5. A PERDA DE UMA CHANCE NO AMBIENTE DA ADVOCACIA.
Mister se faz analisar com cautela a posição do advogado perante o seu cliente e subsidiariamente aos tribunais, árbitros dentre outros, como muito difundido, o advogado tem responsabilidade de meio e não de resultado, porém, nem sempre esta é a regra, ao pensarmos um exemplo prático, quando um advogado é contratado para elaborar um parecer ou um contrato, a sua obrigação é de resultado.
Em relação a obrigação de meio, importante trazer o REsp 1079185, MG 2008/0168439-5: a responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a diligência habitual no exercício do mandato. (Grifo nosso)
Tal entendimento jurisprudencial coaduna o disposto no EAOAB:
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
Assim, temos a clara a ideia de que a conduta do advogado tem que ser analisada minuciosamente, não se admitindo o dano in re ipsa , ou seja, a sua responsabilidade é subjetiva, nesta linha de raciocínio o artigo 14, §4º do CDC prescreve:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Não obstante, a simples perda de um prazo processual ou a não interposição de um recurso que não traria vantagem ao cliente não é caracterizado como perda de uma chance.
O STJ já manifestou sobre o assunto:
2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incertezas da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da perda de uma chance devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico.Precedentes.3.O fato do advogado ter pedido o prazo para contestar ou interpor recurso - como no caso em apreço-, não enseja sua automática responsabilidade civil com base na teoria da perda de uma chance, fazendo-se absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa ou ter a sua pretensão atendida.
(Resp n. 993.936/RJ, j. 27.03.2012, Rel. Min. Luis Felipe Salomão).
Um ponto que merece ser sobrepesado é a chamada expectativa do cliente, que se extrai do julgado abaixo:
[...] o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frustra as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de 'uma simples esperança subjetiva', nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance [...]
(REsp 1079185, MG 2008/0168439-5, Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 04/08/2009).
Entretanto, quando configurado a perda de uma chance advinda da conduta do advogado, se faz necessário o dever de indenizar à parte:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ADVOGADO DESIDIOSO.PERDA DE PRAZO RECURSAL. PERDA DE UMA CHANCE NÃO CONFIGURADA. ÔNUS DA PROVA DO AUTOR. ART. 373, I, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DANOS MORAIS DEMONSTRADOS. VALOR. ARBITRAMENTO. - O emprego da teoria da perda de uma chance requer séria e real possibilidade de êxito da parte supostamente lesada, a quem incumbe, nos termos do art. 373, I, do CPC, o ônus da prova, não sendo recepcionada na hipótese de mera esperança ou expectativa. - Ainda que se considere que a atividade do advogado não é de resultado, fato é que, ao contratar um profissional para patrocinar a causa, o cliente deposita toda a sua confiança, sendo razoável dele esperar a condução do processo com o zelo necessário, assegurando que o exercício jurisdicional se dê em todas as instâncias cabíveis. - Ao interpor o recurso após o prazo legal sem justificativa plausível, o advogado acarreta inquestionável abalo moral ao seu cliente, configurando o seu dever de indenizar. - O arbitramento econômico do dano moral deve ser realizado com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes. Ademais, não se pode olvidar, consoante parcela da jurisprudência pátria, acolhedora da tese punitiva acerca da responsabilidade civil, da necessidade de desestimular o ofensor a repetir o ato.
(Apelação Cível 1.0000.18.103047-9/001, Relator(a): Des.(a) Cláudia Maia, 14ª Câmara Cível, julgamento em 15/02/0019,)
Destarte, é possível perceber que os magistrados, ao aplicarem a teoria da perda de uma chance, primeiro fazem um juízo de ponderação de todo o conjunto fático, respeitando as especificidades de cada caso.
6. CONCLUSÃO
O presente artigo apresentou diversas nuances da teoria da perda de uma chance, como vem sendo construída ao longo dos séculos e como ela irá impactar as gerações futuras, atualmente, ela é recorrente nos casos médicos.
Com os bens digitais e as peculiaridades do mundo tecnológico, defendemos que a sua incidência irá se expandir nos tribunais mundiais, de forma que suas características poderão mudar repentinamente.
Com tamanho peso e importância, a teoria da perda de uma chance não é positivada no ordenamento jurídico, sendo uma construção doutrinária e jurisprudencial que merece especial atenção dos operadores do direito.
Ademais, insta salientar que a teoria da perda de uma chance também é aplicada aos profissionais liberais, principalmente em relação aos médicos e advogados, o que obriga estes profissionais a serem extremamente qualificados, sendo que a atividade profissão realizada de forma errônea poderá implicar em responsabilidade civil e criminal.
Um sistema sem confiabilidade e prestígio traz a sensação de um sistema jurídico frágil, política e econômica.
Com relação à fixação de parâmetro, a teoria da perda de uma chance deve ser analisada caso a caso, ou seja, ela não tem baias fixas e essa falta de parâmetros objetivos e diretos é uma característica singular da teoria, a subjetividade e a discricionariedade são fundamentais para a sua sobrevivência, ademais, o direito é dialético, é argumentação.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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