O assédio moral no teletrabalho

09/11/2021 às 23:21
Leia nesta página:

1. INTRODUÇÃO

Em decorrência das mudanças ocorridas no mercado de trabalho, com o início da pandemia do vírus Covid-19 e com o aumento massivo do número de pessoas contaminadas, se tornou cada vez mais recorrente que as empresas adotassem o regime de teletrabalho por segurança.

O teletrabalho é caracterizado como a atuação do colaborador a distância por intermédio de meios de comunicação, como se presente fisicamente estivesse no ambiente da empresa. Entretanto, mesmo que o trabalhador não se encontre dentro do espaço físico do empregador ainda é possível a ocorrência do assédio moral. Sendo assim, neste capítulo, será discutida a possibilidade da referida conduta no âmbito do trabalho a distância e como ela se configura.

2. TELETRABALHO

O teletrabalho foi uma modalidade de prestação de serviços inserida recentemente no ordenamento jurídico pátrio, especificamente na Consolidação das Leis do Trabalho por meio da Lei n° 13.467 de 11de novembro de 2017, a Reforma Trabalhista. Nestes termos, sabe-se sobre o teletrabalho:

A Organização Internacional do Trabalho OIT-, na Convenção nº 177 de 1996, conceitua o teletrabalho como forma de trabalho efetuada em lugar distante do escritório central e/ou do centro de produção, que permita a separação física e implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação.[1]

De acordo com o trecho transcrito o teletrabalho é uma modalidade de trabalho em domicílio. Em regra, a prestação de serviços se dá em local distinto e distante do espaço físico destinado a produção e com a utilização de modernas ferramentas e tecnologias da comunicação.

Esta modalidade de trabalho se popularizou com o aprimoramento da internet e os recursos da tecnologia da informação. Todas essas ferramentas possibilitam ao empregado, atuar remotamente como se estivesse presente no ambiente da empresa. Essas ferramentas são consideradas digitais, eletrônicas e de comunicação.[2]

De acordo com o entendimento de Goldschmidt e Andreola, no âmbito das ferramentas digitais, eletrônicas e de comunicação, as mais utilizadas pelo trabalhador contemporâneo, são os de e-mail, tais como Outlook e Thunderbird. Ferramentas de mensagens instantâneas também são bem comuns, sobretudo o WhatsAppMessenger. [3]

3. ASSÉDIO MORAL NO TELETRABALHO

Conforme mencionado em linhas pretéritas, com a decretação do período pandêmico, medidas de distanciamento social foram necessárias para coibir o aumento de contaminação pelo vírus Covid-19. Com isso, a modalidade de prestação de serviços, trazida pela reforma trabalhista ganhou força. [4] Vislumbra-se abaixo:

As ações voltadas à contenção da disseminação do novo coronavírus por meio do distanciamento ou isolamento social implicaram grandes transformações nos setores produtivos e uma nova forma de trabalho, mais impessoal e tecnológica, com imersão nos meios telemáticos de comunicação e integração do trabalho com a vida privada e familiar do funcionário. Houve a generalização do modelo de trabalho remoto forçado em home Office, sem prévia adequação contratual ou preparação dos locais de trabalho, exigências previstas no art. 75-C e seguintes, da CLT, expandido o ambiente de trabalho para o seio familiar.[5]

Em decorrência das ações destinadas à coibição da contaminação do vírus, o trabalho remoto, em regime deteletrabalho, passou a compor o cenário das relações trabalhistas. Com isso, o espaço físico da empresa deu lugar ao trabalho realizado no seio familiar, sem qualquer adequação contratual ou preparação dos novos locais de trabalho.

Mesmo no âmbito no teletrabalho, ainda subsiste a comunicação direta entre empregador e empregado com o auxílio dos meios de comunicação. Desta maneira, ainda é possível a ocorrência do assédio moral por meio das ferramentas utilizadas na comunicação entre empregador e obreiro. [6] Com isso, tem-se:

O assédio moral praticado no período da pandemia, pela gravidade de seus efeitos, poderá ser configurado mediante uma única conduta abusiva. A vulnerabilidade do trabalhador no período da pandemia agrava sua sujeição a comportamentos abusivos e atentatórios à sua dignidade no ambiente de trabalho. Associado a isso, o empregador, premido pela necessidade de reduzir seu quadro funcional, reformular seus processos produtivos e mitigar os riscos do negócio, está mais suscetível a praticar assédio moral, intencional ou inadvertidamente, e a incorrer em irregularidades trabalhistas.[7]

De acordo com as lições do autor, o período pandêmico, coloca o trabalhador em uma situação de vulnerabilidade emocional, tornando-o mais suscetível a ser vítima de condutas abusivas. Paralelamente, o empregador que se vê afetado pelas consequências econômicas e trabalhistas da pandemia, também está mais sujeito a praticar o assédio moral.

As condutas de cunho atentatório no meio virtual podem ocorrer das mais variadas formas e por meio de diferentes ferramentas, como e-mails coletivos, mensagens instantâneas em redes sociais. Neste diapasão, as principais ferramentas que utilizadas para esse fim, são respectivamente: e-mails corporativos, Facebook, WhatsApp e Youtube. [8]

O assédio moral nos meios eletrônicos de comunicação pode ser subdividido em assédio moral horizontal e vertical. O assédio moral será horizontal quando ocorrer entre colegas que estejam em um mesmo nível hierárquico. Enquanto isso, o assédio moral vertical ocorre com o empregador e alguém que esteja em um nível hierárquico superior. [9] Frisa-se que o assédio moral virtual vertical se manifesta das seguintes maneiras:

O assédio pode se dar com a exclusão do empregado das tomadas de decisão da empresa (deixando-o de fora de grupos criados para a comunicação da equipe, por exemplo), desconsiderando suas ideias, não respondendo suas mensagens (a recusa na comunicação visando desestabilizar emocionalmente o empregado é uma forma de dizer que este é desinteressante à empresa).[10]

Vislumbra-se que essas formas de manifestação do assédio moral, podem desestabilizar o trabalhador de uma forma expressiva. Tem-se ainda que as consequências do assédio moral no âmbito do teletrabalho e das ferramentas tecnológicas de comunicação podem ser mais nocivas do que as do assédio moral tradicional. Isso se dá, pois, ao final de sua jornada de trabalho, o trabalhador, mesmo que assediado retorna a sua residência. Já no assédio moral virtual, as informações podem se propagar rapidamente. [11]

Concomitantemente, Evelin Santos Próspero asseverou:

O assédio moral virtual pode gerar danos mais expressivos que o assédio moral presencial devido à velocidade e ao poder de alcance que as informações lançadas na internet, seja por meio das redes sociais, e-mails ou mensagens, possuem. A extensão do dano se torna enorme, principalmente se considerarmos que ofensas à dignidade e à honra de um trabalhador podem representar uma limitação ao acesso ao mercado de trabalho (muitas empresas verificam redes sociais e informações da pessoa antes de contratá-la). [12]

A autora alega que os danos do assédio moral ocorrido no âmbito das ferramentas tecnológicas de comunicação e do teletrabalho podem ser mais nocivas do que o assédio moral convencional, pois as informações na internet se propagam de uma forma extremamente veloz e como, na maioria dos casos, as informações ficam retidas no perfil do trabalhador, podem dificultar o mesmo a conseguir um novo emprego.

Seguindo o mesmo raciocínio, Goldschmidt e Andreola afirmaram:

Diferentemente do que ocorre no assédio moral tradicional, que fica restrito ao espaço físico da empresa, no assédio moral virtual, a vítima continua tendo seu perfil registrado, o que extrapola o horário de trabalho, e sendo visto por dezenas ou centenas de pessoas que sequer fazem parte do seu departamento na empresa, ou mesmo, da organização. As ofensas e agressões psíquicas estão permanentemente atormentando o trabalhador vítima. [13]

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Denota-se que além das condutas praticadas contra o trabalhador ele ainda se encontra em uma situação vexatória, pois o assédio moral ocorrido no ambiente virtual não fica restrito apenas as pessoas que estão inseridas no grupo profissional da vítima, se estendendo também a outras pessoas, como pessoas que sequer fazem parte do mesmo setor na empresa.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É notório que com o atual cenário pandêmico, o trabalhador passou a assumir uma condição de extrema vulnerabilidade e o teletrabalho assumiu um papel fundamental para se manter as relações de emprego, mesmo com as dificuldades financeiras, econômicas e trabalhistas que o país está enfrentando. Devido a urgência na maior adoção deste regime não se teve uma melhor adequação dos meios de trabalho, favorecendo as condutas abusivas sobre o trabalhador.

Portanto, restou comprovado que é possível a ocorrência do assédio moral no âmbito do regime de teletrabalho. Salienta-se que, foi demonstrado que é completamente límpido que o assédio pode partir não só por um superior da vítima como também por um colega de trabalho do mesmo nível hierárquico. Deste modo, atesta-se a necessidade de melhor adequação da implementação do teletrabalho no país, com o escopo de garantir a proteção dos direitos de todos os trabalhadores.

REFERÊNCIAS
  1. OLSEN, Amanda Valério. Reforma Trabalhista e o Teletrabalho: Deveres jurídicos do empregador quanto à saúde e segurança do teletrabalhador. Centro Universitário de Brasília, 2019. Disponível em: <repositorio.uniceub.br>. Acesso em: 09/05/2021 apud SUÍÇA. Convenção 177 da OIT. Adoção: Geneva, 20 jun. 1996. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312322: NO>. Acesso em: 3 mar. 2018.

  2. OLSEN, Amanda Valério. Reforma Trabalhista e o Teletrabalho: Deveres jurídicos do empregador quanto à saúde e segurança do teletrabalhador. Centro Universitário de Brasília, 2019. Disponível em: <repositorio.uniceub.br>. Acesso em: 09/05/2021

  3. GOLDSCHMIDT, Rodrigo; ANDREOLA, Lilian Simone. O assédio moral virtual no meio ambiente de trabalho: assédio moral eletrônico e teleassédio. Disponível em: <professor-rodrigogold.net>. Acesso em: 10/05/2021.

  4. FILHO, Rodolfo Pamplona; SABINO, Clarissa Nilo Magaldi. Assédio Moral em tempos de pandemia. Disponível em: <scholar.google.br>. Acesso em: 24/05/2021.

  5. Ibid, p.7.

  6. SILVA, Evelin Santos Próspero e. O teletrabalho no Brasil e suas implicações nas relações trabalhistas: a tecnologia transformando o direito. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado) Universidade Federal de Brasília. Disponível em: <bdm.unb.br>. Acesso em: 24/05/2021.

  7. FILHO, Rodolfo Pamplona; SABINO, Clarissa Nilo Magaldi. Assédio Moral em tempos de pandemia. Disponível em: <scholar.google.br>. Acesso em: 24/05/2021.

  8. GOLDSCHMIDT, Rodrigo; ANDREOLA, Lilian Simone. O assédio moral virtual no meio ambiente de trabalho: assédio moral eletrônico e teleassédio. Disponível em: <professor-rodrigogold.net>. Acesso em: 10/05/2021

  9. SILVA, Evelin Santos Próspero e. O teletrabalho no Brasil e suas implicações nas relações trabalhistas: a tecnologia transformando o direito. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado) Universidade Federal de Brasília. Disponível em: <bdm.unb.br>. Acesso em: 24/05/2021.

  10. SILVA, Evelin Santos Próspero e. O teletrabalho no Brasil e suas implicações nas relações trabalhistas: a tecnologia transformando o direito. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado) Universidade Federal de Brasília. Disponível em: <bdm.unb.br>. Acesso em: 24/05/2021 apud SANTOS, Wanderley Elenilton Gonçalves. Assédio Moral, Bullying, Mobbing e Stalking: semelhanças, distinções e consequências jurídicas, 2016.

  11. GOLDSCHMIDT, Rodrigo; ANDREOLA, Lilian Simone. O assédio moral virtual no meio ambiente de trabalho: assédio moral eletrônico e teleassédio. Disponível em: <professor-rodrigogold.net>. Acesso em: 10/05/2021.

  12. SILVA, Evelin Santos Próspero e. O teletrabalho no Brasil e suas implicações nas relações trabalhistas: a tecnologia transformando o direito. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado) Universidade Federal de Brasília. Disponível em: <bdm.unb.br>. Acesso em: 24/05/2021 apud GALIA, Rodrigo Wasem. Cyberbullying: conceito, caracterização e consequências jurídicas, 2015. Disponível em: Acesso em: 04 nov. 2016.

  13. GOLDSCHMIDT, Rodrigo; ANDREOLA, Lilian Simone. O assédio moral virtual no meio ambiente de trabalho: assédio moral eletrônico e teleassédio. Disponível em: <professor-rodrigogold.net>. Acesso em: 10/05/2021.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos