Construí no terreno do meu pai e ele faleceu. E agora? Como fica a casa que levantei no terreno?

25/11/2021 às 09:48
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SE CONSELHO FOSSE BOM não se dava, se vendia. Não por outra razão o melhor aconselhamento (jurídico, pelo menos) deve ser a recomendação de uma consulta a um profissional especializado - especialmente em questões complexas e importantes como aquelas que tratam de IMÓVEIS - porém ANTES de efetivamente adotar qualquer conduta como construir em terreno alheio...

A hipótese é mais comum do que se imagina: o filho edifica no terreno dos pais e lá vai residir (muitas vezes formando uma nova família), até que um belo dia seus genitores falecem e instaurado está, com a abertura da sucessão, o CONFLITO com os problemas em família para a divisão do patrimônio deixado pelo defunto...

A construção em terreno alheio tem regras claras no Código Civil de 2002, em seu artigo 1.255:

"Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou EDIFICA EM TERRENO ALHEIO perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de BOA-FÉ, terá direito a indenização.

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da INDENIZAÇÃO fixada judicialmente, se não houver acordo".

O parágrafo único mencionado traz ao CCB a "Acessão Inversa", importante instituto que vai ajudar a resolver muitos casos ainda mais embaraçados envolvendo a construção em terreno alheio. A brilhante doutrina de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD (Direitos Reais. 2016) elucida:

"Em verdadeira mitigação ao milenar princípio da acessão, o parágrafo único do art. 1.255 acerretou interessante inovação, capaz de derrogar o princípio geral de que o solo invariavelmente é o bem principal em relação a tudo aquilo que nele se assenta. Trata-se do modelo jurídico da ACESSÃO INVERSA, lastreada no princípio da FUNÇÃO SOCIAL, que, aliás, já fazia parte do anteprojeto do Código Civil de Orlando Gomes (art. 422). (...) Assim, se o proprietário do terreno invadido não se opuser rapidamente à ocupação, ao final será apenas indenizado pelo possuidor de boa-fé, pelo valor do terreno invadido, consoante valor fixado pelo juiz, caso não haja acordo".

É importante destacar, portanto, conforme as regras acima, que efetivamente a ACESSÃO ARTIFICIAL (que, oportuno recordar, não são BENFEITORIAS, como muita gente ainda confunde), via de regra, aderirá ao solo/terreno, de modo que eventual indenização, se couber, poderá ser pleitada pelos construtores em ação própria e não deve mesmo prejudicar o INVENTÁRIO e muito menos a PARTILHA. Cabe aqui desde já também recordar que HÁ PRAZO PRESCRICIONAL para reclamar a indenização e que o marco inicial é a abertura da sucessão (vide TJPR, AC 1401241-4. J. em: 04/05/2016).

POR FIM, é da lavra do Excelentíssimo Desembargador FRANCISCO LOUREIRO do TJSP o brilhante acórdão que manteve a improcedência em caso onde buscava-se a anulação de INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL discutindo-se edificação levantada sobre o terreno do falecido genitor dos recorrentes:

"INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. Partilha de imóvel consistente de terreno e do prédio nele construído. Autores que alegam terem construído no terreno outro prédio, atualmente ocupado pelos réus. Pedido de anulação fundado na alegação de que a anuência dos autores pressupunha a manutenção da propriedade sobre a ACESSÃO por eles construída no terreno comum. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. Manutenção. Prédio construído pelos autores que não consta do registro do imóvel. Eventual erro dos autores não afasta a VALIDADE DA PARTILHA REALIZADA EXTRAJUDICIALMENTE, pois não é essencial. Acessão que adere ao solo, de propriedade do coautor e dos co-herdeiro e viúvo meeiro corréus, cabendo aos autores INDENIZAÇÃO pelo valor da construção. Eventual situação de ACESSÃO INVERSA que também não invalida a partilha, que se limita a regularizar a situação dominial do imóvel. Pretensão indenizatória, ou exercício de direito potestativo de acessão inversa dos autores deve ser manifestada em AÇÃO PRÓPRIA. Sentença de improcedência mantida. Recurso improvido". (TJSP. 1057307-90.2017.8.26.0100. J. em: 18/05/2020)

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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