ESTRESSE, REBELDIA E INDISCIPLINA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

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1. O estresse

Durante o período de aquisição da língua materna, a criança não aprende de forma tranquila, como o quer testificar a moderna pedagogia, senão mais bem encontra-se em um estado de pressão psicológica constante. É-lhe imprescindível comunicar-se, pois carece de autonomia, não podendo, portanto, lidar com as adversidades de per si: sobrevive graças ao beneplácito dos adultos que a circundam. Comunicar-se aqui é, por conseguinte, mais do que mera satisfação social: é uma necessidade vital.

A pressão psicológica, neste caso, atua como ferramenta auxiliar do processo mantenedor da vida. Nesse rumo, não importa à criança a beleza das palavras, a ordem lógica com que as utiliza nem as sutilezas linguísticas propiciadas pelos tropos e figuras de estilo. O que ela busca é a supressão de uma carência vital, utilizando-se de todos os meios disponíveis para tanto. Comunicar-se, eis o seu anelo, seja de que maneira for: o balbuciar as primeiras palavras ou a construção sintática das primeiras frases não são mais do que a extensão sine qua non do choro, que, por seu turno, é a primeira linguagem oral que ensaia.

O que faz a criança buscar algo além do choro ou das mensagens corporais e, por conseguinte, criar-se um complexo sistema linguístico? As convenções sociais. E, nesse processo, há quiçá outro engano da moderna psicologia: as crianças, em estado de estresse ou em certas circunstâncias similares, demorarão a desenvolver completamente a linguagem. Dizer um simples não aos pequenos, por esta perspectiva, poderia frustrar-lhes o ego, tornando-os pessoas tímidas para falar, o que lhes barraria o desenvolvimento e aquisição do idioma.

Evidente está que, se criada em ambiente de tortura e violência, seguro ficará revoltada e agressiva. Estes extremos devem ser extintos. No entanto, outros extremos são negativos também: se um professor, ou os próprios pais, corrigem uma criança em um tom ríspido, isso, verdadeiramente, destruiria a autoestima da criança? Se se olha com mais atenção, muitas crianças de classe média, ou até das camadas menos favorecidas economicamente da sociedade, carregam em seu histórico uma miríade de reproches, reprimendas etc., e, nem por isso, deixam de ser comunicativas e extrovertidas. Outras crianças, porém, possuem educação formal exemplar, pais amorosos, lar harmonioso, boa condição financeira, e, mesmo assim, chegam a adquirir uma timidez profunda. Disso se infere que não são apenas as broncas e as reprimendas na infância que formam o tímido: há distintas causas e fatores, talvez até mesmo biológicos.

As dificuldades - pelas quais uma criança, em processo de aquisição da língua materna, ou em situação de bilinguismo, passa - são diferentes das vivenciadas por um adulto que deseje aprender um segundo idioma, isso porque o objetivo de ambos geralmente é muito diferente: a necessidade da criança é existencial, enquanto a do adulto é meramente social. O adulto já logra comunicar-se em sua língua materna, quer aprender outra língua por razões distintas: desde melhoria salarial à pura e simples satisfação pessoal. Não lhe é vital tal aprendizado, embora, em alguns casos, seja-lhe extremamente importante.

Grande parte dos adultos, ao estudar um segundo idioma, sofre com entraves à hora de chegar à fluência, sendo o medo de expor-se o principal deles. De fato, é comum deparar-se com situações em que os estudantes de línguas encontram-se intimidados, sobretudo quando em frente a nativos do idioma alvo. Sobre isso, há teorias que dizem que tais estudantes sofreram pressões na infância, que sua timidez não é natural, que o contexto é o responsável pelas dificuldades deles. Também é comum encontrar estudantes de idiomas estressados porque não conseguem falar adequadamente, embora já estejam estudando há anos. Neste caso, há uma auto-pressão, ou seja, o estudante se compara com os demais, vê que muitos aprendem rapidamente, enquanto ele parece não desenvolver-se a contento.

No entanto, esse estresse é fundamental, sendo raros os casos de aprendizado de uma língua sem certo grau de estresse.

A criança, à medida que vai crescendo, percebe que somente os gestos, o choro e gritos não são suficientes para suprir suas necessidades: deve copiar o modo de ser dos adultos, e o idioma entra nesse pacote. Se apenas o choro de uma criança resolvesse todos os seus problemas, talvez nunca desenvolvesse a sua capacidade fonológica para a aquisição linguística. É o estresse que a motiva, é a necessidade que a faz avançar. Portanto, não parece ser certo que a criança não esteja estressada à hora de aprender a língua mãe. O entorno, em geral, possibilita-lhe aprender por repetição. Uma criança neste estado comete uma infinidade de erros fonéticos, sintáticos, lexicais etc., porém ao cometê-los há alguém para orientá-la a como pronunciar ou organizar a sintaxe. Verdade é que o que lhe importa não é o falar correto, fluído e florido, senão o comunicar-se para suprir suas necessidades. Ela aprende por repetição, ouve, balbucia, mas aprende mais a ouvir. Esse processo é árduo, lento e às vezes cheio de reproches por parte dos adultos.

2. A escola e o bullying

Então, finalmente, aprende a língua, conhece as estruturas morfossintáticas e as fonológicas, falta-lhe, porém, aprimorá-las. É nesse momento que a escola entra. No entanto, alguns teóricos dizem que as crianças das classes menos favorecidas sofrem preconceitos linguísticos nas escolas, pois nestas a variante padrão seria tida como a melhor, sendo as demais variantes tachadas de incorretas. Neste ponto, continuam, muitas crianças, já totalmente possuidoras da língua materna, porém acostumadas a não usar a variante oficial, teriam grandes dificuldades de entender textos e o falar dos professores. Ademais, elas sofreriam bullying por sua forma de falar, de vestir e de pensar. Ou seja, concluem, há aí uma batalha entre classes sociais, a privilegiada tentando manter-se no poder e pressionando para que as demais se mantenham estáticas.

Alguns até sugeriram que os livros e a linguagem dos professores fossem traduzidos para o linguajar das variantes populares. Afirmam eles que há uma variante linguística, utilizada pelas classes médias e altas, porém nem sempre usual entre as classes menos favorecidas economicamente. Isso produziria um choque linguístico dentro das escolas, pois as crianças pertencentes às classes mais abastadas seriam preconceituosas em relação aos dialetos das crianças das outras classes sociais. Isso explicaria o porquê de muitas crianças de famílias humildes em casa serem extrovertidas, mas na escola demonstraram timidez excessiva. Como consequência, haveria um elevado índice de abandono das escolas, o que levaria os filhos das classes obreiras a continuar na pobreza, pois seria a escola o meio mais seguro de tirá-los de tal situação.

Tudo aí é muito generalizado. Cientificamente, há como provar que todas as escolas burguesas foram criadas para humilhar os filhos das classes obreiras? Cientificamente, há como provar que o indivíduo que não se preocupa com a variante oficial não será bem-sucedido economicamente?

É óbvio que há bullying nas escolas, mas este é mais democrático do que se pode pensar, ou seja, ele é sofrido por indivíduos de todas as classes sociais, inclusive das mais abastadas. Pode ser que haja preconceito linguístico, mas não se sabe se isso é algo generalizado, pensado, calculado para manter os operários quietos, submissos, dominados. Da mesma forma, há o preconceito contra os obesos, os CDFs, os aleijados, os feios, os gagos etc., isso não implica, contudo, que exista um grupo elitizado tentando eliminar tais pessoas. Ou seja, a escola é um ambiente às vezes bastante hostil, mas isso não quer dizer que seja pensada para frear o desenvolvimento dos mais pobres.

Em suma, não há uma guerra de classes como querem alguns demonstrar, mas, infelizmente, algo quase inerente à natureza humana: o desrespeito aos demais. Se não houver alguém para moderar, impedir esses fenômenos, a tendência é que eles se tornem mais graves. Daí a importância primordial da ordem e disciplina, pois sem estas a desordem e a bagunça prevalecem. E pouco adianta falar em igualdade onde não há ordem e disciplina.

3. A motivação e o método

Entretanto, e se as crianças e os jovens não quiserem aprender, o que fazer? Entra em cena a questão da motivação, que demarca algumas diferenças político-metodológicas entre a cultura latino-americana e outras, nas quais a noção de disciplina individual e social é mais contundente.

As sociedades de origem anglo-saxônica, germânica, escandinava e asiática são consideradas, pelo imaginário popular latino-americano, como disciplinadas, trabalhadoras e inteligentes. De fato, o poder econômico da Alemanha e a influência tecnológica do Japão, China e Coreia do Sul têm despertado interesse em muitos pesquisadores. Nestas regiões, é rotineiro que os estudantes passem pelo ensino médio e aprendam os conteúdos que lhes são ministrados, inclusive os inerentes às línguas estrangeiras, chegando alguns a um bom grau de fluidez.

Isso ocorre não porque sejam mais inteligentes, senão porque têm uma cultura de aprendizado diferente da latino-americana: o valor do aprendizado é uma arma que os pais tentam incutir em seus filhos desde cedo; assim, os filhos aprendem a buscar o saber para desenvolver-se pessoal e socialmente. Nestas sociedades, o modelo educacional não aceita o aluno relapso, indisciplinado e negligente, independentemente do modelo político-econômico adotado. Para elas, os métodos, as técnicas, as ferramentas educacionais etc são importantes, porém não são os pilares essenciais do ensino-aprendizagem: valorizam o bem formado, seja autodidata ou não, o intelectual e o estudante dedicados.

Portanto, o peso do aprendizado recai sobre o aluno e não sobre os professores apenas. Não somente a escola ou a universidade aguçam a curiosidade dos estudantes, mas sim a sociedade em geral. Muitas dessas sociedades não possuem recursos econômicos ou materiais, têm, logo, que fazer de tudo para consegui-los: não há espaço nem tempo para a preguiça. Talvez os grandes exemplos sejam Israel e a Suíça. Ambos países, além de um exército bem treinado, não se podem dar ao luxo de ter um sistema educativo ineficiente, pois estão em constante vigilância dos seus respectivos vizinhos, às vezes nem sempre cordiais. O povo deve estar unido, em uma unidade perfeita, senão corre o risco de extinção. Por isso, o desejo de melhorar, de fazer o correto, pensando na coletividade, é incentivado tanto na escola quanto nas famílias e demais instituições: disso, literalmente, depende o futuro de tais países. Estudar aí não é sinônimo de apenas passar de ano, mas de aprender e gerar novos conhecimentos.

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Nas sociedades latino-americanas, contudo, ocorre o contrário. Há uma preocupação desmesurada com os métodos e as técnicas educacionais. Os professores são quase sempre estimulados a dar classes alegres, motivadoras, cheias de coisas geniais e inovadoras, de preferência com efeitos especiais, mesmo que, para tanto, tenham que diminuir a profundidade e complexidade do ensinado. Os gestores escolares, hoje, querem que as salas de aula sejam similares aos cinemas, viciantes como as redes sociais e inovadoras como a indústria tecnológica. Por isso, o mais importante é como ensinar e não o que ensinar.

4. Educação e democracia

Os que defendem os métodos contemporâneos acusam os métodos tradicionais de ineficientes; os que defendem os métodos tradicionais dizem que a rebeldia é fruto da preocupação exacerbada com os métodos e técnicas e a não consideração dos conteúdos educacionais como elemento fundamental. De fato, às vezes parece que se Einstein ou Platão viessem a dar aulas nas escolas públicas latino-ameriacanas, talvez fossem chamados de tradicionais ou despreparados para o ensino por não saberem utilizar recursos digitais, limitando-se ambos a aulas expositivas ou a uma educação bancária, isto é, aquela que o professor fala e fala e o aluno ouve e ouve.

Essa preocupação com dar voz ao outro, tão propagadas por pedagogos de cunho freiriano, em termos educacionais, é uma característica das repúblicas capitalistas democráticas ocidentais. Cada vez mais a sociedade ocidental nega as bases daquilo que a ajudou a ser grande. Um país que seja capitalista, e que pregue os ideais freireanos, se, porventura, tornar-se comunista, deixará de usar as ideias pregadas pelo pedagogo brasileiro, pois estas falam de rebeldia contra o sistema, contra as ideias que são impostas, e um sistema comunista, pelo menos até hoje, sempre colocou o Estado como o grande senhor, impondo políticas que são consideradas ideais por uma elite intelectual, isto é, na prática, é mais autoritário do que um regime de exceção.

As ideias freireanas não são muito utilizadas por sistemas comunistas e sociedades capitalistas conservadoras. Os sistemas políticos cubanos, chineses, norte e sul-coreanos e, inclusive, dos estados mais tradicionais dos Estados Unidos não têm essa preocupação em evitar a "educação bancária", mas sim em demonstrar que a sala de aula tem uma hierarquia, cujo topo é o professor. Isso não implica autoritarismo ou que não haja debates, mas estes têm a hora certa, há perguntas, mas estas não são para humilhar o professor. Em tais escolas, o método e a técnica são importantes, mas não mais importantes do que o professor bem formado intelectualmente, pois, assim, este saberá distinguir o essencial do superficial, o útil do inútil, buscando os métodos e técnicas ideais para cada situação específica.

Em boa parte da América Latina, ao contrário, se o aluno não aprende a culpa é, antes de tudo, da escola e do professor, somente depois vêm os governos, os pais e os próprios estudantes. Os países citados acima, sejam capitalistas ou comunistas, possuem algo em comum, em se tratando de educação: cada um dos protagonistas do ciclo educacional deve fazer bem o seu papel, principalmente o aluno, que não é tão mimado como nas sociedades latinas. E não se estar a falar aqui em reprovação ou autoritarismo, mas sim em exigir que as partes cumpram suas obrigações.

Por que a China e o Japão conseguiram superar os percalços da Segunda Guerra e atingir um sistema de ponta na educação, e a maioria dos países latinos não? Falta de recursos? Não. Falta de inteligência. Não. Falta de estrutura? Não. Falta então o quê? Um discurso homogêneo. Nas democracias latinoamericanas há um dualismo político exagerado: se uma determinada visão política chega ao poder, os adversários fazem de tudo para que logo ela saia, mesmo que, para tanto, contribuam com a piora do país. Os liberais querem um modelo de escola e universidade, os socialistas e comunistas, outro. Não há entendimento: e casa dividida não fica em pé

5. O Ocidente nega a si mesmo

Os ocidentais fizeram suas riquezas baseados na disciplina militar ou intelectual, nos anos de escolas tradicionais e ensino rigoroso. Em muitos países, isso continua. No entanto, as coisas já vêm desde o século XIX mudando. Os Estados Unidos são o grande exemplo disso. A grande potência do mundo está sendo vítima do dualismo supracitado. Foi a disciplina protestante que fez tal nação ser a potência que é hoje. No entanto, gradativamente a educação americana começou a fragmentar-se, pois o modelo de educação atual, em muitos dos estados daquele país, está agora baseado na rejeição aos valores tradicionais, o que tem possibilitado outras nações ameaçarem a sua hegemonia. Este é o caso da China e Rússia, por exemplo. Tanto isso é verdade, que o paradigma cultural ocidental, baseado no individualismo exacerbado e na indisciplina, tem sido rechaçado pela China e Rússia constantemente. Tais países sabem que a cultura ocidental está em decadência, justamente por estar há décadas negando-se a si mesma. Dentro das sociedades democráticas do Ocidente, há grupos organizados que negam quase tudo o que seus antepassados fizeram.

Só para ilustrar: ambientalistas radicais, mais do que clamarem pela preservação da natureza, gritam contra a sociedade cristã-capitalista, a única que permite a liberdade de expressão (fraca, é verdade, mas constante), acusando-a de ser a geradora de duas coisas contrárias ao meio: consumismo, provocado pelo capitalismo; crescimento populacional, provocado pelo discurso cristão, afinal está escrito na Bíblia: Crescei e multiplicai". Desde o final do século XIX, uma onda gigantesca de combate à sociedade cristã e capitalista tenta destruir tal sociedade corroendo-lhe os seus pilares: a família, a igreja, o exército e a escola.

A China, por outro lado, em questão de horas, pode mudar uma política que lhe esteja causando malefícios. Se perceber que o uso massivo de carvão mineral ajudará o país a sair de crises, voltará sua atenção imediatamente para tal recurso, não dando espaço para que manifestações pró meio ambiente atrapalhem suas decisões. O mesmo faz a Rússia.

A nação de George Washington, porém, não tem essa possibilidade, se os republicanos tomam uma decisão, os democratas tentam freá-la; se os democratas decidem algo, os republicanos discordam. Não é à toa que perderam a hegemonia econômica e agora correm o risco de perder a militar. Ocorre com os Estados Unidos o mesmo que passou com o Império Roamano à época de Júlio César: a república já não conseguia garantir a unidade político-administrativa. A república caiu, mas a transição foi violenta.

As últimas eleições presidenciais norte-americanas demonstraram o quanto aquela sociedade está dividida e em pé de guerra. Isso tudo tem refletido no seu sistema educacional, antes preocupado com o mérito, seja ele tradicional, seja ele inovador (como é o caso dos gênios surgidos no Vale do Silício), hoje tem que conviver com políticas progressistas exacerbadas: certa universidade norte-americana chegou a criar mecanismos que dificultem a entrada de alunos de origem asiática, pois consideram que eles tiram as vagas dos outros grupos sociais, tratados como menos favorecidos. Como consequência, cada vez mais as mentes brilhantes norte-americanas estão deixando-se ingressar em uma espécie de submundo, onde a figura do hacker, por exemplo, é a mais comum. No referido país, os grandes gênios da informática nem sempre passaram por universidades ou, se passaram, não concluíram os cursos - o exemplo mais claro é o de Steve Jobs. As escolas americanas têm se tornado flexíveis em excesso, confundindo políticas positivas com progressismo político-partidário.

Algo parecido tem ocorrido com os povos latino-americanos, comumente considerados indisciplinados, sendo o Brasil um dos grandes expoentes dessa forma de ser. Não por acaso, um grupo significativo da intelectualidade brasileira considera a indisciplina como uma forma de rebeldia inconsciente do povo em relação às elites dominantes. Assim, haveria um elogio explícito à forma como o Brasil colonial burlava as leis advindas de Portugal. Segundo essa perspectiva, a rebeldia dos autores nacionais dos períodos romântico e do modernismo seria apenas consequência da forma como o Brasil foi formado: um povo tendo que criar subterfúgios constantes para sobreviver e vencer as barreiras impostas pelos poderosos.

Entretanto, a noção de rebeldia aí está mesclada com o conceito de luta de classes, da qual se infere as seguintes noções: os pobres eram vítimas dos ricos, havendo um preconceito por parte destes que não deixavam aqueles crescer economicamente. A classe média teria sido vítima de um sistema educativo ineficaz, preocupado apenas com a formação de mão de obra laboral, no qual a figura do professor exigente seria a responsável pela repressão da criatividade e liberdade de expressão dos alunos. Tal professor seria o equivalente, nas escolas, dos gerentes das fábricas e lojas. Desta forma, os alunos eram preparados para ser subalternos e condescendentes com as estruturas das empresas burguesas. Por conseguinte, a escola e a família trabalhavam no intuito de reprimir a rebeldia social estabelecida nas comunidades. As provas escolares eram árduas, e a pressão familiar era tida como necessária para a capacitação dos alunos. Era necessário, portanto, apropriar-se da escola e combater esse tipo de professor tradicional e seus métodos retrógrados e, também, mudar a mentalidade das famílias.

No entanto, a rebeldia brasileira não se limita a essa questão de classe, pois entre os ricos há rebeldia e indisciplina, até mesmo os poderosos possuem essa característica, seja no desrespeitar um sinal vermelho no trânsito ou deixarem de pagar os impostos, por se sentirem lesados. Para alguns, a corrupção seria apenas uma consequência da forma como os brasileiros lidavam com os seus repressores: as classes médias brancas praticavam atos de corrupção contra a coroa portuguesa; já as classes mais pobres e as escravizadas faziam o mesmo, só que com os senhores de engenho, com os burgueses locais etc. Ou seja, a corrupção no Brasil teria nascido de uma luta legítima contra o conquistador e o escravizador.

Se isso fosse uma verdade científica, teria que ocorrer a mesma coisa em outras regiões, com características similares. Os Estados Unidos, por esta ótica, possuem uma formação histórica parecida à brasileira, por que então a corrupção aqui é generalizada, estando presente em todas as classes sociais, sendo, inclusive, incentivada pela mídia (veja a Lei de Gerson, por exemplo), aplaudida por intelectuais, aceitas massivamente nas escolas (veja a cola e o plágio)?

Tanto tempo depois da colonização, o Brasil ainda continua corrupto por uma questão histórica? A simples cola em sala de aula é fruto daquela luta legítima contra o opressor ou um defeito moral provocado pela indisciplina e desordem em que o país se encontra? Se a escola tomar uma atitude dura com respeito à cola, sofrerá punições? A mensagem passada para muitos estudantes é a de que colar vale à pena, afinal o aluno pensa o seguinte: Se colo e não sou pego, maravilha; se colo e sou pego, o máximo que vou levar é um reproche e ponto. Melhor colar. Isso é indisciplina, é corrupção moral.

7. O individualismo exacerbado e a cola

O modelo de educação latino-americano poderia basear-se em seriados como Malhação e Rebeldes, nos quais os jovens demonstram um individualismo que ronda a indisciplina e a desobediência. Resultado: o estudante ingressa na cultura do não aprender, onde a cola é algo moralmente rechaçada, porém, na prática, pouco combatida, tendo a universidade, como reflexo, um elevado índice de plágio, inclusive em trabalhos de pós-graduação.

No Brasil, a cola é, em muitíssimos casos, vista como uma forma de superação das dificuldades, uma maneira que os alunos, oprimidos pelo sistema, encontram de superá-lo. É muito comum os latinos justificarem essa sua conduta com tais dizeres: Nos países asiáticos o índice de pessoas que se suicidam é alto devido ao grau de disciplina e constante apreço aos valores tradicionais que tais sociedades possuem. Assim, o Japão, por exemplo, torna-se o modelo de países nos quais a disciplina e o rigor no aprendizado são mostras de que isso é nocivo. Também se diz que os latinos são muito felizes e que por isso o índice de suicido é baixo. Será isso verdade?

Desde uma perspectiva político-educacional, chega-se a quase pôr professor e aluno em um mesmo nível funcional, ou seja, o professor deixou de ser um agente ativo no processo de aprendizagem dos alunos e passou a ser um mero mediador, uma espécie de árbitro, perdendo portanto a importância que tinha, por exemplo, Platão para seus discípulos.

Isso, contudo, não ocorre na China, Rússia, e, em grande medida, em quase todo o Oriente. No Japão, o professor é visto como um intelectual, um mestre naquilo que faz, alguém que detém um saber acumulado e que o repassa a aqueles que dele necessitam. Esse professor, porém, não é confundido com o autoritário e o desrespeitoso; ao contrário, é um democrata, mas o Estado delimita bem as funções e hierarquias, assim, o aluno está, por essa perspectiva, degraus abaixo do professor, não podendo ser desrespeitado nem desrespeitar. Cada um deve cumprir o melhor possível o seu papel.

Dizem que os melhores estudantes de idiomas são os asiáticos. Isso lhes dá a fama de inteligentes, e de fato o são. No entanto, não são em média mais inteligentes do que os ocidentais. Grandes gênios da ciência, filosofia e tecnologia são ocidentais, sobretudo dos Estados Unidos e da Europa. Querem levar a crer que os gênios são insubordinados porque não aguentam a mediocridade dos demais, por isso são rebeldes e insatisfeitos. Será mesmo? Este estereótipo de gênio é algo que está corroendo as sociedades ocidentais. Intelectual, entre os latinos, passou a ser aquele que, mesmo tendo uma leitura superficial ou pouca reflexão profunda sobre os temas, grite contra o sistema, mesmo que não entenda este completamente.

Sobre o autor
Elton Emanuel Brito Cavalcante

Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - UNIR; Mestrado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Rondônia (2013); Licenciatura Plena e Bacharelado em Letras/Português pela Universidade Federal de Rondônia (2001); Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Rondônia (2015); Especialização em Filologia Espanhola pela Universidade Federal de Rondônia; Especialização em Metodologia e Didática do Ensino Superior pela UNIRON; Especialização em Direito - EMERON. Ex-professor da rede estadual de Rondônia; ex-professor do IFRO. Advogado licenciado (OAB: 8196/RO). Atualmente é professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia - UNIR.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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