4. CARACTERÍSTICAS DO PODER DE POLÍCIA NOS MUNICÍPIOS
O poder de polícia, refere-se a uma prerrogativa da Administração Pública, e no contexto da obra em estudo, trata especificamente da esfera municipal, que na fruição destes poderes pode fomentar controle, por intermédio de delimitações ou até mesmo a redução da liberdade individual, ou de sua propriedade, uma vez que tenha como objetivo, garantir o bem-estar da sua municipalidade, ou seja, de forma coletiva, é definida como autoridade administrava, conforme a conceituação de Marcello Caetano (2010):
É o modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objetivo evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que a lei procura prevenir. (CAETANO, 2010)
Com este entendimento, a doutrina fundamenta o poder de polícia no princípio da supremacia do interesse público, estabelecendo limitações aos direitos dos particulares através da polícia administrativa, no caso do Município, as Guardas Municipais, que visando o interesse público pró-coletividade, restringe direitos por meio de seu patrulhamento preventivo, harmonizando interesse individual e público para a própria manutenção da ordem pública, na busca da salvaguarda da municipalidade e no arrimo ao cumprimento dos atos e decisões judiciais, tendo o seguinte conceito sobre a finalidade do poder de polícia, conforme prediz Dirley da Cunha Júnior (2012)
O exercício do poder de polícia tem por fim prevenir (justamente para evitar) ou obstar (paralisar) atividades contrárias ou nocivas aos interesses públicos e sociais. Manifesta-se, portanto, nas formas preventiva (esta será a preferência) e repressiva. (CUNHA JÚNIOR, 2012, p.93)
Oportuno ressaltar que o poder de polícia pode ser aplicado no sentido amplo ou no sentido estrito, visto que o sentido amplo trata da limitação que o Município impõe em seus atos, para que possa exercer a manutenção da ordem, gerando assim a restrição dos direitos individuais, já no sentido estrito, é a praxe distintivamente administrativa, ou seja, uma faculdade dos Municípios, no qual circunscreve e adéqua a autonomia individual e a propriedade, intencionando tal exercício por meio da discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade.
4.1. DISCRICIONARIEDADE
Sucintamente, define-se discricionariedade como um traço advindo dos atos administrativos em quase toda a sua totalidade, uma vez que a sua presença subjetiva é marcada pela peculiaridade da decisão a ser tomada, visto que a referida discricionariedade só é satisfatoriamente aplicada quando atende aos preceitos de oportunidade e conveniência, logicamente, que amoldado a circunstância que a envolve a cada caso específico.
Insta destacar que, trata-se de um predicado absoluto do poder de polícia, com efeito, a discricionariedade é o apanágio em que a lei, oferece como vantagem, a possibilidade de agir com autonomia, no que concerne a perspectiva de melhor execução dos atos administrativos em relação aos pormenores factuais e suas retificações pontuais.
Inobstante isso, é necessário enfatizar que a discricionariedade foi a única maneira que o legislador encontrou de, conciliar o imprevisível com a lei, posto que, é praticamente impossível prenunciar conjunturas específicas que dão dotadas de peculiaridades atinentes a ocorrência, ou seja, é quimérico antever todas as possibilidades de cenários para o exercício da aplicabilidade da lei, bem como preceitua o Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello (2000):
(...) a margem de liberdade que remanesça no administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente. (MELLO, 2000, p. 48)
Por outro enfoque, a discricionariedade empregada na segurança pública, por meio das Guardas Municipais, são um instrumento de liberdade de ação que pode trazer consigo a traiçoeira comodidade da tênue linha que traféga entre discricionariedade e arbitrariedade, dado a total imprevisibilidade das ações empreendidas pelos Guardas Municipais, que de acordo com a Lei nº 13.022/2014, podem atuar no trânsito, na fiscalização de posturas e princialmente no policiamento preventivo, o que pode aproximar as ações de seus agentes ao abuso de autoridade, gerando com a legalidade, uma relação conflitante, conforme exposto a concepção de Caio Tácito (2001):
O fortalecimento do poder discricionário do qual o poder de polícia é uma das manifestações mais atuantes colocou em destaque a necessidade de aperfeiçoamento do controle de legalidade de modo a conter, oportunamente, os excessos ou violências da administração pública. (TÁCITO, 2001, p. 20)
Neste desiderato, o que deve ser avultado, é o entendimento de que a discricionariedade não é carta branca para agir, posto que, além da observância ao princípio da legalidade, deve-se principalmente, estar harmonizado com os princípios da proporcionalidade e eficácia, sendo este o padrão de frenagem legal utilizado para que a segurança pública aja, principalmente, ante a condição de contemporaneidade dos dispositivos legais que cada vez mais aproximam os municípios de cumprirem competências de segurança pública com respaldo constitucional, sendo esta uma forma das Administrações Públicas Municipais, exercerem através de suas Guardas Municipais, a aplicação da discricionariedade.
4.2. AUTOEXECUTORIEDADE
A priori, a autoexecutoriedade pode ser descrita como uma característica do poder de polícia, assim como, pode ser também descrita como um atributo do ato administrativo, visto que, se concatena com a dispensabilidade de ter que socorrer-se ao Poder Judiciário, toda vez que tiver em suas mãos a possibilidade de resolução de algum tipo de circunstância, mormente na segurança pública, onde as decisões não geram muita margem para erros, sendo assim, respaldado pelo princípio da supremacia do interesse público acima do interesse particular, em razão da necessidade de execuções dinâmicas e decisórias no controle da ordem pública, a autoexecutoriedade é a justificativa para a atuação célere da Administração Pública Municipal, conforme preconiza José Cretella Júnior (2003):
(...) o fundamento da executoriedade é múltiplo, decorrendo não só da presunção de legitimidade, que, aliás, matiza os demais atos administrativos, como também da índole pública da potestade administrativa, acrescendo ainda que urgência, diligência e interesses públicos, em jogo, justificam amplamente as ações rápidas da Administração. (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p. 166)
É sobremodo importante notabilizar que, a práxis da autoexecutoriedade independe de anuência do Poder Judiciário, seja ela uma ocorrência fiscalizatória de qualquer nível, tendo em vista que a Guarda Municipal detêm muitas competências de fiscalização, contudo, nada obsta que o próprio Poder Judiciário analise a posteriori, qualquer inadequação no uso ou a aplicação da autoexecutoriedade em circunstâncias não emergenciais, tendo em vista que esta prerrogativa da Administração Pública advém de sua necessidade e tomar medidas instantâneas, valendo o destaque da conceituação de José dos Santos Carvalho Filho (2009):
A autoexecutoriedade tem como fundamento jurídico a necessidade de salvaguardar com rapidez e eficiência o interesse público, o que não ocorreria se a cada momento tivesse que submeter suas decisões ao crivo do Judiciário. Além do mais, nada justificaria tal submissão, uma vez que assim como o Judiciário tem a seu cargo uma das funções estatais a função jurisdicional, a Administração também tem a incumbência de exercer função estatal a função administrativa. (CARVALHO FILHO p. 121)
Neste diapasão, nota-se uma fragmentação da autoexecutoriedade em dois segmentos axiológicos, sendo a exigibilidade o efeito da viabilidade que uma Administração Pública Municipal, investindo poder em seus agentes de segurança pública, representados pelas Guardas Municipais, delibera suas ocorrências, desobrigada a atuar sob a aquiescência do Poder Judiciário e ainda a própria executoriedade, instituída ao poder de polícia administrativa, para que as Administrações Públicas possam oportunizar sem intermediários, os atos administrativos, em ocorrências que exigem ação imediata, cabendo posteriormente controle judicial, todavia, jamais sendo permitido ao judiciário agir no lugar do Executivo, sendo assim, mais uma característica de aplicação de um poder de polícia, no caso em tela, a autoexecutoriedade.
4.3. COERCIBILIDADE
Concerne ao fato de que as Administrações Públicas Municipais, atuando na segurança pública, se depararão constantemente com a possibilidade de ter que aplicar a coercibilidade, visto que os atos de polícia administrativa, executados nos casos dos Municípios pelas Guardas Municipais são imperativos, o que naturalmente impõe aos munícipes a obrigatoriedade de acatamento em circunstâncias que demandam requisições aos mesmos, mesmo as que cerceiem a liberdade, visando a coletividade, ou, como mencionado nas palavras de Fernanda Marinela (2017) torna o ato obrigatório independentemente da vontade do administrado.
Nesta toada, a coercibilidade está intrinsecamente atribuída a intensidade da imperatividade que os atos de polícia são executados, uma vez que é um poder que não dá opções de descumprimento pelos munícipes, apenas gera a opção de cumprimento de ordens emanadas pelos agentes que representam a Administração Pública, conforme a esfera analisada, os Municípios, sendo os Guardas Municipais, detentores da voz de comando que delimitam e cerceiam a liberdade de alguns, para a garantia dos demais, sendo possível a utilização de força, como último recurso, em caso de resistência ao cumprimento das ordens.
Todavia, a utilização da coerção como um ato de polícia administrativa municipal válido, precisa respeitar o princípio da proporcionalidade, sendo uma forma de a Administração Pública Municipal agir acauteladamente, principalmente em face da insegurança jurídica que permeia as Guardas Municipais e a extensão de suas atribuições, tornando mais sensível a energia aplicada na coercibilidade, exigindo que o emprego da coercibilidade seja de forma adequada, necessária e principalmente compatível com os preceitos constitucionais e demais legislações.
Por derradeiro, a ponderação deve ser instrumento intrínseco aos agentes de segurança pública, que atuando em nome da Administração Pública, devem adotar no exercício do poder de polícia, mesmo que seja um ônus, dado as circunstâncias ao qual são expostos os agentes, contudo, é o que pode conferir a legalidade nos atos, dado a sua proporcionalidade sempre questionada, uma vez que pode ser desproporcional ao ser investida intensidade desmedida ou maior que a necessária e se constatada a quebra ao princípio da proporcionalidade, pode gerar a invalidação do ato administrativo. Dado as peculiaridades que envolvem a aplicação da coercibilidade como prerrogativa da Administração Pública dos Municípios poderem realizar seus atos administrativos, bem como o seu poder de polícia de forma legal.
Considerações finais
Diante do quanto examinado, por meio do estudo bibliográfico estruturado no vigente artigo científico, dilucidou-se a respeito do poder de polícia administrativo, exercido pela Administração Pública na esfera municipal, no qual é exercido em sua maioria pelas Guardas Municipais, que em suas atribuições, conseguem executar inúmeras ações fiscalizatórias que abrangem outros setores das Administrações, podendo agir com prerrogativas inerentes a condição de polícia administrativa.
Analisou-se ainda toda a estrutura normativa das Guardas Municipais e o processo de municipalização da segurança pública, que vem passando por um alargamento conceitual constante, inclusive, com o advento da Lei nº 13.0222/2014, que estabeleceu a possibilidade dos Municípios constituírem as suas Guardas Municipais para o exercício pleno de polícia administrativa, atuando inclusive na manutenção da ordem pública, visto seus poderes administrativos e o descrito no dispositivo da lei supra, que estabelece a possibilidade de policiamento preventivo das Guardas, o que amplia a área de atuação destas instituições que representam seus Municípios de acordos com as suas peculiaridades sociais, educacionais e culturais.
Por fim, a presente obra esmiuçou a aplicação da discricionariedade, da autoexecutoriedade e da coercibilidade pelas Administrações Públicas Municipais, tendo com instrumento de atuação as suas Guardas Municipais, que providas do poder de polícia administrativa, podem impor as suas condições de controle da ordem, bem como a proteção de bens, serviços e instalações, contribuindo para que a municipalidade tenha em seu bem-estar, o escopo da atuação das Guardas Municipais no âmbito da segurança pública, tão discutida no sentido de competências e legalidade para as atuações, sendo ainda objeto de muita contestação, todavia, que segue sendo um parâmetro para uma sociedade mais pacífica e mais próxima de um órgão policial com aspectos comunitários, bem como o hodiernamente executado pelas polícias administrativas dos Municípios, as Guardas Civis Municipais.
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Abstract: Public security in Brazil has been undergoing several changes, be it in their composition and especially in their legislation, which has been continuously adapting the reality in which this society lives, given this constant changes, the Municipalities are gaining more and more strength for the municipalization of public security, since currently, it is still a state and federal prerogative, however, bodies such as the Single Public Security System (SUSP) have emerged to integrate these security forces, seeking as a single scope, the reduction of crime, regardless of who be the competence, corroborating legal texts questioned in Direct Actions of Unconstitutionality, and still giving strength for institutions such as Municipal Civil Guards to be created more and more quantitatively and with less limitations in their actions, being able to exercise their power in a harmonious purpose administrative police, for the legal application of discretion, self and authority and coercibility in its operational functions and administrative acts..
Key words: Police; Safety; Public; Administrative; Guard.