Jus Postulandi nos juizados especiais cíveis estaduais: Uma análise do princípio da paridade das armas nas relações de consumo

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Resumo

O presente estudo tem como finalidade promover um estudo acerca do direito conferido aos cidadãos a buscar o acesso à justiça no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis utilizando-se o jus postunlandi, e se há ofensa ao princípio dá paridade das armas quando o consumidor utiliza essa forma de ingresso à justiça, em razão das empresas serem partes de maior amplitude na relação de consumo e processual, dado suas condições financeiras e aparato técnico no âmbito processual. Para o desenvolvimento da problemática analisada, utilizou-se a metodologia descritiva a partir de pesquisas por meio bibliográfico, baseando-se em livros e artigos. Por fim, conclui u-se que mesmo com os avanços garantidos aos cidadãos quanto ao acesso à justiça, quando o consumidor postula utilizando-se o jus postulandi contra uma empresa, acaba saindo prejudicado em razão da sua vulnerabilidade técnica e econômica, e como forma de mitigar essa disparidade, deve o legislador criar meios que reduza ainda mais essa desigualdade.

Palavras-chave: Acesso à Justiça; Juizado Especial; jus postulandi; Paridade das Armas; Vulnerabilidade do Consumidor.

1 INTRODUÇÃO

O juizado Especial Cível regulamentado pela Lei 9.099/95, tem como diretriz o trâmite de causas de menor complexidade, no entanto, nem toda causa de menor complexidade ou valor poderá ser ajuizada neste juízo, devendo sempre ser observado as vedações legais de cada demanda (ROCHA, 2020). Embora os Juizados possuírem normas próprias para suas regulamentações e disposições, aplica-se subsidiariamente a eles o Código de Processo Civil e Código de Processo Penal.

Conforme consta na exposição de motivos da Lei 9.099/95, para sua criação foi realizado estudo a partir do direito comparado, bem como em projetos nacionais, com o objetivo de criar uma legislação moderna e que atendesse os anseios da sociedade brasileira. Com sua criação não se perdeu de vista o contexto instituído até então pelos Juizados Especiais de Pequenas Causas Civis, haja vista este juízo ter sido de suma importância para a desburocratização da Justiça (BRASIL, 1989).

Os juizados são regidos por meio de princípios próprios e instituídos na sua lei de criação, onde resta claro sua finalidade e como o processo será conduzido, bem como seu objetivo, sendo esses princípios: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível à conciliação ou a transação (BRASIL, 1999).

O Juizado Civil tem como público alvo as pessoas físicas, e demandas que muito dificilmente seriam levadas ao conhecimento do poder Judiciário, sejam em virtude do valor da demanda ou hipossuficiência da parte. Além claro, da possibilidade assegurada ao cidadão a capacidade postulatória tanto no polo ativo, quanto no polo passivo, nas demandas de até 20 (vinte) salários mínimos, porém, em demandas que o valor ultrapasse esse limite, sendo respeitado até os 40 (quarenta) salários mínimos, é obrigatório a presença de advogado (ROCHA, 2019).

Observado esse contexto onde a parte pode ingressar em juízo sozinha, e a importante evolução conferida no que concerne o ingresso à justiça pelas partes hipossuficientes e vulneráveis como é o caso dos consumidores, é necessário ser analisado alguns fatores como o equilibro de poder entres os cidadãos litigantes, e do outro lado, litigantes organizados como empresas ou governos, este último no Juizado da Fazenda Pública, sendo certo que para os pobres, inquilinos, consumidores e outras classes sociais menores favorecidas, tem sido difícil efetivar os direitos conferidos. Existe, ainda, uma disparidade de forças no processo quando uma parte litiga frente a um adversário organizado, com superioridade econômica (TARTUCE, 2012). Diante destes fatos, surge a problemática a ser analisada.

Neste sentido o presente artigo tem como problema de pesquisa o seguinte questionamento: Há ofensa ao princípio da paridade das armas nas relações de consumo onde o consumidor figura como autor utilizando o jus postulandi nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais? Para responder o problema apresentado a presente investigação tem como objetivo analisar e descrever o princípio da paridade das armas nas relações de consumo onde o consumidor figura como autor se utilizando do jus postulandi no juizado especial cível.

Para redigir o tema proposto foi utilizado como meio de pesquisa o método bibliográfico, baseando-se em artigos, livros e leis que se referem diretamente ao problema apresentado. No que diz respeito à sua finalidade trata-se de um estudo descritivo, tendo em vista que se buscou apresentar características e variáveis acerca da problemática posta (VERGARA, 2016).

Por fim, para responder o problema de pesquisa, foram desenvolvidas quatro partes, de forma sistemática e lógica, iniciando-se pela presente introdução, em seguida o referencial teórico onde será desenvolvido todo o problema apresentado e, ao final, será apresentada as considerações finais. Por último e não menos importante, será apresentado as referências que serviram de subsídio para desenvolvimento e construção do estudo.

2 ACESSO À JUSTIÇA

No início, os povos primitivos solucionavam seus embates através da autotutela, isto é, as próprias pessoas decidiam os resultados de suas disputas. Essa época foi determinada pela sobrevivência do mais forte, ou seja, não havia um terceiro indivíduo, um ser neutro, que pudesse intermediar e resolver as rivalidades sociais (PORTELA, 2018).

As condutas preliminares do acesso à justiça atraíram outras adjacências com o passar dos anos, indicando a ênfase do ingresso efetivo à justiça em oposição do seu feitio puramente formal delineado anteriormente (MENEGATTI, 2009).

O artigo 5º da Constituição Federal (2008), aprova a relação dos direitos basilares, inclusive, o direito de acesso à justiça: inciso XXXV a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Posto isto, é importante destacar que a compreensão e execução de novos dispositivos à luz dos fundamentos constitucionais não pode despertar a desigualdade e dificuldades de acesso à justiça. Caso isso ocorra, é dever do judiciário garantir o acesso de todo e qualquer cidadão à justiça (BARROS, 2010).

É a partir do surgimento da ideia de existência de um órgão julgador que surge a necessidade do direito de acesso à justiça. É certo que não basta existir um órgão competente e destinado para a solução de conflitos para que tenhamos a certeza de que todos os conflitos que precisam passar pela jurisdição do Estado serão realmente apreciados. É por este motivo que o referido direito merece atenção especial, não podendo existir dúvida quanto à sua efetividade (PORTELA, 2018, p. 13).

O entendimento de acesso à justiça está diretamente relacionado com a ideia de custo. Estes preços, de qualquer natureza (processuais ou não), bloqueiam e até desencorajam o cidadão a ter acesso à justiça (NOGUEIRA, 2003).

Isso porque, infelizmente, o acesso ao Judiciário é direcionado somente para aquelas pessoas que tem condições de pagar os custos de uma ação judicial, pois, ela abarca gastos como: a contratação de um advogado, honorários periciais e honorários advocatícios sucumbenciais que precisam ser repassados do vencedor ao vencido. Dessa forma, rotineiramente, várias demandas não chegam ao Judiciário (MENEGATTI, 2009).

Nas últimas décadas, houve alterações na legislação com a finalidade de oportunizar o acesso à Justiça. Uma dessas alterações foi à criação dos Juizados Especiais Cíveis, que têm como objetivo a tramitação de ações menos complexas. Porém, por mais que se considere que resolver os problemas menores por meio dos Juizados Especiais permita o acesso à Justiça, isso não é o bastante, pois, esse acesso não se dá somente pelo direito de ação (RAMOS, 2020). Os problemas mundiais de acesso à justiça são classificados em três ondas do Direito Processual:

O primeiro obstáculo diz respeito à necessidade de prover a assistência judiciária àqueles que, por motivos sociais ou financeiros, estejam impedidos de recorrer ao Poder Judiciário para resguardar seus direitos subjetivos;

O segundo obstáculo ao acesso à justiça a que fazem menção Cappelletti e Garth (1988) diz respeito à proteção dos interesses difusos cuja tutela é entregue, exclusivamente, ao próprio Estado, dada a tendência individualista das demandas que, submetidas ao Judiciário, produzem efeitos apenas endoprocessuais, ou seja, o provimento jurisdicional é direcionado exclusivamente às partes que compõem os pólos ativos e passivos de uma demanda;

Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos o enfoque do acesso à Justiça por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em tratá- las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso (CAPPELLETTI, 1988, p. 67-68).

Para garantir o direito do sujeito de se conduzir diretamente ao Judiciário é indispensável constituir uma via de comunicação entre a Justiça e a População, sem intimidações ligadas a contextos retóricos e imperativos, uma vez que não é somente o Judiciário que tem que dizer o Direito. Portanto, não são eficazes apenas mudanças processuais e ornamento das unidades judiciais (BARROS, 2010).

Também não é o suficiente diversificar os procedimentos e deixá-los mais céleres. É necessário democratizar a postura do Poder Judiciário, para que seja compreensível e verdadeiramente acessível ao cidadão. A lei e as normas devem ser compreendidas à luz da realidade vigente, diante de um sistema aberto e à frente de uma sociedade pluralista, na qual se faz necessário respeitar as diferenças sociais e as minorias, dando -se uma interpretação em consonância com a Constituição Federal, por isso o importante papel desenvolvido pelos tribunais e demais órgãos do judiciário de garantidor da tutela dos direitos fundamentais e de fortalecedor da democracia (BARROS, 2010, p. 108).

Dessa forma, percebe-se a perspectiva externa do acesso à justiça, isto é, somente o fato de existir princípio jurídico não é o bastante para a concretização dos objetivos esperados, pois não basta criar a porta, é necessário que se abra ela, minimamente orientando o sujeito para que ele saiba da existência de seus direitos e lute pela garantia deles indo atrás da tutela do Estado (RAMOS, 2020).

Por fim, cabe salientar que a questão da acessibilidade do cidadão ao Judiciário assume expressivo destaque nessa conjuntura, pois ela sugere igualdade de oportunidades para os membros interessados no andamento do processo, assegurando-lhes todos os elementos indispensáveis para a defesa apropriada de seus direitos. Isso se opõe ao benefício histórico dos fornecedores, favorecendo os consumidores. Dessa forma, o intuito de acesso à Justiça surgiu para extinguir essa presunção, pois, tem como propósito o aniquilamento da discrepância entre as partes (LEITÃO, 2010).

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2.1 JUS POSTULANDI

No Juizado Especial o legislador cumpriu de assegurar à parte o direito de postular em juízo sozinha sem assistência de advogado nas demandas de até 20 (vinte) salários-mínimos, e sendo obrigatório ser assistida por advogado em causa que exceda esse valor, sendo que tal direito se encontra expresso no artigo 9º caput e parágrafo primeiro, da Lei 9.099/95 que regulamenta os Juizados.

Essa capacidade postulatória da parte denomina-se Jus Postulandi, onde um cidadão que possua capacidade postulatória e seja civilmente capaz,

pode ingressar em juízo para ter sua demanda satisfeita, sem, contudo, estar representado por um advogado (KEITT, 2020).

Neste sentido, Christiano Augusto Manegatti descreve o jus postulandi como:

No âmbito das ciências jurídicas, a expressão jus postulandi indica a faculdade dos cidadãos postularem em juízo pessoalmente, sem a necessidade de se fazerem acompanhar de um defensor, praticando todos os atos processuais inerentes à defesa dos seus interesses incluindo-se a postulação ou a apresentação de defesa, requerimento de provas, interposição dos recursos, entre outros atos típicos do iter procedimental previsto em lei e aplicável aos diversos ramos do Judiciário (MANEGATTI, 2009, p.161).

Ocorre que esse direito conferido ao cidadão acarretou em diversos debates, haja vista a Constituição da República de 1988 assegurar que o advogado é indispensável a administração da justiça, conforme assevera em seu artigo 133: O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (BRASIL, 1988).

Para muitos o fato do advogado ser indispensável para administração da justiça, bem como à parte sem conhecimento jurídico mínimo postular sozinha, configura sérios prejuízos à própria parte:

Com efeito, nós entendemos que a presença do advogado deveria ser obrigatória não pelo interesse profissional da categoria, mas porque a maioria das pessoas não tem condições de promover adequadamente seus interesses em juízo. Não apenas as pessoas mais humildes, pois mesmo aquelas que têm um nível cultural e social elevado não se sentem seguras para desempenhar uma função que é própria de um técnico capacitado. (ROCHA, 2020, p. 66).

Não obstante a pensamento, deve ser levado em consideração o fato dos cidadãos comuns também não possuírem noções processuais mínimas o que pode ser prejudiciais para o postulante.

É inegável a realidade sociológica na qual os litigantes são desprovidos de informações processuais básicas. Para comprovar essa assertiva, basta considerar a situação do demandante sem advogado nos Juizados Especiais: o desconhecimento sobre o trâmite processual e a inacessibilidade do linguajar técnico podem prejudicar e muito a prática de atos em juízo (TARTUCE, 2012, p. 204)

O fato é que para pessoas comuns que possuem advogados constituídos possuem dificuldade em acompanhar o processo e entender o que ali está ocorrendo, essa dificuldade fica ainda mais exacerbada quando uma parte ingressa sem defensor e não possui o mínimo de conhecimento jurídico para conseguir compreender e resolver os complexos andamentos processuais. É necessário destacar que quando a parte utiliza o jus postulandi, acaba o litigante se tornando um vulnerável técnico no aspecto processual, sendo necessário o magistrado no caso concreto reduzir essa vulnerabilidade, e, esse contexto de vulnerabilidade não é somente perante a parte contraria, mas também sim sozinha, haja vista que ante a falta de conhecimento jurídico e litigando em igualdade contra outra parte assistida por assistência técnica, lhe falta conhecimento suficiente para requerer o que realmente necessita, por exemplo: uma tutela de urgência ou evidencia (TARTUCE, 2012).

Muito além do prejuízo iminente que a parte pode sofrer quando buscar os seus direitos, o direito de estar assistido por um profissional capacitado é uma obrigação do Estado garantir e, não deveria ser uma faculdade da parte que não possui condições financeiras para tanto, sendo certo que o fim de reduzir custo para à parte hipossuficiente buscar a tutela jurisdicional via o Juizado, o caminho mais correto seria criar Defensorias Públicas junto aos Juizados Especiais, como de formar a garantir o acesso das partes a defensores em todas as demandas, e em custos não tão alto para o Estado (ROCHA, 2019).

2.2 PRINCÍPIO DA PARIDADE DAS ARMAS

O legislador quando criou a Carta Magna tratou de deixar expresso que todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinção entre classes sociais, gênero, nacionalidade, garantindo os direitos individuais e coleti vos dos cidadãos brasileiros e estrangeiros que aqui residem (BRASIL, 1988).

Nesta esteira, Humberto Theodoro Junior conceitua o princípio da Paridade das Armas da seguinte forma:

A igualdade de tratamento decorre do princípio do contraditório e não pode se dar apenas formalmente. Se os litigantes se acham em condições econômicas e técnicas desniveladas, o tratamento igualitário dependerá de assistência judicial para, primeiro, colocar ambas as partes em situação paritária de armas e meios processuais de defesa. Somente a partir desse equilíbrio processual é que se poderá pensar em tratamento paritário no exercício dos poderes e faculdades pertinentes ao processo em curso. E, afinal, somente em função dessas medidas de assistência judicial ao litigante hipossuficiente ou carente de adequada tutela técnica, é que o contraditório terá condições de se apresentar como efetivo, como garante o art. 7º do CPC/2015 (JUNIOR, 2020, p. 09).

No referido princípio pode haver criações de regras para tratamento diferenciado entres as partes, em alguns casos, haja vista ser a melhor forma de se garantir a igualdade entre elas (CABRAL, 2016).

De forma a não haver disparidade entre as partes em um processo, deve ser assegurado o equilíbrio entre os litigantes como forma de uma se sagrar vencedor simplesmente por ser mais forte ou deter uma maior amplitude e acesso na produção de provas, por isso é de grande relevância que haja o tratamento diferenciado entre os litigantes desiguais, como forma de equilibrar as forças em um sentido processual (CAMARA, 2021).

Observado o referido princípio, o artigo 7º do Código de Processo Civil de 2015 em sua primeira parte reafirma a igualdade entre os litigantes de um mesmo processo, porém em um aspecto processual, com o objetivo de sempre e em qualquer demanda assegurar que as partes devam ser tratas de forma igual (DIDIER, 2019).

O legislador da seguinte forma sedimentou esse princípio na legislação: é assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório (BRASIL, 2015). Observada essa questão, Daniel Amorim Assunção Neves, assim disserta acerca do princípio da isonomia:

O princípio da isonomia, entretanto, não pode se esgotar num aspecto formal, pelo qual basta tratar todos igualmente que estará garantida a igualdade das partes, porque essa forma de ver o fenômeno está fundada na incorreta premissa de que todos sejam iguais. É natural que, havendo uma igualdade entre as partes, o tratamento também deva ser igual, mas a isonomia entre sujeitos desiguais só pode ser atingida por meio de um tratamento também desigual, na medida dessa desigualdade (NEVES, 2018, p.194).

Um exemplo claro dessa forma de tratamento diferenciado dado a paridade de armas, está previsto na legislação da seguinte forma: a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente (BRASIL, 1990).

Quanto a necessidade de tratamento diferenciado para equiparar as partes, Alexandre Freitas Camara, discorreu sobre algumas hipóteses, conforme a seguir:

De outro lado, porém, partes desequilibradas não podem ser tratadas igualmente, exigindo-se um tratamento diferenciado como forma de equilibrar as forças entre elas. É isso que justifica, por exemplo, a concessão do benefício da gratuidade de justiça aos que não podem arcar com o custo do processo (arts. 98 e seguintes); a redistribuição do ônus da prova nos casos em que haja dificuldade excessiva, impossibilidade de sua produção ou maior facilidade na obtenção da prova do fato contrário (art. 373, § 1o); do benefício de prazo em dobro para os entes públicos (art. 183) etc (CAMARA, 2017, p.14).

Conforme visto, o legislador criou leis para reduzir a desigualdade entre o consumidor e o fornecedor, tratando assim os desiguais de forma desigual, em atenção ao princípio da paridade das armas.

Mas se observado o aspecto processual como um todo, resta c laro que há uma disparidade entre o consumidor e o prestador de serviço quando o consumidor, chamado litigante habitual não é um litigante contumaz -, que litiga especialmente naquele caso de seu interesse, está batalhando frente a uma litigante eventual, isto é, uma litigante que possui todo um amparo jurídico para atuar nas ações judiciais haja vista o consumidor litigar especialmente em suas demandas corriqueiras, e do outro lado uma parte acostumada com o processo e possui meios para ter seus direitos garantidos. Sem contar a parte financeira, onde há outra disparidade enorme entre os litigantes, o que é benéfico somente para o fornecedor, tendo em vista que este suporta o tempo de uma ação judicial, bem como os custos dela com mais facilidade que o consumidor. Resta claro que o consumidor que litiga frente o fornecedor está em uma evidente desvantagem, seja econômica, técnica ou assistencial, estando o fornecedor sempre em vantagem exacerbada frente ao consumidor (TARTUCE, 2020).

2.3 VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

O Direito do consumidor integra um dos tópicos mais propagado no mundo atual. A causa desse destaque é efeito das próprias particularidades da sociedade moderna, ou seja, consequência da maneira como ela se encontra organizada: custos e produção em abundância, uso consecutivo de estratégias de marketing indispensáveis, globalização do comércio de compra e venda e das finanças, expansão do crédito, dentre outros (LEITÃO, 2010).

De acordo com Sergio Cavalieri Filho:

Promover a defesa do consumidor não é uma mera faculdade, mas sim um dever do Estado, mais que uma obrigação, é um imperativo constitucional. E se é um dever do Estado, por outro lado é uma garantia fundamental do consumidor. A defesa do consumidor, além de direito fundamental, é também princípio geral de toda a atividade econômica (FILHO, 2011 p. 11).

O Código de defesa do Consumidor caracteriza a vulnerabilidade do indivíduo no seu comportamento com o fornecedor, dessa forma, é protegido por princípios e garantias que procuram amparar o consumidor e o prevenir de prováveis violações do fornecedor (JÚNIOR, 1995).

Bonatto destaca que:

[...] as regras de conduta e as regras de organização do CDC precisam de um norte para serem bem entendidas, sendo os princípios, portanto, os pilares do microssistema integrado pelo CDC, pela Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), pela Lei nº 8. 884//94 (Lei Anticartel) e outras legislações esparsas. (BONATTO, 2003, p. 28).

A Política Nacional de Defesa do Consumidor tem como intuito atender as precisões do sujeito, acatando a sua dignidade, saúde, segurança, os interesses financeiros e a harmonia nas relações de consumo (ALVIN, 1995).

O princípio da vulnerabilidade é o assunto principal da lei 8.078/1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor. Este princípio está previsto no capítulo que disserta a respeito da Política Nacional de Relações de Consumo, no seu art. 4º, inciso I3. Tal princípio é o que direciona as subversões entre consumidores e fornecedores. Isso porque, ele explana a importância de defender o consumidor que é a parte mais fraca com a concepção de leis específicas, pois as relações de consumo são bastante diferentes entre fornecedores e consumidores. É essencial destacar que a importância de se reconhecer o consumidor como parte mais vulnerável pelo Código de Defesa do Consumidor incidiu em conformidade com a Resolução da ONU 39/248 de 1985, onde destacou no art. 1º que o consumidor é a parte mais fraca, fato reconhecido por todo o mundo (NUNES, 2012).

O consumidor é a mira nos vínculos comerciais, aliciado pelos produtos ofertados fortalece o consumismo, muitas vezes desequilibrando a seu verba para comprar um determinado bem ou serviço sem fazer maiores ponderações sobre a utilidade ou não do produto. Nessa situação o consumidor depara-se em posição de dependência dos grandes fornecedores. É nessa conjuntura que emerge a necessidade da interferência do Estado para contrabalançar os vínculos entre consumidores e fornecedores (SILVA, 2003).

Segundo Alvin:

A vulnerabilidade do consumidor é incindível no contexto das relações de consumo e independentemente do seu grau de cultura ou econômico, não admitindo prova ao contrário, por não se tratar de mera presunção legal. É a vulnerabilidade, qualidade intrínseca, ingênita, peculiar, imanente e indissociável de todos que se colocam na posição de consumidor, em face do conceito legal, pouco importando sua condição social, cultural ou econômica quer se trate de consumidor pessoa física ou consumidor pessoa jurídica. (ALVIN, 1995, p.45).

O emprego do princípio da vulnerabilidade na esfera do direito do consumidor que do ponto de vista jurídico, técnico ou econômico, sanciona o conceito de equilíbrio nas prestações entre consumidor e fornecedor, assim, faz com que as relações de compra e venda sejam mais equilibradas, que valores basilares de direito sejam conservados nas relações de consumo, sabendo- se que o dever do legislador é alcançar este equilíbrio através da legislação (BONATTO, 2003).

Por mais que o consumidor ocupe um lugar de destaque na atual conjuntura mundial, ele está em posição desfavorável quando comparado com o fornecedor, pois, os elos de consumo são marcados, normalmente, pela dessemelhança existente entre o consumidor (o lado mais fraco) e o fornecedor (o lado mais forte), visto que o fornecedor possui mais detrimento do conhecimento, maiores condições econômicas e jurídicas (MELO, 2008).

Todo esse panorama só comprova que, no final, somente quem é privilegiado financeiramente tem vez. É necessário, assim, que o Estado concentre seus esforços nessa realidade e empenhe-se em garantir que os direitos de cada um sejam verdadeiramente concretizados (SOARES, 2006).

Compactuando com esse assunto, Sergio Cavalieri Filho (2011, p.18) afirma que:

A linha de precedentes adotada pelo STJ inclinava-se pela teoria maximalista ou objetiva, posto que viesse considerando consumidor o destinatário final fático do bem ou serviço, ainda que utilizado no exercício de sua profissão ou empresa.

(...)

Por último, evoluiu a jurisprudência do STJ para a corrente finalista mitigada ou atenuada ao admitir a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores e profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais, desde que demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica no caso concreto (...).

Apreende-se, assim, que o Código de defesa do Consumidor foi formado de acordo com a nova abordagem do acesso à Justiça, isto é, com aquele entendimento mais amplo de que o Estado deve garantir esse acesso e de que o procedimento deve servir de instrumento a ele, através de consequências mais justas e efetivas (BRAGA NETTO, 2009).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observado os pontos levantados durante a presente investigação, é possível constatar que o acesso à Justiça com o passar dos anos foi sendo ampliado e garantido cada vez mais ao cidadão, mas, mais importante que conceder o acesso é garantir que esse seja efetivado e utilizado de forma benéfica.

Uma forma de acesso à Justiça garantido ao consumidor é o jus postulandi e, conforme restou demonstrado, essa acessibilidade acarretou grandes benefícios aos cidadãos hipossuficientes que não possuíam condições de arcar com as custas de um advogado em demandas de menor complexidade e valor econômico e, assim, à própria parte pode litigar sozinha na busca dos seus direitos.

No entanto, muito embora esse avanço e direito conferido ao cidadão tenha sido de importante relevância, entretanto, ficou evidente que quando à parte litiga sem um represente técnico capacitado para compreender os tramites processuais, acaba que em razão da sua falta de técnica e conhecimento jurídico, bem como insuficiência de recursos para suportar o longo tempo do processo, a caba o consumidor saindo prejudicado frente a empresa.

Em que pese o legislador de várias formas ter tentado equiparar o consumidor perante as empresas fornecedoras de serviço, seja atribuindo a vulnerabilidade presumida, inversão do ônus probatório, justiça gratuita, às empresas ainda assim continuam em superioridade, em razão dos portes econômicos e, em uma esfera processual possuem um aparato jurídico que lhe conferem maior facilidade no curso processual.

Observado isso, conforme dissertou Rocha (2019), é dever do juiz promover dentro dos ditames legais a redução dessa desigualdade entre as partes. Seja compreendendo as petições redigidas de forma informal ou analisandos os pedidos mau formulados.

Uma forma de garantir essa paridade processual de forma a proteger o consumidor vulnerável frente ao fornecedor de serviço seria a criação de Defensorias Públicas no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis conforme defende Tartuce (2012), órgãos estes que teriam que ser permanente junto ao juízo e, assim, garantir o amplo acesso à Justiça de forma técnica, segura e com todo acesso processual, adaptando a legislação aos que necessitam.

REFERÊNCIAS

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O acesso do consumidor à justiça no Brasil. Revista de Direito do Consumidor, n. 16, p. 22-28, out./dez. 1995.

ALVIN, Arruda. Código do Consumidor Comentado. 2ª ed. São Paulo. Revista dosTribunais, 1995.

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor: à luz dajurisprudência do STJ. 3 ed. Salvador: Podivm, 2009

BARROS, Janete Ricken Lopes de. O acesso à justiça e o Jus Postulandi advogado: imprescindível, sim; indispensável, não. 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 13 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

BRASIL. Lei 9.099/95. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. 26 de setembro de 1995.

CAMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2017.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

CAVALIERI FILHO, Sergio, A Relação Jurídica de Consumo e seus Elementos: Programa de Direito do Consumidor, 3ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2011.

FERNANDA, TARTUCE,. Igualdade e Vulnerabilidade no Processo Civil. Grupo GEN, 2012.

FLÁVIO, TARTUCE,. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual - Vol. Único. Grupo GEN, 2020.

MELO, Nehemias Domingos. Dano moral nas relações de consumo: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008.

MENEGATTI, Christiano Augusto. O jus postulandi e o direito fundamental de acesso à justiça. 2009.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 2018.

NOQUEIRA, Leonardo de Souza, et al. Os Juizados Especiais e a Postulação por meio de Advogado. 2003.

NORONHA, Fernando. Contratos de Consumo padronizados e de adesão: Revista de Direito do Consumidor. Nº 20, São Paulo. Revista dos Tribunais, 1997.

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 7ª ed. São Paulo. Ed. Saraiva, 2012.

PORTELA, Mariana Borges. O jus postulandi nos juizados especiais cíveis: uma análise acerca da efetivação do direito de acesso à justiça.

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ROCHA, Felippe Borring. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais - Teoria e Prática, Grupo GEN, 2021.

SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor Anotado e Legislação Complementar. 3ª ed. São Paulo. Saraiva, 2003.

SOARES, Fábio Costa. Acesso do consumidor à Justiça: os fundamentos constitucionaisdo direito à prova e da inversão do ônus da prova. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

THEODORO Jr., Humberto. Código de Processo Civil Anotado. Grupo GEN, 2020.

Sobre os autores
Talyta Gracielly Teixeira Corrêa

Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Una, campus Betim/MG

Adriano Cardoso da Silva

Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Una, campus Betim/MG

Everson Soto Silva Brugnara

Orientador, Advogado, especialista em Direito Público; Professor de Direito; Professor/supervisor do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade UNA de Betim/MG. (2013/atual); Possui mestrado em Administração, com ênfase em Dinâmica das Organizações e Relações de Poder, pelo Centro Universitário Unihorizontes; Registrado na DRT sob o nº 9099, habilitado para explorar profissionalmente a profissão de artista (ator);

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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