Introdução
Com a promulgação da Carta Constitucional de 1988 os Direitos Políticos foram inseridos no Capítulo IV, artigos 14 aos 16, CF/88 a fim de garantir o exercício da soberania popular, atribuindo poderes iguais aos cidadãos para adentrarem na participação pública. Partindo do pressuposto que no Brasil carrega uma herança do patrimonialismo, surge a necessidade de fiscalizar os escolhidos pelo povo para governarem os Municípios, Estados e Nação.
Com a crescente polarização política, crimes envolvendo corrupção política e os métodos mais eficazes de investigação, tornaram mais possíveis que os políticos infratores passassem a sofrer processos e condenações por suas ilegalidades.
Breves Relatos Acerca da ADPF 144 DF e a LC 135/2010 Lei da Ficha Limpa
A Constituição Federal, em seu art. 14, §9º, se admite que lei complementar como meio de zelar pela probidade e legitimidade das eleições no desempenho da política buscando coibir a influência de poder econômico. Em resultado desta disposição, emergiu o argumento da autoaplicabilidade em relação à recusa de registro de candidatura de candidatos, independentemente da sentença transitada em julgado.
Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral consolidou seu entendimento por meio de Súmula jurisprudencial de nº 13, na qual mencionou que o referido artigo constitucional não seria autoaplicável. Todavia, com o intuito de sanar essa divergência, a Associação Brasileira da Magistratura (AMB) decidiu ajuizar ADPF nº 144, questionando desta o entendimento do art. 14, §9º da Constituição Federal frente à divergência de entendimento pelo Tribunal Superior Eleitoral. Vale transcrever o pedido feito pelos magistrados na ADPF 144:
A inconstitucionalidade, no caso, decorre do fato de a exigência prevista no art. 15 estar impedindo que a Justiça Eleitoral considere o fato ali previsto, antes do trânsito em julgado, para o exame de vida pregressa do candidato.
Daí a necessidade de se declarar não recepcionados pelo novo texto do § 9º, do art.14, da CF as exigências contidas nesses artigos e incisos da Lei de Inelegibilidades, de sorte a permitir que a Justiça Eleitoral possa considerar os fatos previstos nesses artigos e incisos independentemente de trânsito em julgado, de decisão definitiva ou de submissão da decisão ao poder judiciário no exame da vida pregressa dos candidatos, visando ao deferimento ou indeferimento do registro.
Nesse sentido é possível observar a preocupação dos magistrados em relação à vida pregressa do candidato uma vez que, conforme entendimento dos magistrados, estes deveriam ser impedidos de se candidatar independentemente do trânsito em julgado do processo, sendo que buscaram por meio dessa ADPF demonstrar a existência de violação dos preceitos fundamentais em relação à moralidade e à probidade administrativa, pretendendo assim inibir que os candidatos pudessem se eleger respondendo a processo judicial.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Tribunal Superior Eleitoral não poderia se recusar a registrar candidatos que estivessem respondendo ao processo sem que este tivesse transitado em julgado. Uma vez que não se pode considerar culpado o acusado que ainda não possui sentença transitada em julgado. O Ministro Celso de Mello, relator do processo, destacou acerca do Princípio da presunção de inocência no ordenamento jurídico brasileiro e na sociedade democrática, previsto no art. 5º, inciso LVII no qual ressalta que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Celso de Melo salientou ainda que não cabe aos magistrados rejeitar a candidatura dos políticos, mas sim do povo, vejamos:
Com esse propósito, a vida pregressa dos candidatos, particularmente naqueles pontos que possam representar fatores de comprometimento do interesse público, não deve constituir objeto de incompreensível segredo, pois, nesse domínio, e em face do sistema de direito positivo vigente no presente momento histórico, somente os eleitores dispõem de poder soberano e de legitimidade para rejeitar, pelo exercício do direito de voto, candidatos ímprobos, desonestos e moralmente desqualificados.
Daí porque se mostra essencial o conhecimento pleno, por todos os eleitores, de fatos revelados em consonância com as diretrizes constitucionais e concernentes à vida pregressa dos candidatos, erigindo-se, os cidadãos, à condição de únicos juízes da escolha, ou não, daqueles que disputam o acesso a titularidade de mandatos eletivos.
Dessa forma, cabe ao povo por meio da soberania eleger ou não candidato que esteja com processo em andamento visto que este não o impossibilita de sua eleição. Nesse sentido, vale complementar ainda que, a ADPF tenha sido rejeitada em decorrência do princípio da presunção de inocência, como supramencionado, a disputa acabou gerando uma iniciativa popular que deu origem à Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa).
A LC nº 135/2010 alterou a redação de seis itens: c, d, e, f, g e h, sendo pertinente ressaltar as principais mudanças destes: o período de desqualificação foi estendido para oito anos a partir da sentença transitada em judicial; os crimes que causaram a inelegibilidade foi ampliada para incluir crimes que colocam em risco a economia, a administração e patrimônio públicos; os políticos são agora considerados inelegíveis pelo resto do mandato para o qual foram eleitos e pelos oito anos a seguir ao fim da legislatura; os condenados por improbidade administrativa passaram a ser considerados inelegíveis.
Além disso, criou oito novas premissas para restringir a capacidade eleitoral passiva e acrescentou os §§ 4 e 5 ao artigo 1º da LC nº 64/90 na qual menciona que:
§ 4º- A inelegibilidade prevista na alínea e do inciso I deste artigo não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada.
§ 5º- A renúncia para atender à desincompatibilização com vistas a candidatura a cargo eletivo ou para assunção de mandato não gerará a inelegibilidade prevista na alínea k, a menos que a Justiça Eleitoral reconheça fraude ao disposto nesta Lei Complementar. (NR)
Já o Ministro Gilmar Mendes ressaltou acerca da presunção de inocência que há até mesmo impedimentos para que o acusado não seja tratado como culpado até o trânsito em julgado:
No que se refere ao princípio da presunção de inocência (ou de não culpabilidade), seu núcleo essencial impõe o ônus da prova do crime e sua autoria à acusação. Sob esse aspecto, não há maiores dúvidas de que estamos falando de um direito fundamental processual, de âmbito negativo.Para além disso, a garantia impede, de uma forma geral, o tratamento do réu como culpado até o trânsito em julgado da sentença. No entanto, a definição do que vem a ser tratar como culpado depende de intermediação do legislador. Ou seja, a norma afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação, mas está longe de precisar o que vem a ser considerar alguém culpado.
Com base nas citações apresentadas, entende-se que os condenados por crimes apresentados no art. 1º, ficariam inelegíveis a partir da sentença transitada em julgado. Além disso, resta mencionar que a Lei Complementar 64/90 estipula a provisoriedade no artigo 3º em relação aos recursos visto que não se poderá impugnar o registro nos quatro anos anteriores ao pleito de sua candidatura.
Para o Supremo Tribunal Federal, a aplicação da lei violou a presunção de inocência uma vez que o Tribunal Superior Eleitoral não poderia acusar a inelegibilidade por meio de processos ainda em andamento. No entanto, o ponto mais polêmico diz respeito aos pedidos retroativos, ainda no ano de aprovação. Por um lado, a Constituição Federal, defendendo no que tange ao princípio do devido processo legal e à presunção da inocência, por outro, o retrocesso, chegando até mesmo a atos ilícitos ou criminosos anteriores a Lei Complementar, todavia o que se sobrepõe a este caso é a soberania popular, sendo o povo responsável pela elegibilidade do candidato com processo sem sentença transitada em julgado.
Já Antônio Magalhães Gomes Filho (2006, p. 126), se vale até mesmo na prisão provisória, uma que não há sentença condenatória transitada em julgado:
A presunção de inocência como regra de tratamento do imputado produz efeitos também em favor do cidadão suspeito desde a fase investigatória ou instrutória em relação à prisão provisória, precisamente quando a garantia é mais necessária contra juízos apressados que podem levarà identificação do simples suspeito com o culpado, bem como durante todo o desenvolvimento do processo penal.
Por outro lado, o Ministro Celso de Mello, destacou ainda que a retroatividade dos direitos fundamentais, assim como os direitos políticos seria prejudicial e afirmou que mesmo que não seja considerada sanção, a mera desqualificação se considera uma limitação da capacidade eleitoral do candidato, sendo o princípio da presunção de inocência o maior fundamento para um país democrático de direito.
O Ministro Alexandre de Moraes afirmou que discorda desta retroatividade uma vez que esta acabará por derrotar o poder da justiça eleitoral. A retroatividade no julgado para inelegibilidade de processos anteriores à lei, prejudica a coisa julgada e, em última análise, o poder da justiça eleitoral.
Já Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, ressaltam acerca da retroatividade, na qual restringiria o direito do político de ser elegível mesmo com processo em andamento, que, em relação à presunção de inocência a torna infundada, vejamos:
Essa retroação maléfica estaria colocando amplamente uma restrição ao direito político, por essa razão, a aplicabilidade retroativa seria infundada. Ainda ressaltou sobre a inviolabilidade do princípio do ne bis in idem. A violação desse princípio tem se a condenação por abuso, neste caso, acarretará duas sanções de inelegibilidade, sendo a primeira com fundamento na redação antiga da norma, exaurida em 2007, e a segunda que decorre da nova redação, pela Lei Complementar 135, gerando a restrição até o ano de 2012.
Sendo assim, a retroatividade da LC nº. 135/2010 abriu diversos precedentes em matéria de proteções constitucionais, em especial da coisa julgada e a retroatividade do direito penal, dessa forma, os ministros supramencionados defenderam pelo art. 5º, inciso VII da CF/88 que Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, mas ainda terá como direito à capacidade passiva, uma vez que a inelegibilidade retroativa teria o propósito mais criminal do que o próprio eleitoral, todavia, a inelegibilidade tem tipicidade apenas eleitoral não restando enquadra-la na tipicidade penal, motivo pelo qual se entende pelo não cumprimento da retroatividade maliciosa.
Após análise da legislação e da jurisprudência, nota-se que a Lei Complementar nº 135/10 propôs uma nova hipótese, qual seja, a de desqualificação por condenação colegiada antes de sua decisão final transitada em julgado. Pode se observar ainda que a LC 135/10 foi projetada para qualificar candidatos para cargos de candidatura, portanto, os processos de inelegibilidade consequentemente se tornam mais duros. Dessa forma o problema é determinar as qualificações dos candidatos, incluindo sua vida pregressa, devendo essas informações serem claras e transparentes para que o caiba ao eleitor a soberania de eleger ou não um candidato que possua processo em andamento, tendo em vista que o povo é que detém o direito de escolha. Dessa forma tornam-se inelegível apenas os candidatos que possuam sentença transitada em julgado.
Considerações Finais
De certo que analisando do ponto de vista leigo e sem o aspecto jurídico necessário, o correto era impedir que uma pessoa que responde por falta de probidade, moralidade, e não respeita os princípios públicos não se candidate ao pleito eleitoral, já que não possui a boa-fé necessária para a execução de uma administração pública correta.
Contudo a análise a ser feita deve ser legal e respeitando os princípios jurídicos inerentes ao caso. Percebe-se que deve ser levado em consideração o princípio da presunção de inocência, ou seja, uma pessoa não pode ser considerada culpada sem que haja o devido trânsito em julgado da sentença condenatória.
Mesmo que a improbidade administrativa resulte em um processo que possa levar em condenação, ainda que nas três esferas civil penal e administrativa somente a suposição de condenação penal e administrativa sem a devida confirmação não é suficiente para impedir a candidatura ao próximo pleito.
Após análise da legislação e da jurisprudência, nota-se que a Lei Complementar nº 135/10 propôs uma nova hipótese, qual seja, a de desqualificação por condenação colegiada antes de sua decisão final transitada em julgado. Pode se observar ainda que a LC 135/10 foi projetada para qualificar candidatos para cargos de candidatura, portanto, os processos de inelegibilidade consequentemente se tornam mais duros. Dessa forma tornam-se inelegíveis apenas os candidatos que possuam sentença transitada em julgado.
Referências
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO. Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRANCO, Paulo Gustavo Gpnet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011.
MENDES, Gilmar Ferreira. A presunção de não culpabilidade e a orientação do Min. Marco Aurélio. (2015). Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/2/art20160217-09.pdf. Acesso em 22 junho de 2021.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.