Gestão de segurança pública

21/11/2021 às 11:58

Resumo:


  • A segurança pública é uma preocupação crescente na sociedade brasileira, afetando a rotina e os hábitos sociais dos cidadãos.

  • Responsabilidades de segurança são divididas entre diferentes níveis governamentais, e há uma necessidade de integração e cooperação entre eles para efetivar políticas públicas eficazes.

  • O planejamento urbano e a gestão de espaços públicos estão intrinsecamente ligados à segurança pública, e ações conjuntas entre governo e sociedade são essenciais para enfrentar a violência urbana.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

GESTÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA

GALDINO, Eagly Aurélio Vieira [1]

RESUMO

A segurança pública tem se tornado uma das causas de grande preocupação para a sociedade brasileira. Em virtude de tal preocupação inconscientemente, os habitantes das médias e grandes cidades modificam suas rotas de circulação diária, seus locais de consumo e de moradia, seus hábitos de vida e de convívio social. Nesse contexto, o presente artigo que teve sua abordagem desenvolvida por meio da pesquisa qualitativa e bibliográfica objetiva apresentar uma breve reflexão sobre a segurança pública no Brasil. É possível identificar no texto as responsabilidades de cada nível governamental, a função policial, além de reconhecer a importância de pesquisas e dos históricos de dados, bem como reconhecer as implicações da segurança no espaço urbano.

PALAVRAS-CHAVE: Insegurança. Políticas públicas para a segurança. Segurança Pública.

ABSTRACT

Public safety has become a cause of great concern to the brazilian society. By virtue of such a concern subconsciously, the inhabitants of medium and large cities modify their daily circulation routes, their places of consumption and housing, their habits of life and of social conviviality. In this context, this article which took your approach developed by means of qualitative research and aims to present a brief bibliographical reflection on public security in Brazil. It is possible to identify in the text the responsibilities of each level of Government, the police function, in addition to recognizing the importance of research and historical data, as well as recognize the implications of security in urban space.

KEYWORDS: Insecurity. Public safety policies. Public Safety.

1 INTRODUÇÃO

Segundo pesquisas realizadas na última década pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) a saúde e a segurança tem sido as principais preocupações do brasileiro. Isso demonstra que a população tem percebido o expressivo aumento da violência no país. Uma das causas desse generalizado sentimento de insegurança seriam os delitos, que, se antes eram restritos a áreas mais empobrecidas, agora passaram a ocorrer em quase todas as áreas da cidade.

Inconscientemente, os habitantes das médias e grandes cidades modificam suas rotas de circulação diária, seus locais de consumo e de moradia, seus hábitos de vida e de convívio social, em virtude das preocupações com a segurança.

Diante das estatísticas sobre a violência, bem como impunidade, que crescem consideravelmente a opinião pública demonstra ser favorável ao estabelecimento de medidas conservadoras e severas em relação às políticas públicas na área de segurança, como a redução da idade penal, a instituição da pena de morte e as intervenções das Forças Armadas (Rolim, 2007, p. 32).

Em consequência, a pressão popular para a adoção de métodos cada vez mais rigorosos de aplicação das punições legais aos crimes tem produzido o crescimento da população carcerária, exigindo o aumento da demanda de presídios e onerando os estados (Salla, 2007, p. 83). Os governantes, diante da complexidade do problema, tentam dissociar sua imagem do que ocorre na área de segurança pública, pois qualquer tentativa de intervenção inovadora trará visibilidade à questão e, caso obtenha insucessos, acarretará em prejuízos às suas carreiras políticas. Portanto, há um paradoxo nas políticas públicas em relação à segurança: quanto menos funcionam as práticas e os métodos adotados, mais são os privilegiados pelo investimento público, e mais são aplicados pelas autoridades da área, que o repetem acriticamente (Soares, 2006, p. 11).

Nesse contexto, o presente artigo que teve sua abordagem desenvolvida por meio da pesquisa qualitativa e bibliográfica, objetiva apresentar uma breve reflexão sobre a segurança pública no Brasil. É possível identificar no texto as responsabilidades de cada nível governamental, a função policial, além de reconhecer a importância de pesquisas e dos históricos de dados, bem como reconhecer as implicações da segurança no espaço urbano.

2 GESTÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

A Constituição Federal de 1988 definiu que o sistema policial brasileiro é formado pelo cidadão, pela coletividade, pelos municípios, com relação à proteção do patrimônio público, pelos estados, com as policias civil e militar pela união, com as policias Federal, Rodoviária Federal e ferroviária Federal; e pelas Forças Armadas, que salvaguardam o país (Perrenound, 2007, p. 93).

O sistema policial está integrado ao sistema prisional, por meio do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), e ao sistema de justiça, composto pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.

O processo e o direito penal são de competência exclusivamente federal, enquanto as policias civil e militar são de responsabilidade dos estados conferindo a estes uma significativa participação no sistema de segurança pública. Ambos, estados e União, detém os recursos.

Aos municípios cabe redistribuir seus recursos e buscar verbas federais para a restruturação da segurança municipal, principalmente em programas preventivos. Essas inter-relações exigem que cada órgão do sistema cumpra adequadamente seu papel, para que haja qualidade e eficiência do sistema como um todo (Perrenoud, 2007, p. 95).

No entanto, tem sido raras as ações de cooperação entre os órgãos e agencias federais, estaduais e municipais. Segundo Costa e Grossi (2007, p.7), há grandes reservas com relação à interferência da União na autonomia política das unidades da federação.

Atualmente, tem sido debatida a participação das forças armadas na segurança pública justamente pelo aumento da violência nos centros urbanos. No entanto, isso precisa ser analisado com cautela, pois os efeitos podem ser desastrosos. As forças armadas tem formação voltada a situações de guerra, nas quais são utilizadas medidas extremas. Portanto, para atuar no meio urbano, necessitam de capacitações especificas, tendo como principal objetivo a preservação da vida dos cidadãos. Além disso, há a negociação anterior ao confronto. O sistema hierárquico policial dá mais autonomia às decisões, sendo necessário, dessa forma, que o agente tenha estrutura psicológica, orientação operacional e experiência.

Outro fator importante a ser considerado é a existência permanente de duas entidades independentes (Forças Armadas e policiais) para que não ocorra uma monopolização do uso da força, o que pode resultar em golpes de estado e guerras civis (Muniz; Proença Júnior, 2007, p. 53).

De acordo com Soares (2001, p. 127), a segurança pública no âmbito federal abrange diversas agências, que são partes do complexo institucional: Polícia Federal (responsável pelo contrabando de drogas), Exército (responsável pela circulação de armas no país), aparelho judiciário e sistema penal.

Há necessidade de uma reforma abrangente, devendo-se considerar suas múltiplas interfaces e a integração de todos os níveis governamentais, coordenados pela União, pois cada vez mais as organizações criminais aumentam sua área de atuação.

Rolim (2007, p. 38) afirma que, em sua maioria, os governantes apostam em projetos que podem acarretar sua ascensão política a curto prazo, geralmente constituídos de improvisações e atos relativos à opinião pública, e rejeitam projetos que exijam maior tempo de maturação. Os gestores não dispõem de dados confiáveis, o que impossibilita a elaboração de diagnósticos que estruturariam políticas exitosas. Assim, os resultados apresentados são inconsistentes e sem base estatística e analítica.

O Governo Federal tem tido um papel secundário na questão da segurança. Em 2000, foi criado o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), que foi importante no fomento da cooperação intergovernamental. Entretanto, o governo reluta em assumir a coordenação e o planejamento estratégico das políticas de segurança pública (Costa; Grossi, 2007, p. 7).

Mesmo havendo muitos criminosos impunes, há também uma superpopulação carcerária. Os presídios, que tinham o objetivo inicial de recuperar infratores, agrupam condenados de diferentes níveis de periculosidade, propiciando a reincidência e o agravamento do crime.

Os presos condenados pela Justiça Federal e os autores de delitos cuja práticas tem repercussão interestadual são, constitucionalmente, de responsabilidade da União. Segundo Câmara (2007, p. 66), após anos de atraso a União começa a assumir a custódia desses presos, que são os de maior periculosidade e que põe em xeque a segurança nos presídios estaduais.

Para que haja melhorias no sistema prisional, as ações do Poder Executivo na gestão penitenciária precisariam ser supervisionadas pela Justiça e fiscalizadas pelo Ministério Público (atualmente, o Poder Executivo na gestão). Além disso, conforme (Câmara, 2007, p. 67), também são necessários a sanção disciplinar para a posse e uso de celular, arma ou objeto proibido de uso interno, o estabelecimento de critérios objetivos para a conquista gradual de benefícios (trabalho, visitas intimas, solário) pelos reclusos, a aceleração dos processos de réus presos, a parceria com empresas para mantê-los em atividade e a capacitação de profissionais em administração e controle prisionais.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A SEGURANÇA

De acordo com Campos (2008) os direitos humanos surgiram da necessidade de os cidadãos serem titulares em relação a seu Estado soberano e, posteriormente, em relação à sociedade internacional. Com isso, ampliaram-se continuamente com as indigências estabelecidas pelos indivíduos em certas épocas com a finalidade de proteger a dignidade humana, concebida como fundamento dos direitos humanos (CAMPOS, 2008).

No que se referem à função policial, muitos a interpretam como um cumprimento das leis. No entanto, há delitos que, muitas vezes, podem ser considerados menos graves que outros pelo senso comum, como a sonegação fiscal, mas que são considerados crime. Em outro contexto, há condutas praticadas na internet que ainda não foram regulamentadas como crime, mas que lesam pessoas. Portanto, a noção de crime passa por filtros culturais da sociedade e pode ser interpretada de formas diferentes. O ato de policiar vai além de aplicar a lei, pois propõe estabelecer prioridades e decidir quando se utilizar de autoridade (Rolim, 2006, p. 21).

Entre as funções da polícia, está a emissão de autorizações para a realização de grandes eventos públicos, a liberação de porte de armas, a proteção de testemunhas, a busca de desaparecidos e objetos perdidos, a guarda de edifícios públicos, o atendimento de solicitações diversas, entre outras. A polícia tem uma multiplicidade de funções que não são claramente determinadas, mas a principal delas é manter o ambiente pacífico (Rolim, 2006, p. 21).

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Na formação profissional dos policiais, não há um preparo para a afetividade preventiva, para a interação com a comunidade para o atendimento de demanda da população que ultrapassam os limites do cumprimento da lei, mas que são relativas à manutenção da ordem pública (Poncioni, 2007, p. 25).

Anteriormente ao surgimento do carro, a polícia fazia suas rondas a pé e interagia com a comunidade, que conhecia e mantinha com ela uma relação de confiança mútua. À medida que a tecnologia foi sendo introduzida nos diversos seguimentos da sociedade, a polícia passou a adotar o modelo reativo de policiamento, tornando restrito o contato com a comunidade.

Esse modelo pressupõe que a polícia seja acionada após a ocorrência de um crime para que, com base nisso, comece a agir. É difícil intervir crimes como o tráfico de drogas e jogos ilegais, pois as vítimas são coniventes com a prática (Rolim, 2006, p. 31-40).

Para que as políticas públicas de segurança de curto e longo prazos sejam eficientes é necessário um diagnóstico com base em dados consistentes (perfil das vítimas, local, data e hora das ocorrências, forma de atuação dos infratores), qualificados e processados analiticamente.

Para que se obtenha esses dados, é necessária a confiança da população na polícia. No Brasil, constata-se a impossibilidade de planejamento pela ausência de avaliações regulares que permitiriam aprender com os erros (Soares, 2001, p. 125).

As pesquisas de vitimização geram informações que permitem mapear as áreas de maior incidência de crimes, identificar a tipologia destes e verificar se houve crescimento ou redução com o passar dos anos. Tais pesquisas tiveram início nos Estados Unidos, na década de 1960, e na Inglaterra, na década de 1980, e são realizadas anualmente por órgão federal de segurança. Por meio de questionários eletrônicos (para manter o sigilo), esse tipo de pesquisa mede os tipos de delitos que os residentes sofreram, a confiabilidade da polícia e a sensação de medo (Rolim, 2006, p. 40). Os resultados na Inglaterra têm demonstrado que mais da metade dos delitos não é relatada à polícia. Em São Paulo, uma pesquisa de vitimização realizada em 1999 revelou que apenas um terço dos delitos foi registrado com boletim de ocorrência. Muitos estados brasileiros nunca realizaram uma pesquisa nesse sentido, o que demonstra que as políticas públicas são realizadas sem o conhecimento da realidade (Roolim, 2006, p. 40).

Soares (2001, p. 126) salienta que as políticas de segurança podem ser relevantes, mesmo que só consigam produzir efeitos no âmbito do desempenho policial. O autor propõe três linhas de orientação à mudança: modernização (tecnológica especialmente na política técnica e gerencial e a qualificação policial), moralização (controles interno e externo) e participação comunitária, mediante centros de referência e conselhos (Soares, 2001, p. 128).

Rolim (2006, p. 39) destaca as inovações implementadas pelos gestores de outros países, como o georreferenciamento e o conjunto de tecnologias para o mapeamento do crime e da violência (que identifica os pontos de maior incidência), o programa de estatísticas Computarized Statistics (CompStar), a abordagem colaborativa entre a polícia e os agentes sociais, o policiamento com base em evidências, a prevenção ao crime com base em estudos do desenho urbano e do ambiente, o uso de recursos tecnológicos (câmeras, programas de reconhecimento de voz e visual, armas não letais, satélites de rastreamento, catalogação do DNA).

Goldstein (1990) acrescenta nos pontos destacados por Rolim os modelos de polícia comunitária e o policiamento para a solução de problemas.

O georreferenciamento localiza digitalmente as ocorrências criminais e disponibiliza informações para determinar o posicionamento e a quantidade de profissionais atuando em cada área. Para isso, as delegacias devem estar dispostas a fornecer dados e registrá-los digitalmente, com a finalidade de criar uma rede de inteligência.

Sherman (1997, citado por Rolim, 2006) conclui, por meio de suas pesquisas nos Estados Unidos, que os defeitos do policiamento sobre o crime são complexos e, muitas vezes, contrários ao esperado. O autor exemplifica afirmando que, em algumas situações vivenciadas, as prisões elevaram a criminalidade; o combate ao tráfico de drogas reduz os assaltos à mão armada; a permanência policial em locais de maior criminalidade tem um efeito inibidor, ou seja, o mau comportamento é intimidado pela presença do policial nos primeiros 15 minutos e, posteriormente a isso, a polícia deve modificar sua forma de atuação na área.

Pesquisas no exterior demonstram que a criminalidade ocorre de maneira concentrada em determinados pontos da cidade, para os quais se deve dirigir maior atenção (Rolim, 2006, p. 64).

Para Poncioni (2007, p. 28), há a necessidade de uma avaliação crítica da formação profissional do policial, caso contrário, a atividade permanecerá sujeita ao improviso, à descontinuidade e às demandas e pressões de interesses particulares de diferentes grupos. Centros de excelência no treinamento de policiais e o estabelecimento de procedimentos de nivelamento de conduta policial (ética) teriam impacto positivo.

Apesar das constantes denúncias de corrupção, abusos e extorsão policial, ações cometidas por uma parcela da corporação, precisamos reconhecer a indispensável importância que a polícia tem para garantia dos direitos civis e humanos. Segundo Zaluar (2002, p. 22), é necessário modificar os métodos de atuação policial, resgatando-se a antiga relação entre polícia e comunidade. O autor também critica a interpretação de combate ao crime como o enfrentamento de uma guerra situação em que a violação de direitos dos cidadãos é justifica-los pela prisão ou morte de infratores.

3.1 Centro de Ressocialização

Poucas são as iniciativas no Brasil que visam à reinserção de infratores na sociedade. Salla (2007, p. 84) relata uma experiência positiva da relação entre as organizações não governamentais (ONGs) e o sistema penitenciário. A parceria se deu entre a gestão da cadeia pública da cidade de Bragança Paulista e a Associação de Proteção e Assistência Carcerária (Apac). O juiz que estava à frente dessa experiência, posteriormente, foi nomeado secretário da Administração Penitenciária de São Paulo (a partir de dezembro de 1999) e promoveu a ampliação desse projeto para outras localidades, convidando ONGs a participar diretamente da gestão de unidades prisionais conhecidas como centros de ressocialização.

Em geral, unidades menores (cerca de 200 presos) recebem condenados por crimes de baixa periculosidade, em sua maioria habitantes de cidades próximas aos centros. A responsabilidade pelos funcionários ligados à segurança era do governo do estado, e a ONG se responsabilizava pelos serviços de assistência social, como trabalho, educação, saúde e assessoria jurídica. No entanto, no fim de 2006, houve a troca de governante e outro secretário assumiu o cargo. Iniciou-se uma crise entre o Poder Público e os detentos, o que culminou em rebeliões. O governo culpou injustamente as ONGs, alegando seu apoio aos detentos, e extinguiu o programa. Posteriormente a essa experiência, muitos estados implementaram centros de ressocialização, como ocorreu no Estado do Paraná (Matelândia), que iniciou parcerias com uma indústria de frigorifica para inserir os detentos no mercado de trabalho, de maneira remunerada.

4 SEGURANÇA PÚBLICA E ESPAÇO URBANO

A fragmentação do espaço urbano, que privilegia a infraestrutura de algumas áreas em detrimento de outras, acentua ainda mais as desigualdades socioeconômicas preexistentes. Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID, 1999) demonstra que as áreas com acentuado crescimento criminalidade são as detém os mais baixos indicadores de desenvolvimento humano (IDHs).

No entanto, não se pode relacionar de maneira direta pobreza com violência, pois apenas uma pequena parcela dos residentes em aglomerados subnormais comente delitos (BID, 1999).

Gomes (2005) comparou áreas com moradores de baixa renda em Salvador e demonstrou que há correlação entre pobreza e violência. Contudo, esses fatores podem não ser coexistentes. Na pesquisa, os habitantes com menor renda não são mais violentos e os índices de violência entre eles aproximam-se aos da região mais rica. De acordo com Gomes (2005), a criminalidade se concentra principalmente nas favelas, onde o Poder Público está mais ausente, e a infraestrutura e os equipamentos urbanos (escolas, creches, postos de saúde, praças espaços de esporte e lazer) são escassos, de má qualidade ou inexistentes. As condições de habitabilidade nesses lugares também são ruínas, e o espaço público é desordenado, sem marcos referenciais claros, o que auxiliaria na orientação das pessoas.

Ainda segundo essa pesquisa, em vez de visualizarem o problema da criminalidade como algo comum e que afeta a todos, os moradores dessas áreas se acostumaram com a violência, e os que residem em áreas legais da cidade sentem-se inseguros e tentam se proteger individualmente.

Aliás, as mudanças atuais na configuração do espaço urbano, principalmente em países como o Brasil, estão fortemente relacionadas à insegurança. Os locais em que o crime organizado se instala (favelas) não se beneficiam dos lucros provenientes do comércio ilegal de armas e drogas. Mantém-se sem ser nenhuma benfeitoria, pois os investimentos públicos e privados são canalizados para as áreas legais da cidade (Gomes, 2005).

Surgem, por toda malha urbana, condomínios residenciais fechados e complexos de edifícios multifuncionais para os segmentos mais ricos da sociedade. Estes, cercados por muros, abdicam da segurança pública ineficiente e contratam empresas privadas num ato individualista. Internamente, isso proporciona uma homogeneização de perfil socioeconômico, o que resulta numa distorção da realidade, que é diversa e multicultural. Externamente, os muros cegos, segundo Jacobs (1999), propiciam a insegurança e os moradores no entorno, pois as ruas somente são seguras quando recebem tutela. As pessoas criam relações de vizinhança e se protegem mutuamente, ou seja, são os olhos dos moradores que tornam os espaços públicos seguros.

Para a conformação da cidade, os condomínios fechados são prejudiciais no que se refere à permeabilidade da malha de circulação, pois obstruem a continuidade dos fluxos de circulação.

Outro fator decorrente da falta de segurança é a verticalização da cidade, tanto para fins residenciais quanto comerciais, além da construção de muros eletrificados, de colocação de grades e cercas cortantes e da utilização de cães treinados nas baixas residências. Há uma exacerbada divisão entre o público e privado.

Outro fenômeno importante na morfologia das cidades é o crescimento em quantidade de centros comerciais (shopping center). Estes também estratificam a população e contribuem para a degradação das áreas centrais da cidade. A falta de segurança repercute no esvaziamento tanto dos espaços públicos de circulação (calçadas ciclovias) quanto dos destinados ao lazer (parques, praças, quadras de esportes), o que resulta em degradação física e social desses locais. À exceção disso são os espaços públicos voltados ao turismo, nos quais se percebe a presença efetiva de policiamento, que tem o objetivo de demonstrar um cenário mais positivo aos visitantes, com vistas ao marketing da cidade.

Além das modificações observadas nas áreas privadas e públicas, há mudanças significativas nos espaços de circulação. O aumento da frota de veículos individuais e, consequentemente, da estrutura viária necessária também tem relações estreitas com o sentimento de insegurança. Acrescenta-se que, a insegurança em se transitar de automóvel, principalmente à noite, frequentemente leva os motoristas a desrespeitarem a sinalização, avançando o semáforo com medo de que algo lhes aconteça ao pararem em cruzamentos.

Nesse contexto, as ações na esfera de segurança pública são predominantemente e não há planejamento para evitar à vitimização (Gomes, 2005), motivo pelo qual as pessoas, individualmente, tentam buscar soluções paliativas.

Aparentemente o município é isento de responsabilidade para com a segurança pública, em razão de não ter poder de polícia. No entanto, é necessário ampliar o entendimento desse tema, analisando o como algo que inclui fenômenos que influenciam na criminalidade, como a melhora das condições de habitabilidade das favelas, o acesso aos serviços básicos e urbanização dessas áreas, impondo-se parâmetros construtivos mais flexíveis.

Manter a presença do Estado com policiamento preventivo, iluminação, limpeza pública e áreas de lazer certamente reduziria a criminalidade.

A intervenção policial no Complexo do Alemão (um dos maiores centros de distribuição de drogas localizado no Rio de Janeiro) em 2010 demonstrou o quanto o Poder Público estava afastado dessa comunidade. Foi noticiado que, há muitos anos, não havia acesso às regiões mais altas do morro. Cabe salientar que, nessas áreas, pertencentes ao município, residem aproximadamente 400 mil pessoas que não usufruíam de serviços públicos primordiais, direito de todos os cidadãos. Um dos motivos dessa ausência em áreas ocupadas irregularmente e que está relacionado ao planejamento do território, é a dificuldade de acesso físico, ou seja, na maioria delas não havia um mapeamento das ruas existentes. Além disso, a maioria das ruas nessas áreas são estreitas, o que expõe os policiais a riscos extremos (Gomes, 2005).

Contrastando com essas áreas abandonadas pelo Poder Público, criam-se espaços monitorados por câmeras, que cerceiam a liberdade. Observa-se ainda que não existe uma regulamentação nem punição caso essas imagens sejam utilizadas indevidamente.

Diante da complexidade dos assuntos envolvidos, as policias civil e militar são responsáveis apenas por parte da segurança pública (aquela relacionada às medidas posteriores à ocorrência dos crimes). É necessário que os diferentes níveis de governo e sociedade assumam em conjunto o enfrentamento desses problemas que modificam o cotidiano da população, seus hábitos culturais, seus valores e a configuração urbana.

No que se refere ao planejamento urbano, é necessário criar cenários prospectivos como balizadores do planejamento, com base nos resultados de pesquisas sobre as transformações urbanas. As novas ferramentas tecnológicas podem auxiliar no mapeamento de áreas de risco e de incidência de crimes para posterior análise das causas e perícia. Isso proporciona a possibilidade de adoção de medidas localizadas e de criação de áreas de estudo com estratégias diferenciadas para comparação.

5 CONCLUSÃO

A relevância e a urgência de se promoverem mudanças no âmbito da segurança pública no Brasil são incompatíveis com os estudos realizados, principalmente analíticos e propositivos, pela academia e por instituições responsáveis. A gestão de políticas públicas tem sido predominantemente de responsabilidade de militares, especialistas em direito e policiais, ao contrário do desejável, que seriam equipes multidisciplinares.

A sensação de medo se reflete no comportamento da sociedade e, consequentemente, no espaço urbano. É possível perceber mudanças significativas na configuração das cidades, cada vez mais voltadas à proteção individual, por meio de cercas e muros individuais, condomínios fechados, sistemas privados de monitoramento, o que não beneficia a sociedade como um todo. São soluções que segregam classes socioeconômicas, homogeneízam público e ambiente.

Embora o desejo comum seja a paz social, inexistem estratégias e coordenação para que os níveis governamentais se articulem a fim de promover programas conjuntos. Assim, o problema da violência urbana só se agrava. São escassos os órgãos de inteligência que deveriam organizar-se e compreender a dinâmica do tráfico de drogas e de armas, no que se refere à modalidade e às relações de poder envolvidas. São esses crimes os principais responsáveis pelo aumento da violência, pela banalização da vida, pelo ingresso de jovens na criminalidade pela corrupção policial.

Cada nível de governo possui atribuições especificas, sendo a do Governo Federal a mais importante, pois com o combate à entrada de drogas e armas no país reduziria significativamente a violência urbana. Os estados, responsáveis pela polícia civil e militar, precisam estar coordenados com a instância federal para elaborar um sistema de informações que fomente diagnósticos, planos de ação e políticas públicas.

Aos municípios cabe promover ações sociais preventivas, principalmente destinadas aos jovens, que são as principais vítimas da violência das cidades. São importantes ações urbanas, como a regularização fundiária da favela, tanto juridicamente, concedendo o registro de posse, quanto urbanisticamente.

Em termos urbanísticos, isso significa integrar a área ao entorno por meio de acessos, implantar infraestrutura adequada e que permita medição individualizada, estabelecer parâmetros de uso e ocupação do solo adequados, implantar espaços públicos de lazer, equipamentos urbanos, transporte, coleta de lixo, iluminação pública, entre outros aspectos.

Portanto, o problema da segurança pública tem de ser considerado como responsabilidade de todos, pois a prática de um crime depende não tanto do indivíduo, senão das diversas formas de coesão e solidariedade social.

REFERÊNCIAS

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  1. Graduado em Direito pela Universidade Potiguar. Pós-Graduado em Direito Criminal e Processo Penal na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte FCRN. Atualmente é Assessor Jurídico Ministerial Procuradoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, desenvolvendo as atividades de assessoramento na 14ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mossoró/RN. [email protected]

Sobre o autor
Eagly Aurélio Vieira Galdino

Graduado em Direito pela Universidade Potiguar. Pós-Graduado em Direito Criminal e Processo Penal da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN. Atualmente é Assessor Jurídico Ministerial – Procuradoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, desenvolvendo as atividades de assessoramento na 14ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mossoró/RN

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