As Legislações protetivas para as empresas aéreas na pandemia de Covid-19 e o impacto para o consumidor

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Resumo

A pandemia causada pelo novo coronavírus afetou o mundo inteiro. Mais especificamente no Brasil, houve fechamento do espaço aéreo a partir do final de março de 2020, atrapalhando viagens já agendadas. Assim, o governo federal editou uma medida provisória, convertida em lei pelo Congresso Nacional, que visa proteger as empresas aéreas durante o período em que não houve atividade, bem como pela diminuição do tráfego. Todavia, a legislação visa proteger basicamente as empresas e seu valor econômico, sem se preocupar com os consumidores. A partir disso, é necessário compreender como foi a promulgação de tal norma e quais proteções foram dadas para as empresas aéreas. Nesse sentido, é necessário ainda compreender como o direito do consumidor foi tratado nas normas promulgadas, analisando comparativamente com a situação anterior à pandemia, bem como as normas já postas no CDC e os princípios consumeristas.

1 INTRODUÇÃO

A pandemia causada pelo Coronavírus chegou sorrateira, sendo uma surpresa o modo como que se espalhava, para o mundo e para o Brasil, de modo que tomou contornos inimagináveis.

Diante dessa nova perspectiva, o mundo parou. No Brasil, o comércio fechou, as pessoas ficaram em casa, não houveram mais viagens de negócio ou lazer , o turismo cessou, o espaço aéreo foi fechado, doméstico e internacional, e o setor de aviação sentiu o impacto.

Trabalhando com altas margens, sobretudo com o dólar, o setor de aviação opera em crescimento há alguns anos, de modo que não estava preparado para uma queda abrupta da demanda, bem como da necessidade de remarcação, cancelamento ou devolução do dinheiro referente a passagens aéreas, sobretudo quando não era possível aferir quando seria seguro novamente viajar e manter contatos físicos.

Deste modo, o setor, que sempre agiu com certa liberdade quanto a políticas de cancelamento, reembolso e adiamento de passagens, conforme recomendações da ANAC, se viu em imbróglio que não poderia sustentar: o cancelamento de voos causados pelo SARS-CoV, que ensejou em uma alta demanda de reembolso e de tentativas de remarcações de voos já programados.

Diante de tal fato, o Governo Federal, na tentativa de estancar a sangria causada pela pandemia no setor, editou, junto ao Congresso Nacional, normas para a proteção das empresas aéreas, que dão mais liberdade para tratar das passagens aéreas referentes a esse período.

Assim, com essa tentativa de proteção dada às empresas, dando mais liberdade ainda para o setor, é de se questionar se o direito do consumidor está sendo observado dentro desses acordos que criaram as normas sancionadas na pandemia.

O trabalho visa esclarecer quem foi o maior beneficiário de tais legislações: se as empresas aéreas ou se consumidor, observando qual norma era utilizada antes da pandemia, como o setor foi afetado e, por fim, quem ganhou com as alterações legislativas desse período. O método utilizado foi de pesquisa bibliográfica, a partir de artigos, reportagens e análise de leis e normas do direito brasileiro, comparando as anteriores com as atuais.

2 Legislação consumerista aérea antes da pandemia

O setor aéreo sempre foi um setor complicado, muito por conta de seus altos custos e necessidade de garantir uma viagem segura para seus passageiros.

Diante de tal fato, a Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC sempre permitiu certa liberalidade entre as empresas e o consumidor para que resolvam os problemas acerca de cancelamento, reembolso e remarcação de viagem; de modo que cada empresa adote uma política própria.

Nesse sentido, a ANAC editou a Resolução n° 400, de 13 de dezembro de 2016, vigente até o momento, em que, entre outros, dita apenas regras gerais para os casos supracitados.

Se tratando de alteração do contrato por parte do passageiro, o usuário poderá cancelar sua passagem, sem nenhum ônus, quando o fizer no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento do comprovante, desde que não realizada em prazo igual ou superior a 7 (sete) dias em relação à data de embarque.

Fora desse prazo, poderá ser cobrado multas e taxas, a ser implementada pela empresa, sendo que as multas não poderão ultrapassar o valor dos serviços, mesmo que em promoção. Outrossim, as tarifas aeroportuárias e os valores devidos aos entes governamentais não integram a base de cálculo das multas.

Agora, se tratando de remarcação de passagem aérea, o passageiro deverá pagar ou receber, conforme o art. 10 da norma supracitada:

I - a variação da tarifa aeroportuária referente ao aeroporto em que ocorrerá o novo embarque, com base no valor que constar na tabela vigente na data em que a passagem aérea for remarcada; e

II - a diferença entre o valor dos serviços de transporte aéreo originalmente pago pelo passageiro e o valor ofertado no ato da remarcação. (BRASIL, 2016)

Se a alteração do contrato for realizada pela empresa, qualquer alteração, sobretudo aquelas que alteram o horário e itinerário que fora contratado, devem ser informadas aos passageiros com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas.

Além dessa informação prévia, a empresa deve oferecer alternativa de reacomodação para o passageiro ou reembolso integral do valor pago, devendo essa escolha ser do cliente quando a empresa informar a alteração em período inferior ao supracitado, ou quando a alteração do horário de partida ou chegada for superior a 30 (trinta) minutos nos voos domésticos e a 1 (uma) hora nos voos internacionais, em relação ao horário contratado.

Ademais, no caso de o passageiro comparecer ao aeroporto em decorrência de falha na prestação de comunicação da empresa para com o cliente, o transportador deve oferecer assistência material, bem como reacomodação, reembolso integral e execução do serviço por outra modalidade de transporte.

Outrossim, conforme a própria resolução:

Art. 21. O transportador deverá oferecer as alternativas de reacomodação, reembolso e execução do serviço por outra modalidade de transporte, devendo a escolha ser do passageiro, nos seguintes casos:

I - atraso de voo por mais de quatro horas em relação ao horário originalmente contratado;

II - cancelamento de voo ou interrupção do serviço;

III - preterição de passageiro; e

IV - perda de voo subsequente pelo passageiro, nos voos com conexão, inclusive nos casos de troca de aeroportos, quando a causa da perda for do transportador

Quanto ao reembolso, o prazo é de 7 (sete) dias, a contar da data da solicitação feita pelo passageiro, observando-se os meios de pagamento utilizados na compra da passagem aérea.

Se tratando de atraso ou cancelamento de voo, interrupção de serviço ou preterição de passageiro, o reembolso deverá ser restituído de forma integral quando solicitado no aeroporto de origem, de escala ou conexão, assegurado, nos dois últimos casos, o retorno ao aeroporto de origem; ou proporcional ao trecho não utilizado, se o deslocamento já realizado aproveitar ao passageiro.

Esse reembolso pode ser feito em créditos para aquisição de passagem aérea, caso o passageiro concorde, sendo o prazo para utilização determinado pela empresa.

No caso de preterição, a própria norma dita os valores, sendo 250 (duzentos e cinquenta) DES, no caso de voo doméstico; e 500 (quinhentos) DES, no caso de voo internacional.

Percebe-se então que a norma referente ao descumprimento de contratos, nesses casos, é bem vaga, deixando todas as especificidades a cargo das empresas aéreas, cada qual com suas normativas internas e não uniformizadas, o que atrapalha ainda mais a vida do consumidor.

3 O impacto da pandemia no setor de aviação

A pandemia causada pelo novo coronavírus, que causa a doença COVID-19, pegou de surpresa o Brasil, parando todo o país. Oficialmente, a pandemia foi reconhecida em 18 de março de 2020, conforme o Decreto Legislativo n° 6/2020, de 20 de março do mesmo ano.

Entre os setores afetados pela pandemia, um sofreu de forma especial: o setor da aviação. Com as pessoas com medo, grande taxa de transmissão comunitária e cidades fechadas, as viagens, a trabalho ou lazer, foram colocadas em segundo plano, de modo que passagens aéreas já adquiridas tiveram que ter seu destino alterado pela nova situação em que vivia o mundo.

A partir dessa diminuição de demanda, mesmo pelo fechamento do espaço aéreo nacional e internacional, o setor aéreo sentiu o grande impacto, de acordo com Flapper (2020), com base em informações da Infraero, em março de 2020 houve uma queda maciça de 82% no número de voos para o Brasil, enquanto o setor doméstico sofreu uma redução de 52,7%, o que comprova o efeito da pandemia no setor.

Como o mercado aéreo vinha em alta, esperava-se 224,9 milhões de viajantes no ano de 2020, mas a pandemia mudou os planos de muita gente. Estima-se que, desde abril de 2020, o número de operações de voo foi reduzido em 91,6%, alguns outros dados apontam um ponto percentual acima.

No pior momento, de acordo com dados da ANAC, compilados pela Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG), houve 4,5 mil decolagens de voos domésticos no Brasil, enquanto no final do ano foram 43,4 mil, muito inferior aos números de 2019.

Certo é que houve uma diminuição massiva da oferta e demanda de voos, de um setor que movimenta bilhões de reais e emprega milhares de pessoas, direta e indiretamente.

Tal diminuição causou impactos para essas empresas, sobretudo financeiros, uma vez que muitas das passagens, conforme descrito acima a partir da expectativa, já haviam sido compradas.

Com a mudança das condições das famílias, pelo colapso econômico, pelas mortes, e pelo sistema implementado de distanciamento social, bem como o fechamento das cidades e a diminuição do turismo, as empresas deixaram de receber o que previam, bem como tiveram que repensar como tratariam as passagens já adquiridas.

Nesse sentido, o Governo Federal editou uma série de normas, que serão tratadas a seguir, para tentar minimizar os impactos às empresas aéreas e garantir ao consumidor o cumprimento da obrigação contratada.

4. Alterações legislativas durante a pandemia

Com a decretação de várias medidas restritivas para a contenção do vírus da Covid-19, muitos setores da economia mundial foram afetados direta ou indiretamente. O setor aéreo foi um dos principais afetados diretamente pela pandemia, haja vista as medidas restritivas como o fechamento de comércios, cancelamento de eventos em geral e principalmente pelas restrições impostas aos viajantes pelas diversas localidades, com o fim de inibir ou restringir a contaminação do vírus.

Dessa forma, o setor aéreo sofreu grande prejuízo de viagens canceladas ou desmarcadas, gerando maior relevância para o Direito, já que também se tratava dos consumidores que se tornaram evidentemente mais vulneráveis ao terem seus voos cancelados e necessitarem de uma mudança de planos que geraria gastos não planejados.

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Devido a toda essa situação de prejuízos gerados às empresas e aos consumidores, surgiram cada vez mais demandas judiciais exigindo o posicionamento dos órgãos públicos a respeito de como se procederia na situação de cancelamentos, taxas e remarcação de voos.

Não podendo o Estado se omitir de atuar nas crescentes demandas judiciais, já que os prejuízos também eram inevitavelmente crescentes, o Ministério Público Federal elaborou a Recomendação 003/2020 direcionada à Agência Nacional de Aviação Civil, com as seguintes diretrizes:

a) Que procedam, SEM ÔNUS PARA O CONSUMIDOR, ao cancelamento das passagens aéreas nacionais ou internacionais adquiridas até a data de 09.03.2020, tendo como origem os aeroportos do Brasil, assegurando seu reagendamento (remarcação), a critério do consumidor, para utilização no prazo de até 12 meses a contar da data do efetivo cancelamento.

b) Que as providências previstas na alínea a sejam aplicadas nos casos de passagens adquiridas com destinos àqueles locais amplamente reconhecidos como atingidos pelo NOVO CORONAVÍRUS.

c) Que, seja, também, determinada a devolução dos valores eventualmente cobrados a título de multas ou taxas, a todos os consumidores no estado brasileiro que já solicitaram o cancelamento de suas passagens pelas razões supramencionadas e por isso foram penalizados.

Dessa forma, o Ministério Público Federal estabeleceu o prazo de 05 (cinco) dias, a contar do recebimento do instrumento, para que a Agência Nacional de Aviação Civil informasse as medidas adotadas para o cumprimento do disposto na Recomendação, ou as razões para o seu não acatamento.

4.1 Medida Provisória 925/2020

A partir dessa recomendação, o governo editou a Medida Provisória (MP) 925/2020, como forma de regulamentar os cancelamentos e alterações de voos no período da pandemia, além de auxiliar o setor da aviação civil e minimizar os prejuízos dos consumidores.

A Medida Provisória dispunha em seus quatro artigos:

Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da covid-19.

Art. 2º Nos contratos de concessão de aeroportos firmados pelo Governo federal, as contribuições fixas e as variáveis com vencimento no ano de 2020 poderão ser pagas até o dia 18 de dezembro de 2020.

Art. 3º O prazo para o reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas será de doze meses, observadas as regras do serviço contratado e mantida a assistência material, nos termos da regulamentação vigente.

§1º Os consumidores ficarão isentos das penalidades contratuais, por meio da aceitação de crédito para utilização no prazo de doze meses, contado da data do voo contratado.

§2º O disposto neste artigo aplica-se aos contratos de transporte aéreo firmados até 31 de dezembro de 2020.

Art. 4º Esta Medida Provisória entra em vigor na da data de sua publicação. (BRASIL, 2020).

Percebe-se que a Medida Provisória promoveu a proteção das empresas do setor aéreo atingidas pelas restrições da pandemia ao dispor sobre o prazo de doze meses para o reembolso da compra de passagem, garantindo assim tempo hábil para organizar as contas da empresa. Houve também a preocupação com o consumidor ao prescrever que este poderá optar pelo reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas ou aceitar créditos da empresa para a utilização em outras compras, ficando assim, isentos das penalidades contratuais.

4.2 Conversão da MP 925/20 na Lei 14.034/2020

Posteriormente a Medida Provisória 925/20 foi ampliada na Câmara dos Deputados e convertida no Projeto de Lei de Conversão (PLV) 23/2020, posteriormente foi aprovado e publicado na forma da Lei n. 14.034 em 05 de agosto de 2020.

Assim, a Lei n. 14.034/2020 passou a dispor sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid-19, buscando apresentar soluções tanto para o cancelamento feito pelo consumidor como também o feito pela companhia aérea.

Baseado no artigo 3º da Medida Provisória 925/20 ao se tratar sobre os reembolsos dos valores pagos pelas passagens, a Lei n. 14.034/20 traz um incremento para a solução do caso de reembolso em sua redação original:

Art. 3º O reembolso do valor da passagem aérea devido ao consumidor por cancelamento de voo no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020 será realizado pelo transportador no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, observadas a atualização monetária calculada com base no INPC e, quando cabível, a prestação de assistência material, nos termos da regulamentação vigente (BRASIL, 2020)

Importante salientar que, em 2021, entrou em vigor a Lei n. 14.174 que prorroga o prazo de vigência de medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid-19. Agora o período compreendido para reembolso de voos entre 19 de março de 2020 até 31 de dezembro de 2021.

Percebe-se que houve uma atualização ao dizer que o reembolso pago ao consumidor deve ser calculado de acordo com a correção monetária calculada com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), conferindo aos consumidores mais um benefício.

O reembolso normalmente é feito em dinheiro em espécie mediante depósito na conta do consumidor, porém nos casos de compras realizadas por cartão de crédito, deverá ser observado o §8º do artigo 3º desta lei, o qual determina que o transportador, mediante solicitação do consumidor deve adotar as providências necessárias perante a instituição emissora do cartão de crédito para a imediata interrupção da cobrança de eventuais parcelas que ainda não tenham sido debitadas, sem prejuízo da restituição dos valores já pagos.

Quanto a outra opção proposta pela Medida Provisória e agora aperfeiçoada pela Lei n. 14.034/20 diz respeito ao oferecimento de créditos pelas empresas aéreas aos consumidores correspondentes ao valor da passagem cancelada, presente no §1º do artigo 3º:

§1º Em substituição ao reembolso na forma prevista no caput deste artigo, poderá ser concedida ao consumidor a opção de receber crédito de valor maior ou igual ao da passagem aérea, a ser utilizado, em nome próprio ou de terceiro, para a aquisição de produtos ou serviços oferecidos pelo transportador, em até 18 (dezoito) meses, contados de seu recebimento. (BRASIL, 2020)

A Medida Provisória 925/20 dispunha sobre a possibilidade do crédito do mesmo valor pago nas passagens ao cliente da companhia aérea, somente assim estaria isento das penalidades contratuais. Além disso, teria o prazo de 12 meses, contados da data do voo para a utilização.

A principal mudança em relação a Medida Provisória é que agora fica facultado ao consumidor a opção de receber um crédito, podendo ser de valor maior ou igual ao da passagem aérea, mas que também poderá ser utilizado por terceiros para a compra de quaisquer serviços prestados pela companhia aérea. Além dessa mudança, houve a dilatação no prazo de utilização dos créditos, passando de 12 meses para 18 meses, a partir de seu recebimento, que conforme o §4º deve ser concedido no prazo máximo de 7 dias, contados da solicitação feita pelo passageiro.

A Lei 14.034/20 ainda trouxe em sua redação a oportunidade de reacomodação do cliente em outro voo e da remarcação imediata da passagem, conforme o §2º do artigo 3º:

Se houver cancelamento de voo, o transportador deve oferecer ao consumidor, sempre que possível, como alternativa ao reembolso, as opções de reacomodação em outro voo, próprio ou de terceiro, e de remarcação da passagem aérea, sem ônus, mantidas as condições aplicáveis ao serviço contratado (BRASIL, 2020)

Tal opção não se encontrava presente na Medida Provisória e apresenta como uma opção para atender às necessidades dos clientes para que não tenham prejuízos com a alteração dos seus planos iniciais. Para isso, a companhia aérea poderá reacomodar o voo de seus consumidores nos seus próprios embarques ou de outra companhia.

Tratando-se de desistência do voo por parte do consumidor, a legislação trouxe o §3º do artigo 3º, que para melhor explanação será dividido em duas partes, uma tratando do reembolso dos valores pagos pelas passagens e a outra no caso da aceitação do crédito no valor pago.

Prescreve a primeira parte, já com a nova redação dada pela Lei n. 14.174/21:

O consumidor que desistir de voo com data de início no período entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2021 poderá optar por receber reembolso, na forma e no prazo previstos no caput deste artigo, sujeito ao pagamento de eventuais penalidades contratuais [...] (BRASIL, 2021)

Observa-se que a regra do reembolso pela companhia aérea, no prazo de 12 meses, contados da data do voo cancelado, para efetuação do pagamento e com a correção monetária baseada no INPC é igual aos casos de quando é dado o cancelamento pela companhia aérea. Importante notar que no caso do reembolso há o pagamento das penalidades contratuais, pois a depender da tarifa paga, o contrato com a companhia aérea prevê cobranças de multas e taxas para o caso do consumidor que desistir ou remarcar voos.

Já a segunda parte do §3º dispõe que:

O consumidor que desistir de voo com data de início no período entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2021 [...] por obter crédito, perante o transportador, de valor correspondente ao da passagem aérea, sem incidência de quaisquer penalidades contratuais, o qual poderá ser utilizado na forma do § 1º deste artigo. (BRASIL, 2021)

Na segunda opção o consumidor se isenta da cobrança de penalidades contratuais, já que a companhia aérea não devolverá o preço pago pela passagem, mas sim, disponibilizará créditos correspondentes para serem utilizados em seus serviços como uma forma de incentivar o consumidor a não retirar o dinheiro que havia pagado do setor de aviação civil, apenas postergando a viagem.

A exceção do §3º se encontra no §6º em que prescreve que acontecerá quando o consumidor desistir da passagem aérea adquirida com antecedência igual ou superior a 7 dias, caso em que aplicará o disposto nas regras gerais:

O disposto no § 3º deste artigo não se aplica ao consumidor que desistir da passagem aérea adquirida com antecedência igual ou superior a 7 (sete) dias em relação à data de embarque, desde que o faça no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, contado do recebimento do comprovante de aquisição do bilhete de passagem, caso em que prevalecerá o disposto nas condições gerais aplicáveis ao transporte aéreo regular de passageiros, doméstico e internacional, estabelecidas em ato normativo da autoridade de aviação civil. (BRASIL, 2020)

5 Proteção do setor aéreo ou do consumidor?

5.1 Visão do consumidor

O CDC define o consumidor em seu art. 2º, caput e em seu parágrafo único ao dizer que: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (BRASIL,1990). Também se equiparando ao consumidor toda a coletividade de pessoas, por mais que sejam indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Diversos princípios regem a relação consumerista, destaca-se dois princípios essenciais para o equilíbrio dessa relação: Princípio da vulnerabilidade e o princípio da proteção do consumidor pelo Estado.

O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor se dá pelo inciso I do artigo 4º do CDC: reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (BRASIL, 1990). Tal constatação do consumidor como parte fraca da relação jurídica de consumo se dá de forma concreta, podendo decorrer de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de caráter econômico.

O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo o conhecimento pode ser monopólio do fornecedor, já que este que escolhe o que, quando e de que maneira será produzido ou efetuado o serviço, ficando o consumidor à mercê.

O aspecto econômico diz respeito à maior capacidade financeira, que, por via de regra, o fornecedor possui em relação ao consumidor.

Já o princípio da proteção do consumidor pelo Estado está ligado umbilicalmente ao princípio da vulnerabilidade do consumidor, pois é em vista de tal posição desfavorável que o Estado deve fornecer meios para que seja feita de forma efetiva a proteção do consumidor, seja por meio do acesso à justiça com a assistência judiciária, ou através das normas jurídicas que equilibrem os lados da balança na relação consumidor fornecedor. Já que o consumidor não dispõe de controle sobre os bens de produção e em consequência disto submete-se ao poder de quem os possui.

O princípio da defesa do consumidor pelo Estado possui fundamento nas disposições constitucionais como direitos fundamentais (art. 5º XXXII da CRFB/88) e como princípio fundamental da ordem econômica (art. 170, V da CRFB/88).

5.1.1 Aspectos benéficos para o consumidor

Analisando as legislações pertinentes ao setor aéreo brasileiro na época da pandemia do Covid-19, podemos destacar algumas novidades que, de certa forma, beneficiaram os consumidores que compraram as suas passagens aéreas e que por motivos das restrições decorrentes da pandemia, não conseguiram realizar o seu voo.

Baseando-se na atual Lei n.14.034/20 com suas alterações em 2021 trazidas pela Lei n. 14.174/21, destaca-se a possibilidade do artigo 3º do reembolso do valor pago pela passagem de voo no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2021.

Dessa forma, o consumidor reaverá o dinheiro pago à empresa aérea no prazo de 12 meses contados da data do voo cancelado, com as devidas correções monetárias calculadas com base no INPC.

Poderá também, optar pelo recebimento de créditos na empresa aérea de valor igual ou superior ao pago pela passagem para a utilização em produtos ou serviços da empresa, no prazo de 18 meses. Ressalta-se que os créditos poderão ser utilizados pelo próprio consumidor ou por terceiros a escolha desse, além disso, o consumidor se isenta do pagamento de eventuais penalidades contratuais.

Por fim, o consumidor também possui a opção prevista pelo §2º do artigo 3º da Lei n. 14.034/20 que diz respeito a reacomodação em outro voo, sempre que possível, seja esse voo da própria empresa aérea ou de empresa concorrente, sem nenhum ônus ao consumidor. Dessa forma, o consumidor que possui a necessidade de viajar para determinada localidade não sofrerá com prejuízos financeiros de ter que, por exemplo, procurar uma outra alternativa de transporte para efetuar a viagem.

5.2 Visão do setor aéreo

Apesar das legislações elaboradas para disporem sobre as medidas emergenciais no setor da aviação não possuírem precedentes parecidos, houveram muitas críticas sobre a inovação legislativa por não defenderem diretamente o consumidor.

5.2.1 Transferência do ônus do descumprimento contratual

Com a elaboração da Medida Provisória 925/20, visando diminuir os impactos financeiros decorrentes da queda brusca na demanda por serviços do setor aéreo provocada pela pandemia, houve a transferência do ônus do descumprimento contratual por parte das empresas aéreas para o consumidor.

Por mais que a legislação passe a ideia de isenção de penalidades ao consumidor, de acordo com Nasato (2020), a Medida Provisória 925/20 traz uma falsa proteção, pois houve a inversão dos princípios presentes no CDC. Dessa forma a autora discorre:

Como se vê, com a referida medida provisória, ainda que o consumidor tenha adimplido integralmente sua parte na relação contratual, com o pagamento do valor contratado e o cancelamento da passagem seja por parte do transportador, o consumidor que adquiriu uma tarifa promocional, por exemplo, não terá mais o direito de opção ao reembolso integral do valor pago. Ou seja, a companhia área está descumprindo a sua parte do contrato e, caso o consumidor opte pelo reembolso, este último terá que arcar com as penalidades contratuais, ainda que não tenha dado causa à interrupção do pactuado. (NASATO, 2020)

Sendo opção para o consumidor não sofrer com as penalidades contratuais a aceitação do crédito para ser gasto com serviços e produtos dessa empresa, gerando assim um outro ponto favorável para o setor aéreo.

5.2.2 Financiamento indireto do setor aéreo

O texto da Lei n. 14.078/20 demonstra a preocupação do Estado em amenizar os prejuízos das companhias aéreas, impondo uma absorção, ainda que parcial, ao consumidor.

Aos que optam pelo reembolso, é dado à empresa aérea o prazo de 12 meses para o reembolso do valor gasto pelo consumidor. Dessa forma, torna-se o consumidor uma espécie de financiador compulsivo do setor aéreo, já que terá que aguardar o prazo de até 12 meses para reaver seus valores gastos com a passagem.

Nesse tempo hábil para a empresa reembolsar os consumidores, poderão utilizar dos recursos para solucionar outros problemas.

5.2.3 Mudanças para além dos prejuízos da pandemia

Podemos falar sobre a alteração da interpretação do caso fortuito ou força maior para o contexto específico do setor aéreo, no caso de responsabilização por atraso.

Antes da nova redação, as condições meteorológicas não eram consideradas caso fortuito ou força maior pela legislação, de modo que a empresa respondia diretamente por esses atrasos.

Na nova redação dos §§3° e 4°, do art. 256, do Código Brasileiro de Aeronáutica:

Art. 256. O transportador responde pelo dano decorrente:

[...]

II - de atraso do transporte aéreo contratado.

[...]

§ 3º  Constitui caso fortuito ou força maior, para fins do inciso II do § 1º deste artigo, a ocorrência de 1 (um) ou mais dos seguintes eventos, desde que supervenientes, imprevisíveis e inevitáveis:     (Incluído pela Lei nº 14.034, de 2020).  

I - restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de condições meteorológicas adversas impostas por órgão do sistema de controle do espaço aéreo;     (Incluído pela Lei nº 14.034, de 2020).

II - restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de indisponibilidade da infraestrutura aeroportuária;       (Incluído pela Lei nº 14.034, de 2020).

III - restrições ao voo, ao pouso ou à decolagem decorrentes de determinações da autoridade de aviação civil ou de qualquer outra autoridade ou órgão da Administração Pública, que será responsabilizada;   (Incluído pela Lei nº 14.034, de 2020).

IV - decretação de pandemia ou publicação de atos de Governo que dela decorram, com vistas a impedir ou a restringir o transporte aéreo ou as atividades aeroportuárias.     (Incluído pela Lei nº 14.034, de 2020). 

§ 4º A previsão constante do inciso II do § 1º deste artigo não desobriga o transportador de oferecer assistência material ao passageiro, bem como de oferecer as alternativas de reembolso do valor pago pela passagem e por eventuais serviços acessórios ao contrato de transporte, de reacomodação ou de reexecução do serviço por outra modalidade de transporte, inclusive nas hipóteses de atraso e de interrupção do voo por período superior a 4 (quatro) horas de que tratam os arts. 230 e 231 desta Lei.       (Incluído pela Lei nº 14.034, de 2020).

Nesse caso, de acordo com Pinho e Antunes Filho (2021):

se o avião não conseguir pousar em virtude de condições meteorológicas adversas a companhia aérea não é obrigada, em princípio, a indenizar os passageiros mesmo que isso gere danos. Assim, a as hipóteses incluídas podem apresentar uma proteção às empresas aéreas e não ao consumidor.

Trata-se, portanto, do aproveitamento de um momento delicado da história nacional, que merece uma atenção especial, para que sejam realizadas alterações substanciais, mitigando direitos do consumidor, sem que sejam percebidos pela população, em uma artimanha legislativa para beneficiar as empresas aéreas.

6. Conclusão

Diante o exposto, é possível perceber que as empresas aéreas sempre tiveram liberdades ao tratar de suas passagens, com políticas próprias de reembolso, cancelamento e remarcação de passagem.

Com a pandemia, que afetou consideravelmente as atividades do setor aéreo, gerou-se um problema quanto as passagens já compradas e pagas, uma vez que o consumidor cumpriu com sua parte contratual, estando as empresas impossibilitadas de adimplir com sua obrigação, visto que o espaço aéreo se encontrava fechado.

A partir disso, o Governo Federal editou a Medida Provisória n° 925/2020, que foi convertida na Lei n° 14.034/2020, prorrogada até o dia 31 de dezembro de 2021 pela Lei n° 14.174/2021, que prevê políticas de reembolso e troca dessas passagens.

Em uma primeira análise, as legislações parecem proteger o consumidor, visto que preveem tanto o reembolso, quanto a possibilidade de pontos, que poderão ser trocados por outra passagem.

Acontece que todas essas medidas visão proteger, precipuamente, as empresas, uma vez que não teriam dinheiro para o ressarcimento de todas as passagens já pagas, de modo que dá um prazo de 12 meses para o reembolso.

Tal medida colabora com a escolha dos pontos, que poderão ser utilizados em até 18 meses, inclusive com transferência de titularidade, de modo que as empresas não tenham mais prejuízos do que os que sofrera no pior momento da crise sanitária.

Ademais, na esteira da aprovação de situação urgente, as empresas aéreas conseguiram ainda vitórias legislativas que retroagem direitos do consumidor consagrados anteriormente, como a alteração no art. 256 no Código Brasileiro de Aviação.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AVIAÇÃO GERAL (ABAG). Como a pandemia do coronavírus afetou a aviação no Brasil em 2020. 31 de mar. de 2021. São Paulo/SP. Disponível em: https://www.abag.org.br/2021/03/31/como-a-pandemia-do-coronavirus-afetou-a-aviacao-no-brasil-em-2020/

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PINHO, Wagner Leandro Pereira; ANTUNES FILHO, Faustino Rodrigues. Considerações sobre direito do consumidor e aviação civil durante a pandemia de COVIS-19. Jun. 2021. Jus. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91299/consideracoes-sobre-direito-do-consumidor-e-aviacao-civil-durante-a-pandemia-de-covid-19.

Sobre os autores
Samuel Silva Furtado Rezende

Discente de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros

Lucas Oliveira Andrade

Discente de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.m

Informações sobre o texto

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