COMO O PATRIOTISMO CONSTITUCIONAL SE RELACIONA À MULTICULTURALIDADE NACIONAL BRASILEIRA

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COMO O PATRIOTISMO CONSTITUCIONAL SE RELACIONA À MULTICULTURALIDADE NACIONAL BRASILEIRA

Márcio Messias Cunha[1]

Goiânia, 16 de novembro 2021[2]

RESUMO:

O presente artigo abordará a discussão que se dá no âmbito do patriotismo constitucional dentro da realidade brasileira, se relacionando ao multiculturalismo. Será abordado um breve histórico da origem do patriotismo constitucional e da multiculturalidade, como eles se encontram para formar um sentimento nacional na sociedade visando uma evolução sociológica, no intuído de diminuir as diferenças culturais entre cidadãos de um mesmo país, a fim de se aflorar o sentimento em todos de um patriotismo, não à nação, mas sim à constituição, esta que protege os direitos de todos.

Palavras Chaves: Patriotismo Constitucional; Multiculturalidade; heterogeneidade; sociedade; sociologia.

ABSTRACT:

The present article will address the discussion that takes place within the scope of constitutional patriotism within the Brazilian reality, relating to multiculturalism. A brief history of the origin of constitutional patriotism and multiculturalism will be discussed, as they meet to form a national feeling in society, aiming at a sociological evolution, with the purpose of reducing the cultural differences between citizens of the same country, in order to arouse the feeling in everyone of a patriotism, not to the nation, but to the constitution, which protects the rights of all.

Keywords: Constitutional Patriotism; Multiculturalism; heterogeneity; society; sociology.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO: 1. Patriotismo Constitucional frente à realidade brasileira; 2. Multiculturalidade e a relação ao patriotismo constitucional; CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA.

INTRODUÇÃO:

O patriotismo constitucional deverá ser interpretado para além de uma forma exclusiva de sentimento nacionalista. Apesar de parte dos pensadores acharem que se trata de uma nova modalidade de sentimento nacionalista exacerbado, o presente artigo demonstra exatamente o oposto. Pautado nos ensinamentos de Habermas e dos demais pensadores que em muito debateram a esse respeito do patriotismo constitucional como uma evolução do Nacionalismo, neste sentindo, os cidadãos não se orgulhariam da cultura ou da Nação, mas sim, de uma ordem Constitucional pautada em valores jurídicos que permitisse igualdade entre os povos.

Por sua vez, o patriotismo constitucional, que prega o respeito às demais formas de cultura, remete à multiculturalidade. Trazendo essa realidade ao Brasil, conseguiremos correlacionar a existência de uma multiculturalidade com o patriotismo constitucional, com a sociedade brasileira.

Por fim o presente artigo trará os caminhos a serem seguidos pela sociedade brasileira, com caráter de motivar os ensinamentos do patriotismo constitucional no intuito de buscar uma evolução da sociedade. Assim como os valores constitucionais oriundos dos direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal vem sendo importantes no andar dos últimos 30 anos de vigência constitucional, é dever das gerações futuras compreenderem as lições apresentadas pelo patriotismo constitucional e pela multiculturalidade.

1. Patriotismo Constitucional frente à realidade brasileira

O patriotismo constitucional representa, em suma, ter orgulho do fato de que fomos capazes de superar permanentemente o fascismo, estabelecendo uma ordem baseada na lei, e ancorando-a em uma cultura política liberal razoável. (MAIA, 2005 p.22).

O conjunto fático que levou os alemães a incorporarem o sentimento de patriotismo constitucional (ou nacional) se deu em muito ao fato do sentimento de vitória e superação ante ao exacerbado nacionalismo que a Alemanha superara com a queda do governo de Hitler e a derrota na Guerra.

Tal superação pode ter sido exemplo aos brasileiros, que viram nos movimentos europeus, uma esperança quando se levantaram em busca da derrocada do governo ditatorial militar na década de 80, buscando mudanças pela democracia, que efetivamente ocorreu ao final da década, com a promulgação da Constituição de 1988.

O Brasil também enfrentou sua parcela de nacionalismo exacerbado durante regime de ditadura militar mais recente, sendo o slogan mais marcante do governo Brasil, ame-o ou deixe-o prática publicitária do governo de Médici, que não aceitava críticas ou oposições, e, através de slogans nacionalistas como tal, tentava obrigar os brasileiros a seguir as decisões do governo e, quem não estivesse de acordo, era exilado.

Em tese, bastante parecido com a mentalidade alemã fascista, com a diferença que, no Brasil, havia uma conotação mais política, enquanto no país europeu, uma questão mais referente à raça, cultura e etc., como dispõe Flávio Martins (...) um patriotismo fundado na identidade étnica, racial, linguística, histórica e cultural, mas fundada no respeito à Constituição, à Lei Fundamental alemã, de 1949 (Grundgezets)(...). (MARTINS, 2018 online).

Quando os alemães superaram os vieses oriundos do nacionalismo exacerbado, originou-se então o conceito do patriotismo constitucional. Apesar de o nome guardar certo receio ante a proximidade ao nacionalismo, o conceito real e verdadeiro, significou o orgulho em relação ao Estado de Direito, tendo em vista a superação do nazismo, estabelecendo uma adesão dos cidadãos aos princípios de direitos humanos consagrados na Lei Fundamental (...) como estratégia teórica coerente com um modelo de identificação política capaz de superar o nacionalismo, contrapondo-se à perspectiva neo-historicista alemã (Bunchaft, 2011,p. 225 e 226)

Flávio Martins ainda corrobora:

Embora, num primeiro momento, a expressão pareça estar ligada ao nacionalismo, à unidade étnica, nacional e cultural, o conceito é exatamente o contrário. O escopo do patriotismo constitucional é afastar-se no nacionalismo exacerbado, totalitário (ultra-nacionalismo), que ensejou a xenofobia, o preconceito e o holocausto no nazismo, na tentativa de buscar um novo modelo de identificação política, dotada de um profundo multiculturalismo e fundada no respeito à Constituição. (MARTINS, 2018 online).

Gisele Cittadino complementa:

O patriotismo constitucional, em um mundo pós-nacional, pode, segundo Habermas, ajustar o universalismo de uma comunidade jurídica igualitária com o particularismo da comunidade ética, assegurando uma integração político-cultural, se as liberdades republicanas historicamente obtidas e se o compromisso com uma ordem jurídica-política forem vistos como produtos da formação de uma genuína vontade política comum. (CITTADINO, 2007 p. 62)

O patriotismo constitucional ora idealizado, portanto, passa a existir por meio de sentimentos da população pelo Estado Democrático de Direito, sendo ambos (Brasil e Alemanha) oriundos de governos antidemocráticos. A ideia de se pautar em movimentos que defendam não só o Estado Democrático de Direito, bem como a diversidade e a humanidade singular, bem como o multiculturalismo de uma sociedade heterogênea em detrimento de uma soberania ética e homogeneidade, além de representar avanços na forma de se pensar a sociedade, tornou-se também um desafio para as questões futuras.

Segundo José Soares, que disserta acerca da filosofia de Habermas acerca do patriotismo constitucional em relação a suas raízes no pensamento jus filosófico e político alemão do pós-guerra, firmou entendimento:

Já a proposta de Habermas não está tão centrada na realidade específica alemã, mas mais em garantir uma coesão social em sociedades pós-tradicionais, ou pós-modernas, nas quais a religião e o pertencimento a grupos étnicos ou nacionais parecem incapazes de garantir coesão, diante da ampliação da fragmentação de estios de vida em sociedades multiculturais. Desse modo, as visões específicas sobre como deveria se organizar a sociedade (perspectivas religiosas, familiares, étnicas, nacionais, etc.) seriam subsumidas por critérios universais e universalizantes, como garantia de direitos civis básicos e liberdades individuais a cada cidadão, independente das diferenças étnicas, socioeconômicas, religiosas, etc. O pertencimento a uma Constituição que garante direitos e liberdades deveria promover esta integração multicultural. (...) A visão de Habermas enfatiza que em sociedades nas quais o nacionalismo é passível de criticismo há a tendência de as pessoas se reconhecerem em perfis identitários mais abstratos e reflexivos, ligados a estilos de vida, ideologias, camadas sociais. Desse modo também a noção de patriotismo precisa ser atualizada para uma dimensão mais abstrata e discursiva. A noção habermasiana27 de patriotismo constitucional, diferente daquele de Sternberg, é muito mais universalizante, e tende a esvaziar o direcionamento estatalista e nacionalista do conceito de patriotismo. O Estado deixa de ser uma entidade quase metafísica acima da sociedade para ser visto como uma instituição formada a partir de normas, sobretudo constitucionais, visando fomentar o surgimento da esfera pública como espaço em que os cidadãos exercem a própria racionalidade discursiva. (SOARES, 2020 p. 9-10).

No momento em que a identificação cívica torna-se uma realidade, a sociedade e os cidadãos que a esta compõe, traduzem pra sua realidade os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito. Ocorrendo isso, os direitos de liberdade e direitos sociais tornam-se o norte cultural para a sociedade e suas futuras gerações. Na Alemanha, se abriu o leque para as multiculturalidades que viriam a aceitar, e no Brasil, aos ideais políticos de democracia que sucederam ao autoritarismo de outrora, em todo caso, ambos podem ser interpretados como uma forma de patriotismo.

O patriotismo constitucional é, com efeito, uma forma de identificação cívica para os cidadãos daquelas sociedades que não podem confiar antropologicamente em suas próprias tradições. Quando não se pode recorrer a uma identidade política sustentada por uma história marcada por êxitos, uma identidade cívica baseada em compromissos com princípios constitucionais democráticos e liberais pode garantir a integração e assegurar a solidariedade. Como lealdade a uma certa tradição, o patriotismo constitucional apela para os princípios universalistas do Estado Democrático de Direito(...).(CITTADINO, 2007 p. 62). (grifo nosso)

Embora realidades distintas, ambos os países viram-se com as mesmas vontades sendo evocadas, tratando-se da necessidade de uma ordem baseada na lei,e ancorando-a em uma cultura política liberal razoável. (MAIA apud Habermas, 2005, p. 22). O Brasil, no preâmbulo que antecede os artigos constitucionais em sua carta maior, estabelece a necessidade de se seguir uma ordem, senão vejamos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (Preâmbulo CF/88, online). (grifo nosso).

Em ambos os casos, as respectivas cartas constitucionais dos países ora estudados mantêm certa defesa ao pluralismo cultural, combates ao preconceito e defesa de uma sociedade fraterna, sendo o sentimento de patriotismo constitucional.

Ao adequarmos à realidade brasileira, Antonio Maia expõe motivos para se orgulhar de nossa Lei Fundamental. Segundo o jurista, nossa Constituição Federal:

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Ela possui uma grande valia simbólica, pois possibilitou uma transição exemplar dos governos autoritários para o regime democrático. Ela nos permitiu iniciar uma vida democrática madura, absorver inúmeras crises (como, por exemplo, o caso do impeachment de Fernando Collor) e experimentar, pela primeira vez, um processo democrático maduro capaz de, entre outras coisas, eleger um candidato popular de esquerda do Partido dos Trabalhadores. Esta mudança política, algo sem precedentes em nosso país, não encontra, salvo engano, paralelo na história da América do Sul. (MAIA 2005, p.28)

O patriotismo constitucional, defendido por Antonio Maia e por outros doutrinadores, se pauta em uma melhora do sistema democrático republicano, que segundo o mesmo, o amor à pátria é representado pelo amor à república, e desta forma, protegendo os princípios universalistas de uma república enfática. (MAIA 2005, p. 29-30).

Diferentemente do contexto histórico alemão, o Brasil não precisou enfrentar um sentimento nacionalista pautado na etnia, onde eram demonizados todos aqueles estranhos à raça, já que sempre fomos um povo historicamente de miscigenação étnica. Dessa forma, a superação étnica cultural no Brasil, em tese, não precisou ser superada, visto o fato de que abarcamos diversas culturas, desde europeias, africanas e, principalmente as indígenas.

2. Multiculturalidade e a relação ao patriotismo constitucional

Iniciaremos o estudo do multiculturalismo através de uma passagem no decisum prolatado pelo Ministro do STJ, Herman Benjamin, que expõe, de modo resumido e aparentemente exasperado, a aplicação deste princípio ante à cultura indígena.

Conforme vemos nas palavras do Ministro Herman Benjamin, do STJ em um julgamento no ano de 2018:

DIREITO INDÍGENA, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO INDÍGENA. AUTODETERMINAÇÃO E CAPACIDADE CIVIL DOS ÍNDIOS. IMPOSSIBLIDADE DE RESPONSABILIZAR A FUNAI PELA PROTEÇÃO DE PROPRIEDADE PARTICULAR. ESTATUTO DO ÍNDIO. LEI 6.001/1973. EXTINÇÃO DO REGIME TUTELAR CIVIL DOS POVOS INDÍGENAS. ART. , IV E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. ART. , PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. IMPOSSIBILIDADE DE COMINAÇÃO DE SANÇÃO À FUNAI EM DECORRÊNCIA DOS ATOS DOS ÍNDIOS. (...) A realidade social dos índios no Brasil é por demais conhecida e preocupante. Situação que se agravou nas últimas décadas, com criminalização ou assassinato de muitos deles, no contexto de luta por identidade, terra e cultura. Também inegável progressivo enfraquecimento dos órgãos públicos encarregados de zelar pelo respeito a seus direitos e dignidade, constitucional e legalmente reconhecidos. O pano de fundo é certa atitude estatal e social arcaica, incapaz de compreender a nova condição jurídica dos povos indígenas, ou seja, o direito de permanecerem com sua etnicidade diferenciada, mesmo convivendo com a população não indígena. Assim, a garantia dos direitos desses povos no nosso País vem transformando-se em formidável problema político, mas igualmente jurídico e ético, porque, além de preconceito e toda a sorte de agressão, parece haver esforço fragmentário, mas deliberado, de dificultar ao máximo a implementação efetiva dos seus direitos inalienáveis. Sem dúvida, incomodam enfoques jurídicos contemporâneos de autonomia, de multiculturalismo, de valorização da diversidade étnica e da plurietnicidade brasileira, de resgate da história e da memória, e de orgulho mesmo de ser indígena. É rejeição, nem sempre aberta ou sincera, à posição hoje legislada de inaceitabilidade de enxergar e tratar os povos indígenas como minorias inferiores, colonizadas, oprimidas, exploradas e não merecedoras de terem seus próprios territórios. Como se sabe, até a Constituição Federal de 1988, os índios brasileiros eram tratados de maneira excludente quanto à sua diferenciação étnica. Predominava forte sentimento etnocêntrico, de discriminação das demais culturas, a partir dos valores do grupo predominante. Em verdade, tudo se reduzia ao desejo incontido de impor a cultura majoritária aos demais, de forma a apagar pequenos grupos e seus costumes: só assim a sociedade brasileira se libertaria do atraso e poderia seguir os passos gloriosos e admirados da civilização europeia. (...) (STJ - REsp: 1685058 PR 2017/0171050-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 13/03/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/09/2020) (grifo nosso)

Neste sentido, podemos perceber a frenesi nas palavras do ilustre relator ante ao dissertar sobre os implícitos preconceitos que recaem sobre a população indígena e sua cultura, bem como refletiu a luta pela identidade indígena.

Segundo Josemar Soares, a questão do multiculturalismo, apresentada enquanto fenômeno marcante - sobretudo nas sociedades ocidentais contemporâneas, as quais revelam elevado grau de diferenciação étnica, cultural, religiosa e moral dentro de sua população - resulta, entre outros fatores, das crescentes ondas de migrações transnacionais. (SOARES 2020, p. 5).

A multiculturalidade ainda é um desafio a ser superado, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Em princípio à nossa realidade, apesar desta ser tradicionalmente rica em diversas culturas, os próprios brasileiros carregam preconceitos implícitos em si em relação a estas, como a discriminação ao indígena, às culturas afrodescendentes. Da mesma forma que os alemães, pós governo fascista e nazista tiveram que se adequar à novas culturas, o Brasil, em teoria, não precisaria, visto sua origem multicultural e heterogênea, em comparação à cultura homogênea do país europeu, ocorre que na prática, é bem diferente.

Para Daniel Sarmento, deve-se buscar diálogos interculturais entre todos os integrantes e adeptos das mais diversas culturas no Brasil, no intuito de poderem chegar a um consenso entre si, de respeito e co-urbanidade. Tal preceito pode ser visualizado no seguinte trecho:

Para evitar o etnocentrismo e enriquecer o conteúdo dos direitos, o melhor remédio é o emprego de diálogos interculturais na sua interpretação e aplicação. É verdade que este diálogo enfrenta limitações práticas pelas graves assimetrias que marcam as relações entre a sociedade envolvente e as comunidades tradicionais. Porém, trata-se de uma necessidade que, do lado de cá, deve ser perseguida por meio da adoção de uma postura empática dos operadores do direito diante das tradições e cosmovisões das populações tradicionais. É preciso, em primeiro lugar, tentar compreender as razões que estão por trás das práticas tidas como violadoras dos direitos humanos. É indispensável o engajamento do julgador, em um genuíno esforço de alteridade, para ouvir o outro e tentar se colocar no seu lugar, suspendendo as condenações apressadas. Tais condenações muitas vezes decorrem de particularismos da cultura hegemônica, travestidos de universalidade. Cumpre não esquecer, neste ponto, a observação de Tzvetan Todorov de que o medo dos bárbaros é o que ameaça converter-nos em bárbaros. (SARMENTO, 2016 p. 290)

Contudo, não nos prolongaremos nessa temática, prosseguindo com a teoria. Josemar Soares define por vezes a multiculturalidade como:

São conhecidas as profundas diversidades linguísticas e culturais tanto do mundo mesopotâmico como romano, apenas para citar exemplos conhecidos. A própria história da origem e formação dos Estados nacionais na modernidade depende do entendimento de como estes se estabeleceram a partir da necessidade de criar uma unidade nacional em territórios marcados pela pluralidade étnica, linguística, cultural e, por vezes, inclusive religiosa. (SOARES, 2020 p. 6).

Isto é, na medida em que a diversidade conduz inevitavelmente a choque de visões de mundo, a discordância quanto a estilos de vida - o que perpassa cada esfera da vida, daquela econômica à jurídica, passando pela religiosa, cultural, social em geral -, a capacidade das sociedades democráticas de aceitarem e reconhecerem o outro e a efetuarem dialéticas nas quais ambos passem a se verem como um nós que integra determinado Estado ou nação é condição indispensável para a estabilidade e integração atual e futura das comunidades marcadas por crescente multiculturalismo. É a partir daqui que se pode vislumbrar ou a formação de uma consciência moral para além das diversidades ou a permanência de conflitos conduzindo a um progressivo dilaceramento interno de tais sociedades. Esta realidade é desafio para o constitucionalismo contemporâneo, que precisa lidar com maior amplitude de diversidades internas na população abrangida. Constitucionalismo lida com multiplicidade e diversidade (SOARES, 2020 p. 6-7).

Apesar de a diversidade cultural ser histórica no Brasil, num amontoado de culturas vindas do estrangeiro somado às culturas indígenas, bem como as que aqui se desenvolveram ao longo dos anos, remontam não só à historia do Brasil, mas à historia da nossa multiculturalidade. Desta maneira, entra em cena o sentimento do patriotismo constitucional, onde a ideia contém, em si, uma orientação para o futuro, a par de uma ideia do estado constitucional de direito como um processo a ser realizado ao longo de diversas gerações. (MAIA, 2005 p. 23)

É um ideal pautado na ordem constitucional, como na Alemanha pautada na Lei Fundamental de 1949, o Brasil em 1988, com a promulgação da nossa Constituição Federal trouxe elementos significativos não só para o retorno da democracia que a muito era almejado, mas recuperou o orgulho do Brasileiro em acreditar em uma ordem constitucional que refletisse genuinamente um Estado Democrático de Direito.

Falar de patriotismo e nacionalismo no Brasil não sugere qualquer tipo de característica racista ou xenófoba. Ao contrário, nossa miscigenação racial e composição étnica híbrida devem ser aceitas e louvadas. Elas nunca incitarão qualquer nacionalismo expansivo, mas sim um nacionalismo integrativo uma ideia política que poderia funcionar como referência simbólica para um país com proporções quasecontinentais. Este discurso político uma força motivadora pode nos ajudar a fortalecer nossa identidade nacional, que, por sua vez, auxiliará os esforços políticos que precisamos fazer para tornar nosso país, em um futuro próximo, uma sociedade menos injusta. (MAIA, 2005 p.31).

O patriotismo constitucional se encontra com a multiculturalidade pois, para haver uma sociedade orgulhosa de uma ordem constitucional que supere os malefícios de uma cultura anteriormente opressora, este patriotismo deve abraçar a sociedade como um todo, não apenas em relação aos seus semelhantes, mas sim a todos que ali vivem, independente da cultura que sigam, tornando-se uma sociedade heterogênea e multicultural. A necessidade de se garantir um universalismo de direitos que protegem todas as culturas presentes em uma sociedade é um princípio do patriotismo constitucional que defende uma sociedade juridicamente igualitária.

(...) o patriotismo constitucional aponta para uma nova relação de tensão entre o universalismo de uma comunidade jurídica igualitária (...) e o particularismo de uma comunidade histórica de destino compartilhado13. De fato, se a comunidade jurídica igualitária é o produto da vontade de cidadãos livres e iguais, a comunidade histórica é fruto de uma herança que independe da formação da vontade política, de vez que a integração social ancora-se em formas de vida naturalizadas, pré-políticas. O patriotismo constitucional, em um mundo pós-nacional, pode, segundo Habermas, ajustar o universalismo de uma comunidade jurídica igualitária com o particularismo da comunidade ética, assegurando uma integração político-cultural, se as liberdades republicanas historicamente obtidas e se o compromisso com uma ordem jurídica-política forem vistos como produtos da formação de uma genuína vontade política comum. (CITTADINO, 2007 p. 62).

Patriotismo constitucional não é nem tentativa de reforço do nacionalismo estatalista nem uma espécie de religião civil, como abordam argumentos opositores, mas busca identificar o conjunto de crenças, valores e disposições requeridas dos cidadãos a fim de se manter determinada regulamentação política. De certo modo, o patriotismo constitucional almeja responder a seguinte pergunta: como esperamos viver juntos? Isto depende do impulso que deve mover cada cidadão a reconhecer os demais como livres e iguais. (SOARES 2020, p. 11)

A necessidade em se traduzir o patriotismo constitucional como respeito às diferenças culturais existentes na sociedade é uníssona, além do fato de que ajuda os indivíduos a conviverem e respeitarem juntos uns aos outros.

Deveras, atualmente ainda estamos um pouco distantes do pleno sentimento de patriotismo constitucional, seja no Brasil, seja na Alemanha, ainda nos deparamos com certas formas de repulsa e não aceitação de outros tipos de cultura. E em uma época tão globalizada e repleta de acesso à informação, onde entramos em contato com novas formas de cultura na sociedade, se faz plausível a necessidade de respeitarmos ainda mais o próximo, vez que somos todos iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, cor ou cultura.

Por fim, Daniel Sarmento explana a da necessidade do respeito aos diferentes tipos de cultura, a seguir:

Ser gente é precisar do outro. Somos bípedes implumes que usam a
razão, mas que, acima de tudo, precisam uns dos outros. Carecemos não só do suporte material que a vida em sociedade proporciona, mas também de relações intersubjetivas que se pautem pelo respeito recíproco. Por isso, se o princípio da dignidade humana se volta a proteger e promover a pessoa, ele tem de abarcar a dimensão do reconhecimento, que é tão indispensável para o ser humano disse Umberto Eco , como a comida e o sono. Nada obstante, o direito ao reconhecimento tem de se conciliar com as outras dimensões substantivas da dignidade, anteriormente exploradas. Ele não se compatibiliza com políticas que tratem as pessoas como simples membros de grupos culturais, e não como agentes; não se compadece com imposições heterônomas de condutas politicamente corretas; não se harmoniza com práticas indiferentes diante das desigualdades econômicas e das carências materiais que vitimizam as classes subalternas. O reconhecimento, em outras palavras, deve se articular com o valor intrínseco da pessoa, com a autonomia e com a proteção do mínimo existencial, de modo a proporcionar uma robusta proteção aos aspectos mais caros à personalidade humana. Ele é indispensável porque ser gente não é só viver, mas conviver; gente pensa, mas também sente; e não floresce sem o respeito do outro. (SARMENTO, 2016 p. 298)

O Multiculturalismo no Brasil sempre foi evidente, e a Constituição de 1988 veio para proteger a heterogeneidade da sociedade brasileira, assim como deve a sociedade respeita-la, e, dessa forma, o sentimento de patriotismo constitucional estará completo, entretanto, esse exercício somente estará completo com o andar das próximas gerações.

CONCLUSÂO

Desta feita, ficou demonstrado a necessidade de patriotismo constitucional e multiculturalidade andarem lado a lado dentro da realidade brasileira, no intuito de se preservar a heterogeneidade ante aos princípios da ordem constitucional.

Apesar de alguns argumentos contrários à ideia dizerem que se trata de um novo tipo de nacionalismo exacerbado, radical e completamente preservador de uma possível homogeneidade, o patriotismo constitucional surge para proteger todos os indivíduos, independentemente de suas origens étnicas ou culturais, defendendo uma sociedade pluricultural e diversa.

Em bem verdade, o patriotismo constitucional visa proteger a universalidade de direitos dos cidadãos, que devem-se orgulhar em serem patriotas constitucionais, visto que se baseiam em uma ordem constitucional protetora de direitos.

O alívio nos alemães quando viram a Lei Fundamental de 1946 tornar-se permanente com um extenso rol de direitos humanos fundamentais somados à queda do muro de Berlim, surtiu certo efeito no orgulho do cidadão, da mesma forma que o Brasil, através de movimentos da Diretas Já e com a Assembleia Constituinte que promulgou a Constituição de 1988 recuperaram o orgulho do povo em ser brasileiro. Em todo caso, o patriotismo constitucional serviu para proteger direitos políticos e humanos fundamentais, bem como os direitos à livre manifestação de cultura, etnia e demais aspectos outrora oprimidos, valendo-se, portanto, o Estado Democrático de Direito

BIBLIOGRAFIA

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  1. Márcio Messias Cunha. Advogado e Professor Universitário há mais de 10 (dez) anos. Coordenador dos livros Expoentes da Advocacia em Goiás I e II, escritor da obra Código de Processo Civil Lei de Execução de Títulos Extrajudiciais que foi destaque no ano de 2008 na comunidade jurídica. Com formação de mestrado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa IDP.

  2. Artigo feito pelo autor na qualidade de Doutorando em conjunto com o IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa;

Sobre o autor
Marcio Messias Cunha

Advogado; Mestre em Direito pelo IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa; Doutorando em Direito Constitucional pelo IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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