Possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de empresa em recuperação judicial

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RESUMO

No presente artigo abordo a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de empresa em fase de recuperação judicial, colocando o real sentido da recuperação judicial, as mudanças de paradigma advindas da Lei nº 11.101/05, as obrigações assumidas pelos sócios perante os consumidores e os credores da pessoa jurídica.

ABSTRACT

In the artiche, I discuss the possibility of disregard of legal personality the company in the, to approaching the judicial recovery abouth the law 11.101/05, and the obligations assumed of the customers.

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A pessoa jurídica é uma realidade autônoma, capaz de criar direitos e obrigações, independente dos membros que a compõem, com os quais não tem nenhuma vínculo, realizando negócios jurídicos, sem qualquer ligação com a vontade individual dos sócios. Assim, seus componentes responderão unicamente dentro do limite do capital social que compõem, ficando salvo o patrimônio pessoal do sócio.

Essa limitação da responsabilidade do patrimônio da pessoa jurídica caracteriza-se como uma consequência lógica de sua personalidade jurídica, constituindo uma de suas maiores vantagens. Se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas que a compõem, se o patrimônio da sociedade personalizada não se identifica com o dos sócios, em casos de abusos de direitos, confusão patrimonial, para subtrair-se á um dever, tendo-se em vista os bens particulares dos sócios, os quais não podem ser afetados, o certo será a limitação dos atos decorrentes da personalidade jurídica da sociedade[1].

Com isso, o legislador ordinário, ao formular o novo Código Civil, previu no artigo 50, a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade empresária, como meio de impedir determinados atos fraudulentos contra credores, assim, declarando a inexistência e ineficácia especial da pessoa jurídica.

Nesse sentido, entende Maria Helena Diniz:

A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica visa impedir a fraude contra credores, levantando o véu corporativo, desconsiderando a personalidade jurídica num dado caso concreto, ou seja, declarando a ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, portanto, permanecendo para outros incólome.[2]

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Como se vê, pelo Código Civil, quando a pessoa jurídica se desviar dos fins que determinaram a sua constituição, em face de os sócios e administradores a utilizarem para alcançar objetivo diverso do societário, ou, quando houver confusão patrimonial, em razão de abuso de personalidade jurídica, o órgão judicante, a pedido do interessado ou do Ministério Público, estará autorizado, com base na prova material do dano, a desconsiderar a personalidade jurídica, para coibir fraudes e abusos dos sócios que dela se valeram como escudo, sem importar nessa medida numa dissolução da pessoa jurídica.

Com isso, observa-se que o legislador civilista de 2002 abraçou a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, para a mesma ser decretada deve haver a prova do desvio de finalidade e da confusão patrimonial, podendo ser alegada pelos consumidores, credores da pessoa jurídica, bem como pelo Ministério Público. Diferentemente do Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, bem como o as leis ambientais (Lei nº 9.605/98) estabeleceram a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, assim, bastando apenas a prova da inadimplência ou ocorrência de ilícito por parte da pessoa jurídica.

Nesses termos, no Brasil, com o advento da Lei nº 8.078/1990, no artigo 28, §5º, autoriza o órgão judicante, tratando-se de relações de consumo, a desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, caso houver abuso de direito ou excesso de poder, lesado consumidores, infração legal ou estatutária, por ação ou omissão, em detrimento de consumidores e, por fim, no caso de falência, encerramento ou inatividade, em face da má administração da sociedade, porém, tal fato não acarretará a dissolução total da sociedade, mas sim a sua inatividade para o exercício de determinados atos jurídicos, até o devido saneamento do prejuízo[3].

Art. 28 - O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 2º - As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. § 3º - As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. § 4º - As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Ademais, levando em conta o disposto no artigo 82 da Lei nº 11.101/01, destro do processo de falência, estando presentes abusos e comprovada fraude contra credores, deverá ser apurada a responsabilidade dos sócios e/ou administradores, devendo ser decretada a falência da sociedade, sem que haja necessidade de propor ação judicial de responsabilidade, desde que estejam presentes as razões que deram causa à despersonalização[4].

Dessa maneira, a legislação pátria admite claramente a possibilidade de declaração de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade econômica, em processo falimentar, desde que presentes os requisitos necessários previstos nos artigos 50 do Código Civil de 2002 e 28 do Código de Defesa do Consumidor, porém, não previu nada á respeito do tema no processo de recuperação judicial, assim, ficando à cargo da doutrina e jurisprudência posicionarem sobre o assunto.

Com isso, a alguns estudiosos do direito falimentar e empresarial brasileiro, tem reiteradamente entendido pela possibilidade da via atrativa do juízo universal recuperatório e falimentar, poderem além de suspenderem todas as ações e execuções individuais contra credores, poderá também decretar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, como meio de impedir a prática de atos fraudulentos por parte da sociedade em recuperação.

Nesses termos, posicionou-se GLADSTON MAMEDE:

No juízo recuperatório, o pedido de recuperação judicial definirá a abrangência da medida; referindo-se ao grupo econômico, a via atrativa dirá respeito a todas as relações patrimoniais das sociedades componentes, em oposição, se a pretensão disser respeito a apenas uma sociedade, os demais membros do grupo econômico estarão excluídos do juízo universal recuperatório. Nesse contexto, ganha relevância o tema da desconsideração da personalidade jurídica, quando levada á cabo por juízos individuais, ou seja, estranhos ao juízo falimentar ou recuperatório, apenas alcançando-o indiretamente, que terá como único efeito a retirada do crédito pelo sócio, administrador ou terceiro da sociedade falida ou em recuperação (.....).

Nesses termos, tem sido entendido a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade em recuperação judicial por juízo trabalhista, mesmo que esteja presente pedido de recuperação judicial, desde que estejam presentes os requisitos previstos anteriormente.

Com isso, posicionou-se o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO E JUSTIÇA CÍVEL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PENHORA ON-LINE. 1. O processamento de pedido de recuperação judicial não paralisa as reclamações trabalhistas ainda não julgadas. Entretanto, o deferimento de antecipação de tutela para pagamento de verbas incontroversas, com ordem de constrição de bens, consubstancia ato de execução. 2. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa, contudo, pode ser decidida pela justiça do trabalho não obstante o pedido de recuperação judicial. Precedentes. 3. Conflito de competência não conhecido[5].

Nesse sentido, a ilustre relatora NANCY ANDRIGHI, ao proferir seu voto, dispôs que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica caracteriza-se como medida legal e eficaz, a qual visa propiciar uma efetiva prestação jurisdicional e a proteção dos direitos dos credores da sociedade, com arrimo dos dispositivos legais dos artigos 28 do Código de Defesa do Consumidor e do artigo 50 do Código Civil de 2002.

Seguindo esse posicionamento, decidiu o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em sede de agravo de petição:

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. EXECUÇÃO. AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA EXECUTADA E EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PENHORA DOS BENS DO SÓCIO. CABIMENTO. A fim de obstaculizar as atividades de subversão dos fins para os quais se instituiu a pessoa jurídica e, no propósito de fortalecer o próprio instituto, foi concebida a chamada teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Traduz-se na declaração de ineficácia da personalidade jurídica para certos efeitos, dentre eles, a possibilidade de que os bens dos seus sócios possam responder pelos seus débitos, conforme permissivo legal insculpido no artigo 28 do CDC e ainda no artigo 50 do Código Civil. Neste passo, a ocorrência de insuficiência de bens da pessoa jurídica para adimplir as dívidas contraídas provoca a inafastável desconsideração da personalidade jurídica, propiciando a invasão no patrimônio da pessoa física do titular, o qual responde pelas obrigações trabalhistas porquanto foi beneficiário da mão-de-obra do ex-empregado. O fato de a empresa executada se encontrar em recuperação judicial, não é empecilho para o descortinamento da personalidade jurídica, na medida em que os bens dos sócios da devedora não estão sob a tutela da recuperação judicial, a menos que haja decisão do Juízo da recuperação em sentido contrário. Não havendo bens da empresa, tem-se por válida a constrição realizada sobre bem de propriedade de sócio, porquanto este permanece responsável pelos débitos contraídos pela empresa da qual é sócio. Agravo provido.[6]

No mesmo sentido, decidiu o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, o qual entendeu por absolutamente legal a desconsideração da personalidade jurídica na fase de recuperação judicial, quando a mesma não apresentar força financeira eficaz de fazer cumprir a execução.

Nesse diapasão, vemos o seguinte julgado:

EMENTA: RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Créditos trabalhistas. Desconsideração da pessoa jurídica. Prosseguimento da execução da Justiça do Trabalho, inclusive contra as empresas pertencentes os grupo econômico e contra os sócios. A Recuperação judicial não se equipara à falência. O credito trabalhista é privilegiado, reconhecido pela Constituição (art. 100), e pela Lei de Recuperação Judicial, ainda mais se o montante é inferior a cento e cinquenta salários mínimos, como é o caso dos autos. O Código Tributário Nacional consagra tal entendimento no art. 186, assim com a Lei de Recuperação Judicial deixa claro que a suspensão das execuções não se aplica às ações trabalhista (art. 6º, e 7º Lei 11.101/2005). É absolutamente legal a desconsideração da personalidade jurídica da empresa quando esta não apresenta força financeira capaz de suportar a execução (art. 50 do Código Civil). Nessa circunstância o juiz pode e deve determinar que a execução avance no patrimônio das empresas do grupo econômico e ou dos sócios, para satisfazer as dívidas da sociedade executada.[7]

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Nesses termos, levando em conta 13 anos (2002-2015) de experiência e estudo acerca o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, o Congresso Nacional, auxiliado por diversos juristas de renome, formularam a aprovaram no Novo Código de Processo Civil, o qual trouxe tal instituto como um meio incidente de intervenção de terceiros em face de o mesmo ultrapassar os interesses individuais, afetando diretamente as relação Estado-particular principalmente no tocante aos contratos administrativos que a administração pública firma para com entes particulares, os quais por diversos motivos não se cumprem, afetando os princípios da continuidade e eficiência dos serviços públicos.

Por fim, é válido ressaltar que o legislador ordinário, ao prever no Código de Defesa do Consumidor a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, nada mais fez do que garantir o ressarcimento do consumidor, sempre que algum dado objetivo do fato da personalidade jurídica da pessoa jurídica for obstáculo ao pleno exercício dos direitos do consumidor, como credor da relação jurídica consumerista[8].

REFERENCIAS:

DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. 26ª edição. Editora saraiva. São Paulo/2010.

NUNES. Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. Editora Saraiva. 6ª edição. São Paulo/2011.

MAMEDE, Gladston. Falência e Recuperação de Empresas. Editora Atlas. São Paulo//2010.

  1. DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. 26ª edição. Editora saraiva. São Paulo/2010, página 317.

  2. Curso de Direito Civil Brasileiro. Op. Cit. Página 316.

  3. NUNES. Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. Editora Saraiva. 6ª edição. São Paulo/2011, página 774.

  4. MAMEDE, Gladston. Falência e Recuperação de Empresas. Editora Atlas. São Paulo//2010. Página 46.

  5. Ministra Relatora NANCY ANDRIGHI. CC 108721 / DF <http://www.lexml.gov.br/urn/urn: lex: br: Superior Tribunal de Justica; 2ª Seção: acordao;cc:2010-08-25;108721-1044975. Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data Julgamento: 25/08/2010.

  6. TRT 2ª REGIÃO. PROC. Nº. TRT - AP - 0000055-37.2010.5.06.0412. Órgão Julgador : TERCEIRA TURMA. Relatora: Desª VIRGÍNIA MALTA CANAVARRO Agravante: HERMANO DA SILVA FREIRE. Agravado: COPA FRUIT IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO S/A (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) Advogados: MAURO CAMPOS IMA E ANTÔNIO HENRIQUE NEUENSCHWANDER Procedência: 2ª VARA DO TRABALHO DE PETROLINA PE.

  7. TRT 2ª REGIAO. Magistrado Responsável: IVANI CONTINI BRAMANTE. Processo N.º: 20080344636. Processo TRT/SP N.º: 00954200703602006. Nº de Turma: 006. Nº de Regra: 209

  8. Curso de Direito do Consumidor. Op. Cit. Página 777.

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