1. INTRODUÇÃO
A questão dos maus-tratos aos animais vem sendo discutido desde os tempos mais antigos. No hodierno, a sociedade tem mudado sua concepção e posicionamento acerca deste tema, gerando alterações jurídicas, movimentos e ONGS direcionadas a proteção animal, superando entendimentos que animais são apenas coisas. Diante disso, a população de animais domesticados cresceu de maneira significativa.
Em contrapartida, esta a pratica de abandono e maus tratos que, embora o homem tenha evoluído na sua relação com os animais, é um dilema ainda presente e recorrente na sociedade. De maneira genérica, o conceito de maus-tratos nada mais é que submeter alguém a tratamento cruel, trabalhos forçados e privação de alimentos e cuidados e são praticados pelas pessoas por motivos culturais, sociais e psicológicos, no contexto animal esta definição vai além disso.
A convivência entre o homem e o animal traz benefícios, entretanto, é necessário garantir o bem estar animal, exercendo uma guarda responsável. A lei dos crimes ambientais dispõe que aquele que praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais será punido, ou seja, entende-se que o homem possui a obrigação legal de respeitar os animais e seus direitos. Nesse sentido, a legislação e os maus tratos animais devem ser analisadas a fim de verificar medidas que podem complementar a legislação para proteção animal.
2. A evolução e o debate filosófico acerca dos direitos dos animais:
Ao longo dos séculos há uma luta de domínio e superioridade do homem contra os animais, levando a diversos questionamentos e posicionamentos acerca dos direitos dos animais no universo dos seres humanos. No século VI, o filósofo Pitágoras já estudava sobre o respeito aos animais, defendendo que os animais possuem direito a vida e bom tratamento. Por outro lado, o filósofo Aristóteles também realizou estudos sobre os animais, e sustentou a teoria de que os homens possuiam superioridade à frente dos animais. (LEVAI, 1998, p. 13 e 14).
Já no ano de 1859, Charles Darwin, célebre por seus avanços sobre evolução nas ciências biológicas, publicou o livro A Origem das Espécies que defendia que organismos vivos evoluem através de um processo que chamou de evolução natural, com isso, contestou a tese de domínio humano sobre os animais (SILVA, 2011, p. 152-153). Apesar disso, o termo direito, no que concerne a proteção animal, demorou a surgir, vindo a aparecer somente no século XVII, segundo Richard Ryder, foi neste mesmo século, que apareceu à primeira lei de proteção dos animais, nos Estados Unidos.
Entretanto, o filósofo René Descartes, discordava que animais deveriam ser seres detentores de direito e argumentou que, animais não possuíam alma, não pensavam e por isso, não sentiam dor, definindo-os como máquinas, destituídos de inteligência, com a mera utilidade de satisfazer os prazeres dos humanos, para assim justificar a exploração dos animais. Nesse sentido, Mól e Venancio defendem as observações de Descartes:
Quando um animal geme, não é uma queixa, mas apenas o ranger de um mecanismo que funciona mal. Quando a roda de uma charrete range, isso não quer dizer que a charrete sofra, apenas que ela não está lubrificada. Devemos entender da mesma maneira o gemido dos animais e é inútil lamentar o destino de um cão que é dissecado vivo em laboratório. (2014, p. 15).
Neste contexto, devemos entender que a racionalidade e a capacidade de pensar não deve ser um fator fundamental, sequer deve ser considerado para que os animais possuam direitos. O filósofo Jeremy Bentham (1979) defendia esse lado com a seguinte abordagem:
Um cavalo ou cachorro adulto são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de um dia, de uma semana, ou até mesmo de um mês. Supondo, porém, que as coisas não sejam assim, que importância tem tal fato? A questão não é, eles são capazes de raciocinar? Nem, são capazes de falar?, mas sim, eles são capazes de sofrer?. (BENTHAM, 1979, p. 26).
A partir do debate mencionado, surgiram teorias de que os atos de crueldade praticados pelos homens é consequência da crueldade já sofrida por eles, no ano de 1892, foi publicado por Henry Stephens Salt, o livro Animal Rights (Direito dos Animais), para Henry, a forma que o ser humano se relaciona com os animais é consequência da crueldade e brutalidade já praticadas contra eles (SILVA, 2011, p. 145).
Mais tarde, já no século XX, o filósofo Peter Singer trouxe para a contemporaneidade a introdução de questões éticas e políticas que envolvem os animais, publicou no ano de 1975, o livro Libertação Animal, com a ideia central de que animais possuem direitos inclusive o direito de viver e não sofrer, este autor defende a minimização do sofrimento animal. Entretanto, após a publicação da obra de Singer, Richard Ryder acarretou a um debate direcionado ao especismo, um fundamento que legaliza as práticas de uso animais. (SINGER, 2010).
O termo especismo foi criado por Richard Ryder, em 1970, com a ideia que o ser humano deve considerar apenas seres da própria espécie, segundo Singer especismo não é apenas discriminação, mas preconceito, atualmente o especismo é usado frequentemente em analogia ao racismo e sexismo.
O filósofo e ativista estadunidense Tom Regan (2004), um dos principais pensadores contemporâneos publicou no ano de 2004 o livro Jaulas Vazias, nesta obra coloca homens e animais no mesmo nível, semelhantes em vários aspectos, inclusive na moral, afastando a ideia do especismo, segundo Regan, os direitos morais devem ser entendidos como barreiras protetivas, criando um estado de unidade ética pautada pelas noções de igualdade e respeito.
De acordo com sua filosofia, o direito de ser tratado com respeito é fundamental para o indivíduo, visto que, são sujeitos-de-uma-vida, e para o escritor sujeito-de-uma-vida é um ser autoconsciente e senciente. Diante do que já foi exposto observa-se que, desde os primórdios, o homem possui domínio sobre os animais, estes viviam para satisfazer os prazeres humanos, seja para consumo, vestuário, submetendo-os a morte. Lévequê coloca em umas das suas obras:
Nas representações das cavernas são os animais que marcam maior presença [...] Este predomínio explica-se facilmente pelo modo de vida dos paleolíticos, que deviam aos animais de grande porte o essencial da sua alimentação e vestuário. Com eles se tem de confrontar nos perigos de caça; são eles que melhor encarnam as forças vivas da floresta, da natureza, enquanto os vegetais enquanto os vegetais estão praticamente ausentes desta decoração. (2006, p.18)
Ao longo dos anos, com o avanço da tecnologia, esta realidade foi se modificando, cães foram sendo domesticados e alguns animais foram ate considerados como seres divinos, ou seja, passaram os anos e o homem apenas mudou a forma de submeter os animais aos seus desejos, sendo utilizados, algumas vezes, de maneiras vitais, mas também desnecessárias, segundo o historiador Henrique Carneiro a relação do ser humano com os animais domesticados vem marcando o processo de desenvolvimento das civilizações, uma vez que, os animais têm servido para os mais diversos fins.
Não só como alimento, transporte, tração, decoração, caça e companhia, mas como encarnações do sagrado, símbolos totêmicos, personificação dos deuses, os animais incitam gulas, tabus e complexas regulações rituais (CARNEIRO, 2003, p.66).
Atualmente, há obras não só na filosofia, mas no próprio direito que defende o direito dos animais, embora ainda se percorra um grande caminho para alcançá-los.
2.1 Primeiras legislações
Com as revoluções e crescimento das cidades, tornou-se cada vez mais perceptível a crueldade na qual os animais eram submetidos, o ser humano começou a ter maior percepção do tamanho sofrimento suportado pelos animais, com isso, foram surgindo movimentos contra ações de maus-tratos e crueldade a animais, que resultaram nas primeiras legislações acerca do assunto.
No século XIX, surgiram em Londres as primeiras leis de proteção aos animais. Em 1809, surgiu uma lei que propunha punir quem maltratasse animais domésticos. No ano de 1880, foi proposta no parlamento britânico uma lei com o objetivo de proibir luta de cães, apesar de não terem sido aprovadas, deram ao tema ênfase para que ganhassem repercussão. E em 1824 surge à instituição Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA), que existe até hoje (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 19).
Os Estados Unidos foi o país que deu o passo inicial para a questão de defesa dos animais, em 1866 ocorreu à criação da American Society for the Prevention of Cruelty to Animals (ASPCA). Ambas as iniciativas citadas tratavam apenas de animais domésticos, sendo que somente por volta de 1930 é que essas preocupações foram sendo estendidas aos animais selvagens. No Brasil, o marco inicial foi com a criação da fundação da União Internacional de Proteção Animal (UIPA) (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 19-21).
A referida ONG foi formada com o intuito de proteger os animais, fundada em 30 de maio de 1895, logo após o jornalista Furtado Filho publicar um artigo sobre maus-tratos no Diário Popular, que deu ensejo a inúmeras manifestações, conclamando a sociedade a erguer voz contra os maus-tratos praticados contra os animais (UIPA, 2016).
2.2 O Direito dos animais no Brasil
A primeira legislação brasileira referente à crueldade contra animais foi o Decreto-lei n° 16.590 de 1924, que visava à proteção dos animais contra injúrias físicas, proibindo as corridas de touro, brigas de galos e canários, dentre outras diversões cruéis que causassem algum tipo de sofrimento animal. (BRASIL, 1924).
Segundo Ackel Filho (2011), no ano de 1934, ocorreu o evento mais importante na história legislativa dos direitos dos animais, com a edição do Decreto n° 24.645, de 10 de julho de 1934, pelo chefe do Governo provisório Getúlio Vargas (BRASIL, 1934), esse decreto estabelecia um conjunto de direitos aos animais, ficaram proibidas, por lei, a crueldade e os maus-tratos contra os animais, sob pena de multa e prisão.
Importante ressaltar que a partir desse decreto os animais receberam um novo status jurídico, sendo admitidos como sujeitos de direitos, inclusive, com direito a representação em Juízo pelo Ministério Público e pelas sociedades protetoras dos seus interesses.
Entretanto, há discussões jurídicas acerca da validade do referido decreto, para alguns doutrinadores não há mais validade, uma vez que, haveria o fenômeno jurídico da repristinação que não é usado (não é permitido) no ordenamento jurídico brasileiro -, já que o decreto foi revogado por outro; já para outros doutrinadores, tal fenômeno não se aplica. A advogada Edna Cardoso Dias, destaca na sua obra A Tutela Jurídica Dos Animais a respeito da não revogação do Decreto n° 24.645/34:
O argumento mais incisivo é que o decreto n° 24.645/34 surgiu com força de lei, e uma lei não pode ser revogada por um decreto. O que ocorre, assim nos afigura, é que a época de seu aparecimento ainda era incomum utilização do nomem juris decreto-lei, cuja figura surgiu com a Constituição de 1946. Aliás, a ter-se em conta o conteúdo do decreto n° 19.398, de 11 de novembro de 1930, vê-se plenamente confirmado o entendimento que acima esposamos. (DIAS, 2000,p.158).
Apesar da discordância doutrinária a respeito da revogação do decreto mencionado, a possível não aplicabilidade do mesmo não altera a realidade dos direitos dos animais como questão jurídica, na atualidade. Em retrocesso, no ano de 1979, foi sancionada a Lei n° 6.638/79 que permitia a utilização dos animais em experimentos didáticos e científicos, o art. 1° preceituava: Fica permitida, em todo o território nacional, a vivissecção de animais, nos termos desta Lei. (BRASIL, 1979).
O Direito Animal nasce oficialmente com a Constituição Federal de 1988, ganhando status constitucional. O seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, proíbe a prática de atos que possam causar extinção ou maus-tratos aos animais, foi este texto normativo que trouxe o princípio máximo de proteção aos animais no Brasil, com a regra da proibição da crueldade, com o consequente reconhecimento do direito animal à existência digna. Antes dela, nenhuma outra Constituição brasileira tratou da questão animal.
Diante disso, verificou- se a necessidade de criar uma legislação para regular o direito protegido no art. 225 da Constituição Federal, com isso, foi criada a lei n° 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), levando o Brasil a avançar em termos de proteção ambiental. A referida lei não faz diferenciação entre os animais, trata a fauna como um todo igual, não permitindo que a proteção se restrinja apenas aos animais silvestres ou domésticos.
Além disso, a Lei Federal n° 9.605/98, em seu art. 32 §1°, inclui a vivissecção entre os crimes ambientais, deixando de ser regra e passando a ser proibida, salvo, em última estância, quando não houver recursos alternativos, visto que, o sofrimento animal está presente em várias formas de testes científicos.
No Código Civil Brasileiro os animais são classificados como coisa, recebendo o status jurídico de coisa semovente, ou seja, mera propriedade dos seres humanos, o art. 82 do Código Civil preceitua que: São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social (BRASIL, 2002).
No ano de 2020, é sancionada a lei nº 14.064 alterando a lei nº 9.605, um novo texto normativo que aumenta a punição para quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais. Conforme a nova legislação, a pena agora vai de dois a cinco anos de prisão, além de multa e a proibição de guarda de novos bichos. (BRASIL, 2020).
2.3 Conceitos de posse responsável e bem estar animal
No Direito Brasileiro, não houve construção do conceito de posse responsável; a Declaração Universal dos Direitos dos Animais aduz que o conceito de posse responsável implica na conduta humana de dar ao integrante da fauna o devido respeito, não o submetendo a maus-tratos e atos cruéis, nem o explorando, muito menos promovendo o seu extermínio desnecessário ou cruel.
Segundo Santana Gordilho (2004), o conceito de posse responsável é a condição na qual o guardião de um animal de companhia aceita e se compromete a assumir deveres centrados nas necessidades físicas, psicológicas e ambientais de seu animal, assim como, prevenir os riscos (potencial de agressão, transmissão de doenças ou danos a terceiros) que seu animal possa causar à comunidade ou ao ambiente, como interpretado pela legislação vigente.
O autor Silvio Negrão (2013), define que o bem-estar trata-se de uma ciência que está sendo construída e defende que, o bem-estar animal não deve estar restrito aos animais de produção, mas sim devem ser estendidos para alcançar a todos os animais sem distinção. Em 1967, o Conselho de Bem-Estar de Animais de Produção (Farm Animal Welfare Council - FAWAC), Inglaterra, estabeleceu um conjunto de estados ideais chamados de as cinco liberdades do bem estar animal. Sendo elas:
-
Livre de fome e sede.
-
Livre de desconforto.
-
- Livre de dor, doença ou injúria.
-
- Livre para expressar o comportamento animal.
-
Livre de medo e estresse.
Após a definição desses conceitos é importante abordar os principais temas referentes aos maus-tratos e os seus impactos.
2.4 O Abandono dos animais de companhia
Animais de companhia seriam aqueles que prestam de alguma forma apoio emocional com aqueles nos quais eles se relacionam, sendo considerados por alguns como amigos e até mesmo um membro de família, estando entre os mais populares cães e gatos. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (ABINPET), o Brasil é o país com a quarta maior população de animais de estimação do mundo, tendo aproximadamente 132 milhões, ficando somente atrás da China, Estados Unidos e Reino Unido, porém na mesma proporção vem o abandono e maus-tratos desses animais. (ABINPET, 2018)
Abandonar os animais é uma prática cruel, sabe-se que a cultura de abandonar os animais vem dos tempos mais antigos e perpetua nos tempos atuais, visto que, tornou-se comum e normal ver animais desabrigados na rua ou adotá-los e, logo após, se desfazer deles. A pouco na literatura referente à conceituação do abandono, sendo necessário que seja um tema debatido não só na lei, mas aplicado em escolas e universidades.
O ato de abandonar animais está intimamente ligado aos maus- tratos, o art. 32 da Lei de Crimes Ambientais traz de maneira implícita essa conduta, nesse mesmo contexto é o entendimento da Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA), que dispõe:
O abandono é considerado um ato de maus-tratos com o animal e o responsável pode ser enquadrado na lei de crimes ambientais, que prevê pena de detenção de três meses a um ano, além de multa, podendo ser agravada em caso de morte do animal. (ANDA, 2014, p.1).
Com isso, é possível perceber a proporção na qual, diariamente, estes atos são praticados contra os animais, principalmente os domésticos, seres incapazes de se defender, um problema causador de outro de outo problema, uma vez que, abandoná-los gera uma superlotação de cães e gatos errantes no meio urbano trazendo como consequências acidentes de trânsito, ataques a pessoas e a transmissão de diversas doenças, assim como, contribui para que sejam maltratados, sendo espancados, envenenados e passando fome e frio.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que só no Brasil existem mais de 30 milhões de animais abandonados, compreendendo algo como 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães. (ANDA, 2014, p.1), um verdadeiro absurdo. Atualmente, foi criada a campanha Dezembro Verde, que foi idealizada, no ano de 2015, pelo ativista cearense Francisco Paiva, o mesmo sentiu a necessidade de alertar a população sobre o abandono de animais, neste mesmo mês tem-se o Dia Internacional dos Direitos Animais.
Além do abandono, observa-se descaso dos guardiões com os devidos cuidados aos animais domésticos, quando, sob seus cuidados, ficam sem comer, sem água, doentes. Como exposto anteriormente, o abandono de animais domésticos é uma cultura comum, não bastando apenas conceituar, mas também debater e discutir em meio à sociedade maneiras de aumentar a proteção em prol deles.
2.5 Do crime de maus-tratos
Genericamente, o conceito de maus-tratos nada mais é que submeter alguém a tratamento cruel, trabalhos forçados e/ou privação de alimentos e cuidados, sendo praticados por diversos motivos que podem envolver desde a aspectos culturais, sociais ou até mesmo psicológicos. Há aquelas pessoas que maltratam apenas pelo prazer ou sensação de poder, independente do motivos estes atos devem ser denunciados. (DELABARY, 2012).
Acerca, especificamente, do conceito de maus-tratos aos animais, Capez (2007) ensina que consiste em bater, espancar, ou ainda manter o animal em lugar sujo, inadequado, sem comida e água. O crime de maus tratos esta tipificado no art. 32 da Lei de Crimes Ambientais e dispõe que praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos configura maus-tratos.
Os castigos violentos, adestramentos utilizando meios e instrumentos torturantes, sejam para animais domésticos, agrícolas ou para exposições, também configuram o crime de maus-tratos. Em resumo, todas as situações que acarretem angústias, dores, torturas, dentre outros sofrimentos causadores de lesões corporais danosas, de invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana, caracterizam o crime mencionado.
É possível, ainda, configurar maus tratos condutas que ferem as cinco liberdades do bem estar animal, uma vez que, se um animal fica preso sem água e alimento ou se fica debaixo do sol ininterruptamente, isso também é considerado crime e deve ser denunciado e punido. Sendo assim, entende-se que o ser humano tem a obrigação legal de respeitar e resguardar os direitos dos animais.
Referente a isso o doutrinador José Duarte (1958) aduz que, o maltratar dos animais, contrasta com todo o senso de humanidade, compaixão e benevolência, predispõe o homem a lhes não consagrar qualquer sentimento benigno, piedoso e o torna insensível ao sofrimento alheio.
No entanto, os animais estão sujeitos, diariamente, a diversas formas de maus-tratos, fome, sede, atropelamentos, condições ambientais desfavoráveis, doenças, abandono quando adoecem ou procriam entre várias situações humilhantes e cruéis, infelizmente, na maioria das vezes, não são denunciados, visto que, se encontram banalizados pela sociedade devido a sua grande incidência e impunidade.
Diante disso, o abandono é uma das ocorrências mais comuns caracterizam maus-tratos, que ocorre nas mais variadas circunstâncias como, por exemplo, quando o animal, por ser muito novo e ainda não adestrado faz bagunças pela casa, ou brinca o tempo todo, e algumas pessoas não tem paciência e os largando nas ruas. No entanto, a maior parte dos animais abandonados são aqueles que ficaram velhos demais, e por não servirem mais para satisfazer as necessidades de seus donos, são soltos na rua ou nas estradas.
Partindo desse contexto, existem soluções para diminuir a impunidade e as elevadas ocorrências dos atos mencionados, sendo a denúncia a principal. De acordo com Pereira (2010 apud LIMA, 2005, p.22), para que ocorra a denúncia de maus-tratos aos animais, é preciso que a sociedade esteja sensível a essas práticas, bem como que tenha acesso aos locais para a formalização das denúncias. Porém no Brasil a criação de delegacias especializadas para proteção animal ainda é tímida.
No ano de 2006, a Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra Animais (ASPCA), criou a campanha conhecida como Abril Laranja, com o intuito de alertar e prevenir os maus-tratos praticados contra animais domésticos e domesticados, esta campanha ganhou grande repercussão na esfera legislativa, inclusive é sustentada pelo art. 32 da Lei de Crimes Ambientais e pela Constituição Federal.
Atualmente, na nova redação da Lei nº 9.605 há um aumento de pena para os atos cometidos contra cães e gatos, infelizmente, mesmo com uma lei mais severa está ainda é uma dura realidade, sendo necessárias discussões de maneiras cabíveis no combate dos maus-tratos contra animais de companhia.
REFERÊNCIAS
ABINPET. Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação. 2014. Disponível em: http://abinpet.org.br/. Acesso em: 22 de Abril de 2021.
ACKEL FILHO, Diomar. Direito dos Animais. São Paulo: Themis Livraria, 2001.
BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. 2. ed. São Paulo: Abril Cultura,1979.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 5 de outubro de 1988. Diário oficial da União, Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Seção 1, p.1.
BRASIL. Decreto Lei n° 16.590, de 10 de setembro de 1924. Diário oficial da União, Brasília, DF, 13 de setembro de 1924, Seção 1.
BRASIL. Decreto Lei n° 24.645, de 10 de julho de 1934. Coleção de Leis do Brasil de 1934, Brasília, DF, 14 de julho de 1934, p. 720.
BRASIL. Lei n° 6.638, de 8 de Maio de 1979. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 de maio de 1979. Seção 1, p. 6537.
BRASIL. Lei n° 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 de fevereiro de 1998. Seção 1, p.1.
BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n.8, 11 de janeiro de 2002. Seção 1, p.1-74.
BRASIL, Lei n° 14.064, de 29 de setembro de 2020. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 de setembro de 2020. Seção 1, p.4.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial. v. 4. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
CARNEIRO, Henrique. Sociedade e Comida, uma história da alimentação. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
DELABARY, B. F. Aspectos que influenciam os maus tratos contra animais no meio urbano. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental REGET/UFSM, v. 5, n. 5, p. 835 840, 2012.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 9. ed. Campinas: Autores Associados, 2011, p.52.
DIAS, Edna Cardoso. A tutela Jurídica dos animais. Belo Horizonte, 2000.
DUARTE, José. Comentários a Lei das Contravenções Penais. Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1958.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1987, p.27-29.
GORDILHO, Heron. Abolucionismo Animal. Salvador/BA: Evolução, 2008.
LAKATOS, E. M. e MARCONI, M. A. Fundamentos da Metodologia Científica. 5a. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais: o direito deles e o nosso direito sobre eles. Campos do Jordão: Mantiqueira, 1998.
LÉVÊQUE, Pierre. Animais, deuses e homens: o imaginário das primeiras religiões. Lisboa/Portugal: Edições 70,2006.
LIMA, Jhéssica. Um estudo acerca da legislação sobre os maus-tratos com animais. Dissertação (Mestrado em Ambiente, Tecnologia e Sociedade). Universidade Federal Rural do Semi-Árido, UFERSA. Mossoró, RN, 2005.
MÓL, Samylla; VENANCIO, Renato. A proteção jurídica dos animais no Brasil: Uma breve história. Rio de Janeiro: FGV, 2014.
NEGRÃO, Silvio. As ideias de Peter Singer sobre a libertação animal, 2013.
REGAN, Tom. Jaulas Vazias: Encarando o Desafio dos Direitos Animais. 2. ed. Porto Alegre: Lugano, 2006.
SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo: Direito, personalidade Jurídica e Capacidade Processual. In: Revista Brasileira de Direito Ambiental, São Paulo, v. 16, n. 62, p.141-161, abr./jun. 2011.
SINGER, Peter. All Animals are Equal. In: T. Regan; P.Singer (Org.). Animal Rights and Humans Obligations. New Jersey: Prentice-Hall, 1989, p.73-86.
TELLES, R. (2001). A efetividade da matriz de amarração de Mazzon nas pesquisas em Administração. Revista de Administração, p. 6472.
UIPA. União Internacional Protetora dos Animais: fundada em 1895. História. Disponível em: http://www.uipa.org.br/historia/. Acesso em: 23 de Abril de 2021.