A inaplicabilidade do instituto do arquivamento indireto em sede de processo penal militar

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10/11/2021 às 16:34
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INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende analisar a inaplicabilidade do instituto do arquivamento indireto em sede de processo penal militar, em razão da existência de procedimento próprio previsto no Código de Processo Penal Militar (CPPM).

DESENVOLVIMENTO

O que é o arquivamento indireto?

O instituto do arquivamento indireto é uma construção da jurisprudência e da doutrina no âmbito do Processo Penal Comum.

Sobre o tema, tem-se a lição de Renato Brasileiro de Lima (Código de Processo Penal Comentado. 3ª ed. Juspodium. Salvador, 2018, p. 174):

(...) o arquivamento indireto ocorre quando o juiz, em virtude do não oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, fundamentado em razões de incompetência da autoridade jurisdicional, recebe tal manifestação como se tratasse de um pedido de arquivamento. Quando o magistrado não concorda com o pedido de declinação de competência formulado pelo órgão ministerial, não pode obrigar o Ministério Público a oferecer denúncia, sob pena de violação a sua independência funcional (CF, art. 127, § 1º). Há, assim, um impasse, porque o juiz se recursa a remeter os autos a outro juízo, por se considerar competente para o feito, ao passo que o órgão do Ministério Público recusa-se a oferecer denúncia, porque entende que a autoridade judiciária não é o juiz natural da causa. Não se trata de conflito de competência, porquanto o dissenso não foi estabelecido entre duas autoridades jurisdicionais. Também não se cuida de conflito de atribuições, já que o dissenso envolve uma autoridade judiciária e um órgão do Ministério Público. Nesse caso, deve o juiz receber a manifestação como se tratasse de um pedido indireto de arquivamento, aplicando, por analogia, o quanto disposto no art. 28 do CPP: os autos serão remetidos ao órgão de controle revisional do Ministério Público, seja o Procurador-Geral de Justiça, no âmbito do Ministério Público dos Estados, seja a Câmara de Coordenação e Revisão, na esfera do Ministério Público da União. É este o denominado arquivamento indireto.

Eugênio Pacelli de Oliveira traça as seguintes observações (Curso de Processo Penal. 18 ª ed. Atlas. São Paulo, 2014 págs. 74/75):

Estabelece-se, como se vê, um conflito entre o órgão do Ministério público e o órgão de jurisdição, não havendo norma legal específica prevendo qualquer solução do problema.

Assim, (...) o Supremo Tribunal Federal elaborou curiosa construção teórica, com o único objetivo de viabilizar um controle, em segunda instância, dos posicionamentos divergentes entre o órgão do Ministério Público e o juiz. Pensou-se, então, no arquivamento indireto, segundo o qual o juiz, diante do não oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público, ainda que fundado em razões de incompetência jurisdicional, e não na inexistência de crime, deveria receber tal manifestação como se de arquivamento tratasse.

Síntese da aplicação no Processo Penal Comum

Na legislação processual penal comum, inexiste dispositivo legal que solucione a questão referente à divergência entre o Parquet e o Magistrado de 1ª Instância, quando aquele, no momento processual de oferecimento da Denúncia, argui a incompetência e o Juiz não a acolhe.

A ausência dessa previsão resultou na construção jurisprudencial do instituto do arquivamento indireto.

Assim, no processo penal comum, se o Ministério Público, em lugar de ofertar denúncia peticiona pela incompetência do órgão jurisdicional e o juiz entende ser competente para processar e julgar o feito, este remeterá os autos ao procurador-geral, tratando o caso como se pedido de arquivamento fosse, por falta de disposição legal.

O tratamento dado à hipótese pelo CPPM

No Processo Penal Militar, diferentemente do Processo Penal Comum, a questão tem escorreita previsão legal e se soluciona de maneira mais simples e objetiva, como se observa dos arts. 398 e 146 do CPPM:

Art. 398. O procurador, antes de oferecer a denúncia, poderá alegar a incompetência do juízo, que será processada de acordo com o art. 146.

Art. 146. O órgão do Ministério Público poderá alegar a incompetência do juízo, antes de oferecer a denúncia. A arguição será apreciada pelo auditor, em primeira instância; e, no Superior Tribunal Militar, pelo relator, em se tratando de processo originário. Em ambos os casos, se rejeitada a arguição, poderá, pelo órgão do Ministério Público, ser impetrado recurso, nos próprios autos, para aquele Tribunal.

Assim, verifica-se que o CPPM, nos art. 146 e 398, prevê a hipótese de o órgão do Parquet arguir a incompetência do Juízo Militar antes do oferecimento da Denúncia, seja em sede de Ação Penal Militar, que transcorre em primeira instância, seja sede de Ação Penal Originária, de competência do Superior Tribunal Militar.

Ademais, delineou o procedimento a ser seguido no Processo Penal Militar, que, em síntese, é o seguinte:

1º - formulada a arguição de incompetência pelo Parquet antes do oferecimento da Denúncia, deve o magistrado analisar o pedido, rejeitando-o ou acolhendo-o;

2º - rejeitada a arguição da incompetência do Juízo, cabe a interposição de Recurso Inominado pelo MPM, nos próprios autos, para o Superior Tribunal Militar (STM) (parte final do art. 146 do CPPM).

Assim, pode-se dizer que inexiste a possibilidade de arquivamento indireto no processo Penal Militar.

Aprofundando o presente estudo, importa destacar que, no julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº 7000807.44.2019.9.00.0000, relatado pelo Eminente Ministro General de Exército Marco Antônio de Farias, o STM assim definiu a questão:

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EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (RSE). MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR (MPM). ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. FASE PRÉ-PROCESSUAL. MAGISTRADO. POSICIONAMENTO DIVERGENTE. APLICAÇÃO DO INSTITUTO DO ARQUIVAMENTO INDIRETO. REMESSA DOS AUTOS À PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA MILITAR (PGJM). INCOMPATIBILIDADE COM O RITO PREVISTO NO PROCESSO PENAL MILITAR. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO INOMINADO (RI). NÃO SEGUIMENTO. INTERPOSIÇÃO DE RSE. PROVIMENTO DO RECURSO DO PARQUET. DECISÃO UNÂNIME.

1. O instituto do arquivamento indireto, construção teórica do Supremo Tribunal Federal, tem lugar apenas no Processo Penal Comum porque inexiste, na sua legislação de regência, solução para o impasse estabelecido quando o órgão do Ministério Público deixa de oferecer a Denúncia, fundamentado em razões de incompetência jurisdicional, e o Juiz discorda de sua posição, remetendo os autos ao Procurador-Geral.

2. Diferente, contudo, é o procedimento no âmbito da Justiça Militar da União (JMU). O Código de Processo Penal Militar é expresso ao prever, nos seus art. 146 e 398, a possibilidade de o órgão do Parquet Milicien alegar a incompetência do Juízo no momento processual previsto para o oferecimento da Denúncia.

3. Nesse prisma, formulada a arguição de incompetência pelo Parquet na forma do art. 398 do CPPM, o magistrado deve analisar o pedido, rejeitando-o ou acolhendo-o.

4. Caso seja rejeitada a arguição da incompetência do Juízo, cabe a interposição de Recurso Inominado pelo MPM, nos próprios autos, dirigido ao Superior Tribunal Militar, à luz da parte final do art. 146 do CPPM.

5. Nessa senda, cabe ao Juiz a quo exercer o juízo de prelibação quanto à presença dos requisitos objetivos (cabimento, adequação, tempestividade, fatos impeditivos e extintivos) e os subjetivos (interesse jurídico e legitimidade) do Recurso Inominado.

6. Portanto, o instituto do arquivamento indireto não se aplica ao Processo Penal Militar, haja vista que deve ser adotado o procedimento previsto no art. 146 do CPPM sempre que o Parquet manifestar-se, como lhe faculta o art. 398 do referido Código, pela incompetência da JMU e, por seu turno, o Magistrado a quo entender ser o juiz natural da causa.

7. Caso o Parquet sustente, na forma do art. 398 do CPPM, a incompetência do Juízo e o Magistrado exare decisão contrária a essa óptica, deve este aguardar o prazo legal previsto para a interposição de RI. Na hipótese de não haver a interposição do referido recurso nem o oferecimento da Denúncia, o magistrado deverá proceder na forma preconizada pelo § 2º do art. 79 do CPPM.

8. Recurso provido. Decisão unânime.

Importa transcrever o seguinte excerto do Voto, o qual descreve o procedimento a ser adotado quando da rejeição da arguição de incompetência da Justiça Militar pelo Parquet, antes do oferecimento da Denúncia:

Nessa esteira, ao Juiz a quo cabe exercer o juízo de prelibação quanto à presença dos requisitos objetivos (cabimento, adequação, tempestividade, fatos impeditivos e extintivos) e os subjetivos (interesse jurídico e legitimidade) do Recurso Inominado, remetendo o feito ao STM.

A fim de não dar margem a duvidas, impende gizar que, caso o Parquet sustente, na forma do art. 398 do CPPM, a incompetência do Juízo e o Magistrado exare decisão contrária a essa óptica, deve este aguardar o prazo legal previsto para a eventual interposição de RI.

Transposto o prazo legal sem interposição de RI ou o oferecimento da Denúncia pelo MPM, o magistrado procederá na forma preconizada pelo § 2º do art. 79 do CPPM.

Destarte, como já dito, contrariamente ao que ocorre no Processo Penal Comum, a hipótese dos autos não é caso omisso no Processo Penal Militar, para o qual se deva buscar suprir lacunas nas fontes estabelecidas no art. 3º do CPPM, justamente porque o art. 146 do referido Códex a regular o como se deve proceder diante de tal situação.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, o instituto do arquivamento indireto não tem lugar no Processo Penal Militar, devendo ser adotado o procedimento previsto no 146 do CPPM sempre que o órgão do Ministério Público Militar, antes do oferecimento da Denúncia, manifesta-se pela incompetência da Justiça Militar e o Magistrado entende ser o juiz natural da causa.

Sobre o autor
Claudio Alves

Oficial da Área de Direito do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.

Informações sobre o texto

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