O filme “Instinto Fatal” e a traição que qualifica o homicídio.

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A TRAIÇÃO.

A traição é um ato de quebra de confiança. Quebra da crença que uma pessoa tem na outra quanto à sua lealdade. Para isso, deve conhecer o traidor. Ninguém trai ou é traído por uma pessoa que desconhece.

No homicídio, a vítima conhece e deposita confiança no agente, não tendo motivo algum para suspeitar que ele possa querer causar sua morte, do que se vale o agente, assim favorecido, para atacá-la de modo sorrateiro, súbito e inesperado, antes de perceber o gesto criminoso e sem chances ou com dificultadas oportunidades de defesa exitosa da sua vida.

Conforme NORONHA, a traição deve ser informada pela quebra de fidelidade, ou confiança, depositada no sujeito ativo[1].

INSTINTO FATAL, O FILME.

Famoso filme estrelado por Sharon Stone, Instinto Fatal, nas suas primeiras cenas, envolve o homicídio do dono de uma casa noturna na cama, cometido pela parceira de sessão de sexo que, sem ele perceber e muito menos esperar que viesse a ser morto em tais circunstâncias, pegou do chão, escondido sob a cama, um picador de gelo e o golpeou no pescoço violentamente.

A cena retrata uma típica execução homicida com perfídia e deslealdade da mulher, que visava surpreender e impedir, tal como se deu, qualquer reação defensiva.

A doutrina denomina o homicídio à traição de proditório, do latim homicidium proditorium. A traição é um modo de execução qualificador do homicídio, previsto no inc. IV do § 2º do art. 121 do CP, crime hediondo, cuja pena cominada é de 12 a 30 anos de reclusão.

TRAIÇÃO E SURPRESA.

Diferencia-se a traição da surpresa.

Por exemplo, quando a vítima está dormindo e é mortalmente atacada, falta o elemento confiança, caracterizando-se, mediante interpretação analógica, por sua perfídia, a qualificadora da surpresa. Assim, se após luta corporal com o filho, o pai se aproveita dele estar dormindo em sua cama para surpreendê-lo no ato de ataque letal, atua com surpresa.

Enquanto na traição há a boa-fé de quem é traído, o procedimento covarde e de má-fé da surpresa dispensa o liame subjetivo da confiança, sendo suficiente apenas o requisito objetivo do ataque repentino, inesperado, para qualificar o homicídio[3].


[1] Direito Penal Parte Especial. 20 ed. São Paulo: Saraiva,  1984, vol. II, p. 33.

[2] Distinguem-se o tiro nas costas e o pelas costas, pois, enquanto este é indício da qualificadora, o outro pode ser ocasionado em momento de luta (TJPR, RF271/266; TJRJ, RF263/338). Atirar pelas costas configura (TJSP, RJTJSP

101/405; TRF4, Recurso Crime 853).

[3] RJTJRGS, 134/92.

Sobre o autor
Carlos Otaviano Brenner de Moraes

Participa com seus artigos das publicações do site desde 1999. Exerce advocacia consultiva e judicial a pessoas físicas e jurídicas, numa atuação pessoal e personalizada, com ênfase nas áreas ambiental, eleitoral, criminal, improbidade administrativa e ESG. Foi membro do MP/RS durante 32 anos, com experiência em vários ramos do Direito. Exerceu o magistério em universidades e nos principais cursos preparatórios às carreiras jurídicas no RS. Gerações de atuais advogados, promotores, defensores públicos, juízes e delegados de polícia foram seus alunos. Possui livros e artigos jurídicos publicados. À vivência prática, ao estudo e ao ensino científico do Direito, somou experiências administrativas e governamentais pelo exercício de funções públicas. Secretário de Estado do Meio Ambiente, conciliou conflitos entre os deveres de intervenção do Estado Ambiental e os direitos constitucionais da propriedade e da livre iniciativa; Secretário Estadual da Transparência e Probidade Administrativa, velou pelos assuntos éticos da gestão pública; Secretário Adjunto da Justiça e Segurança, aliou os aspectos operacionais dos órgãos policiais, periciais e penitenciários daquela Pasta.

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