração de vários outros fatores a época não considerados, tais como composição societária, o tipo de capital, investimentos, performance financeira e a governança corporativa e inclusive a sua utilização no âmbito da administração pública.
Se beneficiando desse contrato está a figura dos administradores das sociedades empresárias, estes que possuem poder gerencial bastante ampla e são instituídos pelos contratos ou estatutos sociais das sociedades empresárias.
As composições variam de empresa a empresa, umas estabelecem status gerencial avançado ao seu corpo Diretivo através da disposição em conselho administrativo ou fiscal, outras adotam modelo unitário para um diretor de controle majoritário da organização, por exemplo.
Diante do poderio decisório nas empresas em suas mãos, os administradores, como possuem poderes de representação legal da sociedade, mesmo nas hipóteses em que a responsabilidade não lhe caiba diretamente, tem o patrimônio atingido indiretamente por decisões de desconsideração da personalidade jurídica.
Além da responsabilidade civil, os administradores respondem nas searas Penal, Tributária, Trabalhista, ambiental, concorrencial e consumerista.
A responsabilidade civil dos administradores decorre além da violação aos dispositivos expressos no Código Civil e na Lei das Sociedades anônimas (S.A.), que inclui a observância ao estatuto, aplicando o que couber, conforme preconiza o Art. 154 da Lei das S.A./76, Ambas as normas direcionam, em estabelecer a obrigação de reparar os prejuízos decorrentes da atuação com dolo ou culpa do administrador (BRASIL, 1976).
Ainda, em razão da proporção de algumas condutas adotadas por administradores a Lei prevê a tipicidade da conduta como crimes. É a responsabilização penal, que gera inclusive não só penas de multa, mas também privativas de liberdade. Importante lembrar na incumbência penal, não se limita ao Código Penal brasileiro, mas também na previsão em legislação penal especial.
Ainda, quando observado o princípio geral da responsabilização na esfera societária, se encontra a responsabilidade tributária, está prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional, que dispõe in verbis:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
[...]
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. (BRASIL, 1966, grifos nossos).
Por este dispositivo, se pode inferir que apesar das sociedades empresárias responderem com seu patrimônio pelos débitos tributários, nas hipóteses de não houver o pagamento dessas dívidas, por culpa ou dolo do administrador, este responde pessoalmente com seu patrimônio, quando esse fato ocorrer através de atos de sua gestão, é claro.
Quanto a responsabilidade trabalhista, FARIA (2011, p. 44) apresenta o seguinte esclarecimento:
a legislação brasileira não contém previsão específica acerca da responsabilidade dos administradores no âmbito trabalhista. Ainda não há um entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência a respeito, mas a linha geral tem sido no sentido de aplicar as normas pertinentes à responsabilidade civil dos administradores.
A vista disso, independente da fundamentação legal aplicada ao caso, é postura tendencial a utilização do intuito da desconsideração da personalidade jurídica, cuja previsibilidade tem fulcro no art. 50, do Código Civil brasileiro.
Já no que se refere a responsabilidade ambiental dos altos executivos, esta se vislumbra em razão do bem tutelado diretamente pela Constituição da República Federativa do Brasil, no seu artigo 225, qual seja, o meio ambiente:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (BRASIL, 1988, grifos nossos).
No que tange a responsabilidade concorrencial, esta diz respeito além do antitruste (infrações à ordem econômica), da concorrência desleal. No primeiro caso, o objetivo é proteger os interesses da coletividade, e no segundo é tutelar os interesses dos empresários para proteger o livre exercício da atividade econômica. (FARIA, 2011, p. 56).
A vista desse exposto, sobre o encargo de representação empresarial fica constatado a fragilidade a qual esses gestores estão atuando no mercado comercial.
Para promover mais eficiência no trabalho desses gestores, o RC D&O traz sua eficácia contra reclamações em face dos segurados, quando atos de gestão praticados no exercício das atribuições do (s) administrador (s) da sociedade geram danos cobertos em apólice securitária. A proteção inclusive se estende à cônjuges, herdeiros e representantes legais do executivo e o espólio.
Os critérios para avaliação do risco pela seguradora se pautam, dentre outros a serem definidos pelo segurador: (a) na estrutura econômico-financeira da empresa (receita, exportações, lucro, índices de liquidez, empréstimos tomados, aquisições, fusões, restruturação, expansão, composição do capital social etc.); (b) Passivos judiciais; (c) Governança corporativa; (d) Reputação dos sócios/empreendedores; (e) setor da atividade; (f) tempo de atividade; (g) Oferta pública de Valores Mobiliários; (h) política de distribuição de dividendos; (i) Organograma societário (extensão de cobertura); (j) Plano de negócios etc.
Após análise dos riscos, a seguradora elabora um plano securitário estipulado em apólice definindo as melhores coberturas para aqueles administradores e com isso o segurador se presta, via de regra, a atuar nas seguintes frentes suportando os riscos de:
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Custos com Processos judiciais;
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Arbitrais e o pagamentos das respectivas custas oriundas destes;
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Acordos;
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Despesas com advogados;
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Custos de restituição de imagens;
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Responsabilidade por vazamentos de dados pessoais e corporativos e sob a guarda de empresas terceirizadas;
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Custos com gerenciamento de crises;
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Custos de investigações, sanções, notificação, monitoramento, lucro cessante e casos de extorsão;
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Indisponibilidade de bens e penhora online;
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Responsabilidades estatutárias (trabalhistas, tributária, previdenciária);
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Reponsabilidade por erros e omissões;
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Riscos regulatórios (inquéritos, processos administrativos, investigações);
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Multas e penalidades cíveis;
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Danos materiais e morais;
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etc. (conforme disposição contratual em apólice).
A vista disso, percebe-se que o contrato não resguarda diretamente bens, mas atos de gerência que geram efeitos jurídicos não benéficos no mundo externo, consequências as quais constituem danos passíveis de indenização por força de previsão contratual de seguro, além de proteção ao patrimônio e reputação do administrador.
Quem contrata o Directors and Officers Liability Insurance são Pessoas Jurídicas em benefício de seus administradores que exercem funções de gestão, figurando então essas empresas, como tomadoras do seguro, ficando responsáveis pelo pagamento do prêmio e pelo gerenciamento da apólice. Ou seja, o beneficiário direto do seguro é o administrador e o indireto é a sociedade empresária.
Tal seguro prevê ainda cobertura para danos cujo fato gerador ocorreu durante a prazo retroativo ou na vigência da apólice e cujos prejuízos são reclamados durante a vigência ou dentro do prazo complementar e prazo suplementar.
A retroatividade ilimitada diz respeito a cobertura securitária de todos os fatos que ocorreram antes da contratação da apólice, desde que desconhecidos da empresa e do administrador.
O prazo complementar é a extensão obrigatória (obrigação imposta pela SUSEP à seguradora, e por isso não cobrada ao segurado), da cobertura securitária até 01 (um) ano (podendo ser maior, a depender da seguradora) após a extinção da apólice, somente para sinistros ocorridos na vigência do seguro contratado.
Já o prazo suplementar é a extensão facultativa (e por isso cabendo ou não o segurado contratar) da cobertura do seguro, findo prazo complementar, para apresentar fatos dentro da vigência da apólice contratada. Veja um exemplo sobre a vigência da cobertura:
João, um diretor de uma multinacional especializado em tecnologia da informação (T.I.) com ênfase em finanças, em janeiro do ano de 2018, desenvolve um software de gerenciamento de segurança eletrônica visando otimizar as operações financeiras da sociedade empresária em que trabalha.
Sete dias após a implementação da aplicação, a empresa sofreu ataque cibernético em razão de falha de segurança na programação do software criado e instalado por aquele diretor, o que deu margem para que hackers roubassem dados sigilosos da empresa, entretanto nem a empresa e nem o gestor chegaram a saber da falha na segurança eletrônica, previamente.
Na data de março de 2018, a empresa contrata um seguro D&O prevendo cobertura securitária para (i) assédio sexual; (ii) discriminação de qualquer espécie; (iii) Processos judiciais, administrativos ou arbitrais e o pagamentos das respectivas custas; (iv) despesas com advogados; (v) indenizações a terceiros; (vi) custos de restituição de imagens; (vii) responsabilidade por vazamentos de dados pessoais e corporativos e sob a guarda de empresas terceirizadas; (viii) gerenciamento de crises, (ix) custos de investigações, sanções, notificação, monitoramento, lucro cessante e casos de extorsão.
Em abril no mesmo ano, e empresa descobre o ciberataque, e mesmo trabalhando rapidamente para contê-lo para saber quais dados foram comprometidos, infelizmente percebe que houveram prejuízos. Da contabilidade dos danos somam-se Ações judiciais de terceiros requerendo indenizações e prejuízos à imagem da empresa.
Como a Multinacional em qual João trabalha contratou em para ele um Seguro D&O, e tendo essa apólice a retroatividade ilimitada, foi reclamado ao segurador que providenciasse a cobertura securitária para aos aludidos danos.
Perceba, que se acaso a falha de segurança tivesse ocorrido no prazo de vigência (após a contratação do seguro) caberia ao segurado acionar a seguradora até o termo final de vigência da apólice contratada, mas mesmo se não o fizesse nesse período teria ainda, no mínimo, o prazo de 01 (um) ano após a vigência da apólice (prazo complementar), e ainda, se contratado o prazo suplementar, faria jus a mais esse tempo para requerer do segurador a indenização da cobertura contratada.
Então, a seguradora analisa o risco com base nas informações fornecidas pela sociedade tais como dados acerca dos administradores, e de circunstâncias que possam dar ensejo a futuras reclamações ou aquelas que foram alvo de protestos pretéritos contra os gestores beneficiários do seguro.
Por isso, na seara privada, não há muito embrolho para este tipo de contratação pois o negócio jurídico nasce pela autonomia de vontades das partes (empresa e empresário) que têm total liberdade de contratar, a qual é ilimitada.
4. Análise da implementação do seguro RC D&O no âmbito das Empresas Estatais brasileiras sob a ótica de atendimento aos princípios constitucionais norteadores da administração pública (art. 37, caput, CF/88)
4.1 Breves considerações sobre empresas Estatais
Acontece que, no âmbito da administração pública há limitações e restrições legais, as quais o administrador da coisa pública está adstrito a Lei.
Integram a esfera Administrativa as empresas públicas e sociedades de economia mista. Estas se definem como pessoas jurídicas que exploram atividade de empresa, articulando capital, mão de obra, insumo e tecnologia no intuito de produzir bens e fornecer serviços. (COELHO, 2016, p. 29).
COELHO (2016, p. 47) ainda complementa trazendo pressupostos do regime jurídico-empresarial quando afirma que:
a constituição federal, ao dispor sobre a exploração de atividades econômicas, vale dizer, sobre a produção dos bens e serviços necessários à vida das pessoas em sociedade, atribuiu à iniciativa privada, aos particulares, o papel primordial, reservando ao Estado apenas uma função supletiva (art. 170). A exploração direta da atividade econômica pelo Estado só é possível em hipóteses excepcionais, quando, por exemplo, for necessária à segurança nacional ou se presente um relevante interesse coletivo (art. 173). (BRASIL, 1988, grifos nossos).
A vista disso, percebe que o Estado somente ingressa na atividade empresária, na excepcionalidade, e para viabilizar essa entrada junto à iniciativa privada, à Administração é facultado a criação de dois tipos de sociedades, se fala nas empresas estatais, pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública Indireta, quais sejam: empresas públicas e sociedades de economia mista. Estas por sua vez prestarão serviços públicos ou exercerão atividades econômicas nos setores da sociedade.
As Estatais brasileiras se voltam tanto para prestação de serviços destinados a suprir carências materiais da sociedade, quanto como indutor do desenvolvimento nacional, intervindo ativamente no domínio econômico. Tudo no intuito de garantir a segunda dimensão dos Direitos Sociais, a qual o estado assume uma posição prestacionista perante a sociedade.
No Brasil, no âmbito normativo, o impulso na descentralização administrativa que culminou com a maior autonomia às empresas estatais se deu com a edição do Decreto-lei 200/67, que promoveu uma reforma bastante impactante na administração pública providenciando culminando numa ampla descentralização das atividades da Administração Pública e consequente fortalecimento das sociedades de economia mista e das empresas públicas nacionais.
Define-se Empresa Pública a pessoa jurídica de direito privado criada por Lei, submetida a certas regras especiais da Administração Pública (a proibição de acumular cargos, exigência de prestação de contas etc.), constituída sob quaisquer das formas empresariais (sociedade limitada, sociedade por ações etc.) cujo capital é formado unicamente por recurso público, e aonde há a predominância acionária total na esfera ao ente público criador. (MELLO, 2013, p. 191).
A exemplo de uma empresa Pública se tem a ECT (empresa de comunicações e telégrafos popularmente conhecida como Correios criada com a finalidade de prestar o serviço público de correspondência Nacional, criada através do Decreto-Lei nº 509/69:
Art. 1º - O Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) fica transformado em empresa pública, vinculada ao Ministério das Comunicações, com a denominação de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT; nos termos do artigo 5º, ítem II, do Decreto lei nº.200 (*), de 25 de fevereiro de 1967. (BRASIL, 1969).
Assenta-se como Sociedade de Economia Mista a Pessoa jurídica autorizada por lei, com personalidade de Direito Privado, mas que por sua natureza contributiva com a organização governamental é submetida a certas regras específicas. Ao contrário da Empresa Pública, aquela primeira é constituída apenas sob a forma de Sociedade Anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou entidade de sua Administração indireta. (MEIRELLES, 2016, p. 469).
Um exemplo desse tipo de entidade da administração indireta é a empresa Petrobrás, do ramo de petróleo e derivados deste, cuja autorização para criação se deu pela Lei n.º 2.004/53, posteriormente derrogada pela n.º 9.478/97:
Art. 5º Fica a União autorizada a constituir, na forma desta lei, uma sociedade por ações, que se denominará Petróleo Brasileiro S. A. e usará a sigla ou abreviatura de Petrobrás. (BRASIL, 1997).
Ademais, essas empresas Governamentais possuem diversas características em comum, tais como a submissão ao controle do Governo; o fato de serem instrumento do Estado para a prestação de serviços públicos e execução atividade econômica; adoção de personalidade jurídica de Direito Privado como forma em empresarial para lhes assegurar melhores condições de eficiência; regime de pessoal previsto na legislação trabalhista; sujeição aos princípios básicos da Administração Pública etc.
Dentre essas comunicabilidades, está também a existência de quadro funcional composto por agentes públicos. Os dirigentes das estatais são investidos em seus cargos na forma da Lei ou conforme preconizam seus os estatutos empresariais. Não diferentemente como ocorre na inciativa privada, essas Pessoas Físicas exercentes de função pública, quando executam suas atribuições, acabam por terem uma responsabilidade inerente à atividade profissional que exercem.
A diferença é que além das responsabilizações típicas do setor privado, a esses agentes públicos cabe, além do dever reparatório de atos de sua gestão causem prejuízos, a submissão à Ação popular por lesão ao patrimônio público (BRASIL, 1988, art. 5º, LXXIII); Ação por improbidade administrativa (BRASILM 1992, Lei n.º 8.429, arts. 1º e 2º); Ação penal por crimes praticados contra a Administração Pública (BRASIL, 1940, art. 327, § 1º).
Todos os agentes públicos, indistintamente, estão sujeitos a esse conglomerado de encargos responsabilizatórios. No entanto, o Corpo diretivo (altos executivos) dessas Estatais estão sujeitos a deveres muito maiores que os seus subordinados, haja vista que além de acumular de funções, lhes cabem a criação e gerenciamento do fluxo operacional e da política empresarial que será seguida por todos daquele Ente da Administração Pública Indireta, inclusive o próprio gestor.
Percebendo essa exposição, as Estatais encontraram um meio que permite ao gestor público agir com mais margem de liberdade e indo de encontro às práticas da mercadologia privada, haja vista que é exatamente isso que essas empresas exercem. O caminho encontrado foi a efetivação da contração do Seguro de Responsabilidade Civil para Diretores e Administradores (RC D&O) dessas organizações.
A efetivação desse tipo de contratação pelas estatais gera abertura para inúmeros debates, dentre eles, se tal contrato atuaria em sintonia com o texto Constitucional sob a ótica de atendimento à principiologia que rege a Administração Pública, cuja previsão se comporta no art. 37, caput, da Constituição Federal, remetendo à indagação sobre a viabilidade da implementação do contrato em comento por aquelas Sociedades Empresariais, já que não há regramento especializado a tratar do casuístico inusitado.
4.2. Apresentação dos princípios constitucionais norteadores da administração pública: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência
Para iniciar análise, é necessário realizar uma breve pontuação sobre as normas-princípios afim de situar o raciocínio para o enfrentamento da investigação e poder compreender se a contratação se adequa à classe da principiologia em estudo (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).
Pois bem, o Estado Nacional é, em apertada síntese, na visão da corrente contratualista1, uma abstração criada pela sociedade cujo interesse daquela primeira se volta a garantia da paz social. SILVA (2005, p. 216) sintetiza muito bem esse pensamento quando define que [...] o Estado seria uma organização social, dotada de poder e com autoridade para determinar o comportamento de todo o grupo.
A fim de garantir essa autoridade a qual o autor acima aponta, o mecanismo adotado pelo Povo foi a instituição, pelo Estado, de normas que visassem controlar as ações maléficas dos cidadãos e também restringir o poderio do próprio Ente instituidor.