A Emenda 66/2020 e a separação judicial

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A Emenda Constitucional (EC) 66/2010, promulgada em 13 de julho de 2010 pelo então presidente Michel Temer, alterou o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal, promovendo uma grande mudança na dissolução do casamento. A redação original da CF asseverava: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. Com a EC 66/10, passou a constar na CF a seguinte redação: o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. A supressão da separação judicial, como requisito para dissolução do casamento, modificou de forma substancial o ordenamento jurídico.

A separação Judicial trata-se de uma medida preliminar para o requerimento do divórcio. Apesar de não romper o vínculo produzido pelo matrimônio, pode ser considerada como causa de dissolução do casamento. A separação divide-se em consensual ou litigiosa. A separação judicial consensual ocorre quando há comum acordo entre os cônjuges que, de forma simplificada, irão propor um requerimento conjunto. Por outro lado, a separação litigiosa ocorre de forma unilateral a partir de um processo judicial.

Como efeitos da separação judicial, pode-se citar deveres em relação aos cônjuges, efeitos patrimoniais e em relação aos filhos. A separação judicial prevê a necessidade de se observar alguns requisitos, tais como: não realização de novas núpcias durante o período da separação; por fim ao regime patrimonial de bens; a supressão do direito de sucessão entre os cônjuges; garantir o direito à pensão alimentícia aos filhos; definir a guarda.

A constituição previa que a separação judicial deveria durar 1 ano, da decisão que transitasse em julgado, para que fosse convertida em divórcio. Podendo os cônjuges reverterem a qualquer momento, conforme prevê o Código Civil. Entretanto, esta não era a única forma prevista na CF/88, poderia ocorrer, também, o divórcio quando comprovada a separação de fato por mais de 2 anos. A separação de fato é a decisão dos cônjuges, de forma livre e consentida, de encerrar a sociedade conjugal sem que haja necessidade de recorrer a meios legais.

Com o advento da EC 66/10, surgiram discussões sobre o fim do sistema dual para a dissolução matrimonial. Diversas doutrinas e discussões sobre o tema surgiram, já que a EC modificava de forma substancial a dissolução, simplificando a ponto de certos doutrinadores cogitarem a banalização do casamento. A partir da EC 66/10, não existe mais qualquer prazo para a dissolução, os cônjuges podem se casar e, no mesmo dia, divorciarem-se.

Para Maria Berenice Dias, a EC baniu o instituto da separação do sistema jurídico pátrio e derrogou a legislação infraconstitucional que abordava sobre o tema:

A EC 66/2010, ao dar nova redação ao $ 6.º do art. 226 da CR, baniu o instituto da separação do sistema jurídico pátrio. Uniforme a jurisprudência de todos os tribunais de que a separação judicial não mais existe, restando apenas o divórcio que, ao mesmo tempo, rompe a sociedade conjugal e extingue o vínculo matrimonial. Afastado o instituto da separação do texto constitucional, foram derrogados todos os dispositivos da legislação infraconstitucional referentes ao tema. Não mais integram o sistema jurídico. Ainda que permaneça inalterado o Código Civil (1.571 a 1.578), tal não significa que persiste o instituto. O Conselho Nacional de Justiça, ao revogar o art. 53 da Resolução 35/2007, dispensando o prazo para possibilitar o divórcio extrajudicial, acabou chancelando a eficácia da EC 66/2010. (DIAS, 2021, p. 543)

Rodrigo Pereira, em sua obra Direito das Famílias, segue posicionamento igual ao de Maria Berenice Dias, posicionando-se pelo fim da separação:

o novo texto constitucional suprimiu a prévia separação como requisito para o divórcio, bem como eliminou qualquer prazo para se propor o divórcio, seja judicial seja administrativo (Lei n. 11.441/07). Tendo suprimido tais prazos e o requisito da prévia separação para o divórcio, a Constituição joga por terra aquilo que a melhor doutrina e a mais consistente jurisprudência já vinham reafirmando há muitos anos, a discussão da culpa pelo fim do casamento, aliás, um grande sinal de atraso do ordenamento jurídico brasileiro. (PEREIRA, 2020, n.p.)

Por outro lado, Rizzardo defende a posição doutrinária de que a separação apenas deixou de ser obrigatório, mas não extinta:

Não se pense que a Emenda Constitucional nº 66, de 13.07.2010, derrogou ou afastou do direito brasileiro a separação, posto que se restringe exclusivamente à dissolução do casamento. Embora a análise mais aprofundada se faça adiante, cumpre lembrar que a mencionada Emenda simplesmente admitiu a dissolução do casamento pelo divórcio sem a prévia separação judicial ou de fato. Nada mais dispôs. Restaram afastados os requisitos que vinham anteriormente para a concessão do divórcio. Com efeito, não mais se exige a prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou a comprovada separação de fato por mais de dois anos. Em suma, contrariamente ao que propagaram certos arautos da almejada abolição da separação (em especial alguns membros do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM), passou a ordem legal a permitir o divórcio imediato, mas persistindo a separação, pois não derrogada da lei ordinária. Inconcebível admitir que a separação judicial e as regras que a regiam se tornaram de todo incompatíveis com o sistema jurídico brasileiro, como alguns ousaram propagar. Aliás, revelam-se incoerentes as ideias daqueles que irradiam o sumiço da separação do cenário jurídico nacional porque a Constituição não mais menciona tal palavra. Tamanha a heresia que levaria a desconhecer qualquer comando legal que não tivesse uma menção específica na Carta Nacional. (RIZZARDO, 2019, n.p.)

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O Conselho Nacional de Justiça, no Pedido de Providências nº 0005060-32.2010.2.00.000, se manifestou sobre a matéria:

No divórcio, há maior amplitude de efeitos e consequências jurídicas, figurando como forma de extinção definitiva do casamento válido. Por seu turno, a separação admite reconciliação e a manutenção da situação jurídica de casado, como prevê o Código de Processo Civil vigente. Persistem, pois, as diferenças entre o divórcio e a separação,

Com tantas discussões, um caso foi parar no STJ, através do REsp 1247098 / MS. Na apreciação do recurso, a 4ª Turma do STJ, em sua maioria, asseverou a extinção de qualquer prazo mínimo para a dissolução do vínculo matrimonial, no entanto a figura da separação judicial pode coexistir com a norma constitucional que permite o divórcio sem qualquer prazo temporal. Para o Ministro Villas Bôas, o atual sistema brasileiro se assemelha com o sistema dual opcional, isto é, as duas formas podem coexistir e caberá as partes optarem como procederão, seja por divórcio direto ou por separação judicial. Segue abaixo a ementa:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/2010. DIVÓRCIO DIRETO. REQUISITO TEMPORAL.

EXTINÇÃO. SEPARAÇÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL. COEXISTÊNCIA.

INSTITUTOS DISTINTOS. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE.

PRESERVAÇÃO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OBSERVÂNCIA.

1. A dissolução da sociedade conjugal pela separação não se confunde com a dissolução definitiva do casamento pelo divórcio, pois versam acerca de institutos autônomos e distintos.

2. A Emenda à Constituição nº 66/2010 apenas excluiu os requisitos temporais para facilitar o divórcio.

3. O constituinte derivado reformador não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que cuida da separação judicial, que remanesce incólume no ordenamento pátrio, conforme previsto pelo Código de Processo Civil de 2015 (arts. 693, 731, 732 e 733 da Lei nº 13.105/2015).

4. A opção pela separação faculta às partes uma futura reconciliação e permite discussões subjacentes e laterais ao rompimento da relação.

5. A possibilidade de eventual arrependimento durante o período de separação preserva, indubitavelmente, a autonomia da vontade das partes, princípio basilar do direito privado.

6. O atual sistema brasileiro se amolda ao sistema dualista opcional que não condiciona o divórcio à prévia separação judicial ou de fato.

7. Recurso especial não provido.

(REsp 1431370/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe 22/08/2017)

Em junho de 2019, o STF reconheceu a repercussão geral, requisito para a análise do Recurso Extraordinário (RE), e analisará a EC 66/10. O RE questiona se a separação judicial é, ainda, requisito para o divórcio. Após a análise do STF, algumas questões devem ser pacificadas, como, por exemplo, se ainda existe o sistema dual, se a separação judicial foi extinta e se o divórcio a qualquer tempo será capaz de gerar o efeito da dissolução.

O STF tem debatido questões polêmicas na atualidade e, de certa forma, tem tido visões menos conservadores e mais progressistas. Com o histórico atual do STF, em nossa concepção, o caminho adotado na análise do RE deve ser parecido com a análise da quarta turma do STJ. O STF deve considerar a nova redação constitucional, tal como a coexistência dos institutos e a opção das partes por qual instituto utilizará.

Em nossa opinião, a EC 66/10 muda consideravelmente nosso ordenamento, acompanhando as mudanças existentes em nossa sociedade. O casamento, instituto secular, sempre será importante na vida das pessoas e na sociedade como um todo. Facilitar o divórcio não é desprezar ou rebaixar a importância do casamento. A sociedade muda, os tempos mudam e nossas leis devem acompanhar essas mudanças. A separação judicial pode custar alguns anos da vida dos cônjuges, que por algum motivo casaram-se e arrependeram-se. Não há razão de impor requisito temporal para que as pessoas possam seguir com suas vidas.

BIBLIOGRAFIA

CASSETTARI, Christiano. Separação, divórcio e inventário por escritura pública: teoria e prática. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

RIZZARDO, Arnaldo. Direitos de Família. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.

A Emenda Constitucional nº 66/2010, o novo divórcio eo fim da separação judicial. Âmbito Jurídico. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-159/a-emenda-constitucional-n-66-2010-o-novo-divorcio-e-o-fim-da-separacao-judicial>. Acesso em: 25 set. 2020.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

Efeitos patrimoniais da separação de fato. IBDFAM. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/artigos/586/Efeitos+patrimoniais+da+separa%C3%A7%C3%A3o+de+fato> Acesso em: 21 nov. 2021.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

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