Resumo
Sabe-se que no mundo jurídico nenhum profissional detém todo o conhecimento inerente à ciência, principalmente pelo caráter necessário de sua mutabilidade para adequar-se aos costumes e à evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial. Neste artigo, trataremos do percentual que deve incidir sobre o pagamento de horas extraordinárias realizadas por advogado público vinculado a regime jurídico estatutário, diante do mandamento contido no 20 da Lei 8.906/94 (EOAB) e do regime jurídico do advogado servidor.
Palavras-Chave: Advogado. Percentual. Horas Extras. Aplicação.
Abstract
It is known that in the legal world no professional has all the knowledge inherent to science, mainly due to the necessary nature of its mutability to adapt to customs and legislative, doctrinal and jurisprudential evolution. In this article, we will deal with the percentage that must be levied on the payment of overtime hours performed by a public lawyer linked to the statutory legal regime, in view of the commandment contained in number 20 of Law 8.906/94 (EOAB) and the legal regime of the servant lawyer..
Keywords: Lawyer. Percentage. Overtime. Application.
Excetuada a Lei 8.112/90 no âmbito da União, não existe no Brasil um regime jurídico destinado a servidores públicos que abarque toda a extensão do território nacional e, dado o federalismo, cada Estado, o Distrito Federal e os Municípios possuem competência para elaborar sua legislação própria. No que diz respeito aos advogados públicos concursados, como é o caso dos procuradores municipais, as variações de carga horária, salário, planos de cargos e carreiras, gratificações e participação no recebimento de honorários de sucumbência, constituem-se numa estrutura bastante complexa e diversificada, sendo certo que além de cumprirem as regras vazadas em legislação interna do Ente, subordinam-se à Lei geral da advocacia. O Estado de Pernambuco, por exemplo, possui diversos Municípios em que seus servidores são regidos, por força de norma remissiva municipal, pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado (a Lei 6.123/68). Normalmente, já no edital do concurso há previsão de regência da vida funcional pela lei estadual.
Ocorre que ao qualificar-se como advogado, inclusive antes mesmo de assumir o cargo público, o profissional também se vincula à Lei 8.906/94, sendo correto afirmar que possui um regime jurídico hibrido pelo fato de que juridicamente esteja vinculado ao regime estatutário e também ao EOAB.
Desta feita, outros problemas surgem, como é o caso da locomoção para o trabalho, o acesso por vias perigosas e no mais das vezes com problemas de pavimentação, a disparidade de carga horária variando entre 20 e 40 horas semanais, a ausência de Plano de Cargos e Carreiras e de legislação para fundo de reserva de sucumbência e divisão de honorários. Some-se a demanda de trabalho e a impossibilidade de concretizar os expedientes dentro da previsibilidade legal.
Dentre outras questões que poderiam ser debatidas, visando principalmente a valorização profissional do advogado público, reservamo-nos a tratar da questão do pagamento do adicional de horas extraordinárias, ante a dicotomia que estabelece ora 50% sobre a hora normal de trabalho e ora 100%. Cumpre destacar que o regime jurídico do servidor público é diferenciado em relação àqueles que possuem vínculo empregatício regido pela Consolidação das Leis do Trabalho. Dessa forma, pessoas ligadas à Administração por meio de concurso público subordinam-se a regimes próprios, não se aplicando preceitos da legislação trabalhista comum.
No caso de advogados, além da subordinação legal inerente ao cargo público, há ainda legislação específica que disciplina direitos e obrigações, o que vincula as partes (Ente da Federação e servidor). O EOAB é lei federal que regulamenta a profissão de advogado, devendo ser aplicado em todo o território nacional. Logo, conforme já explanado, para servidores o regime jurídico é hibrido ou misto em virtude da vinculação ao regime jurídico e ao estatuto, o que faz surgir duas questões a enfrentar: o limite de horas mensais permitidas e o percentual adicional a ser aplicado.
A previsão para pagamento de horas extraordinárias encontra arrimo no art. 39, §3º c/c o art. 7º, XVI, ambos da Constituição Federal, senão vejamos:
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; (grifos nossos)
Na esfera estadual, a Constituição de Pernambuco, reproduziu matéria de cunho obrigatório, no seu art. 98, in verbis:
Art. 98. São direitos dos servidores públicos da administração direta, autárquica e fundacional, ocupantes de cargo público, aqueles assegurados no § 3º, do artigo 39 da Constituição da República Federativa do Brasil, além de outros instituídos nas normas específicas do Estatuto próprio:
VII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada por interesse público ou mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
IX - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal;
A lei 6.123/68 trata da matéria no seu art. 164, senão vejamos:
Art. 164 - A gratificação pela prestação de serviço extraordinário corresponderá a 50% (cinqüenta por cento) a mais do valor da hora normal.
§ 1º - Os valores pagos a título de gratificação pela prestação de serviço extraordinário não poderão exceder, no mês, a mais de 40 (quarenta) horas extras de trabalho. (grifei)
Deste modo, o Estatuto limitou a prestação de horas extraordinárias a 40 por mês, ou seja, para procuradores que possuem uma carga horária semanal de 20 horas, somente poderiam trabalhar mais 8 horas extras por semana, o que se coaduna com a Lei 8.906/94 e com as Constituições Federal e Estadual, dentro do limite mínimo e máximo estipulados. Deste modo, não há o que discutir acerca da aplicação do art. 98 da Lei 6.123/68 que limita a 40 horas extraordinárias mensais, para além das 20 horas previstas como jornada semanal do advogado no EOAB. Assim, a carga horária decorrente do vinculo seria de 100 horas e, somadas as 40 horas extraordinárias permitidas, resultaria num limite máximo de 140 horas por mês (ou 28 horas por semana).
Ocorre que na maioria das vezes há impossibilidade material de concluir o trabalho e como não é dado ao profissional escolher o que vai realizar ou não, inclusive diante de prazos processuais, resta impossível cumprir rigorosamente o limite estabelecido na Lei 6.123/68. A extrapolação do limite pode ocorrer por fatores diversos e, havendo, prestação de horas extraordinárias nos deparamos com duas previsões de percentuais: 50% (Lei 6.123/68 e Constituições Federal e Estadual) e 100% (Lei 8.906/94).
Analogicamente, na ceara do direito do trabalho, o Colendo TST, assim tratou da matéria:
No mais, nos moldes da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), tem-se que a reclamante se ativava em regime de dedicação exclusiva (40 horas semanais) e, extrapolados os limites legais (8ª hora diária e 44ª hora semanal), faz jus ao pagamento de horas extras e reflexos persecutórios, com adicional de 100% (art. 20, § 2º, da Lei 8.906/1994) e demais parâmetros já fixados pela Origem. (PROCESSO TRT/SP N.º 1001001-89.2016.5.02.0089 12ª Turma. ORIGEM: 89ª VT DE SÃO PAULO RECURSO ORDINÁRIO RECORRENTES : 1: SIQUEIRA CASTRO - ADVOGADOS 2: ANA CAROLINA MONTES RECORRIDOS: OS MESMOS) (grifei).
Percebe-se que para os advogados empregados não importa a quantidade de horas, pois elas serão remuneradas com o adicional de 100% previsto no EOAB, exceto se houver convenção ou regime de dedicação exclusiva; esse entendimento pode ser aplicado ao regime jurídico público, uma vez que embora o art. 98 da Lei 6.123/68 limite a carga horaria extraordinária em 40 horas mensais, é inequívoca a possibilidade de ultrapassagem. O Estatuto da Advocacia prevê uma jornada de trabalho especial para o advogado empregado (aqui deve ser entendido como servidor), que não pode superar 20 horas semanais, ou 4 horas diárias. Somente em duas hipóteses essa jornada pode ser alterada: (i) se houver uma convenção coletiva; (ii) se o advogado trabalhar em regime de dedicação exclusiva. Ora, é no mínimo impróprio falar em convenção coletiva para servidor público e de regime de dedicação exclusiva. Neste sentido reza o art. 20 do EOAB:
Art. 20. A jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da profissão, não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva.
§ 1º Para efeitos deste artigo, considera-se como período de trabalho o tempo em que o advogado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, no seu escritório ou em atividades externas, sendo-lhe reembolsadas as despesas feitas com transporte, hospedagem e alimentação.
§ 2º As horas trabalhadas que excederem a jornada normal são remuneradas por um adicional não inferior a cem por cento sobre o valor da hora normal, mesmo havendo contrato escrito.
A superação da jornada de trabalho especial prevista no EAOAB 20 horas semanais não indica necessariamente dedicação exclusiva do advogado. Tanto que o artigo regula, no § 2º, que as horas que excederem a jornada regular será remunerada acima do valor da hora normal. Por isso, o Regulamento do EAOAB, no seu art. 12, estabeleceu que o regime de dedicação exclusiva será ajustado entre o advogado empregado e seu empregador no contrato individual de trabalho:
Art. 12. Para os fins do art. 20 da Lei nº 8.906/94, considera-se de dedicação exclusiva o regime de trabalho que for expressamente previsto em contrato individual de trabalho.
Parágrafo único. Em caso de dedicação exclusiva, serão remuneradas como extraordinárias as horas trabalhadas que excederem a jornada normal de oito horas diárias.
Servidor é regido por lei em sentido estrito e não por contrato individual de trabalho, ocorrendo que do dispositivo se extrai que a dedicação exclusiva se configura com a jornada de trabalho de 40 horas semanais, no momento em que ele trata das horas extraordinárias que excederem a jornada normal de oito horas diárias e, assim, O que o dispositivo estabelece é um máximo de jornada para evitar algum abuso do empregador, mas, de outro lado, deixa flexível a definição entre as partes, ou seja, nada impede que as partes estabeleçam uma jornada exclusiva de 30 horas semanais, ou 6 horas diárias, o que no caso dos servidores públicos resta circunscrito na lei regente do cargo público.
A jurisprudência trata do tema:
TRT-PR-10-06-2014 JORNADA DE TRABALHO DO ADVOGADO EMPREGADO - ART. 20 DA LEI 8.906/94 - DEDICAÇÃO EXCLUSIVA X EXCLUSIVIDADE. A jornada de trabalho do advogado empregado limita-se a 4h diárias e 20h semanais, salvo acordo ou convenção coletiva em sentido contrário, ou em caso de dedicação exclusiva, nos termos do art. 20, caput, da Lei 8.906/94. Quanto à dedicação exclusiva, o elemento definidor é a condição de empregado do advogado que se comprometeu, perante o seu empregador, a prestar serviços de forma subordinada, por um período de tempo equivalente a oito horas diárias e quarenta semanais. O advogado empregado encontra-se, por força do contrato, obrigado a prestar serviços ao seu empregador com dedicação e prioridade, ou melhor, com exclusividade, exatamente nos limites temporais ajustados (neste período perde a autonomia e independência). Dedicação exclusiva não é sinônimo de exclusividade. Aquela limita-se à jornada ajustada, mas não impede que o advogado tenha outro emprego em horário diverso (compatibilidade de horários). A exclusividade, significa que o advogado-empregado fica impedido contratualmente de possuir um segundo emprego. Assim, no caso, tendo restado provada a dedicação exclusiva da autora, não há como enquadrá-la na jornada estabelecida no art. 20, caput, da Lei 8.906/94. Recurso ordinário da reclamante a que se nega provimento no particular. TRT-PR-03349-2012-028-09-00-1-ACO-18805-2014 - 7A. TURMA; Relator: BENEDITO XAVIER DA SILVA; Publicado no DEJT em 10-06-2014
TRT-PR-09-06-2009 ADVOGADO EMPREGADO. REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. O regime de dedicação exclusiva deve ser respeitado se o advogado empregado sempre se sujeitou à jornada de trabalho de oito horas diárias, ainda que ausente previsão contratual nesse sentido. A pactuação verbal das condições contratuais também é considerada expressa pela legislação (art. 443, CLT), estando preenchido o requisito do art. 12 do Regulamento Geral do Estatuto da OAB. Trata-se da aplicação do princípio da primazia da realidade às relações individuais de trabalho. TRT-PR-11721-2008-002-09-00-4-ACO-18007-2009 - 4A. TURMA; Relator: LUIZ CELSO NAPP; Publicado no DJPR em 09-06-2009.
Ainda no campo da relação trabalhista, temos que se o advogado empregado estiver trabalhando sob o regime de dedicação parcial (20 horas semanais), as horas que excederem esse período serão remunerados acima do valor da hora normal, ou seja, com adicional de 100%. Caso o advogado trabalhe sob o regime de dedicação exclusiva (40 horas semanais), ou outro período especificado no contrato de trabalho de acordo com a vontade das partes esse percentual recai sobre o excedente.
Entretanto, o regime jurídico administrativo de servidores estatutários não deixa margem à fixação de convenção coletiva de trabalho, sendo deflagrado por lei e dentro das hipóteses nela previstas, ocorrendo que a ampliação para o regime de 40 horas semanais para servidores advogados é permitido.
Sobre a fixação de horas extraordinárias, vejamos a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco:
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. SERVIDOR TEMPORÁRIO. CONTRATAÇÃO PARA ATENDIMENTO TEMPORÁRIO DE INTERESSE PÚBLICO. PERCEPÇÃO HORA EXTRA. DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR. AGRAVO IMPROVIDO À UNANIMIDADE. 1. A Constituição Federal prevê, no art. 37, inciso IX, a possibilidade de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, mediante lei autorizadora, com o objetivo de suprir necessidades emergenciais da Administração Pública, sendo excepcionalmente dispensada a realização do concurso público.2. O contrato temporário celebrado pela Administração Pública, por excepcional interesse público, não possui natureza trabalhista, mas de contrato administrativo, celebrado no melhor interesse público, em oposição à lógica protetiva peculiar aos pactos laborais.3. A Constituição Federal, em seu artigo 39, §3°, prevê que aos servidores de cargo público são extensíveis os direitos previstos nos incisos IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, do artigo 7°, dos quais se destacam os relativos ao 13° salário, gozo de férias anuais com, ao menos, 1/3 (um terço) a mais que o salário normal, dentre outros.4. Restando devidamente comprovada a relação laboral com o ente público, faz jus o servidor, ou contratado, ao recebimento das verbas salariais impagas como contraprestação dos serviços prestados, em consonância com o que dispõe o art. 7º c/c o art. 39, § 3º, da Constituição da República.5. Outrossim, destaque-se que o entendimento deste Egrégio Tribunal é no sentido de que as atividades desenvolvidas pelo trabalhador, no âmbito de contratação temporária (como no caso), são equivalentes às desenvolvidas pelos servidores públicos e, por isso estão sujeitas ao regime jurídico-administrativo Estadual, não se aplicando as hipóteses previstas na CLT.6. No que toca ao pedido referente ao pagamento de horas extras, in casu, noticia o autor/ apelante ter sido contratado para cumprir uma jornada de trabalho semanal de 30 horas, mensal de 120 (cento e vinte) horas; no entanto, sustenta que cumpria, em verdade, 180 (cento e oitenta) horas mensais e, em meses com 31 (trinta e um) dias, cumpria 192 (cento e noventa e duas) horas mensais, mediante regime de compensação 12x36.7. Registre-se que competia à Municipalidade trazer a juízo provas acerca do pagamento das verbas pleiteadas pelos autores, referentes às horas extras, ou o contrato temporário, prevendo, em suas cláusulas, a jornada diversa do alegado pelo particular, bem como o regular cumprimento da jornada. Entretanto, a Administração Municipal se limitou a documentar, no presente caso, o instrumento particular de procuração e o termo de compromisso de posse do Prefeito 8. Agravo Legal conhecido e negado provimento. (Agravo 347922-7. Processo 0014305-39.2012.8.17.0480. Relator(a) Luiz Carlos Figueirêdo. Orgão Julgador 3ª Câmara de Direito Público. Data do Julgamento: 10/03/2015. Publicação: 17/03/2-15) |
Ao equiparar pessoas contratadas a servidor público, no que diz respeito ao pagamento de horas extraordinárias, forçoso concluir que o Estatuto próprio dos servidores pode estabelecer até 8 horas diárias e 40 semanais, inclusive para advogados públicos, aplicando-se o postulado de que norma específica derroga lei geral, in casu, a legislação aplicada ao servidor afasta, neste quesito, a aplicação as limitações de 20 horas semanais, limitadas a 40 horas, previstas no art. 20 do EOAB e. Todavia, se o Estatuto previr 20 ou 30 horas semanais e, na pratica, vier o advogado a ultrapassar este limite, o que estiver de acordo com a limitação do próprio estatuto será por ele regulamentado a título de hora extra (adicional de 50%) e, acaso essas horas ultrapassem as permitidas pelo Estatuto próprio deverão obrigatoriamente serem remuneradas com adicional de 100% nos termos da Lei 8.906/94.