Novo acordo de não persecução penal do Pacote Anticrime, juizados especiais e o plea bargaining nos Estados Unidos

21/11/2021 às 19:46
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O presente artigo tem a finalidade de analisar o Acordo de Não Persecução Penal, incluído recentemente pela Lei 13.964/2019 no CPP em seu artigo 28-A. Além disso, serão abordados outros institutos da Justiça Consensual, para fins de comparação.

Resumo

A crise do sistema de justiça criminal brasileiro fez com que o Estado buscasse medidas alternativas com a finalidade de reduzir a quantidade de processos, economizar gastos públicos, diminuir os reflexos de condenação do acusado e desafogar o sistema carcerário brasileiro. A vista disso, buscou apoio na justiça negocial como medida despenalizadora sendo um modelo consensual de resolução de conflitos. O presente artigo tem a finalidade de analisar o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), já previsto anteriormente na resolução nº 181 publicada em agosto de 2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), e atualmente previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído recentemente pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Ademais, buscar-se-á a análise do acordo nos níveis de constitucionalidade, aplicabilidade, ressaltando a hipótese de aplicação do acordo em crimes contra a Administração Pública como forma prejudicial ao combate à corrupção. Além disso, será abordada a diferença do acordo de não persecução penal em relação aos institutos da transação penal e suspensão condicional do processo, dispostas na Lei 9.099/1995, também será analisado as questões controversas acerca do acordo, refletindo acerca de suas peculiaridades, inclusive à vista da comparação com o modelo aplicado na justiça negocial praticada nos Estados Unidos (instituto plea bargaining).

Palavras-chave: Acordo de Não Persecução Penal. Constitucionalidade. Transação Penal. Suspensão Condicional do Processo. Plea Bargaining.


INTRODUÇÃO

O sistema judiciário brasileiro é ineficiente na maioria das vezes, a demora excessiva no trâmite de processos criminais é uma realidade incontestável. Devido a incapacidade do sistema de justiça criminal, o Estado vem buscando medidas alternativas que aliviem o judiciário e o sistema carcerário brasileiro, o que impulsionou a expansão da Justiça Consensual no país como meio de resolução de conflitos.

O presente trabalho visa abordar mais profundamente o instituto do Acordo de Não Persecução Penal, consolidado pela Lei nº 13.694/2019 (Pacote Anticrime) no artigo 28-A do Código de Processo Penal.

O estudo do aludido tema se mostra de extrema relevância por ser um importante instituto no ramo do Direito Penal Negocial como medida despenalizadora sendo um modelo consensual de resolução de conflitos, com a finalidade de reduzir a quantidade de processos, economizar gastos públicos, diminuir os reflexos de condenação do acusado e desafogar o sistema carcerário brasileiro.

Com efeito, além de proporcionar resposta estatal mais célere e efetiva em crimes de média lesividade, a celebração desse modelo de acordo pode viabilizar o direcionamento dos esforços estatais à repressão e prevenção de crimes mais graves.

Na primeira parte do trabalho será apresentado um breve histórico acerca do tema, bem como a sua constitucionalidade, já que a sua validade no ordenamento jurídico gerou bastante discussão, e também os requisitos de admissibilidade de natureza objetiva e subjetiva.

Como veremos, um dos importantes requisitos subjetivos é a exigência de confissão, para que seja possível a celebração do acordo o acusado deve confessar a pratica delituosa, porém, como é bastante mencionado no ramo do direito penal, ninguém é obrigado a se auto incriminar ou a produzir prova contra si mesmo, dito isso, a segunda parte do trabalho irá abordar a exigência de confissão e o princípio da não autoincriminação.

Também será avaliado os pressupostos de validade, existência e de eficácia, tal como o objeto do acordo de não persecução penal, ou seja, o conteúdo mínimo para as cláusulas de avença e as obrigações que deverão ser assumidas pelas partes.

Ainda na segunda parte, será avaliado o cabimento do acordo de não persecução penal nos crimes contra a administração pública e se o mesmo é prejudicial no combate a corrupção.

A Justiça consensual surgiu no ordenamento jurídico pátrio em 1995 com a chegada da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995), que introduziu os institutos da Transação Penal e da Suspensão Condicional do Processo, e se ampliou em 2013 com o advento do instituto da colaboração premiada previsto na Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), bem como no instituto introduzido inicialmente em 2017 pela Resolução nº 181, do Conselho Nacional do Ministério Público, o Acordo de Não Persecução Penal, sendo consolidado no Código de Processo Penal em 2019 com o pacote anticrime.

Esses quatro institutos citados acima são de relevante importância no estudo da justiça criminal consensual brasileira, sendo mais abordado na terceira parte desse trabalho.

O instituto da Plea Bargaining, praticado na justiça consensual dos Estado Unidos serviu como suporte para a entrada desse modelo de justiça no ordenamento jurídico brasileiro, sendo de relevante importância o estudo sobre este tema, que será exposto na quarta parte desse trabalho, inclusive para fins de comparação com os demais institutos mencionados.

Ademais, é importante esclarecer algumas questões acerca do Acordo de Não persecução Penal, são temas que geram muitas dúvidas, a primeira delas é se o Ministério Público é obrigado a propor o acordo de não persecução penal, se restarem cumpridos os requisitos, e a segunda esta relacionada a responsabilidade penal da pessoa jurídica, avaliando se é possível ou não a aplicação do instituto do artigo 28-A do Código de Processo Penal nesses casos. Essas questões serão esclarecidas também na quarta parte desse trabalho.

Efetivamente, o objetivo geral deste trabalho de conclusão de curso é analisar finalidade do Acordo de Não Persecução Penal, bem como a constitucionalidade dentro do sistema penal brasileiro, através de pesquisas bibliográficas de livros doutrinários, artigos, monografias, bem como na análise dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relativos à temática em discussão que está previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído recentemente pela lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), e já previsto anteriormente na resolução nº 181, publicada em agosto de 2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

A Conclusão retomará os dados e argumentos trazidos pelo texto. Será usada também para apresentar as principais conclusões do trabalho.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

O instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) surgiu no ordenamento jurídico brasileiro em 07 de agosto de 2017 por iniciativa do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), na Resolução nº 181 que dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público e, no seu artigo 18, estabeleceu a possibilidade de propositura do acordo. Por sua vez, a Resolução nº 183 de 24 de janeiro de 2018, editada também pelo CNMP, alterou apenas alguns artigos da resolução anteriormente citada.

A criação do acordo por meio da resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) amparou-se na necessidade de buscar medidas alternativas com a finalidade de reduzir a quantidade de processos, economizar gastos públicos, diminuir os reflexos de condenação do acusado e desafogar o sistema carcerário brasileiro.

Isso porque, é de conhecimento empírico que o ordenamento jurídico brasileiro possui uma estrutura de que não consegue atender às demandas da justiça dentro do ritmo necessário. Ao observar o sistema de Justiça criminal brasileiro, tem-se a impressão de que ele foi feito para não funcionar, já que existem incontáveis processos que se acumulam, sem que alguma solução seja dada ao caso, gerando para a sociedade uma sensação de impunidade e de injustiça.

Destarte a isso é que o Conselho Nacional do Ministério Público, por meio de resolução, decidiu introduzir, como um meio de solução institucional para os problemas da justiça brasileira, a possibilidade de celebração do Acordo de Não Persecução Penal.

Contudo, a criação do acordo por meio de resolução do CNMP provocou uma discussão acerca da sua constitucionalidade, já que não possuía autorização legal.

Ademais, O CNMP encontrou uma fonte de apoio na Resolução nº 45/110 (também é conhecida como Regras de Tóquio) de 14 de dezembro de 1990 da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), para a criação do Acordo de Não persecução Penal, esta resolução já havia chamado atenção para a necessidade da implementação de medidas alternativas ao Processo Penal, a serem tomadas antes do início da persecução em juízo.

Desta forma, o item 5.1 da resolução recomendava que:

Sempre que adequado e compatível com o sistema jurídico, a polícia, o Ministério Público ou outros serviços encarregados da justiça criminal podem retirar os procedimentos contra o infrator se considerarem que não é necessário recorrer a um processo judicial com vistas à proteção da sociedade, à prevenção do crime ou à promoção do respeito pela lei ou pelos direitos das vítimas. Para a decisão sobre a adequação da retirada ou determinação dos procedimentos deve-se desenvolver um conjunto de critérios estabelecidos dentro de cada sistema legal. Para infrações menores, o promotor pode impor medidas não privativas de liberdade, se apropriado.[1]

O Ministério Público, no Brasil é o titular da ação penal, sendo assim, a única medida possível para o amparo da resolução da ONU era e é a adoção de critérios de oportunidade pelo Ministério Público, com a possibilidade de dispensar a ação penal, mediante cumprimento de obrigação de natureza não privativa de liberdade, conforme o exposto na resolução proposta pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

A crítica em razão da ausência de previsão legal especifica, não constituía, todavia, novidade no direito em relação a celebração de acordos desta categoria. Adiante a recomendação da ONU nas Regras de Tóquio, constata-se que, em outros países a adoção de acordos penais, mesmo sem respaldo legal, foram um relevante meio de solução para os problemas que dificultavam a eficiência da Justiça Criminal.

A experiência de soluções alternativas ocorridas na Alemanha e na França foram, também, importantes fontes de inspiração para a criação do Acordo de Não persecução Penal.

Relativamente, observa Rodrigo Leite Ferreira Cabral que:

[...] a resolução é fortemente influenciada pela experiência alemã, cuja possibilidade de acordo surgiu, mesmo sem previsão em lei, em decorrência de práticas informais dos promotores, que constataram a incapacidade do sistema processar todos os casos. Essa prática de celebrar acordos, posteriormente, acabou sendo chancelada pela Suprema Corte alemã, que reconheceu a sua constitucionalidade, ainda que sem previsão em lei. [2]

O acordo penal francês é bastante similar ao modelo adotado pelo Conselho Nacional do Ministério Público em seu artigo 18 da Resolução nº 181/17, e agora pelo artigo 28-A do Código de Processo Penal, já que na França, segundo LANGER, o promotor poderia propor ao defensor uma opção diversa para o seu caso, de forma que evitaria o julgamento criminal regular, porém, para tanto, seria necessário a confissão e, além disso, o preenchimento dos requisitos.[3]

Para mais, há ainda a semelhança do previsto na Resolução nº 181/17 do CNMP com o previsto no sistema francês, caso o investigado não aceite a oferta, ou não preencha os requisitos para o acordo, o Promotor simplesmente iniciará o procedimento formal[4], em outras palavras, oferecerá denúncia. Ademais, no Brasil a resolução do CNMP especifica as hipóteses de cabimento do acordo, evitando assim o excesso destas medidas, que poderiam ferir o princípio da igualdade, o mesmo não se fazia presente nas primeiras práticas de acordos no sistema francês, o que levou a uma profusão desordenada desses negócios jurídicos.

Em consequência, por meio da Nota de Orientação do Ministério de Justiça, surgiu um processo de institucionalização dos acordos penais na França, regulamentando estas medidas no ordenamento jurídico.

Constitucionalidade do Acordo de Não Persecução Penal

Visto as experiências internacionais na pratica de celebração de acordos, mesmo sem precedente autorização legal, é necessário mencionar os fundamentos que levaram a regulamentação do Acordo de Não Persecução Penal, já que a resolução 181/17 feria gravemente a Constituição Federal pois o Conselho Nacional do Ministério Público acabou legislando em matéria de competência privativa da União, conforme o exposto no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

Diante desta situação, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) propôs a ação direta de inconstitucionalidade número 5790[5] (ADI nº 5790), onde alegava que a Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público invadia a competência da União para legislar sobre matéria penal e processual penal (CF/1988, arts. 5º, II, e 22, I), além de ser incompatível com o Estatuto da Magistratura (LOMAN, art. 33, parágrafo único, c/c CF/1988, art. 93, caput) e ferir direitos e garantias individuais.

Em suma, a AMB argumenta que o CNMP na Resolução Nº 181/17 teria ultrapassado os limites constitucionais conferidos a ele para a criação de um ato normativo, interferindo na independência dos poderes previsto no Art. 2º da Constituição Federal de 1988, já que teria criado atribuições para os juízes e Procurador-Geral, tal qual para os demais membros do Ministério Público.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) também propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade número 5793[6] (ADI nº 5793), para a OAB, a Resolução contestada extrapolou seu poder regulamentar inovando no ordenamento jurídico. Verificou-se que a resolução do CNMP feria o princípio da reserva legal e da segurança jurídica, também sustenta violação à indisponibilidade da ação penal, imparcialidade, impessoalidade, ampla defesa, contraditório, devido processo legal e inviolabilidade de domicílio, excedendo o poder regulamentar do Conselho Federal do Ministério Público.

Após diversas discussões sobre tal temática, em 2019, com o advento da lei nº 13.964/19[7] (Pacote anticrime), o Acordo de Não Persecução Penal foi regularizado no ordenamento jurídico brasileiro no artigo 28-A[8] do Código de Processo Penal, ficando o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública flexibilizado, e assim, ampliou-se as hipóteses em que proporciona ao investigado a celebração de acordo com o Ministério Público, amenizando os antigos debates sobre a constitucionalidade do Acordo de Não Persecução Penal.

Requisitos

Os requisitos do Acordo de Não Persecução Penal estão insculpidos no artigo 28-A do Código de Processo Penal, o artigo estabelece tanto os requisitos objetivos quanto os requisitos subjetivos.

Os requisitos de natureza objetiva, são aqueles vinculados ao fato objetivo. O primeiro a ser observado encontra-se no caput do mencionado artigo, onde expõe que para a celebração do acordo a investigação deverá estar madura para o oferecimento da denúncia, ou seja, devem estar plenamente preenchidas as condições da ação penal, não sendo, por conseguinte, caso de arquivamento.

O segundo requisito objetivo a ser observado refere-se ao emprego de violência ou grave ameaça realizado no delito, em seu caput, o dispositivo estabelece que para a celebração do acordo, não pode o investigado ter cometido o crime usando de violência ou grave ameaça, nesse caso o legislador optou por não beneficiar pessoas que tenham praticado crimes com essas características que são consideradas mais injustas e reprováveis pela sociedade.

O terceiro requisito de natureza objetiva, relaciona-se à pena mínima cominada ao delito, o caput do artigo 28-A do CPP afirma que para que seja cabível o Acordo de Não Persecução Penal, o delito deve ter pena mínima inferior a 4 anos, ou seja, 3 anos, 11 meses e 30 dias, levando-se em consideração as causas de aumento e diminuição de pena, previstas no Código Penal, e na Legislação Penal extravagante, aplicáveis ao caso concreto a ser examinado, de acordo com o § 1º, do aludido artigo.

O quarto requisito objetivo diz respeito às teorias que indicam as finalidades das penas no Direito Penal. O Ministério Público, conforme expresso no caput do artigo 28-A do Código de Processo Penal, poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Esta é uma perspectiva, acima de tudo, preventiva do Direito Penal. Desta forma, o contexto do delito cometido, deve indicar que o acordo é suficiente para a prevenção e reprovação, ou seja, se restar alguma dúvida no caso concreto de que o acordo preenche ou não as diretrizes político-criminais, já é o suficiente para o seu não oferecimento.

O sistema penal brasileiro adotou a teoria mista ou eclética acerca das finalidades das penas, relativamente a isso, menciona Fernando Capez que a pena tem a dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva. [9]

No mesmo sentido, MIRABETE, entende que a pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade é não só a prevenção, mas também, um misto de educação e correção.[10]

Sendo assim, entende-se que a pena é uma necessidade social e também é indispensável para a preservação dos bens jurídicos, elencados como essenciais à vida e a dignidade da pessoa humana pelo direito penal. Portanto, na avaliação do que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, é possível e recomendável utilizar-se como parâmetro interpretativo as circunstancias judiciais do artigo 59 do Código Penal[11], segundo ele, o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime as penas aplicáveis dentre as cominadas; a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

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É possível que o Ministério Público, para avaliar a amplitude da violação aos bens jurídicos, utilize parâmetros normativos estabelecidos pela própria instituição, o que evita tratamentos descomunais. Essa avaliação faz parte do aspecto de liberdade que a Constituição Federal atribuiu aos membros do Ministério Público em seu artigo 127, § 1º, onde concede ao MP independência funcional, que decorre propriamente da sua função de titular do exercício da ação penal[12], não sendo, portanto, suscetível a interferência do poder judiciário. Porém, pelo princípio da interdição da arbitrariedade, essa avaliação deve ser sempre fundamentada em dados e elementos concretos do caso.

Além desses requisitos, existem condições impeditivas do oferecimento da proposta de acordo de não persecução penal, que também constituem requisitos objetivos. Essas vedações estão expostas § 2º do artigo 28-A. Desta forma, de acordo com o inciso I, não será aplicado o ANPP se for cabível a transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais (JECRIM). Buscou-se evitar a incidência do acordo de não persecução penal, que é considerado mais gravoso, nos casos em que é cabível a transação penal, que abrange delitos cuja a pena máxima não ultrapassa 2 anos, cumulada com multa ou não.

O inciso IV também constitui um requisito de natureza objetiva, ele veda a celebração do acordo nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

Ademais, além dos requisitos objetivos citados acima, o artigo 28-A traz requisitos de natureza subjetiva, que são aqueles vinculados ao investigado, estes se manifestam por meio de duas vedações e uma condição imposta ao investigado para que seja possível a celebração do acordo.

As duas vedações estão previstas no § 2º do artigo 28-A, a primeira delas se encontra no inciso II, no qual expressa que não será cabível o acordo de não persecução penal se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas. [13]

Nesse sentido, acerca da reincidência, o legislador optou por não beneficiar com o Acordo de não persecução penal, aqueles que forem reincidentes, pretendendo dar uma nova oportunidade apenas para os que se envolveram pela primeira vez em práticas delitivas. Para que se faça essa análise, basta examinar a folha de antecedentes existente nos autos, já que, conforme entende o Superior Tribunal de Justiça, a folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência.[14] Sendo assim, deverá ser analisado na folha de antecedentes se o agente praticou o delito, com relação ao qual pretende fazer o acordo, no prazo de até 5 anos depois do cumprimento ou extinção da pena.[15]

Quanto a não realização de condutas de forma habitual, reiterada ou profissional, o legislador, da mesma forma optou por vedar a aplicação do ANPP para os que já tem práticas ilícitas. Para Cleber Masson a conduta habitual é o que somente se consuma com a prática reiterada e uniforme de vários atos que revelam um criminoso estilo de vida do agente. Cada ato, isoladamente considerado, é atípico[16]. Já o crime profissional é qualquer delito por aquele que exerce uma profissão, utilizando-se dela pra a atividade ilícita, nesse não importa o número de infrações, mas sim a forma profissional que é cometida. Para tanto, a conduta reiterada é a praticada mais de uma vez, repetida, nesse caso é necessário apenas uma prática criminosa anterior, sem ser necessário um número mínimo de infrações. Essas condutas serão verificadas a partir de elementos probatórios que indiquem a sua existência. Uma vez constatadas tais características, o investigado estaria impedido de firmar um acordo de não persecução penal com o Ministério Público. No entanto, o legislador abriu uma exceção a essa vedação da realização do acordo de não persecução penal se as infrações forem consideradas insignificantes, sendo assim, não incidirá a proibição do acordo.

A segunda vedação de natureza subjetiva está exposta no inciso III, onde enuncia que não será cabível o ANPP nos casos de ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo.[17] Para que esse requisito seja cumprido precisamente, é necessário que os tribunais passem a registrar os acordos de não persecução penal adequadamente, para que constem das decisões de antecedentes que devem ser extraídas antes do exame da admissibilidade do ANPP, e conforme menciona o § 12 do artigo 28-A do CPP A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo..

O terceiro requisito encontra-se no caput do artigo 28-A, sendo uma condição ao investigado para que seja possível a celebração do acordo, este deverá confessar formal e circunstanciada, a sua realização deve ser perante ao Ministério Público, no momento que for celebrado o ANPP, devendo o investigado estar acompanhado de seu defensor. Além do mais, como a confissão é feita no momento de celebração do acordo de não persecução penal, não é válida a confissão feita durante o inquérito policial (IP) ou no procedimento de investigação criminal (PIC).

Ainda que o investigado não tenha confessado no procedimento investigatório, seja porque negou, ou porque não compareceu ao órgão investigatório, não quer significar o descabimento do acordo de não persecução penal, inclusive é nessa hipótese que se faz importante o acordo, já que na fase investigatória não se contava com a confissão, e, após ela, passará a ter mais elementos de informação sobre a infração penal.

A confissão deverá ser registrada em áudio e vídeo, de acordo com o artigo 18, §2º da resolução 181/17 CNMP, uma vez que a mesma não foi revogada pela lei nº 13.964/19[18] (Pacote Anticrime), além disso, se trata de matéria de controle do MP.

Ademais, a confissão deverá ser detalhada, mencionando o essencial da infração cometida, narrando a motivação e as circunstâncias juridicamente relevantes, devendo ser suficiente e coerente, para que transmita veracidade. Aliás, deverá ser voluntária, sem ser conduzido por terceiros, no que tange aos fatos apurados na investigação.

Uma importante perspectiva da confissão, é que, por ser detalhada, concede ao Ministério Público grandes fundamentos de que não se está praticando uma injustiça contra um inocente, já que fortalece a justa causa que existia anteriormente para o oferecimento da denúncia.

Além disso, em caso de descumprimento do acordo, o Ministério Público poderá usar a confissão como fonte de informações para eventuais fontes de prova, além de favorecer as provas produzidas em contraditório. Sendo assim, caso o acordo seja homologado e ocorra o seu descumprimento, o MP poderá oferecer denúncia. Porém, caso não seja homologado o acordo, não se poderá utilizar a confissão do investigado para oferecer a denúncia, por força do princípio da lealdade e da moralidade administrativa, voltando-se ao status quo ante.

A EXIGÊNCIA DE CONFISSÃO E O PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO

O princípio da não autoincriminação (Nemo tenetur se detegere ou Nemo tenetur se ipsum accusare ou Nemo tenetur se ipsum prodere) é um dos princípios que estão inseridos dentro do princípio da ampla defesa, é uma das mais importantes garantias fundamentais do acusado, está consagrado pela constituição, assim como pela legislação internacional. Este princípio consiste no direito de que ninguém é obrigado a se autoincriminar ou a produzir prova contra si mesmo, seja na fase investigatória, seja no curso da instrução processual.

Segundo o artigo 5º da Constituição Federal[19], em seu inciso LXIII, o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. isto é, direito ao silencio, mas o âmbito de abrangência desta norma é bem maior que esse, por força do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, sem embargo da redação conferida ao dispositivo constitucional, o titular do direito ao silencio não é apenas o preso, mas qualquer pessoa que esteja na condição de acusada.

O direito ao silêncio é apenas uma parte do direito de não autoincriminação, que possui várias dimensões, que segundo Luiz Flávio Gomes[20] se subdividem em direito ao silêncio; direito de não colaborar com a investigação ou a instrução criminal; direito de não declarar contra si mesmo; direito de não confessar; direito de declarar o inverídico, sem prejudicar terceiros; direito de não apresentar provas que prejudiquem sua situação jurídica; direito de não praticar nenhum comportamento ativo que lhe comprometa; e direito de não ceder seu corpo (total ou parcialmente) para a produção de prova incriminatória. 

Nesse mesmo nível está o direito de não declarar contra si mesmo assim como o direito de não confessar, ambos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos[21] (Pacto de San José da Costa Rica) em seu artigo 8º, §2º, alínea G, e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos[22] no artigo 14º, §3º, alínea G. significa dizer que nenhuma pessoa é obrigada a confessar crime de que seja acusada ou a prestar informações que possam vir a dar causa a uma acusação criminal.

De acordo com a lei 9.455/97[23] (Lei de Tortura), em seu artigo 1º, inciso I, alínea a, constitui crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa. Em outras palavras, qualquer coação que vise obrigar outrem a se confessar é ilícita e configurará crime de tortura.

Além disso, o parágrafo único do art. 186 do Código de Processo Penal, enuncia que o silencio não resulta em confissão, e proíbe a interpretação do silêncio em prejuízo do réu. Todavia, o artigo 198 do aludido código menciona que o silêncio, mesmo que não importe em confissão, poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.

Em síntese, o acordo de não persecução penal exige como requisito para a sua celebração, que o investigado opte por confessar formal e circunstancialmente a prática de infração penal. Deste modo, diante todo o exposto, esse requisito fere o princípio da não autoincriminação, padecendo de inconstitucionalidade, visto que afronta materialmente as normas citadas acima.

Verifica-se a ausência de  bom senso na exigência de confissão, além de ser irrelevante para a obtenção do acordo, já que é visível a possibilidade de o ANPP ser convencionado sem a necessidade da confissão. Segundo o promotor André Luís Alves de Melo[24], a confissão "não tem validade alguma se o acordo for descumprido, e deve ser retirada dos autos, se for para a fase de instrução". Assim, a exigência de confissão para o acordo "tem aumentado o tempo e o custo da negociação, sem nenhum resultado prático". O mesmo pediu ao CNMP que autorize acordos penais sem a necessidade de confissão, encaminhando um pedido de providências ao órgão.

No mesmo entendimento, o Defensor Público do Rio de Janeiro Emerson de Paula Betta[25] questiona a relevância de exigir confissão, uma vez que o instituto é um acordo penal extraprocessual, "onde não se afere culpa (e nem se poderia aferir, eis que afrontaria o devido processo legal); onde não há exame de mérito dos fatos; e onde não se profere uma sentença penal condenatória".

Atualmente está em tramite Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI 6304) no Supremo Tribunal Federal proposta pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), a entidade afirma que a obrigatoriedade de o investigado confessar o crime para que o acordo seja proposto viola o principio da presunção de inocência. [26]

Portanto, a confissão é uma condição que não é favorável ao investigado, visto que, se não cumprir o acordo, e consequentemente venha a ser denunciado pelo MP, poderá ser processado, levando para a análise do mérito a confissão anteriormente firmada.

Por outro lado, é necessário mencionar que existe entendimento distinto, no sentido de que o acordo de não persecução penal é uma justiça flexível, ou seja, consensual, onde evidentemente pressupõe que cada uma das partes abra mão de alguma coisa. O investigado entrega a confissão formal e circunstanciada e Ministério Público abre mão da ação penal. Nesse sentido, o requisito da necessidade de confissão não viola o princípio da não autoincriminação, já que segundo Rogério Sanches Cunha [27] não há reconhecimento expresso de culpa pelo investigado. Há, se tanto, uma admissão implícita de culpa, de índole puramente moral, sem repercussão jurídica, em outras palavras, caso ocorra o descumprimento do acordo de não persecução penal, para fins de sua rescisão, a confissão não poderá ser utilizada para fundamentar eventual condenação do imputado, visto que a culpa, para ser efetivamente reconhecida, demanda o devido processo legal. [28]

Pressupostos

O Acordo de Não Persecução Penal, é de natureza extraprocessual. Sendo assim, a ele se aplica o sistema da teoria geral do negócio, disciplinado no Código Civil. É importante esclarecer quando o negócio jurídico do acordo de não persecução penal existe, e uma vez existindo, quando é válido e quando é o momento em que ele passa a produzir efeitos.

Nos pressupostos de existência, assentam-se os elementos imprescindíveis para a realização do negócio jurídico, para isso, é necessário que o Ministério Público e o investigado manifestem a livremente a vontade de celebrar o acordo, além disso, a manifestação de vontades deverá ser devidamente informada.

O ministério Público deve ter amparo legal e institucional para a manifestação de vontade, já que a possibilidade de propor o acordo de não persecução penal é concedida à instituição, pelo princípio da oportunidade regrada.

É importante ressaltar que a decisão final sobre a celebração ou não do ANPP é sempre do Ministério Público (o acusado também poderá recusar o acordo a ele proposto), já que ele possui a função de titular da ação penal pública, dessa forma, o Poder Judiciário nunca poderá impor ao MP a obrigação de fazer acordos de não persecução penal, já que nesse caso não tem o consentimento.

Além disso, é indispensável mencionar os vícios de consentimento dos negócios jurídicos, sendo eles o erro, dolo e a coação.

O erro é a falsa representação da realidade, é aconselhável que o Membro do MP esclareça o acordo e as suas consequências para que o ANPP não incida em erro.

O dolo é indução de umas partes ao erro, nesse aspecto, o MP deve atuar de forma objetiva e transparente. Desse modo, não será admitido o excesso de acusação (overcharging), por importar em vicio de vontade. Além disso, não existe a possibilidade de o ANPP ser proposto sob sigilo interno, desse modo fica inviável a possível tentativa de blefe (bluffing) por parte do MP, que ocorre quando a acusação comunica ao investigado que tem mais elementos do que realmente tem para a realização da acusação.

Por fim, a coação ocorre quando se tem o emprego de força física ou moral para a realização do acordo, viciando de forma indiscutível a validade do acordo de não persecução penal.

No pressuposto de validade, o acordo de não persecução penal deverá ser celebrado com compatibilidade com as regras jurídicas. Aqui localizam-se os requisitos gerais dos negócios jurídicos, que, segundo o artigo 104 do Código Civil[29], para que o acordo seja valido, requer que o agente seja capaz, ou seja, deve ser maior de idade e capaz, já que os inimputáveis por idade são submetidos ao regime socioeducativo do estatuto da criança e do adolescente[30] (ECA), no que tange aos inimputáveis por enfermidade mental, mesmo que exista alguma dificuldade para a celebração do acordo, é plenamente possível o seu cabimento.

Além disso, requer que o objeto do acordo seja lícito, possível e determinado ou determinável, de acordo com as condições estabelecidas no artigo 28-A do CPP.

Quanto a forma do acordo de não persecução penal, para a sua validade, requer que seja prescrita ou não defesa em lei, devendo, o acordo ser formalizado por escrito e firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor, conforme expõe o § 3º do artigo 28-A do CPP.

Já no pressuposto de eficácia, verifica-se a eficiência do ANPP em gerar os efeitos com ele pretendidos. De acordo com o artigo 28-A do CPP, §§ 4º e 6º, para que seja eficaz a convenção do acordo, é necessário que seja homologado, a homologação será realizada pelo juiz do processo (a Lei estipulava o juiz das garantias, mas o ministro Fux, decidiu suspender a sua implementação, até que a decisão seja referendada no Plenário da Corte.), para isso, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade. Por esse motivo que na audiência não há previsão quanto à presença do MP, mas somente do investigado e seu defensor, para que se avalie se o acordo foi ou não forçado, contra a vontade do investigado.

Após ser homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.

Objeto do Acordo

É indispensável abordar o objeto do acordo de não persecução penal, isto é, qual será o conteúdo mínimo para as cláusulas de avença e que obrigações deverão ser necessariamente assumidas pelas partes nessa modalidade de justiça negocial.

O primeiro objeto do acordo a ser analisado diz respeito às condições obrigacionais impostas ao acusado. O Código de Processo Penal em seu artigo 28-A estipula algumas dessas condições, e para que seja possível o oferecimento o acordo de não persecução penal, é primordial que o investigado assuma algumas delas. Segue a transcrição literal do dispositivo em comento:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

I - Reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II - Renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - Prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);

IV - Pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. [31]

Conforme o dispositivo legal em apreço, as condições devem ser ajustadas cumulativa e alternativamente. Ou seja, ao interpretar o texto do artigo, percebe-se que o legislador buscou expressar que as condições previstas nos incisos I, II e III serão sempre necessárias e cumulativas, já as condições dos incisos IV e V são alternativas, visto que no texto da lei verifica-se que apenas nessas duas últimas condições apresenta a conjunção coordenativa alternativa ou.

Desta forma, em regra, seria possível a aplicação de quatro das condições previstas nos incisos citados, seja elas as dos incisos I, II, III e IV ou as dos incisos I, II, III, e V.

Após o esclarecimento acerca da interpretação do dispositivo, é essencial a análise de cada tópico no que tange as condições obrigacionais impostas por ele:

reparar o dano ou restituir a coisa (inciso I)

Essa é considerada uma das condições mais importantes para o acordo de não persecução penal, já que nesta se tem a premissa de proteção à vítima, dando-lhe a devida atenção no processo penal. A reparação dos danos causados pelas práticas penais resulta em uma clara realização de justiça.

A reparação à vítima deve ser efetiva para que se tenha o ANPP como cumprido, não bastando a simples declaração de formal de compromisso de ressarcimento, para mais, a indenização por via de acordo é muito mais rápida e efetiva, de forma justa, sem custos para o ofendido. Ademais, caso a vítima tenha sido desapossada de algum bem que lhe pertence, este deve ter a imediata restituição.

Em suma, a reparação do dano deve ser integral, e para que seja integral, é indispensável que se faça o devido levantamento da dimensão dos danos e dos atingidos pela infração. Por conseguinte, caso seja impossível essa reparação, o investigado poderá ser isento de cumpri-la, destarte isso, não pode o investigado alegar a simples dificuldade financeira para que se dispense o cumprimento da obrigação, este deverá indicar fortes elementos que comprovem a impossibilidade de satisfaze-la.

Além disso, nada impede que a vítima tenha a oportunidade de participar da negociação do ANPP, é inclusive aconselhável, já que é assunto de seu interesse, para que auxilie o Ministério Público a qualificar como deverá ser feita a reparação do dano. É necessário destacar que o MP não atua como um advogado da vítima, ele apenas está ligado ao interesse público de realizar justiça.

Outrossim, a menos que a vítima também tenha assinado o termo de acordo de não persecução penal, hipótese em que ficará sujeita ao seu conteúdo, caso entenda ser insuficiente a reparação do dano, nada a impede que postule em juízo cível valor complementar.

Aliás, essa imposição tem como horizonte interpretativo o artigo 91, inciso I, do Código Penal[32], no qual enuncia que é um efeito da condenação "tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime".

renunciar a bens e direitos (inciso II)

Com essa condição, pretende-se resolver a questão relativa à destinação desses bens, no âmbito do próprio acordo de não persecução penal. Também é um efeito genérico da sentença condenatória, prevista no artigo 91, inciso II, § § 1º e 2º, do Código Penal, onde afirma que são consequências da condenação penal, a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé dos instrumentos do crime, quando coisas de fabricação, alienação, porte ou guarda ilegais, são considerados instrumentos os objetos usados para o cometimento do delito, e do produto ou do proveito auferido pelo condenado com a prática do crime.

Além disso, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda, nesse mesmo sentido, o dispositivo mencionado expõe que poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.

Assim dizendo, o Ministério Público poderá indicar para a renúncia voluntária, também, bens ou valores equivalentes ao produto e ao proveito do crime. Isso faz com que amenize o dever do Estado em encontrar o produto ou comprovar todo o caminho até que se transforme em proveito, compensando a falta de identificação desses bens, com o confisco do patrimônio lícito do investigado.

Por esse ângulo, Raquel Cristina Rezende Silvestre entende que:

Se o produto foi usufruído, gasto ou repassado a terceiros de boa-fé, houve um enriquecimento ilícito por parte do condenado que precisa ser corrigido. Ademais, o patrimônio lícito do investigado só existe porque foi economizado, enquanto dispendia o patrimônio ilícito. Justa, portanto, a compensação.[33]

Em síntese, pode-se dizer que essa condição afasta corretamente possível enriquecimento ilícito do investigado, em detrimento da conduta típica por ele praticada.

Por fim, vale destacar que não poderá ser exigida a condição a renúncia a bens e direitos que tenham sido instrumento produto ou proveito do crime vistos a partir da concepção de confisco alargado, identificado no artigo 91-A, do Código Penal (Incluído pela Lei nº 13.964/2019 Pacote Anticrime), sobre o tema, Solon Cícero Linhares aclara que:

O Confisco Alargado de bens é uma medida de grande impacto e que busca alcançar aqueles montantes de valores que o Estado não tem possibilidade de rastrear, sejam porque são resultantes de delitos complexos, seja porque revestidos de artimanhas dos próprios criminosos.[34]

O legislador apenas autorizou a medida de confisco de bens alargado em relação aos delitos cuja pena máxima seja de 6 anos, e como visto, nesses casos, em regra, não é cabível o acordo de não persecução penal.

Prestar serviço à comunidade (inciso III)

Essa condição obrigacional é uma medida a ser cumprida pelo investigado como modo de desaprovação à conduta delituosa praticada. Essa medida tem por objetivo fazer com que o investigado reflita acerca do ato infracional cometido, além de contribuir com comunidades e entidades públicas. Tudo isso parte da primazia de prevenção geral positiva, além do mais, em alguns casos pode levar o investigado a inclusive desenvolver novas competências, habilidades e aptidões.

Para determinar o tempo em que o investigado deverá cumprir a prestação de serviços à comunidade, deve-se seguir a seguinte operação:

  1. Identificação da pena mínima Ao identificar a pena mínima cominada ao delito é necessário que se leve em consideração também as causas de aumento e diminuição de pena, conforme o § 1º do artigo 28-A do CPP, ou seja, se houver majorante, deve-se aplicar o percentual mínimo de aumento e se houver minorante deve-se aplicar o percentual máximo de diminuição.

  2. Aplicação do desconto pela celebração do acordo Após a identificação da pena mínima, deve-se aplicar uma diminuição de 1/3 a 2/3 para atingir o período de tempo em que o investigado deverá cumprir a prestação de serviços à comunidade.

  3. Indicação do local de cumprimento da medida Este deverá ser indicado pelo juízo da execução, uma vez que na negociação apenas fixam o prazo de prestação de serviços. Portanto, não podem as partes, por imposição legal, fixar também o local do cumprimento da medida. Esse ponto é uma inovação do pacote anticrime no artigo 28-A, já que constava na resolução 181/17 do CNMP (situação atualmente revogada pela lei) a atribuição do MP a indicação do lugar de cumprimento da medida.

Pagar prestação pecuniária (inciso IV)

Assim como as outras condições obrigacionais, essa também é uma função preventiva do acordo de não persecução penal. O investigado deverá pagar prestação pecuniária, que consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a ser estipulada nos termos do artigo 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito.

De acordo com o artigo 45 do Código Penal, a prestação pecuniária possui piso e teto a ser observado, cumpre dizer que esta deverá ser fixada em um valor não inferior a um salário mínimo, e nem superior a 360 salários mínimos.

Para que seja possível identificar o valor adequado para o pagamento da prestação, é necessário considerar dois aspectos. O primeiro é a gravidade do injusto e a culpabilidade no que se refere à infração cometida pelo investigado, de modo a atribuir um valor proporcional em conformidade com esses elementos.

O segundo é a capacidade econômica do agente investigado, já que, para o cumprimento dessa medida é indispensável que a mesma não seja excessivamente pesada ou leve, devendo ser, portanto, proporcional.

Cumprir outra condição (inciso V)

Também se tem como condição obrigacional o cumprimento, por prazo determinado, de outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. Ou seja, o representante do Ministério Público poderá estabelecer outras condições obrigacionais para o oferecimento do acordo, desde que elas sejam proporcionais e compatíveis com o delito praticado.

No que diz respeito a proporcionalidade da medida, esta deve manter uma relação de adequação à gravidade do delito e da culpabilidade do agente. Ademais, a essa medida deve ser compatível com a infração penal, devendo existir uma relação concluinte entre o crime supostamente cometido e a medida a ser proposta.

O legislador deixou uma clausula em aberto para a fixação dessas medidas, ficando a cargo da negociação entre as partes a identificação de eventual medida cabível.

Como visto, caso ocorra abuso ou excesso nas outras condições, poderá ser vetado pelo magistrado na audiência de homologação, situação em que os autos retornarão ao Ministério Público para sua reformulação ou, de outro entendimento, para a remessa do acordo ao Procurador-Geral de Justiça.

Para mais, conforme os autores SOUZA e DOWER, para a fixação dessa outra condição proposta pelo Ministério público, devem estar preenchidos os seguintes requisitos:

i) a prestação avençada não seja proibida;

ii) não atinja direitos de terceiros;

iii) não viole valores sociais e nem a dignidade da pessoa humana;

iv) seja resguardada a consciência e voluntariedade do investigado;

v) seja amparada pela juridicidade que permite que seja levado em consideração elementos materiais contidos no sistema jurídico em seu aspecto substancial; e

iv) implique em recomposição social do bem jurídico tutelado pela norma penal aparentemente violada.[35]

O segundo objeto do acordo a ser analisado refere-se às obrigações do Ministério Público. A principal obrigação que o MP assume com o acordo de não persecução penal, é a de não oferecer denúncia em face do investigado em caso de homologação do acordo.

Além do mais, como já visto, caso o acordo não seja homologado, o Ministério Público não poderá utilizar a confissão do investigado para o oferecimento da denúncia, incidindo neste ponto o princípio da lealdade. Todavia, caso ocorra o descumprimento do acordo, o MP poderá dar início à persecução penal, tomando todas as pedidas necessárias, inclusive utilizar a confissão extrajudicial.

O terceiro objeto do acordo está relacionado as cláusulas de avença. Além das cláusulas obrigacionais impostas ao investigado, existe a possibilidade de incluir-se na avença cláusulas que estabeleçam deveres laterais de conduta que não estejam no artigo 28-A.

A possibilidade da inclusão de outras cláusulas se dá em duas hipóteses, a primeira hipótese a clausula deve estar prevista em outras leis, e além disso, deve referente ao exposto no artigo 28-A do CPP.

O cabimento do Acordo de Não Persecução Penal nos crimes contra a Administração Pública e o combate à corrupção

Conforme mencionado anteriormente, para que seja possível a celebração do acordo de não persecução penal, alguns requisitos deverão ser cumpridos. Consequentemente, verificou-se que o ANPP é cabível em diversas infrações penais, independentemente do bem jurídico tutelado, sendo, à vista disso, cabível nos delitos contra Administração Pública e nos crimes eleitorais.

Dito isso, a Lei 13.964/2019[36] (Pacote Anticrime) removeu a vedação da aplicação de acordo em crimes que causem dano superior a 20 salários mínimos, existente na resolução do CNMP, impactando nos crimes contra a Administração Pública.

Atualmente existem algumas discussões acerca do cabimento do Acordo de não persecução penal diante dos crimes que envolvam a Administração Pública, como crimes tributários, previdenciários e corrupção.

Em se tratando de crimes tributários, o pacote anticrime inovou ao estabelecer que não deverá ser exigido como condição para assinatura do acordo, a quitação antecipada do valor sonegado ou apropriado indevidamente pelo acusado.

Outrossim, os artigos 83, § 4º, da Lei 9430/1996[37] (que dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências) e 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 [38](que dispõe sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social e dá outras providências) estipulam a extinção da punibilidade quando a pessoa física ou jurídica relacionada efetuar o pagamento integral dos débitos

Consequentemente levanta-se a dúvida se o acordo seria cabível em tais crimes, uma vez que o pagamento dos débitos não poderia ser uma reparação, mas sim uma causa de extinção da punibilidade, o que impossibilitaria a celebração do acordo de não persecução penal, já que, como visto antes nas condições obrigacionais do ANPP, o acordo exige a reparação do dano.

Assim sendo, não haveria benefício algum na realização de acordo de não persecução penal, em que normalmente se apresentam ao investigado mais de uma condição, sendo que realizar o pagamento extinguirá a punibilidade

Conforme mencionado, o pagamento integral do debito tributário é a reparação do dano para o acordo de não persecução penal, nessa situação, seria desinteressante essa condição cumulada com qualquer outra, o que é uma realidade nos acordos de não persecução penal, já que segundo o STF (HC 116.828/SP, DJ 13/08/2013)[39] o pagamento do tributo feito a qualquer tempo extingue a punibilidade do crime tributário, bem como a concessão do parcelamento tributário devidamente quitada.

Não obstante, o Ministério Público do Estado de São Paulo, relativamente ao tema:

Entendemos legítimo condicionar o ajuste ao ressarcimento do valor principal, mas sem os assessórios. A reparação global implica, por si só, na extinção da punibilidade, independentemente do ANPP, podendo prejudicar, consequentemente, qualquer outra condição presente no termo.

Já a reparação do valor principal, diferentemente, não impede a persecução penal (que tem no ANPP uma das formas de o Estado agir), podendo a Fazenda Pública, quanto aos assessórios, analisando a conveniência e oportunidade da sua cobrança, ajuizar a competente execução fiscal.[40]

Além disso, alguns advogados tributaristas, hodiernamente vem defendendo não só o cabimento do acordo de não persecução penal diante desses crimes, como a não exigência de reparação do dano nos acordos pactuados em crimes tributários e previdenciários.

Ademais, comenta-se que o acordo de não persecução penal pode impactar o combate à corrupção, já que empregados e dirigentes podem se aproveitar do acordo para que não se responsabilizem nos crimes de corrupção, resultando, segundo a lei Anticorrupção [41](Lei 12.846/2013), na caracterização de condutas que podem imputar a responsabilidade objetiva das empresas.

Nessa circunstância, procederia um acréscimo na instauração de processos administrativos de responsabilização, e no ajuizamento de ações de improbidade administrativa, ocasionando a celebração de acordos de leniência[42] junto a essas empresas, além da possibilidade de celebração de acordos de não persecução cível (ANPC) com os agentes públicos envolvidos, já que o pacote anticrime alterou o §1º do artigo 17 da Lei 8.429/92[43] (Lei de Improbidade Administrativa) autorizando expressamente a autocomposição em matéria de improbidade administrativa. A redação anterior vedava a celebração de transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade, sendo motivo de diversas críticas, principalmente na esfera criminal, onde efetuava-se o acordo por intermédio de colaboração premiada.

Além do mais, como já exposto, o acordo de não persecução penal estabelecido pelo legislador como um instrumento de acordo que permite a reparação do dano de modo mais rápido, sendo justamente um dos interesses da administração pública.

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Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida

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